O LIVRO DA VIDA, EDIÇÃO INTEGRAL - Genoma
É uma revolução: a ciência quer decifrar o genoma - a enciclopédia que registra em código toda hereditariedade do homem. Serão quinze anos de trabalho e uma conta de 3 bilhões de dólares. O alvo são mais de 3 mil doenças genéticas.
No começo, a idéia tinha um tom quixotesco. Uma turma de cinqüenta biólogos, reunidos em março de 1986 no Laboratório Nacional de Los Alamos, famoso por ter sido palco do desenvolvimento da bomba A americana, discutiam uma empreitada fora do comum, tanto que um dos presentes a comparou à saga dos cavaleiros da Távola Redonda em busca do cálice de Cristo. "Decifrar o genoma humano vai ser o Santo Graal da Genética" ousou, entusiasmado o biólogo norte-americano Walter Gilbert, prêmio Nobel de Química de 1980, para uma platéia entre cética e espantada. Para começar, mesmo os geneticistas evitavam usar a palavra genoma, pois designa algo amplo demais - o patrimônio completo da herança genética de um ser vivo.
Mas, ao fim da reunião de Los Alamos, não só a palavra acabava de ser entronizada, como a proposta de Gilbert tinha seduzido seus colegas. Nascia, em suma, um dos mais audaciosos projetos de investigação científica já imaginados pelo homem - desvendar, um a um, todos os segredos da hereditariedade e do código genético humano. Três meses depois, em outra reunião, Gilbert rabiscou no quadro-negro a cifra que daria ao projeto uma dimensão histórica: 3 bilhões de dólares, a serem gastos ao longo de quinze anos. A partir de então, a idéia passou a conquistar adeptos entre cientistas e leigos, todos de olho no fruto dourado que ela promete - revolucionar a Medicina, descobrindo a origem e talvez a cura das mais de 3 mil doenças hereditárias que afligem a humanidade.
Numa escalada sem precedentes na história da ciência, pouco menos de dois anos depois de lançado, o Projeto Genoma entrou na reta final para obter o apoio financeiro do governo dos Estados Unidos. E, em fevereiro último, foi oficialmente apoiado pela Associação Americana para o Progresso da Ciência (equivalente à SBPC brasileira). Trata-se de um avanço portentoso para um ramo do conhecimento com apenas um século de existência. De fato, faz pouco mais de cem anos que o abade austríaco Gregor Mendel (1822-1884) lançou as bases da Genética. Foi somente em 1944 que se descobriu o lugar onde se escondia, nas células, a molécula portadora das regras da hereditariedade.
Mais recentemente ainda, em 1953, os americanos James Watson e Francis Crick descobriram enfim a estrutura dessa prodigiosa molécula que faz passar, de geração em geração, todos os segredos da vida. Batizada de DNA, ácido desoxirribonucléico, ela comanda tudo: faz uma única célula de um embrião transformar-se nos 40 trilhões de células de um humano adulto e cumpre centenas de milhares de outras tarefas como determinar cada característica de um ser vivo. Ostenta a condição de mais longa molécula do corpo humano: completamente desenrolada alcança quase 1,80 m. Mas, aninhada no núcleo de uma célula, é discreta: ocupa o modestíssimo espaço de 6 milionésimos de metro.
Chamar o genoma de livro da vida, como fazem os cientistas, é mais que uma analogia. De fato, interpretar o que contém a molécula de DNA é um trabalho semelhante ao de organizar uma enciclopédia com todos os seus volumes, capítulos, verbetes (com as respectivas sentenças, palavras e sinais de pontuação). Os 23 pares de cromossomos armazenados no núcleo das células representariam os volumes da coleção, com os membros de um par trazendo informações mais ou menos correlatas. O par XX ou XY, por exemplo, tem a ver com a determinação do sexo. Se os cromossomos são os volumes, os capítulos em que se dividem são os genes - aproximadamente 100 mil ao todo, carregando as receitas para a fabricação das proteínas necessárias a coisas tão variadas como a nutrição das células ou a constituição dos músculos ou ainda as defesas contra as infecções.
O alfabeto que a natureza usa para escrever essas mensagens químicas é de uma simplicidade espantosa. Tem apenas quatro letras, chamadas bases, que andam sempre aos pares e têm os nomes de adenina (A), tinida (T), citosina (C) e guanina (G). A base A só faz par com a T, assim como C com G. Também o modo de escrever nessa curiosa língua é peculiar: na verdade, o livro inteiro da vida tem apenas uma única e compridíssima linha que lembra uma dupla espiral ou uma escada retorcida. Cada degrau é formado por um par de bases. Uma seqüência de três degraus forma uma palavra - o tripleto, na linguagem dos cientistas. Todas as palavras tem o mesmo tamanho. O vocabulário que essas palavras formam também é restrito - apenas 20 significados, cada qual correspondendo a um aminoácido, as substâncias básicas da vida que chegam às células via alimentos.
Os aminoácidos se juntam numa seqüência vigorosamente determinada pelos genes e assim constituem as proteínas que, por sua vez, constróem os tecidos, músculos, nervos, ossos - enfim, todo o organismo e todas as substâncias de que ele necessita. Ora, como 4 letras combinadas 3 a 3 produzem 64 possíveis resultados e como apenas 20 dessas palavras bastam para codificar aminoácidos, o que acontece com os 44 restantes?
A ciência ainda não tem uma resposta absolutamente segura para isso. Mas. ao que tudo indica. muitas dessas são apenas sinônimos, ou seja, codificam o mesmo aminoácido. Outras não codificam coisa alguma - aparentemente funcionam como uma espécie de ponto final. Quando aparecem, é sinal de que o gene já acabou de fornecer a seqüência completa de uma proteína, liderando a maquinaria celular para outras atividades. Como se não bastasse toda essa semelhança, algumas combinações de palavras genéticas agem como advérbios, regulando a intensidade da ação de outros genes. Em todo caso a gramática do livro da vida só poderá ser plenamente entendida quando todas as seqüências dos pares de bases formados pelas substâncias A, T, C e G - que constituem o genoma - forem identificadas e postas na ordem certa.
Compreende-se o custo e a duração do Projeto Genoma: o número de bases a seqüenciar é da ordem de 3 bilhões. Para se ter idéia da enormidade da tarefa, a mais comum e mais estudada das bactérias, a Escherichia coli, que habita o intestino humano, com menos de 2 mil genes, até hoje não teve seu DNA completamente decifrado. No caso da espécie humana, só se conseguiu por enquanto seqüenciar, isto é, saber letra por letra, apenas 1 por cento dos genes. O Projeto Genoma parte da premissa de que será possível completar esse seqüenciamento em quinze anos, usando máquinas automáticas. Numa segunda fase deverão entrar em cena sistemas avançados de computação para interpretar os resultados do seqüenciamento.
Isso porque dos aproximadamente 3 bilhões de bases do genoma apenas 5 por cento parecem comprometidos com a síntese de proteína. Os 95 por cento restantes, segundo os cientistas, formam uma espécie de genes obsoletos ou são simplesmente mensagens sem sentido - algo como ruídos de estática numa transmissão de rádio. Para ajudar a resolver esse problema, até a CIA, o serviço de espionagem americano, deu sua contribuição. Modelos de uma futuro máquina de seqüenciamento vão usar um chip projetado originalmente para separar automaticamente informações valiosos nos milhares de hora de sinais de rádio soviéticos gravado pela CIA. Esse chip supersecreto vai garimpar no genoma os 5 por cento de palavras que interessam de fato aos cientistas.
O certo é que a ciência e talvez o mundo não serão mais os mesmos depois do seqüenciamento completo do genoma. Desde já, aliás, tem-se uma formidável amostra do que poderá ser esse futuro nas proezas da engenharia genética, a manipulação de genes para a produção de substâncias como a insulina, ou para defender plantações de pragas ou ainda - a grande meta - para cortar pela raiz o mal das doenças hereditárias. Nessa área, as técnicas e instrumentos são tão fora do convencional como o chip da CIA. Para começar, quando um pesquisador fala num banco ou livraria de genes não está se referindo a algo impresso.
Aqui, as bibliotecas são coisas vivas. Tome-se, por exemplo, colônias de Charon - 21, um vírus que não transmite doenças. De posse delas, o geneticista recorre à engenharia genética cara abrigar dentro do seu código genético trechos do código humano. Ou seja, abre o DNA do vírus e nele emenda um pedaço do DNA humano. Resultado: o vírus passa a produzir as mesmas substâncias que tais genes fariam produzir numa célula humana. A ferramenta básica nesse trabalho, como à tesoura para o alfaiate, são as enzimas de restrição, as famosas laminas químicas que cortam o microscópico DNA em pontos exatos que não poderiam ser alcançados nem pelo mais fino bisturi.
As enzimas foram descobertas quase por acaso. Os cientistas notaram que certas bactérias conseguiam safar-se de infecções liderando série de elementos que matavam imediatamente o vírus. Ao fazer a autópsia desses vírus, descobriram que seus DNAs estavam completamente picotados.
Atualmente, já foram identificadas perto de cem dessas enzimas, cada uma cortando o DNA num lagar certo. Outra ferramenta indispensável são as sondas, fragmentos de DNA correspondentes a um trecho de um cromossomo, que podem ser inseridos em vírus de Charon - 21. O cientista não sabe que material genético humano os vírus têm armazenado em seus DNAs. Supõe-se, por hipótese, que esse material venha do cromossomo Y, que define, entre outras coisas o sexo masculino.
Nesse cromossomo, porém, estão muitas seqüências silenciosas. O trabalho do geneticista, então, é localizar o gene que interessa dentro do cromossomo e descobrir para que ele serve. Pois - e isso é importante - , mesmo quando ficar pronto o seqüenciamento do genoma humano, não se saberá automaticamente qual o gene que codifica a proteína responsável, digamos, pela cor dos olhos ou por determinada doença.
Em outras palavras, o livro da vida não vem acompanhado de algo parecido à pedra de Roseta, a partir da qual foi possível decifrar os hieroglifos do antigo Egito. Com métodos químicos, o geneticista abre em dois a espiral do DNA do vírus, um trecho do qual é igual ao humano.
E como serrar uma escada no sentido longitudinal no meio de cada degrau. Depois, faz-se o mesmo com o DNA do cromossomo Y de uma pessoa que tem alguma doença genética. As duas metades - a do vírus, com um trecho do DNA humano, e a do doente - vão-se encaixar como peças complementares de um jogo de dominó. Se a sonda não grudar em lugar algum do cromossomo, é sinal de que a pessoa não tem esse gene. Ora, como o geneticista conhece os sintomas - da doença, pode afirmar que a sonda inserida no vírus Charon - 21, que não grudou no cromossomo do doente, é o gene que falta - e sua ausência provoca a doença detectada no paciente.
O geneticista pode assim mapear o cromossomo, indicando onde fica o gene ausente responsável pela doença. Em seguida, ele analisa a proteína produzida pelo trecho do DNA humano inserido no vírus. A reposição dessa substância impedirá que a moléstia se manifeste. No futuro, especula-se, será possível fazer algo mais sensacional ainda: mudar as próprias proteínas. Hoje, a engenharia genética permite implantar numa bactéria, por exemplo, o gene que codifica a proteína responsável pela produção de insulina. Amanhã, o que se pode chamar de engenharia de proteína permitirá criar a proteína da insulina. É fácil perceber as conseqüências revolucionárias da existência de proteínas sob medida: basta lembrar que quase todas as substâncias produzidas pelas células vivas são proteínas e são elas que controlam quase todas as funções biológicas.
A nova Medicina não vai mais diagnosticar os males pelos órgãos nos quais se exprimem, mas diretamente o - na bagagem hereditária das pessoas. - Um exame pré-natal, por exemplo - revela que a criança é portadora de fernilcetonúria, defeito no gene que produz uma proteína encarregada de metabolizar o aminoácido fenilalanina. Quando a doença se manifesta, é tarde demais: a criança fica retardada. - "No caso da detecção precoce, examinando-se por meio de técnicas químicas o material colhido no liquido amniótico da gestante, uma dieta especial, sem aquele aminoácido, nos primeiros anos de vida da criança, salvará sua vida", explica a biomédica Marilia Cardoso Smith, da Escola Paulista de Medicina. "O segredo é tratar do paciente antes que a doença se manifeste."
No Brasil, onde se pode contar nos dedos o número de especialistas dedicados ao estudo dos genes humanos e onde eles às vezes precisam esperar uma eternidade pelo material de pesquisa importado, ainda se está relativamente longe dos milagres que talvez sejam banais depois da decifração do genoma. Marília Smith e sua equipe, por exemplo, não contam com instrumentos mais sofisticados do que um microscópio ótico. Mesmo assim, já trabalham na ante-sala do futuro, salvando vidas. Dentro de algumas décadas, suas técnicas vão parecer coisa de museu. Afinal, o genoma decodificado será então um banco de dados acessível a todos os centros de pesquisa e investigação.
Consultando a enciclopédia do genoma humano, o médico localizará o gene defeituoso de um paciente. Uma cópia perfeita desse gene, tirada de uma pessoa saudável, será introduzida num vírus inócuo, que passará a sintetizar a proteína ou o hormônio que falta ao doente. Amo e senhor de seu próprio genoma, o homem dará um salto inimaginável - se souber fazer uso desse segredo que a natureza guarda tão zelosamente.
A célula é como uma cidade que guarda numa biblioteca uma grande enciclopédia de 46 volumes: os 23 pares de cromossomos.
Cada cromossomo é um livro com milhares de páginas onde estão todas as informações genéticas do organismo humano.
Cada gene é um capítulo que ensina como sintetizar as proteínas (a cor da pele, por exemplo, é resultado da presença ou não da melanina).
Cada tripleto é uma palavra que especifica um aminoácido, ou a parada de uma reação química ou o início de outro processo.
Cada nucleotídeo é uma letra com que se descreve tudo o que é vivo.
Como funciona o seqüenciador
Com as técnicas atuais, uma equipe de mil cientistas levaria quase um século para identificar todos os 3 bilhões de bases do genoma humano. Mas já existe um equipamento capaz de fazer em apenas três dias o trabalho que um técnico faria em um ano. É o seqüenciador, uma aparelho de 100 mil dólares desenvolvido pelo bioquímico Leroy Hood, da Califórnia. O seqüenciador funciona como um híbrido de picotador de papel com olho eletrônico usado em corrida de cavalos. Primeiro, o fragmento de DNA cuja seqüência se quer descobrir é copiado milhares de vezes. As cópias são divididas em quatro grupos e a cada um se adiciona uma enzima de restrição - a tesoura química que corta o DNA em lugares específicos Formam-se então quatro tipos de sopas químicas de letras, cada uma terminada numa das bases A,G,C e T.
O passo seguinte é tingir essas sopas com um corante fluorescente diferente. As sopas, a seguir, são depositadas na ponta de uma placa de vidro coberta com uma emulsão neutra. A placa é uma espécie de pista de corrida para as moléculas pois o pólo positivo que tem na outra ponta atrai os fragmentos de DNA, de carga elétrica negativa. Quanto menor a molécula, ou seja, quanto menor o número de bases que ela carrega (o que depende do lugar onde foi cortado o DNA), mais rápido ela corre para a linha de chegada iluminada por um laser. Cada fragmento que passa por ele brilha na cor com o qual foi tingido e que identifica a sua origem - do grupo A, G, C ou T. A colocação final, anotada por um olho eletrônico sensível a cores, coincide exatamente com a ordem em que se encontravam as bases no segmento original. Está decifrada uma fração do genoma.
Herança genética pode ter dono?
Quando se começou a falar a sério em decifrar o genoma humano, houve cientistas que compararam o projeto ao episódio bíblico da expulsão de Adão e Eva do paraíso: o DNA seria a árvore do bem e do mal, cujos segredos dariam ao homem poderes para os quais ele não estaria preparado. O rol de conseqüências nefastas da identificação da bagagem genética seria de arrepiar os cabelos: a criação acidental de um supervírus que acabaria com a raça humana ou, mais terra a terra, a possibilidade de empregadores recusarem trabalho a candidatos geneticamente suscetíveis a certas doenças - ou, ao contrário, o favorecimento de trabalhadores portadores de certos genes.
Além disso, dependendo da legislação, os exames genéticos pré natais poderiam transformar-se em sentenças de morte para milhares de fetos. E a quem pertencerá o genoma? Um cientista que seqüenciar um gene poderá reivindicar direitos autorais sobre ele, cobrando royalties sobre todas as aplicações médicas de sua descoberta? Para o Prêmio Nobel Walter Gilbert, nada mais justo do que o copyright dos genes seqüenciados. "Os hospitais não cobram pelos serviços que prestam?", argumenta ele. Já outro Prêmio Nobel (de Medicina, 1980), o francês Jean Dausset, combate a idéia. "A herança genética pertence a toda a humanidade e não pode ser propriedade de empresas", contra-ataca.
Fiel a suas convicções, Dausset distribui de graça a pesquisadores do mundo inteiro sondas de DNA que ajudam a mapear a posição dos genes nos cromossomos - com a condição de que as descobertas resultantes também fiquem à disposição de quem precisar, sem pagamentos. Os pesquisadores brasileiros ainda estão longe desse debate que corre entre seus colegas americanos e europeus. Mas, pelo menos para um cientista familiar com a questão, não há por que se atemorizar. Diz Carlos Alberto Moreira Filho, professor de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP: "Os riscos são grandes, mas seguramente a humanidade saberá controlar os abusos para desfrutar dos enormes benefícios desse conhecimento novo".
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sábado, 17 de dezembro de 2011
Incríveis aventuras do cavalo-marinho - Natureza
INCRÍVEIS AVENTURAS DO CAVALO-MARINHO - Natureza
A fêmea toma a iniciativa do namoro, o macho dá à luz os filhotes. Não têm boca, mas comem muito. Têm características de muitos animais, mas na verdade são apenas peixinhos.
Para nós, o bicho é apenas o cavalo-marinho. Aliás, um ser muito mais estranho do que supunham os gregos, que lhe deram o nome de: hipocampo, que quer dizer cavalo (hippos) e lagarta (campe). Basta observar de perto esse animal para descobrir que ele reúne características de, pelo menos, mais três bichos além de cavalo e da lagarta. Seus olhos se deslocam independentes, nas órbitas, como os olhos dos camaleões. Também de camaleão é a principal característica de sua pele: muda de colorido conforme as circunstâncias. A cauda é preênsil, como a de um macaco; a barriga é de ... canguru! Isso mesmo, o cavalo-marinho incuba seus filhotes dentro de uma bolsa ventral, característica dos marsupiais (gambás, cangurus etc.).
Pois com toda essa fantasia o cavalo-marinho é, na verdade, um inofensivo peixinho. Talvez o único traço que denuncie a sua categoria de peixe seja a presença de duas minúsculas e quase transparentes nadadeiras dorsais. Mas um animal tão insólito como ele não poderia ser enquadrado nos compêndios de Zoologia como um peixe qualquer. Assim, o cavalo-marinho tornou-se cientificamente um respeitável gasterosteiforme. Esse nome indica que o corpo do animal tem a forma de um estômago (alongado) e uma notável estrutura óssea. E é exatamente nessa estrutura óssea que vamos encontrar mais uma incrível semelhança entre cavalos-marinhos e animais de outras categorias. Dessa vez eles podem ser considerados algo semelhantes aos artrópodes (insetos, crustáceos, aracnídeos etc.). Caracterizados por suas carapaças articulares, os artrópodes são animais revestidos por armaduras que funcionam como "esqueletos externos", sustentando internamente os músculos e os demais componentes do organismo. Nisso eles diferem radicalmente de animais vertebrados cujo esqueleto de sustentação fica envolvido por espessas camadas de músculos.
O cavalo-marinho parece viver enfiado dentro de um verdadeiro exoesqueleto de artrópode. Por ter o esqueleto assim "à flor da pele", dá a impressão de estar sempre passando fome. Sua alimentação, por sinal, gera outra inesperada questão. Aparentemente, o cavalo-marinho não tem boca, pois parece estar com os lábios soldados. Só depois de um minucioso exame é possível descobrir um pequeno orifício bem na ponta do "focinho". Ali é a boca, o ponto inicial de um longo e estreito canal, onde o alimento é aspirado em direção ao estômago. Seu "cardápio" pode ser variado, porém deve obedecer a uma rigorosa seleção de tamanho. Só passam para o tubo digestivo bichinhos minúsculos, tais como as quase invisíveis pulgas-da-praia (anfípodes) e microscópicos camarõezinhos. O alimento não exige dele um grande esforço. Com a cauda enrolada na haste de uma alga, tudo que tem a fazer é ficar literalmente filtrando a água à sua volta. Muita vezes o animal aspirado é um pouco maior que o diâmetro do tubo aspirador, mas a força de sucção é tão grande que chega a despedaçar a vítima de encontro à ponta do focinho. Assim fica fácil carregar os restos para a barriga do cavalo-marinho. Esses curiosos habitantes dos mares tropicais estão distribuídos pelo mundo em aproximadamente cinqüenta espécies. Todos pertencem a um único gênero Hippocampus-e, à exceção de tamanhos e cores, pouco diferem entre si. O maior deles é o Hippocampus ingens, encontrado na costa oeste das Américas, desde a Colômbia até o México. Seu comprimento alcança 30 centímetros e, se não pode ser considerado um gigante, pelo menos conta o dobro do tamanho médio das demais espécies. Na costa brasileira, a. espécie mais comum é o Hippocampus reidi, com até 18 centímetros. Seu colorido varia bastante, permitindo ao animal passar de tons acinzentados para o amarelo claro daí para o lanrajado até o vermelho-tijolo devido à essa facilidade de alteração de cores, os hipocampos se dissimulam com perfeição entre os diversos tipos de algas marinhas que constituem o seu ambiente predileto. Com freqüência são encontrados junto à costa, em águas pouco profundas (de 2 a 10 metros), sobre pedras recobertas por algas ou em recifes de corais.
A vida sexual do cavalo-marinho é o ponto mais alto de todas as suas esquisitices. Machos e fêmeas parecem haver trocado de papéis e com isso causaram uma verdadeira polêmica entre os primeiros biólogos que se dispuseram a devassar a privacidade de seus relacionamentos conjugais. A primeira surpresa, sem dúvida, é a enérgica atitude da fêmea ao tomar a iniciativa de cortejar o macho. Começando com um discreto roçar de cintura, ela logo se atira a carícias mais ousadas, enlaçando-o com a cauda. Embora a principio incrédulos, os cientistas acabaram constatando que, lá pelas tantas, é a fêmea que introduz algo na região ventral do companheiro. O material injetado é uma gelatinosa massa de ovos. Durante quase dois meses vai crescendo uma respeitável barriguinha sobre o discutível garanhão. O desenlace de todo esse espetáculo é previsível. Depois de cinqüenta dias de gestação, o macho dá à luz mais de trezentos minúsculos "potros-marinhos".
O verdadeiro nascimento dos filhotes acontece no interior da bolsa, poucos dias após a transferência dos ovos para o organismo do macho. Mas só depois de um mês e meio é que eles estão aptos a abandonar a "incubadora paterna", o que acontece sempre à noite. De toda a numerosíssima prole nascida de um único cavalo-marinho, apenas uma dezena ou pouco mais do que isso alcança a idade. adulta. A maior parte deles é devorada por pequenos peixes ou não encontra alimentação suficiente durante a primeira fase da vida. Com apenas 2 milímetros de comprimento, os "potrinhos" só podem se alimentar de seres microscópicos, nem sempre abundantes em certas regiões litorâneas. E o consumo diário de um recém-nascido é de milhares de larvas de microcrustáceos.
O comportamento sexual de várias espécies de hipocampos foi estudado pormenorizadamente em aquários e revelou uma mínima variação de estratégias. As manobras da fêmea estimulam o rápido crescimento de uma bolsa sobre o ventre do macho. Bem no centro, a bolsa contém um orifício, um poro dilatado que, durante o ato sexual, recebe o tubo ovopositor da fêmea. Ao penetrarem no organismo do macho, os ovos são prontamente fecundados ainda durante a passagem pelo canal de entrada. Depois de amontoados às centenas no interior da bolsa, eles passam a receber nutrição através de um complexo sistema de capilares sangüíneos, que irrigam esse órgão.
Há, portanto, uma curiosa semelhança de funções entre a bolsa de ovos do cavalo-marinho e o útero feminino de outros animais. A capacidade de uma bolsa incubadora é de perto de seiscentos ovos, número que não pode ser completado com a postura de uma única fêmea. Por isso, o "garanhão" dos mares fica destinado a ser depositário das oviposições de várias fêmeas. Servindo passivamente ao "harém" e contrariando, assim, o convencional conceito de poligamia em todo o reino animal, o hipocampo é, categoricamente, uma criatura do contra.
Pelo menos desde os tempos de Cristo, a fama dos cavalos-marinhos já se alastrava no mundo antigo graças aos ensinamentos de Plínio, naturalista e comandante militar do Império Romano. Segundo ele, as cinzas dos hipocampos incinerados combatia a calvície, as febres, as erupções da pele e evitava a morte dos mordidos por cão raivoso. Para os antigos gregos, o animal representava um veneno fulminante, desde que embebido em vinho. Por outro lado, ele era reconhecido como um poderoso antídoto contra outros venenos, quando engolido com vinagre e mel ou misturado com piche. Ainda hoje, na tradicional farmacopéia chinesa, o cavalo-marinho é tido como um potente afrodisíaco. Mas tudo isso é pura superstição. De fantástico mesmo ele só tem três coisas: a forma do corpo, o funcionamento do organismo e o comportamento sexual. O que, aliás, não é pouco para um mesmo animal.
Adultos vivem em cativeiro. Filhotes, não
Os estranhos costumes dos hipocampos podem ser facilmente observados em um aquário marinho convencional. É fácil mantê-los em cativeiro porque são resistentes às variações do ambiente. A maior preocupação do criador de cavalos-marinhos é com a alimentação. Esses animais só consomem seres vivos e quando estão em aquário devem ser mantidos com um bom fornecimento dos minúsculos camarões-das-salinas (Artemia salina). Se você quiser ter cavalos-marinhos em casa, pode optar por uma dessas soluções: comprá-los numa loja de peixes ou apanhá-los no mar. A segunda solução poderá não ser a mais barata, porém é, de longe, a mais emocionante.
O material indispensável é este: máscara de mergulho, puçá de malhas finas ou rede de filó, caixa de isopor (20 litros) forrada internamente com um saco plástico (saco de lixo). Em águas pouco poluídas, no abrigo das enseadas e baías, deve-se procurá-los sobre pedras submersas a pouca profundidade e cobertas por densa vegetação (algas). Não é nada fácil localizá-los entre os ramos das algas. Aliás, esse é o desafio para o mergulhador. O animal pode ser apanhado com a mão ou com o auxilio da rede de filó. Levado para a superfície, deve ser imediatamente colocado na caixa de isopor forrada com saco plástico e contendo água do mar. É importante que a caixa seja de isopor porque a temperatura da água não sofrerá grande aquecimento enquanto permanecer próxima ao local dos mergulhos. Nem sempre as algas que servem de "ancoradouro" para os cavalos-marinhos podem ser cultivadas, mas assim mesmo devem ser introduzidas na caixa para acomodá-los durante a viagem até o aquário. Vegetação mais adequada poderá ser adquirida em casas especializadas em peixes ornamentais marinhos. Se você tiver sorte em obter machos e fêmeas, poderá em pouco tempo começar a assistir às manobras de acasalamento e às incríveis "gestações" dos machos. Entretanto, só com muita sorte será possível a sobrevivência de alguns filhotes. Em cativeiro, os cavalos-marinhos podem engolir com freqüência seus próprios filhotes. Além disso, é muito difícil alimentá-los, na medida em que é praticamente impossível conseguir os animaizinhos que eles consomem.
A fêmea toma a iniciativa do namoro, o macho dá à luz os filhotes. Não têm boca, mas comem muito. Têm características de muitos animais, mas na verdade são apenas peixinhos.
Para nós, o bicho é apenas o cavalo-marinho. Aliás, um ser muito mais estranho do que supunham os gregos, que lhe deram o nome de: hipocampo, que quer dizer cavalo (hippos) e lagarta (campe). Basta observar de perto esse animal para descobrir que ele reúne características de, pelo menos, mais três bichos além de cavalo e da lagarta. Seus olhos se deslocam independentes, nas órbitas, como os olhos dos camaleões. Também de camaleão é a principal característica de sua pele: muda de colorido conforme as circunstâncias. A cauda é preênsil, como a de um macaco; a barriga é de ... canguru! Isso mesmo, o cavalo-marinho incuba seus filhotes dentro de uma bolsa ventral, característica dos marsupiais (gambás, cangurus etc.).
Pois com toda essa fantasia o cavalo-marinho é, na verdade, um inofensivo peixinho. Talvez o único traço que denuncie a sua categoria de peixe seja a presença de duas minúsculas e quase transparentes nadadeiras dorsais. Mas um animal tão insólito como ele não poderia ser enquadrado nos compêndios de Zoologia como um peixe qualquer. Assim, o cavalo-marinho tornou-se cientificamente um respeitável gasterosteiforme. Esse nome indica que o corpo do animal tem a forma de um estômago (alongado) e uma notável estrutura óssea. E é exatamente nessa estrutura óssea que vamos encontrar mais uma incrível semelhança entre cavalos-marinhos e animais de outras categorias. Dessa vez eles podem ser considerados algo semelhantes aos artrópodes (insetos, crustáceos, aracnídeos etc.). Caracterizados por suas carapaças articulares, os artrópodes são animais revestidos por armaduras que funcionam como "esqueletos externos", sustentando internamente os músculos e os demais componentes do organismo. Nisso eles diferem radicalmente de animais vertebrados cujo esqueleto de sustentação fica envolvido por espessas camadas de músculos.
O cavalo-marinho parece viver enfiado dentro de um verdadeiro exoesqueleto de artrópode. Por ter o esqueleto assim "à flor da pele", dá a impressão de estar sempre passando fome. Sua alimentação, por sinal, gera outra inesperada questão. Aparentemente, o cavalo-marinho não tem boca, pois parece estar com os lábios soldados. Só depois de um minucioso exame é possível descobrir um pequeno orifício bem na ponta do "focinho". Ali é a boca, o ponto inicial de um longo e estreito canal, onde o alimento é aspirado em direção ao estômago. Seu "cardápio" pode ser variado, porém deve obedecer a uma rigorosa seleção de tamanho. Só passam para o tubo digestivo bichinhos minúsculos, tais como as quase invisíveis pulgas-da-praia (anfípodes) e microscópicos camarõezinhos. O alimento não exige dele um grande esforço. Com a cauda enrolada na haste de uma alga, tudo que tem a fazer é ficar literalmente filtrando a água à sua volta. Muita vezes o animal aspirado é um pouco maior que o diâmetro do tubo aspirador, mas a força de sucção é tão grande que chega a despedaçar a vítima de encontro à ponta do focinho. Assim fica fácil carregar os restos para a barriga do cavalo-marinho. Esses curiosos habitantes dos mares tropicais estão distribuídos pelo mundo em aproximadamente cinqüenta espécies. Todos pertencem a um único gênero Hippocampus-e, à exceção de tamanhos e cores, pouco diferem entre si. O maior deles é o Hippocampus ingens, encontrado na costa oeste das Américas, desde a Colômbia até o México. Seu comprimento alcança 30 centímetros e, se não pode ser considerado um gigante, pelo menos conta o dobro do tamanho médio das demais espécies. Na costa brasileira, a. espécie mais comum é o Hippocampus reidi, com até 18 centímetros. Seu colorido varia bastante, permitindo ao animal passar de tons acinzentados para o amarelo claro daí para o lanrajado até o vermelho-tijolo devido à essa facilidade de alteração de cores, os hipocampos se dissimulam com perfeição entre os diversos tipos de algas marinhas que constituem o seu ambiente predileto. Com freqüência são encontrados junto à costa, em águas pouco profundas (de 2 a 10 metros), sobre pedras recobertas por algas ou em recifes de corais.
A vida sexual do cavalo-marinho é o ponto mais alto de todas as suas esquisitices. Machos e fêmeas parecem haver trocado de papéis e com isso causaram uma verdadeira polêmica entre os primeiros biólogos que se dispuseram a devassar a privacidade de seus relacionamentos conjugais. A primeira surpresa, sem dúvida, é a enérgica atitude da fêmea ao tomar a iniciativa de cortejar o macho. Começando com um discreto roçar de cintura, ela logo se atira a carícias mais ousadas, enlaçando-o com a cauda. Embora a principio incrédulos, os cientistas acabaram constatando que, lá pelas tantas, é a fêmea que introduz algo na região ventral do companheiro. O material injetado é uma gelatinosa massa de ovos. Durante quase dois meses vai crescendo uma respeitável barriguinha sobre o discutível garanhão. O desenlace de todo esse espetáculo é previsível. Depois de cinqüenta dias de gestação, o macho dá à luz mais de trezentos minúsculos "potros-marinhos".
O verdadeiro nascimento dos filhotes acontece no interior da bolsa, poucos dias após a transferência dos ovos para o organismo do macho. Mas só depois de um mês e meio é que eles estão aptos a abandonar a "incubadora paterna", o que acontece sempre à noite. De toda a numerosíssima prole nascida de um único cavalo-marinho, apenas uma dezena ou pouco mais do que isso alcança a idade. adulta. A maior parte deles é devorada por pequenos peixes ou não encontra alimentação suficiente durante a primeira fase da vida. Com apenas 2 milímetros de comprimento, os "potrinhos" só podem se alimentar de seres microscópicos, nem sempre abundantes em certas regiões litorâneas. E o consumo diário de um recém-nascido é de milhares de larvas de microcrustáceos.
O comportamento sexual de várias espécies de hipocampos foi estudado pormenorizadamente em aquários e revelou uma mínima variação de estratégias. As manobras da fêmea estimulam o rápido crescimento de uma bolsa sobre o ventre do macho. Bem no centro, a bolsa contém um orifício, um poro dilatado que, durante o ato sexual, recebe o tubo ovopositor da fêmea. Ao penetrarem no organismo do macho, os ovos são prontamente fecundados ainda durante a passagem pelo canal de entrada. Depois de amontoados às centenas no interior da bolsa, eles passam a receber nutrição através de um complexo sistema de capilares sangüíneos, que irrigam esse órgão.
Há, portanto, uma curiosa semelhança de funções entre a bolsa de ovos do cavalo-marinho e o útero feminino de outros animais. A capacidade de uma bolsa incubadora é de perto de seiscentos ovos, número que não pode ser completado com a postura de uma única fêmea. Por isso, o "garanhão" dos mares fica destinado a ser depositário das oviposições de várias fêmeas. Servindo passivamente ao "harém" e contrariando, assim, o convencional conceito de poligamia em todo o reino animal, o hipocampo é, categoricamente, uma criatura do contra.
Pelo menos desde os tempos de Cristo, a fama dos cavalos-marinhos já se alastrava no mundo antigo graças aos ensinamentos de Plínio, naturalista e comandante militar do Império Romano. Segundo ele, as cinzas dos hipocampos incinerados combatia a calvície, as febres, as erupções da pele e evitava a morte dos mordidos por cão raivoso. Para os antigos gregos, o animal representava um veneno fulminante, desde que embebido em vinho. Por outro lado, ele era reconhecido como um poderoso antídoto contra outros venenos, quando engolido com vinagre e mel ou misturado com piche. Ainda hoje, na tradicional farmacopéia chinesa, o cavalo-marinho é tido como um potente afrodisíaco. Mas tudo isso é pura superstição. De fantástico mesmo ele só tem três coisas: a forma do corpo, o funcionamento do organismo e o comportamento sexual. O que, aliás, não é pouco para um mesmo animal.
Adultos vivem em cativeiro. Filhotes, não
Os estranhos costumes dos hipocampos podem ser facilmente observados em um aquário marinho convencional. É fácil mantê-los em cativeiro porque são resistentes às variações do ambiente. A maior preocupação do criador de cavalos-marinhos é com a alimentação. Esses animais só consomem seres vivos e quando estão em aquário devem ser mantidos com um bom fornecimento dos minúsculos camarões-das-salinas (Artemia salina). Se você quiser ter cavalos-marinhos em casa, pode optar por uma dessas soluções: comprá-los numa loja de peixes ou apanhá-los no mar. A segunda solução poderá não ser a mais barata, porém é, de longe, a mais emocionante.
O material indispensável é este: máscara de mergulho, puçá de malhas finas ou rede de filó, caixa de isopor (20 litros) forrada internamente com um saco plástico (saco de lixo). Em águas pouco poluídas, no abrigo das enseadas e baías, deve-se procurá-los sobre pedras submersas a pouca profundidade e cobertas por densa vegetação (algas). Não é nada fácil localizá-los entre os ramos das algas. Aliás, esse é o desafio para o mergulhador. O animal pode ser apanhado com a mão ou com o auxilio da rede de filó. Levado para a superfície, deve ser imediatamente colocado na caixa de isopor forrada com saco plástico e contendo água do mar. É importante que a caixa seja de isopor porque a temperatura da água não sofrerá grande aquecimento enquanto permanecer próxima ao local dos mergulhos. Nem sempre as algas que servem de "ancoradouro" para os cavalos-marinhos podem ser cultivadas, mas assim mesmo devem ser introduzidas na caixa para acomodá-los durante a viagem até o aquário. Vegetação mais adequada poderá ser adquirida em casas especializadas em peixes ornamentais marinhos. Se você tiver sorte em obter machos e fêmeas, poderá em pouco tempo começar a assistir às manobras de acasalamento e às incríveis "gestações" dos machos. Entretanto, só com muita sorte será possível a sobrevivência de alguns filhotes. Em cativeiro, os cavalos-marinhos podem engolir com freqüência seus próprios filhotes. Além disso, é muito difícil alimentá-los, na medida em que é praticamente impossível conseguir os animaizinhos que eles consomem.
Escultura de Luz - Holografia
ESCULTURAS DE LUZ - Holografia
Conhecida há um quarto de século, só agora se começa a descobrir as utilidades da holografia. Mas as luminosas imagens em três dimensões que ela permite são ainda um mistério para o grande público.
Há 25 anos, os físicos americanos Emmett Leith e Juris Upatnieks causaram a maior sensação no congresso anual da Sociedade Ótica dos Estados Unidos, realizado em Washington. Eles surpreenderam os colegas ao apresentar nada mais nada menos que um imagem em três dimensões de uma locomotiva. Havia razão de sobra para o espanto; pela primeira vez, o mundo assistia à aparente materialização de objetos no espaço. Como nos truques do mágico Mandrake, era possível ter diante de si a imagem real de algo sem que se pudesse tocá-la. Nas histórias em quadrinhos, Mandrake hipnotiza as pessoas a quem quer iludir. Mas no caso da imagem exibida pela dupla Leith c Upatnieks não cabia falar em ilusão. E tamanho foi o impacto da novidade que muita gente acreditou que a holografia - nome da técnica utilizada para obter a imagem tridimensional - substituiria a fotografia como forma de registrar a realidade.
Como se sabe, previsões tão radicais não se concretizaram. O clique da camara fotográfica não foi substituído. Até porque, após todos esses anos, o processo que envolve a holografia continua tão pouco estudado que se contam nos dedos não só os laboratórios equipados para realizá-lo como também os técnicos devidamente habilitados. O truque, se é que se pode chamá-lo assim, é possivel graças à propriedade ondulatória da luz. Enquanto o filme da fotografia convencional registra apenas a variação de amplitude, ou seja, a intensidade das ondas de luz, a holografia, com o auxilio do laser, pode gravar também os picos e vales das ondas, o que possibilita reproduzir a imagem em profundidade. As artes plásticas, a publicidade, a pesquisa científica e a indústria têm sido as áreas preferenciais de sua aplicação.
Não é à toa, portanto, que artistas tratam a holografia poeticamente como Esculturas de luz". Na verdade, a própria palavra holografia já dá uma pista sobre suas propriedades. Holos em grego significa inteiro e ,graphos quer dizer sinal ou imagem -holografia é a imagem por inteiro l. um ohieto. Mas o termo é atual. Foi criado pelo físico húngaro Dennis Gabor, o inventor da técnica. Formado na Alemanha mas radicado na Inglaterra desde a ascensão do nazismo, em 1933, Gabor chegou à holografia em 1 948, quando pesquisava uma forma de aumentar a nitidez do microscópio eletrônico. Não pôde aplicá-la na prática, porque para captar a dimensão de profundidade necessitava de um tipo de luz coerente - cujas ondas não se difundissem em todas as direções-e que tivesse apenas uma cor. Ou seja, Gabor precisava de um laser, que só seria descoberto em 1960. Mesmo assim, durante a década de 50, foram testados alguns hologramas com lâmpadas de mercúrio. Um dos incentivadores da pesquisa nessa área foi o físico americano Albert Baez, pai da célebre cantora de folk-music Joan Baez.
A descoberta dos princípios que tornariam possível a técnica da holografia valeu a Gabor o Prêmio Nobel em 1971, no mesmo ano em que completou 71 anos. Ele morreu em 1979, quando muitas das aplicações de sua invenção já estavam se desenvolvendo. Isso não aconteceu de uma tacada só. No começo, à parte meia dúzia de cientistas imaginosos ninguém sabia o que fazer com a holografia, em boa medida por causa de um grave inconveniente: tanto na gravação como na reprodução da imagem, necessitava-se do laser. Aos poucos, porém, as dificuldades foram vencidas. Em 1965, o físico russo Yu Denisyuk conseguiu, pela primeira vez, ver os hologramas com a luz comum.
No início da década de 70, a hoIografia já se tinha afirmado o suficiente para despertar o interesse das galerias de arte. Para isso, contribuiu a descoberta da holografia em cores e em movimento. Ao receber todo o espectro de luz, em vez de apenas uma banda, o holograma pode ser visto em todas as cores do arco-íris. Só que para alcançar esse efeito sacrifica-se a perspectiva tridimensional vertical. Em conseqüência, ao ser examinado de cima para baixo, ou de baixo para cima, o holograma colorido perde a dimensão de profundidade.
A descoberta do movimento foi produto do trabalho de muitos cientistas, mas ficou conhecida graças ao físico americano Lloyd Cross. Com a seqüência de fotogramas de uma moça sobre o mesmo holograma, ele criou em 1977 um efeito estereoscópico de movimento -- o mesmo princípio do cinema. A moça, considerada a Mona Lisa da holografia, costuma piscar e jogar beijos para as pessoas que a contemplam. O efeito do movimento chegou ao Brasil em 1980, quando, ao percorrer a 1º Mostra Brasileira de Holografia, em São Paulo, os visitantes puderam acompanhar a seqüência de uma luta de caratê e uma cena do seriado O Incrível Hulk.
A união da holografia com o cinema começou na Itália, mas primeiros a projetar um filme capaz de ser visto por mais de uma pessoa ao mesmo tempo foram os soviéticos. A cena de uma jovem andando com um buquê de flores na direção do espectador foi vista exatamente da mesma maneira pelas cinqüenta pessoas que participaram de uma exibição especial em Moscou. Isso foi possível graças a uma tela holográfica dotada de um conjunto de espelhos côncavos superpostos, onde o foco é dirigido para cada lugar da sala de projeção. Agora há estudos para a transmissão da imagem de um holograma pela televisão. Não é nada simples holografar uma cena. Devido à dependência do laser, só formas de tamanhos limitados podem ser filmadas. Um grande ambiente, por exemplo, está excluído. Uma tomada do grandioso filme Cleópatra, com seus 2 mil figurantes, está fora do alcance da holografia.
Artistas, curiosos, cientistas - durante anos, a holografia foi dominada por tipos excêntricos, com seus trabalhos de fundo de quintal. A técnica era utilizada em jóias, painéis de propaganda, museus, mas costumava-se dizer que os únicos que, de fato, lucravam com a holografia eram os produtores de imagens pornográficas. A situação só mudou mesmo em 1984.
A virada foi a edição da revista americana National Geographic que reproduziu a imagem tridimensional de uma águia na capa de seus 10 milhões de exemplares. Foi um sucesso editorial e tanto. No ano seguinte, a National Geographic repetiu a dose, imprimindo dessa vez na capa uma caveira chinesa pré-histórica.
Em 1987, cerca de 100 milhões de exemplares de livros e revistas circularam pelo mundo com algum tipo de holografia impressa. Nos Estados Unidos, a Hasbro, fabricante de brinquedos, lançou uma linha de oito bonecos e quatro veículos com detalhes em holografia. A Purina, outra empresa americana que produz cereais para crianças, colocou hologramas dos personagens do filme Caçafantasmas em suas embalagens. E no mundo todo o MasterCard surgiu com um novo tipo de cartão de crédito com dois logotipos holográficos nas laterais. A idéia da empresa, que no Brasil é associada ao Credicard, é impedir a falsificação dos cartões - é quase impossível imitar um holograma.
No Brasil, a holografia já começou a interessar grandes empresas. Fernando Catta-Preta, diretor do primeiro laboratório holográfico no país, realizou uma série de trabalhos em cartões de Natal, imagens de santos, material promocional, catálogos e selos. Psicólogo de formação, Catta-Preta, 32 anos, interessou-se pela holografia quando trabalhava com crianças que tinham dificuldade para aprender a ler. "De acordo com certos teóricos", diz, "os princípios da holografia podem ser aplicados à psicologia do conhecimento, com base num modelo tridimensional do cérebro, que permitiria estudar a percepção, o reconhecimento e a memória do ser humano."
São apenas suposições. Certo é que a holografia se tornou uma ferramenta sofisticada. Sua grande vantagem é a capacidade de reconstituir o tamanho, a forma e as três dimensões de um objeto. Isso permite, por exemplo, perceber qualquer mudança -mesmo milimétrica -numa peça industrial. Os testes podem ser feitos com a peça real em vez de protótipos, e não é preciso inutilizá-la, mesmo que as falhas não estejam ao alcance da vista, como na estrutura interna de um equipamento. Fica-se sabendo que há alguma modificação no objeto estudado pela análise das franjas, que são traços de luz e sombra na sua superfície, provocados pela diferença da luz antes e depois de ser a peça deformada. Na Itália, um grupo de hológrafos utiliza essa técnica, chamada interferometria holográfica, na restauração de quadros de pintores renascentistas. Os técnicos alteram deliberadamente a temperatura e o grau de umidade do ambiente para ressaltar os pontos mais frágeis da obra. A interferometria holográfica ainda é uma novidade no Brasil. Um dos raros especialistas é o engenheiro paulista Ricardo Forneris Júnior 27 anos, de São Paulo, que se encaminhou para essa área quase por acaso.
Há três anos, ao procurar um tema para sua tese de mestrado, Forneris foi aconselhado por um tio, professor do Instituto de Física da USP, a trabalhar com holografia. Atualmente, ele cuida do controle de qualidade em peças de automóveis e circuitos impressos com o auxilio da interferometria holográfica. "Na Europa e Estados Unidos", compara, "isso já é feito até em tubulações de usinas nucleares." Outro especialista, nascido na Argentina mas radicado no Brasil, José Joaquim Lunazzi, do Instituto de Física da Unicamp, usa a interferometria para controlar as alterações provocadas pela umidade e pelo vento em sementes de feijão. O artista plástico Moyses Baumstein mostrou suas últimas holografias na exposição coletiva "A Visão do Artista - Missões 300 Anos" realizada no Museu de Arte de São Paulo no inicio do ano.
Outra vantagem dos hologramas é a capacidade de armazenar informações. Ao se variar o ângulo de iluminação, eles registram informações diferentes. Assim, um holograma pode arquivar 10 mil vezes mais dados do que os discos e fitas dos computadores eletroóticos. Por enquanto, dispositivos óticos holográficos já são usados em larga escala apenas em caixas registradoras de supermercados que lêem os códigos de barra impressos nas embalagens. Já se começa a utilizar a holografia como complemento dos raios X na Medicina. No futuro, a imagem holográfica poderá substituir a radiografia convencional. Nos Estados Unidos, hologramas também começam a ser usados no aproveitamento da luz solar ou artificial em estufas, hotéis e escritórios, para economizar energia elétrica.
Enfim, a todo momento são descobertas novas possibilidades da holografia. Este ano, a indústria ótica inglesa anunciou o lançamento de lentes de contato holográficas bifocais; os alemães, de seu lado, decidiram construir 0 primeiro microscópio eletrônico de holografia de alta resolução. Aplicações tão especificas, embora de inegável utilidade, pouco fazem para aproximar a holografia do grande público. Pode repetir-se em qualquer lugar a cena que ocorreu há alguns anos na joalheria Cartier, na elegante Quinta Avenida de Nova York. Ao observar uma fantasmagórica mão feminina exibindo uma pulseira cravejada de brilhantes, uma assustada velhinha saiu pelas ruas gritando: "Obra do diabo!", sem saber que se tratava apenas de uma fotografia tridimensional.
Pelas frestas da cortina
Como a fotografia convencional, a holografia é uma técnica para registrar determinada imagem num filme. Mas a semelhança termina ai. As fontes de luz usadas na fotografia emitem radiação em diferentes comprimentos e freqüências de onda. Ao contrário, a luz do laser - a mais apropriada para holografia -se difunde em ondas paralelas e igualmente espaçadas. Ou seja, tem o mesmo comprimento (a distância entre as duas cristas) e freqüência (número de cristas que passa por um ponto a cada segundo). Para captar a dimensão de profundidade, o filme de um holograma registra as ondas emitidas pelo laser, que é dividido em duas partes. Um feixe é refletido pelo objeto antes de atingir o filme; o outro vai direto ao filme, para servir de referência.
Quando os dois feixes de luz se cruzam, as ondas interferem umas com as outras. Onde as cristas das ondas se encontram, forma-se luz mais intensa; onde uma crista de um feixe encontra o intervalo de onda de outro, forma-se uma região escura. É por isso que o filme depois de revelado não mostra uma imagem mas um padrão de faixas ou anéis claros e escuros. Para ver a imagem no filme, usa-se o mesmo laser com que se gravou o objeto. Atrás da chapa fotográfica, se formará. então, uma imagem que poderá ser vista de vários ângulos como se ela fosse tridimensional. Daí por que se costuma comparar o holograma a uma janela. Se for parcialmente tampado ou cortado, a imagem atrás ainda será visível como pelas frestas de uma cortina.
A imagem, passo a passo
1- A imagem que serve como modelo dever ser pintada de branco e colada sobre uma base de vidro fosco.
2 - Qualquer ruído, deslocamento de ar ou mudança de temperatura pode afetar a posição do modelo e prejudicar a imagem. Por isso, a sala de holografia é a prova de som, com uma temperatura constante de 22 graus.
3 - Da mesma forma que é necessário fazer foco numa fotografia convencional, o canhão de luz laser é regulado para que a lente obtenha o melhor ângulo do modelo. Os espelhos que dividem o feixe de luz também são colocados no ponto exato de reflexão.
4- Uma parte do feixe de laser ilumina diretamente o cavalo-marinho antes de capturar a imagem num filme fotográfico. A outra parte do feixe, depois de refletida pelos espelhos, incide diretamente sobre o filme.
5 - A revelação da película é semelhante à das fotografias tradicionais. Obtém- se o holograma de transmissão, que só é visto na luz laser ou de mercúrio. Para ser visto na luz comum, é necessário repetir todo o processo com o holograma de transmissão.
6 - O feixe de laser atravessa o filme de transmissão e também o cavalo-marinho original antes de gravar a imagem no filme definitivo. O holograma final, depois de revelado, passa por um processo de metalização e impressão em poliéster.
Conhecida há um quarto de século, só agora se começa a descobrir as utilidades da holografia. Mas as luminosas imagens em três dimensões que ela permite são ainda um mistério para o grande público.
Há 25 anos, os físicos americanos Emmett Leith e Juris Upatnieks causaram a maior sensação no congresso anual da Sociedade Ótica dos Estados Unidos, realizado em Washington. Eles surpreenderam os colegas ao apresentar nada mais nada menos que um imagem em três dimensões de uma locomotiva. Havia razão de sobra para o espanto; pela primeira vez, o mundo assistia à aparente materialização de objetos no espaço. Como nos truques do mágico Mandrake, era possível ter diante de si a imagem real de algo sem que se pudesse tocá-la. Nas histórias em quadrinhos, Mandrake hipnotiza as pessoas a quem quer iludir. Mas no caso da imagem exibida pela dupla Leith c Upatnieks não cabia falar em ilusão. E tamanho foi o impacto da novidade que muita gente acreditou que a holografia - nome da técnica utilizada para obter a imagem tridimensional - substituiria a fotografia como forma de registrar a realidade.
Como se sabe, previsões tão radicais não se concretizaram. O clique da camara fotográfica não foi substituído. Até porque, após todos esses anos, o processo que envolve a holografia continua tão pouco estudado que se contam nos dedos não só os laboratórios equipados para realizá-lo como também os técnicos devidamente habilitados. O truque, se é que se pode chamá-lo assim, é possivel graças à propriedade ondulatória da luz. Enquanto o filme da fotografia convencional registra apenas a variação de amplitude, ou seja, a intensidade das ondas de luz, a holografia, com o auxilio do laser, pode gravar também os picos e vales das ondas, o que possibilita reproduzir a imagem em profundidade. As artes plásticas, a publicidade, a pesquisa científica e a indústria têm sido as áreas preferenciais de sua aplicação.
Não é à toa, portanto, que artistas tratam a holografia poeticamente como Esculturas de luz". Na verdade, a própria palavra holografia já dá uma pista sobre suas propriedades. Holos em grego significa inteiro e ,graphos quer dizer sinal ou imagem -holografia é a imagem por inteiro l. um ohieto. Mas o termo é atual. Foi criado pelo físico húngaro Dennis Gabor, o inventor da técnica. Formado na Alemanha mas radicado na Inglaterra desde a ascensão do nazismo, em 1933, Gabor chegou à holografia em 1 948, quando pesquisava uma forma de aumentar a nitidez do microscópio eletrônico. Não pôde aplicá-la na prática, porque para captar a dimensão de profundidade necessitava de um tipo de luz coerente - cujas ondas não se difundissem em todas as direções-e que tivesse apenas uma cor. Ou seja, Gabor precisava de um laser, que só seria descoberto em 1960. Mesmo assim, durante a década de 50, foram testados alguns hologramas com lâmpadas de mercúrio. Um dos incentivadores da pesquisa nessa área foi o físico americano Albert Baez, pai da célebre cantora de folk-music Joan Baez.
A descoberta dos princípios que tornariam possível a técnica da holografia valeu a Gabor o Prêmio Nobel em 1971, no mesmo ano em que completou 71 anos. Ele morreu em 1979, quando muitas das aplicações de sua invenção já estavam se desenvolvendo. Isso não aconteceu de uma tacada só. No começo, à parte meia dúzia de cientistas imaginosos ninguém sabia o que fazer com a holografia, em boa medida por causa de um grave inconveniente: tanto na gravação como na reprodução da imagem, necessitava-se do laser. Aos poucos, porém, as dificuldades foram vencidas. Em 1965, o físico russo Yu Denisyuk conseguiu, pela primeira vez, ver os hologramas com a luz comum.
No início da década de 70, a hoIografia já se tinha afirmado o suficiente para despertar o interesse das galerias de arte. Para isso, contribuiu a descoberta da holografia em cores e em movimento. Ao receber todo o espectro de luz, em vez de apenas uma banda, o holograma pode ser visto em todas as cores do arco-íris. Só que para alcançar esse efeito sacrifica-se a perspectiva tridimensional vertical. Em conseqüência, ao ser examinado de cima para baixo, ou de baixo para cima, o holograma colorido perde a dimensão de profundidade.
A descoberta do movimento foi produto do trabalho de muitos cientistas, mas ficou conhecida graças ao físico americano Lloyd Cross. Com a seqüência de fotogramas de uma moça sobre o mesmo holograma, ele criou em 1977 um efeito estereoscópico de movimento -- o mesmo princípio do cinema. A moça, considerada a Mona Lisa da holografia, costuma piscar e jogar beijos para as pessoas que a contemplam. O efeito do movimento chegou ao Brasil em 1980, quando, ao percorrer a 1º Mostra Brasileira de Holografia, em São Paulo, os visitantes puderam acompanhar a seqüência de uma luta de caratê e uma cena do seriado O Incrível Hulk.
A união da holografia com o cinema começou na Itália, mas primeiros a projetar um filme capaz de ser visto por mais de uma pessoa ao mesmo tempo foram os soviéticos. A cena de uma jovem andando com um buquê de flores na direção do espectador foi vista exatamente da mesma maneira pelas cinqüenta pessoas que participaram de uma exibição especial em Moscou. Isso foi possível graças a uma tela holográfica dotada de um conjunto de espelhos côncavos superpostos, onde o foco é dirigido para cada lugar da sala de projeção. Agora há estudos para a transmissão da imagem de um holograma pela televisão. Não é nada simples holografar uma cena. Devido à dependência do laser, só formas de tamanhos limitados podem ser filmadas. Um grande ambiente, por exemplo, está excluído. Uma tomada do grandioso filme Cleópatra, com seus 2 mil figurantes, está fora do alcance da holografia.
Artistas, curiosos, cientistas - durante anos, a holografia foi dominada por tipos excêntricos, com seus trabalhos de fundo de quintal. A técnica era utilizada em jóias, painéis de propaganda, museus, mas costumava-se dizer que os únicos que, de fato, lucravam com a holografia eram os produtores de imagens pornográficas. A situação só mudou mesmo em 1984.
A virada foi a edição da revista americana National Geographic que reproduziu a imagem tridimensional de uma águia na capa de seus 10 milhões de exemplares. Foi um sucesso editorial e tanto. No ano seguinte, a National Geographic repetiu a dose, imprimindo dessa vez na capa uma caveira chinesa pré-histórica.
Em 1987, cerca de 100 milhões de exemplares de livros e revistas circularam pelo mundo com algum tipo de holografia impressa. Nos Estados Unidos, a Hasbro, fabricante de brinquedos, lançou uma linha de oito bonecos e quatro veículos com detalhes em holografia. A Purina, outra empresa americana que produz cereais para crianças, colocou hologramas dos personagens do filme Caçafantasmas em suas embalagens. E no mundo todo o MasterCard surgiu com um novo tipo de cartão de crédito com dois logotipos holográficos nas laterais. A idéia da empresa, que no Brasil é associada ao Credicard, é impedir a falsificação dos cartões - é quase impossível imitar um holograma.
No Brasil, a holografia já começou a interessar grandes empresas. Fernando Catta-Preta, diretor do primeiro laboratório holográfico no país, realizou uma série de trabalhos em cartões de Natal, imagens de santos, material promocional, catálogos e selos. Psicólogo de formação, Catta-Preta, 32 anos, interessou-se pela holografia quando trabalhava com crianças que tinham dificuldade para aprender a ler. "De acordo com certos teóricos", diz, "os princípios da holografia podem ser aplicados à psicologia do conhecimento, com base num modelo tridimensional do cérebro, que permitiria estudar a percepção, o reconhecimento e a memória do ser humano."
São apenas suposições. Certo é que a holografia se tornou uma ferramenta sofisticada. Sua grande vantagem é a capacidade de reconstituir o tamanho, a forma e as três dimensões de um objeto. Isso permite, por exemplo, perceber qualquer mudança -mesmo milimétrica -numa peça industrial. Os testes podem ser feitos com a peça real em vez de protótipos, e não é preciso inutilizá-la, mesmo que as falhas não estejam ao alcance da vista, como na estrutura interna de um equipamento. Fica-se sabendo que há alguma modificação no objeto estudado pela análise das franjas, que são traços de luz e sombra na sua superfície, provocados pela diferença da luz antes e depois de ser a peça deformada. Na Itália, um grupo de hológrafos utiliza essa técnica, chamada interferometria holográfica, na restauração de quadros de pintores renascentistas. Os técnicos alteram deliberadamente a temperatura e o grau de umidade do ambiente para ressaltar os pontos mais frágeis da obra. A interferometria holográfica ainda é uma novidade no Brasil. Um dos raros especialistas é o engenheiro paulista Ricardo Forneris Júnior 27 anos, de São Paulo, que se encaminhou para essa área quase por acaso.
Há três anos, ao procurar um tema para sua tese de mestrado, Forneris foi aconselhado por um tio, professor do Instituto de Física da USP, a trabalhar com holografia. Atualmente, ele cuida do controle de qualidade em peças de automóveis e circuitos impressos com o auxilio da interferometria holográfica. "Na Europa e Estados Unidos", compara, "isso já é feito até em tubulações de usinas nucleares." Outro especialista, nascido na Argentina mas radicado no Brasil, José Joaquim Lunazzi, do Instituto de Física da Unicamp, usa a interferometria para controlar as alterações provocadas pela umidade e pelo vento em sementes de feijão. O artista plástico Moyses Baumstein mostrou suas últimas holografias na exposição coletiva "A Visão do Artista - Missões 300 Anos" realizada no Museu de Arte de São Paulo no inicio do ano.
Outra vantagem dos hologramas é a capacidade de armazenar informações. Ao se variar o ângulo de iluminação, eles registram informações diferentes. Assim, um holograma pode arquivar 10 mil vezes mais dados do que os discos e fitas dos computadores eletroóticos. Por enquanto, dispositivos óticos holográficos já são usados em larga escala apenas em caixas registradoras de supermercados que lêem os códigos de barra impressos nas embalagens. Já se começa a utilizar a holografia como complemento dos raios X na Medicina. No futuro, a imagem holográfica poderá substituir a radiografia convencional. Nos Estados Unidos, hologramas também começam a ser usados no aproveitamento da luz solar ou artificial em estufas, hotéis e escritórios, para economizar energia elétrica.
Enfim, a todo momento são descobertas novas possibilidades da holografia. Este ano, a indústria ótica inglesa anunciou o lançamento de lentes de contato holográficas bifocais; os alemães, de seu lado, decidiram construir 0 primeiro microscópio eletrônico de holografia de alta resolução. Aplicações tão especificas, embora de inegável utilidade, pouco fazem para aproximar a holografia do grande público. Pode repetir-se em qualquer lugar a cena que ocorreu há alguns anos na joalheria Cartier, na elegante Quinta Avenida de Nova York. Ao observar uma fantasmagórica mão feminina exibindo uma pulseira cravejada de brilhantes, uma assustada velhinha saiu pelas ruas gritando: "Obra do diabo!", sem saber que se tratava apenas de uma fotografia tridimensional.
Pelas frestas da cortina
Como a fotografia convencional, a holografia é uma técnica para registrar determinada imagem num filme. Mas a semelhança termina ai. As fontes de luz usadas na fotografia emitem radiação em diferentes comprimentos e freqüências de onda. Ao contrário, a luz do laser - a mais apropriada para holografia -se difunde em ondas paralelas e igualmente espaçadas. Ou seja, tem o mesmo comprimento (a distância entre as duas cristas) e freqüência (número de cristas que passa por um ponto a cada segundo). Para captar a dimensão de profundidade, o filme de um holograma registra as ondas emitidas pelo laser, que é dividido em duas partes. Um feixe é refletido pelo objeto antes de atingir o filme; o outro vai direto ao filme, para servir de referência.
Quando os dois feixes de luz se cruzam, as ondas interferem umas com as outras. Onde as cristas das ondas se encontram, forma-se luz mais intensa; onde uma crista de um feixe encontra o intervalo de onda de outro, forma-se uma região escura. É por isso que o filme depois de revelado não mostra uma imagem mas um padrão de faixas ou anéis claros e escuros. Para ver a imagem no filme, usa-se o mesmo laser com que se gravou o objeto. Atrás da chapa fotográfica, se formará. então, uma imagem que poderá ser vista de vários ângulos como se ela fosse tridimensional. Daí por que se costuma comparar o holograma a uma janela. Se for parcialmente tampado ou cortado, a imagem atrás ainda será visível como pelas frestas de uma cortina.
A imagem, passo a passo
1- A imagem que serve como modelo dever ser pintada de branco e colada sobre uma base de vidro fosco.
2 - Qualquer ruído, deslocamento de ar ou mudança de temperatura pode afetar a posição do modelo e prejudicar a imagem. Por isso, a sala de holografia é a prova de som, com uma temperatura constante de 22 graus.
3 - Da mesma forma que é necessário fazer foco numa fotografia convencional, o canhão de luz laser é regulado para que a lente obtenha o melhor ângulo do modelo. Os espelhos que dividem o feixe de luz também são colocados no ponto exato de reflexão.
4- Uma parte do feixe de laser ilumina diretamente o cavalo-marinho antes de capturar a imagem num filme fotográfico. A outra parte do feixe, depois de refletida pelos espelhos, incide diretamente sobre o filme.
5 - A revelação da película é semelhante à das fotografias tradicionais. Obtém- se o holograma de transmissão, que só é visto na luz laser ou de mercúrio. Para ser visto na luz comum, é necessário repetir todo o processo com o holograma de transmissão.
6 - O feixe de laser atravessa o filme de transmissão e também o cavalo-marinho original antes de gravar a imagem no filme definitivo. O holograma final, depois de revelado, passa por um processo de metalização e impressão em poliéster.
Como surgiram as massas populares - Gastronomia
COMO SURGIRAM AS MASSAS POPULARES - Gastronomia
Ao contrário do que diz a lenda, Marco Polo não tem nada a ver com a descoberta do macarrão. Um dos mais famosos derivados do trigo é uma invenção árabe que conquistou a Sicília.
Existem no planeta mais de mil tipos diferentes de macarrão. A massa fresca e a massa seca. A massa longa e a massa curta. A massa plena e a massa furada. A massa lisa e a massa rajada. A massa simples e a massa recheada - de mil modos diferentes, também. Cada qual tem seu nome de batismo e sua maneira peculiar de ser feita. Cada qual pode ganhar a proteção sagrada de infinitos molhos e inumeráveis companhias. E, no entanto, só um deles é efetivamente o macarrão.Tudo depende da região de nascimento e produção, das minúcias do desenho e do formato, da fidelidade à tradição. Na Itália, pátria-mãe da nobre pasta, cada indústria ostenta o seu catálogo, a sua própria nomenclatura. Lasange, alisanzas e lagane, por exemplo, não passam de apelidos diversos para as mesmíssimas placas de farinha amalgamada que se sobrepõe em largas séries intercaladas por recheios mais ou menos suculentos, da carne embebida em sugo de tomates a meras camadas de creme e queijo parmesão Agnillini, agnolini, marubini e angiolottus não passam de apodos localizados para os agnolotti tão em moda hoje em dia no Brasil-gordos pasteizinhos de patês ou ricotas condimentados com ervas, frutas frescas, frutas secas e até licores. As penne do Norte são os maltagliati do Sul. Os ravioli de Bolonha são os casonsei de Bergamo, os gobbein de Torino, os culurzones da Sardenha. Só na província da Puglia, as domésticas orecchiette são denominadas orecchino, recchietelle, recchie ou ricchielle, oricchia di prete ou oricchia di judeu - orelhinhas, orelhas-de-padre ou orelhas-de-judeu.Pior ou mais engraçado: com a mesma alcunha de rigatoni se indicam as maniche di frate, as mezze manichine, os chifferoni, os bucatini e os perciatelli, massas de aspecto cilíndrico, vazadas no miolo e estriadas na superfície exterior, precisamente aquelas que o rigor histórico prefere batizar, com exclusividade, de maccheroni. Acabou? Jamais. Maccheroni, os macarrões, são as denominações que recebem, na Itália central, as tugliatelle da Emilia-Romagna, as fettuccine do Lazio, as trenette da Liguria, as tagghiarine da ilha da Sicília.Formidável, superinteressante confusão. De onde ela provém? Antes de detalhar a evolução do macarrão, é necessário conhecer um pouco da aventura antológica de sua matriz essencial, o trigo. Trata-se, sumariamente, do alimento mais universal de todos. Os cereais, em geral, são responsáveis por 80 por cento de todas as calorias consumidas pela humanidade. Quase metade delas corresponde ao trigo, que ocupa nada menos que 215 das terras agricultáveis destinadas aos grãos. Semente de uma planta da família das gramíneas, segundo o botânico soviético Nikolai I. Vazilov, há no globo mais de 30 mil variedades de trigo.Elas são agrupadas em quinze espécies, por sua vez separadas em três grupos, de acordo com a quantidade de seus cromossomos: sete pares, catorze pares e 21 pares. O macarrão nasceu de uma espécie intermediária, o Triticum durum, catorze pares de cromossomos, abundante nos arredores do mar Mediterrâneo, desde o Levante dos fenícios até o Tirreno dos etruscos. A cronologia do poder no Velho Continente, aliás, está radicalmente ligada à dominação das plantações do Triticum. Quem possuía a capacidade de colhê-lo, transportá-lo e conseqüentemente vendê-lo tinha também o predomínio sobre os outros povos e as outras nações de seu período. Aconteceu assim com Esparta, com Atenas e com a Grande Roma.O homem pré-histórico aprendeu, empiricamente, a macerar os grãos de trigo em água, de modo que eles amaciassem e fermentassem e dessa maneira se originou a cerveja. Depois, conseguiu cozinhá-los em potes de argila- e dessa maneira se originou a bisavó da polenta, um impasto chamado pultes, que perdurou até a era dos latinos. Na Grande Roma, uma iguaria muito requisitada se fazia com tal impasto e favas debulhadas, a puls fabota, que se oferecia aos deuses. Havia, igualmente, a puls punica, com carne, antecessora do atual cuscuz. À farinha mesclada ao óleo, um pouco de água e de ovos, eventualmente, se chamava de picea- um disco que se abria com as mãos e se assava sobre pedras incandescentes-, a tataravó da pizza.As vezes, se cortava a picea em finas tiras que se fritavam e então se lançavam em sopas borbulhantes de carnes ou de peixes ou de cereais, como o grão-de-bico. Eram os testaroi ou testareli, tios das futuras togliatelle, que o poeta Horácio (65-8 a.C.) descreveu, extasiado, em alguns poemas. Em outras ocasiões, a picea se dividia em laminas maiores - laganum, lasanum, lasanha. Todas essas massas, porém, se serviam muito frescas, obrigatoriamente. No dia seguinte, afinal, a farinha azedava, literalmente mofava por excesso de fermentação. Apenas sete ou oito séculos depois do apogeu de Roma o mundo teria o privilégio de conhecer a pasta asciutta, a massa seca que redundaria na mágica graça que se denomina macarrão.Fique bem claro, o aventureiro veneziano Marco Polo não tem a mínima responsabilidade na descoberta. O explorador viveu entre 1254 e 1324 e, de fato, segundo o seu livro de viagens, II milione, encontrou no Oriente a cidade de Fanfur, meio mongol e meio chinesa, na qual Ihe ofereceram "magiari di pasta assai e buoni", excelentes pratos de massas. As receitas, todavia, não utilizavam farinha de trigo em sua composição, mas sim, um impasto de sagu. Foi o editor de ll milione, Giambattista Ramosio, no século XVI, quem introduziu na obra, de seu próprio punho, uma nota supostamente explicativa: "Com aquele impasto se faziam lasanhas... que o dito Polo provou muitas vezes e, depois de secas, carregou consigo de volta a casa".Infelizmente, a arbitrariedade de Ramusio complicou a história, embora os sucessivos editores do volume tenham expurgado do texto o que Marco Polo não havia escrito. Na realidade, a palavra e o produto macarrão são sicilianos, de raízes arábes-mouriscas. A expressão é dialetal e perdura até hoje, derivada de maccarrani, plural maccarruna, filha do verbo maccari, que significa achatar ou esmagar-amassar com bastante força, enfim. Naqueles idos, a Sicília controlava a produção, o transporte e a comercialização do Triticum durum, lá implantado pelos fenícios ao menos 2 mil anos antes de o pai de Marco Polo ter se casado.Comprova documentalmente essa teoria o tratado Nuzhat Al-mushtaq fi Ikhtiraq Al-afaq (ou "A dissertação de um apaixonado pelas peregrinações através do mundo"), escrito por um certo Abu Abdallah Muhammad ibn Muhammad ibn Idris em 1154 e no qual aparece pela primeira vez na história a descrição do processo de fabricação da pasta asciutta.Segundo Idris, porque viajavam bastante e longamente, os árabes cortavam os seus impostos de farinha e água em longos fios, de modo que se desidratassem e enrijecessem depressa, ao sol, e assim pudessem se conservar por muitos meses. Aos fios se dava o apelido de al-itryia, ou trujje, ou trie no idioma siciliano-de onde provêm, ostensivamente, as aletrias, que até mesmo os portugueses utilizam na sua gastronomia.As trujje fulminantemente se tranformaram na iguaria-padrão dos siclianos de oitocentos anos atrás. Senhoras, senhoritas e meninas se reunem até hoje nos quintais da ilha fim de perpetrar a sua massa sagrar -e há mulheres tão habilidosas que conseguem fazer fios de até 50 metro de comprimento. Das trujje brotara todas as massas longas, finas ou grosas, maciças ou furadas, arredondadas ou achatadas, que no correr das épocas virariam os spaghetti, os tagliarini as fettuccine et cetera que se consomem no mercado internacional.Também na Sicília surgiram massas recheadas, a partir do prmeiro raviolo, função de todos outros tipos. A palavra raviolo, singular de ravioli vem do dialetal ravis - pequeno pedaço de impasto dobrado sobre um patê de carne. Na Sicília apareceu o primeiro aparelho fabricador de macarrão, o arbitriu-literalmente, o abridor de trujje, uma prensa manipulada por dois trabalhadores,que espremiam a massa na direção de um funil que lhe impunha o formato de fitas ou de fios. Depois da dominação dos árabes, na Idade Média, as águas ao redor da ilha passaram ao controle da prodigiosa marinha genovesa. E os navegadores da Liguria se encarregaram de disseminar a massa seca dos sicilianos por toda a Itália, em regiões que lhes deram novos desenhos e novos nomes. No final do século XVI, finalmente, aconteceu a explosão, com a chegada dos tomates à cidade de Nápoles.O episódio também é superinteressante pelas peripécias que o envolveram. Os tomates são nativos da América do Sul, mais propriamente do Peru. Descobertos pelos espanhóis, que se apaixonaram por sua linda cor vermelha, sofreram inicialmente um feroz combate de médicos e cientistas. Na corte de Madri, uma intoxicação coletiva levou à sua proibição por edito real. Um botânico italiano, Pierandrea Mattioli, acusou os de "corruptores e venenosos". De fato, os talos e as folhas do tomateiro podem intoxicar. O sucesso do belo fruto só aconteceu nos entornos de 1595, quando um cozinheiro napolitano colocou na panela pela primeira vez apenas as partes rubras dos tomates e inventou o molho mais famoso do Universo.Inaugurou-se, então, uma parceria indestrutível, tão majestosa que, por causa dela, ainda há quem acredite ser Nápoles a inventora do macarrão. Dos tomates em diante, o trajeto se resume. Em 1824, Antonio Viviani, num poema intitulado "Gli maccheroni di Napoli", cunhou a expressão spaghetti, diminutivo de spago, que significa barbante. Em 1919, depois do advento da energia elétrica, um certo Paolo Cirillo, mecânico de Torre Annunziata, cidade localizada 30 quilômetros ao sul de Nápoles, desenvolveu um sistema artificial de secagem das massas: o macarrão se dispunha no interior de um enorme barril de madeira aquecido por brasas, o calor distribuído por meio de um ventilador mecânico. Na década de 20, já existiam, na Velha Bota, cem indústrias de macarrão. Hoje, são mais de mil.
O último grande passo aconteceu em 1967, quando a empresa italiana Braibanti desenvolveu uma máquina, a Cobra 2000, capaz de produzir duas toneladas de massa longa por hora, ou 2,5 toneladas de massacurta. Dante Gallian Netto, superintendente da Adria, fundada em 1951, a mais antiga companhia brasileira do setor, que dispõe de várias Cobra, explica como o equipamento funciona: "A massa, mistura de farinha, ovos, água e nutrientes como betacaroteno (um metabolizador da vitamina A), cai através deum funil numa série de trafilas de bronze ou de teflon, que lhe dão o formato necessário. Os fios são então cortados por uma guilhotina e começam a atravessar um túnel enorme, com cerca de 50 metros, onde passam, sucessivamente, por banhos de vapor e de ar muito quente. Isso, além de secar lenta e naturalmente a massa, faz com que todo o amido da mistura se gelatinize em seu interior, impedindo que o macarrão venha a se desmanchar ou a grudar durante o cozimento".Evidentemente, a modernização do modo de produzir as paste asciutte fez crescer em proporção geométrica o seu consumo internacional. Os italianos comem 28 quilos per capita/ano. Os argentinos e os venezuelanos, 12 quilos. Os suiços, nove. Os norte americanos, sete. Os franceses, 6,5. O Brasil ainda estaciona na faixa dos 3,8 quilos per capita/ano. O que é uma pena, pois o macarrão é mais nutritivo do que o prato nacional de arroz e feijão. A potencialidade do macarrão não se mede, apenas, pela sua qualidade dietética ou pelo espaço que ocupa na Terra. Não fossem os spaghetti, por exemplo, talvez o mundo não conhecesse os garfos de quatro pontas com que se come hoje em dia. Eles foram inventados, no século passado, por um patisseiro napolitano, Gennaro Spadaccini, que não agüentava mais enrolar os seus fios num apetrecho de três pontas só.
Mangia che ti fà bene
O macarrão nutre e não engorda. Quem afirmar o oposto - ah, esse não sabe o que está dizendo. Atualmente, aliás, mesmo os mais preclaros dietistas já não acusam o macarrão dos crimes da obesidade. A dieta da moda na Europa, a mediterrânea, proposta pelo cientista e cardiologista americano Ancel Keys, sugere que se comam massas como entrada nas duas principais refeições do dia, o almoço e o jantar. Desde que a continuação se faça com vegetais e carnes brancas.Keys, no entanto, não é o pioneiro nessa teoria. No começo do século, um príncipe siciliano, Enrico Alliata di Salaparuta, teósofo e fisiologista, exaltava as qualidades das massas como prato-base de uma culinária vegetariana. O que engorda, explicava Salaparuta, é a união das proteínas e carboidratos do macarrão com as substâncias tóxicas que se encontram nas gorduras saturadas dos animais. De fato, 100 gramas de macarrão contêm em média tantas calorias quanto um filé de boi com a metade desse peso. Ou seja: o segredo da leveza de uma massa está no controle daquilo que se mistura a ela. Quanto menos gorduras animais, melhor. Quanto mais vegetais, melhor ainda.Atletas em geral, principalmente os maratonistas, corredores de longas distâncias, se utilizam do macarrão como ração essencial de suas dietas. As massas, afinal, são riquíssimas nos carboidratos que no organismo se transformam em energia pura e acumulável. Além disso, são facílimas de digerir, graças à ação dos próprios fermentos salivares-em outras palavras, as massas não exigem muito esforço do estômago ou dos intestinos. Quem come apenas um belo prato de macarrão com alho e óleo em apenas uma hora volta a sentir sua doce fome.
Uma receita
As trujje sicilianas são as massas secas mais antigas de que se tem notícia. Não há, porém, qualquer dificuldade, além de uma certa paciência em se perpetrarem trujje (pronuncia se traie) hoje em dia. Basta o leitor acompanhar o passo a passo deste prato superinteressante, aqui demonstrado pelo jornalista e gastrônomo Silvio Lancellotti, que o recolhe. em velhíssimos arquivos familiares.Ingredientes para quatro pessoas: 500 gramas de farinha de semolina de trigo. Uma xícara de vinho branco, bem seco. Sal. Água tépida.1. Numa vasilha qualquer, misturar a semolina, o vinho branco e o sal. Acrescentar a água necessária para obter uma pasta bem homogênea.2. Depois de amalgamar bem a pasta, produzir pelotinhas de uns 2 centímetros da diâmetro. Deixar que as bolinhas descansem cerca de 30 minutos.3. Com o Indicador, furar cada pelota. Delicadamente, mexer o dedo a fim de aos poucos alargar o vazio e criar uma série do argolas.4. Enfiar as argolas, uma de cada vez, no chamado pau de macarrão. Ampilá-las ainda mais com movimentos breves e bem determinados.5. À medida que os colares se ampliam, recolher as meadas e enrolá-las delicadamente, não deixando de modo algum que os fios se rompam.6. Repetira operação até obter meadas da espessura de um spaghetto irregularmente grosso Deixar que sequem durante pelo menos 24 horas7. Cozinhar as meadas em caldo de carne denso e em plena ebulição, até que os fios atinjam o ponto al dente-20 a 30 minutos bastarão.8. Recolher e escorrer cuidadosamente as meadas. Polvilhá-las com pimenta, vermelha em pó e abundante queijo ralado (pecorino ou parmesão).9. Despejar azeite de oliva a gosto. Servir com um ovo frito, de gema ainda mole, por cima Acompanham as carnes da preparação do caldo.
Ao contrário do que diz a lenda, Marco Polo não tem nada a ver com a descoberta do macarrão. Um dos mais famosos derivados do trigo é uma invenção árabe que conquistou a Sicília.
Existem no planeta mais de mil tipos diferentes de macarrão. A massa fresca e a massa seca. A massa longa e a massa curta. A massa plena e a massa furada. A massa lisa e a massa rajada. A massa simples e a massa recheada - de mil modos diferentes, também. Cada qual tem seu nome de batismo e sua maneira peculiar de ser feita. Cada qual pode ganhar a proteção sagrada de infinitos molhos e inumeráveis companhias. E, no entanto, só um deles é efetivamente o macarrão.Tudo depende da região de nascimento e produção, das minúcias do desenho e do formato, da fidelidade à tradição. Na Itália, pátria-mãe da nobre pasta, cada indústria ostenta o seu catálogo, a sua própria nomenclatura. Lasange, alisanzas e lagane, por exemplo, não passam de apelidos diversos para as mesmíssimas placas de farinha amalgamada que se sobrepõe em largas séries intercaladas por recheios mais ou menos suculentos, da carne embebida em sugo de tomates a meras camadas de creme e queijo parmesão Agnillini, agnolini, marubini e angiolottus não passam de apodos localizados para os agnolotti tão em moda hoje em dia no Brasil-gordos pasteizinhos de patês ou ricotas condimentados com ervas, frutas frescas, frutas secas e até licores. As penne do Norte são os maltagliati do Sul. Os ravioli de Bolonha são os casonsei de Bergamo, os gobbein de Torino, os culurzones da Sardenha. Só na província da Puglia, as domésticas orecchiette são denominadas orecchino, recchietelle, recchie ou ricchielle, oricchia di prete ou oricchia di judeu - orelhinhas, orelhas-de-padre ou orelhas-de-judeu.Pior ou mais engraçado: com a mesma alcunha de rigatoni se indicam as maniche di frate, as mezze manichine, os chifferoni, os bucatini e os perciatelli, massas de aspecto cilíndrico, vazadas no miolo e estriadas na superfície exterior, precisamente aquelas que o rigor histórico prefere batizar, com exclusividade, de maccheroni. Acabou? Jamais. Maccheroni, os macarrões, são as denominações que recebem, na Itália central, as tugliatelle da Emilia-Romagna, as fettuccine do Lazio, as trenette da Liguria, as tagghiarine da ilha da Sicília.Formidável, superinteressante confusão. De onde ela provém? Antes de detalhar a evolução do macarrão, é necessário conhecer um pouco da aventura antológica de sua matriz essencial, o trigo. Trata-se, sumariamente, do alimento mais universal de todos. Os cereais, em geral, são responsáveis por 80 por cento de todas as calorias consumidas pela humanidade. Quase metade delas corresponde ao trigo, que ocupa nada menos que 215 das terras agricultáveis destinadas aos grãos. Semente de uma planta da família das gramíneas, segundo o botânico soviético Nikolai I. Vazilov, há no globo mais de 30 mil variedades de trigo.Elas são agrupadas em quinze espécies, por sua vez separadas em três grupos, de acordo com a quantidade de seus cromossomos: sete pares, catorze pares e 21 pares. O macarrão nasceu de uma espécie intermediária, o Triticum durum, catorze pares de cromossomos, abundante nos arredores do mar Mediterrâneo, desde o Levante dos fenícios até o Tirreno dos etruscos. A cronologia do poder no Velho Continente, aliás, está radicalmente ligada à dominação das plantações do Triticum. Quem possuía a capacidade de colhê-lo, transportá-lo e conseqüentemente vendê-lo tinha também o predomínio sobre os outros povos e as outras nações de seu período. Aconteceu assim com Esparta, com Atenas e com a Grande Roma.O homem pré-histórico aprendeu, empiricamente, a macerar os grãos de trigo em água, de modo que eles amaciassem e fermentassem e dessa maneira se originou a cerveja. Depois, conseguiu cozinhá-los em potes de argila- e dessa maneira se originou a bisavó da polenta, um impasto chamado pultes, que perdurou até a era dos latinos. Na Grande Roma, uma iguaria muito requisitada se fazia com tal impasto e favas debulhadas, a puls fabota, que se oferecia aos deuses. Havia, igualmente, a puls punica, com carne, antecessora do atual cuscuz. À farinha mesclada ao óleo, um pouco de água e de ovos, eventualmente, se chamava de picea- um disco que se abria com as mãos e se assava sobre pedras incandescentes-, a tataravó da pizza.As vezes, se cortava a picea em finas tiras que se fritavam e então se lançavam em sopas borbulhantes de carnes ou de peixes ou de cereais, como o grão-de-bico. Eram os testaroi ou testareli, tios das futuras togliatelle, que o poeta Horácio (65-8 a.C.) descreveu, extasiado, em alguns poemas. Em outras ocasiões, a picea se dividia em laminas maiores - laganum, lasanum, lasanha. Todas essas massas, porém, se serviam muito frescas, obrigatoriamente. No dia seguinte, afinal, a farinha azedava, literalmente mofava por excesso de fermentação. Apenas sete ou oito séculos depois do apogeu de Roma o mundo teria o privilégio de conhecer a pasta asciutta, a massa seca que redundaria na mágica graça que se denomina macarrão.Fique bem claro, o aventureiro veneziano Marco Polo não tem a mínima responsabilidade na descoberta. O explorador viveu entre 1254 e 1324 e, de fato, segundo o seu livro de viagens, II milione, encontrou no Oriente a cidade de Fanfur, meio mongol e meio chinesa, na qual Ihe ofereceram "magiari di pasta assai e buoni", excelentes pratos de massas. As receitas, todavia, não utilizavam farinha de trigo em sua composição, mas sim, um impasto de sagu. Foi o editor de ll milione, Giambattista Ramosio, no século XVI, quem introduziu na obra, de seu próprio punho, uma nota supostamente explicativa: "Com aquele impasto se faziam lasanhas... que o dito Polo provou muitas vezes e, depois de secas, carregou consigo de volta a casa".Infelizmente, a arbitrariedade de Ramusio complicou a história, embora os sucessivos editores do volume tenham expurgado do texto o que Marco Polo não havia escrito. Na realidade, a palavra e o produto macarrão são sicilianos, de raízes arábes-mouriscas. A expressão é dialetal e perdura até hoje, derivada de maccarrani, plural maccarruna, filha do verbo maccari, que significa achatar ou esmagar-amassar com bastante força, enfim. Naqueles idos, a Sicília controlava a produção, o transporte e a comercialização do Triticum durum, lá implantado pelos fenícios ao menos 2 mil anos antes de o pai de Marco Polo ter se casado.Comprova documentalmente essa teoria o tratado Nuzhat Al-mushtaq fi Ikhtiraq Al-afaq (ou "A dissertação de um apaixonado pelas peregrinações através do mundo"), escrito por um certo Abu Abdallah Muhammad ibn Muhammad ibn Idris em 1154 e no qual aparece pela primeira vez na história a descrição do processo de fabricação da pasta asciutta.Segundo Idris, porque viajavam bastante e longamente, os árabes cortavam os seus impostos de farinha e água em longos fios, de modo que se desidratassem e enrijecessem depressa, ao sol, e assim pudessem se conservar por muitos meses. Aos fios se dava o apelido de al-itryia, ou trujje, ou trie no idioma siciliano-de onde provêm, ostensivamente, as aletrias, que até mesmo os portugueses utilizam na sua gastronomia.As trujje fulminantemente se tranformaram na iguaria-padrão dos siclianos de oitocentos anos atrás. Senhoras, senhoritas e meninas se reunem até hoje nos quintais da ilha fim de perpetrar a sua massa sagrar -e há mulheres tão habilidosas que conseguem fazer fios de até 50 metro de comprimento. Das trujje brotara todas as massas longas, finas ou grosas, maciças ou furadas, arredondadas ou achatadas, que no correr das épocas virariam os spaghetti, os tagliarini as fettuccine et cetera que se consomem no mercado internacional.Também na Sicília surgiram massas recheadas, a partir do prmeiro raviolo, função de todos outros tipos. A palavra raviolo, singular de ravioli vem do dialetal ravis - pequeno pedaço de impasto dobrado sobre um patê de carne. Na Sicília apareceu o primeiro aparelho fabricador de macarrão, o arbitriu-literalmente, o abridor de trujje, uma prensa manipulada por dois trabalhadores,que espremiam a massa na direção de um funil que lhe impunha o formato de fitas ou de fios. Depois da dominação dos árabes, na Idade Média, as águas ao redor da ilha passaram ao controle da prodigiosa marinha genovesa. E os navegadores da Liguria se encarregaram de disseminar a massa seca dos sicilianos por toda a Itália, em regiões que lhes deram novos desenhos e novos nomes. No final do século XVI, finalmente, aconteceu a explosão, com a chegada dos tomates à cidade de Nápoles.O episódio também é superinteressante pelas peripécias que o envolveram. Os tomates são nativos da América do Sul, mais propriamente do Peru. Descobertos pelos espanhóis, que se apaixonaram por sua linda cor vermelha, sofreram inicialmente um feroz combate de médicos e cientistas. Na corte de Madri, uma intoxicação coletiva levou à sua proibição por edito real. Um botânico italiano, Pierandrea Mattioli, acusou os de "corruptores e venenosos". De fato, os talos e as folhas do tomateiro podem intoxicar. O sucesso do belo fruto só aconteceu nos entornos de 1595, quando um cozinheiro napolitano colocou na panela pela primeira vez apenas as partes rubras dos tomates e inventou o molho mais famoso do Universo.Inaugurou-se, então, uma parceria indestrutível, tão majestosa que, por causa dela, ainda há quem acredite ser Nápoles a inventora do macarrão. Dos tomates em diante, o trajeto se resume. Em 1824, Antonio Viviani, num poema intitulado "Gli maccheroni di Napoli", cunhou a expressão spaghetti, diminutivo de spago, que significa barbante. Em 1919, depois do advento da energia elétrica, um certo Paolo Cirillo, mecânico de Torre Annunziata, cidade localizada 30 quilômetros ao sul de Nápoles, desenvolveu um sistema artificial de secagem das massas: o macarrão se dispunha no interior de um enorme barril de madeira aquecido por brasas, o calor distribuído por meio de um ventilador mecânico. Na década de 20, já existiam, na Velha Bota, cem indústrias de macarrão. Hoje, são mais de mil.
O último grande passo aconteceu em 1967, quando a empresa italiana Braibanti desenvolveu uma máquina, a Cobra 2000, capaz de produzir duas toneladas de massa longa por hora, ou 2,5 toneladas de massacurta. Dante Gallian Netto, superintendente da Adria, fundada em 1951, a mais antiga companhia brasileira do setor, que dispõe de várias Cobra, explica como o equipamento funciona: "A massa, mistura de farinha, ovos, água e nutrientes como betacaroteno (um metabolizador da vitamina A), cai através deum funil numa série de trafilas de bronze ou de teflon, que lhe dão o formato necessário. Os fios são então cortados por uma guilhotina e começam a atravessar um túnel enorme, com cerca de 50 metros, onde passam, sucessivamente, por banhos de vapor e de ar muito quente. Isso, além de secar lenta e naturalmente a massa, faz com que todo o amido da mistura se gelatinize em seu interior, impedindo que o macarrão venha a se desmanchar ou a grudar durante o cozimento".Evidentemente, a modernização do modo de produzir as paste asciutte fez crescer em proporção geométrica o seu consumo internacional. Os italianos comem 28 quilos per capita/ano. Os argentinos e os venezuelanos, 12 quilos. Os suiços, nove. Os norte americanos, sete. Os franceses, 6,5. O Brasil ainda estaciona na faixa dos 3,8 quilos per capita/ano. O que é uma pena, pois o macarrão é mais nutritivo do que o prato nacional de arroz e feijão. A potencialidade do macarrão não se mede, apenas, pela sua qualidade dietética ou pelo espaço que ocupa na Terra. Não fossem os spaghetti, por exemplo, talvez o mundo não conhecesse os garfos de quatro pontas com que se come hoje em dia. Eles foram inventados, no século passado, por um patisseiro napolitano, Gennaro Spadaccini, que não agüentava mais enrolar os seus fios num apetrecho de três pontas só.
Mangia che ti fà bene
O macarrão nutre e não engorda. Quem afirmar o oposto - ah, esse não sabe o que está dizendo. Atualmente, aliás, mesmo os mais preclaros dietistas já não acusam o macarrão dos crimes da obesidade. A dieta da moda na Europa, a mediterrânea, proposta pelo cientista e cardiologista americano Ancel Keys, sugere que se comam massas como entrada nas duas principais refeições do dia, o almoço e o jantar. Desde que a continuação se faça com vegetais e carnes brancas.Keys, no entanto, não é o pioneiro nessa teoria. No começo do século, um príncipe siciliano, Enrico Alliata di Salaparuta, teósofo e fisiologista, exaltava as qualidades das massas como prato-base de uma culinária vegetariana. O que engorda, explicava Salaparuta, é a união das proteínas e carboidratos do macarrão com as substâncias tóxicas que se encontram nas gorduras saturadas dos animais. De fato, 100 gramas de macarrão contêm em média tantas calorias quanto um filé de boi com a metade desse peso. Ou seja: o segredo da leveza de uma massa está no controle daquilo que se mistura a ela. Quanto menos gorduras animais, melhor. Quanto mais vegetais, melhor ainda.Atletas em geral, principalmente os maratonistas, corredores de longas distâncias, se utilizam do macarrão como ração essencial de suas dietas. As massas, afinal, são riquíssimas nos carboidratos que no organismo se transformam em energia pura e acumulável. Além disso, são facílimas de digerir, graças à ação dos próprios fermentos salivares-em outras palavras, as massas não exigem muito esforço do estômago ou dos intestinos. Quem come apenas um belo prato de macarrão com alho e óleo em apenas uma hora volta a sentir sua doce fome.
Uma receita
As trujje sicilianas são as massas secas mais antigas de que se tem notícia. Não há, porém, qualquer dificuldade, além de uma certa paciência em se perpetrarem trujje (pronuncia se traie) hoje em dia. Basta o leitor acompanhar o passo a passo deste prato superinteressante, aqui demonstrado pelo jornalista e gastrônomo Silvio Lancellotti, que o recolhe. em velhíssimos arquivos familiares.Ingredientes para quatro pessoas: 500 gramas de farinha de semolina de trigo. Uma xícara de vinho branco, bem seco. Sal. Água tépida.1. Numa vasilha qualquer, misturar a semolina, o vinho branco e o sal. Acrescentar a água necessária para obter uma pasta bem homogênea.2. Depois de amalgamar bem a pasta, produzir pelotinhas de uns 2 centímetros da diâmetro. Deixar que as bolinhas descansem cerca de 30 minutos.3. Com o Indicador, furar cada pelota. Delicadamente, mexer o dedo a fim de aos poucos alargar o vazio e criar uma série do argolas.4. Enfiar as argolas, uma de cada vez, no chamado pau de macarrão. Ampilá-las ainda mais com movimentos breves e bem determinados.5. À medida que os colares se ampliam, recolher as meadas e enrolá-las delicadamente, não deixando de modo algum que os fios se rompam.6. Repetira operação até obter meadas da espessura de um spaghetto irregularmente grosso Deixar que sequem durante pelo menos 24 horas7. Cozinhar as meadas em caldo de carne denso e em plena ebulição, até que os fios atinjam o ponto al dente-20 a 30 minutos bastarão.8. Recolher e escorrer cuidadosamente as meadas. Polvilhá-las com pimenta, vermelha em pó e abundante queijo ralado (pecorino ou parmesão).9. Despejar azeite de oliva a gosto. Servir com um ovo frito, de gema ainda mole, por cima Acompanham as carnes da preparação do caldo.
Observatórios Primitivos - Astronomia
OBSERVATÓRIOS PRIMITIVOS - Astronomia
Como os antigos sabiam qual a melhor época para plantar, colher e fazer suas festas religiosas? A ciência começa a descobrir as respostas - e elas são surpreendentes.
Na planície de Salisbury, 140 quilômetros a sudoeste de Londres, na Inglaterra, está fincado um dos maiores mistérios da Europa - Stonehenge. Trata-se de um conjunto de pedras dentro de um círculo. Elas estão dispostas em forma de dólmens - uma pedra achatada sobre duas outras verticais. Ao que tudo indica, foram construídas há cerca de quatro mil anos, mas não se sabe quem as erigiu nem por quê. Os pesquisadores descobriram que algumas pedras usadas eram dali mesmo, enquanto outras foram trazidas de Gales, a nada menos que 300 quilômetros de distância. Os motivos que levaram os construtores a transportar pedras de até 200 toneladas por centenas de quilômetros são outro enigmaO certo é que, um dia por ano, os raios do sol nascente incidem diretamente sobre a chamada pedra do Calcanhar, a maior de todas, bem no centro do círculo. Esse dia - 21 de Junho - é o mais longo do ano e marca o solstício de verão no hemisfério norte ( e de inverno no hemisfério sul): o Sol nasce a nordeste, ao meio dia está sul e desaparece a noroeste. É possível, portanto, que Stonehenge fosse uma espécie de calendário ou que tivesse funções religiosas. Mas, como seus construtores não deixaram registros escritos, é difícil saber para que servia de fato o monumento. A suposição mais aceita é a de que Stonehenge fosse um observatório pré-histórico - por sinal o mais antigo da Europa, onde os pesquisadores já acharam vestígios de novecentos outros.Os povos primitivos, embora não tivessem desenvolvido instrumentos como a luneta - graças à qual o italiano Galileu Galilei pode revolucionar no século XVI as idéias que se tinha sobre o Universo -, aprenderam a observar o céu a olho nu. Seu interesse não era propriamente acadêmico - eles erguiam os olhos para descobrir por exemplo, qual a melhor época de plantar e colher e como se proteger das adversidades do clima. Consultavam também os astros para melhor se entender com seus Deuses. Os astecas, que habitaram o México entre os séculos XIV e XVI, costumavam observar o zénite, o ponto mais central do céu, para conferir a cada 52 anos se as Plêiades- uma das constelações mais brilhantes da Via Láctea-estavam ali. Pacientemente, os sacerdotes esperavam que elas se movimentassem -e respiravam aliviados. Era sinal de que o céu não estava parado e o mundo viveria outros 52 anos. Assim, com o Universo sob controle, os astecas podiam entregar-se a seus afazeres, como, por exemplo, promover sacrifícios humanos em homenagem aos deuses. Já os maias do sul do México, Guatemala e Honduras chegaram a registrar por escrito posições e órbitas de estrelas e planetas. Eles pareciam especialmente obcecados por calendários produziram pelo menos onze com finalidades agrícolas, sociais ou religiosas. Os conquistadores espanhóis, que não se distinguiram especialmente pelo respeito à vida e às tradições das culturas pré-colombianas que encontraram e destruíram quase todos esses registros, a pretexto de que se tratava de cosas del diablo.Um dos raros exemplares que se salvaram mostra a órbita de Vênus documentada num período de mais de cem anos. Os maias partiram do princípio de que Vênus girava ao redor da Terra, pelo menos, era o que enxergavam no céu e calcularam que cinco anos venusianos correspondiam exatamente a oito anos terrestres. Outro exemplo da observação astronômica maia está na cidade de Chichén Itzá, na península do Iucatã, México. É o observatório do Caracol, assim chamado pelos espanhóis por ter em seu interior uma escada em forma de caracol, semelhante à concha de um caramujo. A escada conduz a uma pequena cela onde três aberturas permitem observar o por-do-sol nos equinócios de outono e primavera de março e 23 de setembro no hemisfério sul. No hemisfério norte é o contrário. Nos equinócios, dia e noite duram o mesmo tempo.Meticulosos vigias do céu, os antigos egípcios, por sua vez, constataram há quatro milênios uma extraordinária peculiaridade: a cada 1461 anos, sempre no mesmo dia, a brilhante estrela Sirius se encontrava no mesmo lugar em que o Sol nascia. Compreende-se a perseverança dos egípcios: afinal, Sirius assinalava a data mais importante para eles: quando ela nascia a leste, anunciava a enchente do rio Nilo, cujo lodo fertilizava os campos e assegurava farta colheita. Já outros povos, como os índios hopi, do Arizona, nos Estados Unidos, não se guiavam pelas estrelas mas pelo Sol. Para isso, todos os dias anotavam cuidadosamente a posição em que o astro nascia na linha do horizonte.As observações dos hopi eram tão precisas que as datas mais importantes para sua agricultura, assim como seu calendário de festas e rituais, raramente estão errados em relação ao ano solar como o conhecemos hoje. Os hopi chegaram a ponto de determinar que, quando o Sol nascia atrás do pico de determinada montanha, era época de colher o milho. Se nascesse atrás de um pequeno platô, deviam colher os outros cereais. Ao contrário destes, os índios pueblos do Estado do Novo México nos Estados Unidos, faziam suas medições astronômicas utilizando monumentos de pedra por eles construídos como se supõe tenha sido o caso em Stonehenge, na Inglaterra. Um exemplo famoso são as pedras da Roca Fajada (rocha enfaixada, em espanhol). Essa rocha, num árido vale no noroeste do Novo México, suporta três enormes pedras que pesam cerca de uma tonelada cada. À direita das pedras, na parede da rocha, estão gravadas duas espirais: uma com nove voltas e meia, outra com duas voltas e meia. Depois de muito pesquisar, os cientistas verificaram que nos equinócios de outono e primavera uma delgada linha luminosa incide diretamente no centro da espiral menor. Esse e muitos outros monumentos de pedra, que às vezes têm a forma de círculos e anéis. intrigam os cientistas. Eles tentam relacionar tais construções com conhecimentos de Astronomia que se podem atribuir aos povos primitivos.Essa busca fez nascer já no final do século passado a Arqueoastronomia -como o próprio nome indica, um híbrido de Arqueologia e Astronomia. Em vários pontos do oeste dos Estados Unidos arqueoastrônomos encontraram anéis de pedra de vários tamanhos a que chamaram rodas de feiticeiro, por acreditarem que os índios lhes atribuíam poderes mágicos. A mais famosa delas foi descoberta em 1880, na cadeia de Big Horn, no Estado do Wyoming. Essa roda tem no centro elevações de pedra, das quais partem raios, também de pedra, dividindo-a em 28 setores. Supõem os cientistas que ela teria funções de calendário, já que vários desses raios apontam para o nascer de estrelas helíacas como Sirius e Aldebarã, que surgem antes do Sol (SUPERINTERESSANTE, ano2, nº3)Círculos de pedras foram localizados na Inglaterra, em Avebury, a norte de Stonehenge. O principal circulo tem pedras de até 60 toneladas, transportadas, ao que se presume, ao longo de muitos quilômetros, em trenós de madeira puxados a corda. Para os trenós passarem, centenas de árvores precisaram ser derrubadas numa área densamente florestada. Para ter uma idéia do trabalho de Hércules que foi a construção de Avebury, em 1938 doze homens recolocaram na posição original uma pedra de 8 toneladas; para tanto gastaram cinco dias, mesmo podendo utilizar cabos de aço. A experiência dá aos pesquisadores a convicção de que Avebury mobilizou sucessivas gerações até ficar pronta. Sua finalidade permanece um mistério.Mas é no Peru, a 400 quilômetros de Lima, que fica o que talvez seja o maior livro de Astronomia do mundo primitivo: as linhas e figuras do deserto de Nazca. Longas e retas, as linhas foram traçadas na areia coberta de pedra pelos povos que ali viveram, cuja identidade não é conhecida. Além delas, há uma série de enormes figuras de animais e desenhos geométricos, que só são reconhecíveis do alto (SUPERINTERESSANTE, ano 2, nº 4). Por isso, segundo o professor Márcio D´Olne Campos, diretor do Observatório a Olho Nu da Universidade Estadual de Campinas, "as pessoas tendem a ficar com a hipótese mais fácil e charmosa de que as figuras teriam sido traçadas por extraterrestres". Atualmente, cientistas da Universidade de Colgate, no Estado de Nova York, estudam os sulcos de Nazca para avaliar se eles se alinham com os corpos celestes. Os primeiros indícios revelam que as linhas se relacionam, isso sim, com pontos de solstício e de equinócio. Mas a Arqueoastronomia não se dedica apenas a tentar decifrar os enigmas de construções ou de figuras misteriosas. Ela estuda igualmente os templos antigos, onde, além de render culto aos deuses, os povos se dedicavam a medir o tempo. E o caso da torre da fortaleza da cidade de Machu Picchu, a maior atração turística do Peru. Considerada inicialmente apenas um templo. revelou-se um observatório de alta precisão.A descoberta de uma certa marca de pedra entre as ruínas de uma câmara mortuária ali existente levou os arqueoastrônomos a supor que os incas sabiam calcular a órbita dos astros. Contudo. nenhum povo da Antiguidade chegou tão perto do céu como os egípcios e uma das provas mais sugestivas do grau de refinamento de sua Astronomia está no famoso templo do faraó Ramsés II, construído há 3 200 anos em Abu Simbel e transferido na década de 60 para Karnak. O templo foi projetado de tal forma que o faraó Ramsés II pudesse celebrar o trigésimo aniversário de sua subida ao trono, em 1274 a.C.. com uma espécie de milagre: no dia da festa. ao amanhecer, a luz do Sol atravessou duas pequenas salas e chegou ao escuro santuário iluminando exatamente o ponto onde havia uma estátua do faraó.
O céu dos primeiros brasileiros
Os índios brasileiros também observavam o céu e nele representavam a fauna e a flora da Terra. Mas, ao contrário dos astecas e maias, não foram muito além da costumeira relação entre o aparecimento de determinados astros as Plêiades, especialmente-e a mudança das estações. Alguns exemplos dessas observações são as inscrições em rochas encontradas na Paraíba. No leito do rio Ingá, a 85 quilômetros de João Pessoa, existe um painel com desenhos de plantas, seres humanos e animais, entremeados de círculos, cruzes e espirais - tudo gravado num bloco de pedra que divide o rio em dois braços. Esses desenhos eram chamados pelos indígenas de itaquatiaras (pedras lavradas, em tupi).Na grande pedra que repousa sobre o leito seco do braço esquerdo do rio, destacam-se desenhos de estrelas interligadas por traços que sugerem uma constelação. Sabe-se que à época do descobrimento, no século XVI, a região que viria a ser a Paraíba era habitada por três grupos de índios: os tupis, os tabajaras e os potiguaras. O maior pesquisador do assunto, o médico Francisco Faria, não dispõe de dados para atribuir a qualquer um deles a autoria dos desenhos. Além das itaquatiaras, a recente descoberta de uma gruta com pinturas de sóis, estrelas e cometas, no município baiano de Central, revela que ali pode ter existido o mais antigo observatório da América.Arqueólogos e astrônomos também pesquisam como os povos primitivos de hoje em dia recorrem ao céu para organizar sua vida. Assim, o professor Márcio Campos, da Universidade Estadual de Campinas, estuda de que forma os conhecimentos astronômicos dos índios caiapós do sul do Pará se relacionam com a arquitetura da aldeia, com seu calendário, mitologia e rituais. Os caiapós baseiam-se na posição das Plêiades para saber quando caçar, quando vai chover e quando fazer a festa que coincide com a chegada das águas. Campos descobriu o horário em que os caiapós observam o céu e a partir daí conseguiu montar um calendário com todos os eventos de sua cultura. "Para eles", explica o professor, "os astros são como a folhinha dos brancos." .
Como os antigos sabiam qual a melhor época para plantar, colher e fazer suas festas religiosas? A ciência começa a descobrir as respostas - e elas são surpreendentes.
Na planície de Salisbury, 140 quilômetros a sudoeste de Londres, na Inglaterra, está fincado um dos maiores mistérios da Europa - Stonehenge. Trata-se de um conjunto de pedras dentro de um círculo. Elas estão dispostas em forma de dólmens - uma pedra achatada sobre duas outras verticais. Ao que tudo indica, foram construídas há cerca de quatro mil anos, mas não se sabe quem as erigiu nem por quê. Os pesquisadores descobriram que algumas pedras usadas eram dali mesmo, enquanto outras foram trazidas de Gales, a nada menos que 300 quilômetros de distância. Os motivos que levaram os construtores a transportar pedras de até 200 toneladas por centenas de quilômetros são outro enigmaO certo é que, um dia por ano, os raios do sol nascente incidem diretamente sobre a chamada pedra do Calcanhar, a maior de todas, bem no centro do círculo. Esse dia - 21 de Junho - é o mais longo do ano e marca o solstício de verão no hemisfério norte ( e de inverno no hemisfério sul): o Sol nasce a nordeste, ao meio dia está sul e desaparece a noroeste. É possível, portanto, que Stonehenge fosse uma espécie de calendário ou que tivesse funções religiosas. Mas, como seus construtores não deixaram registros escritos, é difícil saber para que servia de fato o monumento. A suposição mais aceita é a de que Stonehenge fosse um observatório pré-histórico - por sinal o mais antigo da Europa, onde os pesquisadores já acharam vestígios de novecentos outros.Os povos primitivos, embora não tivessem desenvolvido instrumentos como a luneta - graças à qual o italiano Galileu Galilei pode revolucionar no século XVI as idéias que se tinha sobre o Universo -, aprenderam a observar o céu a olho nu. Seu interesse não era propriamente acadêmico - eles erguiam os olhos para descobrir por exemplo, qual a melhor época de plantar e colher e como se proteger das adversidades do clima. Consultavam também os astros para melhor se entender com seus Deuses. Os astecas, que habitaram o México entre os séculos XIV e XVI, costumavam observar o zénite, o ponto mais central do céu, para conferir a cada 52 anos se as Plêiades- uma das constelações mais brilhantes da Via Láctea-estavam ali. Pacientemente, os sacerdotes esperavam que elas se movimentassem -e respiravam aliviados. Era sinal de que o céu não estava parado e o mundo viveria outros 52 anos. Assim, com o Universo sob controle, os astecas podiam entregar-se a seus afazeres, como, por exemplo, promover sacrifícios humanos em homenagem aos deuses. Já os maias do sul do México, Guatemala e Honduras chegaram a registrar por escrito posições e órbitas de estrelas e planetas. Eles pareciam especialmente obcecados por calendários produziram pelo menos onze com finalidades agrícolas, sociais ou religiosas. Os conquistadores espanhóis, que não se distinguiram especialmente pelo respeito à vida e às tradições das culturas pré-colombianas que encontraram e destruíram quase todos esses registros, a pretexto de que se tratava de cosas del diablo.Um dos raros exemplares que se salvaram mostra a órbita de Vênus documentada num período de mais de cem anos. Os maias partiram do princípio de que Vênus girava ao redor da Terra, pelo menos, era o que enxergavam no céu e calcularam que cinco anos venusianos correspondiam exatamente a oito anos terrestres. Outro exemplo da observação astronômica maia está na cidade de Chichén Itzá, na península do Iucatã, México. É o observatório do Caracol, assim chamado pelos espanhóis por ter em seu interior uma escada em forma de caracol, semelhante à concha de um caramujo. A escada conduz a uma pequena cela onde três aberturas permitem observar o por-do-sol nos equinócios de outono e primavera de março e 23 de setembro no hemisfério sul. No hemisfério norte é o contrário. Nos equinócios, dia e noite duram o mesmo tempo.Meticulosos vigias do céu, os antigos egípcios, por sua vez, constataram há quatro milênios uma extraordinária peculiaridade: a cada 1461 anos, sempre no mesmo dia, a brilhante estrela Sirius se encontrava no mesmo lugar em que o Sol nascia. Compreende-se a perseverança dos egípcios: afinal, Sirius assinalava a data mais importante para eles: quando ela nascia a leste, anunciava a enchente do rio Nilo, cujo lodo fertilizava os campos e assegurava farta colheita. Já outros povos, como os índios hopi, do Arizona, nos Estados Unidos, não se guiavam pelas estrelas mas pelo Sol. Para isso, todos os dias anotavam cuidadosamente a posição em que o astro nascia na linha do horizonte.As observações dos hopi eram tão precisas que as datas mais importantes para sua agricultura, assim como seu calendário de festas e rituais, raramente estão errados em relação ao ano solar como o conhecemos hoje. Os hopi chegaram a ponto de determinar que, quando o Sol nascia atrás do pico de determinada montanha, era época de colher o milho. Se nascesse atrás de um pequeno platô, deviam colher os outros cereais. Ao contrário destes, os índios pueblos do Estado do Novo México nos Estados Unidos, faziam suas medições astronômicas utilizando monumentos de pedra por eles construídos como se supõe tenha sido o caso em Stonehenge, na Inglaterra. Um exemplo famoso são as pedras da Roca Fajada (rocha enfaixada, em espanhol). Essa rocha, num árido vale no noroeste do Novo México, suporta três enormes pedras que pesam cerca de uma tonelada cada. À direita das pedras, na parede da rocha, estão gravadas duas espirais: uma com nove voltas e meia, outra com duas voltas e meia. Depois de muito pesquisar, os cientistas verificaram que nos equinócios de outono e primavera uma delgada linha luminosa incide diretamente no centro da espiral menor. Esse e muitos outros monumentos de pedra, que às vezes têm a forma de círculos e anéis. intrigam os cientistas. Eles tentam relacionar tais construções com conhecimentos de Astronomia que se podem atribuir aos povos primitivos.Essa busca fez nascer já no final do século passado a Arqueoastronomia -como o próprio nome indica, um híbrido de Arqueologia e Astronomia. Em vários pontos do oeste dos Estados Unidos arqueoastrônomos encontraram anéis de pedra de vários tamanhos a que chamaram rodas de feiticeiro, por acreditarem que os índios lhes atribuíam poderes mágicos. A mais famosa delas foi descoberta em 1880, na cadeia de Big Horn, no Estado do Wyoming. Essa roda tem no centro elevações de pedra, das quais partem raios, também de pedra, dividindo-a em 28 setores. Supõem os cientistas que ela teria funções de calendário, já que vários desses raios apontam para o nascer de estrelas helíacas como Sirius e Aldebarã, que surgem antes do Sol (SUPERINTERESSANTE, ano2, nº3)Círculos de pedras foram localizados na Inglaterra, em Avebury, a norte de Stonehenge. O principal circulo tem pedras de até 60 toneladas, transportadas, ao que se presume, ao longo de muitos quilômetros, em trenós de madeira puxados a corda. Para os trenós passarem, centenas de árvores precisaram ser derrubadas numa área densamente florestada. Para ter uma idéia do trabalho de Hércules que foi a construção de Avebury, em 1938 doze homens recolocaram na posição original uma pedra de 8 toneladas; para tanto gastaram cinco dias, mesmo podendo utilizar cabos de aço. A experiência dá aos pesquisadores a convicção de que Avebury mobilizou sucessivas gerações até ficar pronta. Sua finalidade permanece um mistério.Mas é no Peru, a 400 quilômetros de Lima, que fica o que talvez seja o maior livro de Astronomia do mundo primitivo: as linhas e figuras do deserto de Nazca. Longas e retas, as linhas foram traçadas na areia coberta de pedra pelos povos que ali viveram, cuja identidade não é conhecida. Além delas, há uma série de enormes figuras de animais e desenhos geométricos, que só são reconhecíveis do alto (SUPERINTERESSANTE, ano 2, nº 4). Por isso, segundo o professor Márcio D´Olne Campos, diretor do Observatório a Olho Nu da Universidade Estadual de Campinas, "as pessoas tendem a ficar com a hipótese mais fácil e charmosa de que as figuras teriam sido traçadas por extraterrestres". Atualmente, cientistas da Universidade de Colgate, no Estado de Nova York, estudam os sulcos de Nazca para avaliar se eles se alinham com os corpos celestes. Os primeiros indícios revelam que as linhas se relacionam, isso sim, com pontos de solstício e de equinócio. Mas a Arqueoastronomia não se dedica apenas a tentar decifrar os enigmas de construções ou de figuras misteriosas. Ela estuda igualmente os templos antigos, onde, além de render culto aos deuses, os povos se dedicavam a medir o tempo. E o caso da torre da fortaleza da cidade de Machu Picchu, a maior atração turística do Peru. Considerada inicialmente apenas um templo. revelou-se um observatório de alta precisão.A descoberta de uma certa marca de pedra entre as ruínas de uma câmara mortuária ali existente levou os arqueoastrônomos a supor que os incas sabiam calcular a órbita dos astros. Contudo. nenhum povo da Antiguidade chegou tão perto do céu como os egípcios e uma das provas mais sugestivas do grau de refinamento de sua Astronomia está no famoso templo do faraó Ramsés II, construído há 3 200 anos em Abu Simbel e transferido na década de 60 para Karnak. O templo foi projetado de tal forma que o faraó Ramsés II pudesse celebrar o trigésimo aniversário de sua subida ao trono, em 1274 a.C.. com uma espécie de milagre: no dia da festa. ao amanhecer, a luz do Sol atravessou duas pequenas salas e chegou ao escuro santuário iluminando exatamente o ponto onde havia uma estátua do faraó.
O céu dos primeiros brasileiros
Os índios brasileiros também observavam o céu e nele representavam a fauna e a flora da Terra. Mas, ao contrário dos astecas e maias, não foram muito além da costumeira relação entre o aparecimento de determinados astros as Plêiades, especialmente-e a mudança das estações. Alguns exemplos dessas observações são as inscrições em rochas encontradas na Paraíba. No leito do rio Ingá, a 85 quilômetros de João Pessoa, existe um painel com desenhos de plantas, seres humanos e animais, entremeados de círculos, cruzes e espirais - tudo gravado num bloco de pedra que divide o rio em dois braços. Esses desenhos eram chamados pelos indígenas de itaquatiaras (pedras lavradas, em tupi).Na grande pedra que repousa sobre o leito seco do braço esquerdo do rio, destacam-se desenhos de estrelas interligadas por traços que sugerem uma constelação. Sabe-se que à época do descobrimento, no século XVI, a região que viria a ser a Paraíba era habitada por três grupos de índios: os tupis, os tabajaras e os potiguaras. O maior pesquisador do assunto, o médico Francisco Faria, não dispõe de dados para atribuir a qualquer um deles a autoria dos desenhos. Além das itaquatiaras, a recente descoberta de uma gruta com pinturas de sóis, estrelas e cometas, no município baiano de Central, revela que ali pode ter existido o mais antigo observatório da América.Arqueólogos e astrônomos também pesquisam como os povos primitivos de hoje em dia recorrem ao céu para organizar sua vida. Assim, o professor Márcio Campos, da Universidade Estadual de Campinas, estuda de que forma os conhecimentos astronômicos dos índios caiapós do sul do Pará se relacionam com a arquitetura da aldeia, com seu calendário, mitologia e rituais. Os caiapós baseiam-se na posição das Plêiades para saber quando caçar, quando vai chover e quando fazer a festa que coincide com a chegada das águas. Campos descobriu o horário em que os caiapós observam o céu e a partir daí conseguiu montar um calendário com todos os eventos de sua cultura. "Para eles", explica o professor, "os astros são como a folhinha dos brancos." .
Darwin - A evolução de um homem.
DARWIN: A EVOLUÇÃO DE UM HOMEM
Ele nunca teve um diploma universitário, mas o gosto pela natureza levou-o a uma verdadeira revolução no conhecimento humano. Sempre devagar, como as espécies que descreveu.
Charles Darwin, o único e aristocrático passageiro do HMS Beagle (His Majesty´s Ship Beagte), teve uma feliz e venturosa estada nas ilhas Galápagos ao largo do Equador, no oceano Pacífico, naquele longínquo ano de 1835. Foram quatro semanas de muito sol, passeios de barco pelas praias e enseadas, incursões pelas ilhas, onde a insaciável curiosidade do naturalista amador se deliciou observando e colecionando fantásticos espécimes animais e vegetais. Uma tarde, caminhando pela ilha Charles, surpreendeu-se com a declaração do governador Nicholas Lawson de que seria capaz de dizer exatamente de qual ilha provinha cada uma das inumeráveis tartarugas que encontravam pelo caminho.
"Está sugerindo que cada ilha produz seu tipo especial de tartaruga?", perguntou Darwin. O governador não tinha dúvidas, pois há mais de ano aprendera a identificá-las observando as carapaças, com os gomos mais altos ou mais baixos, a espessura, o colorido, o comprimento do pescoço e das pernas Abismado Darwin perguntou se o governador sabia por que isso acontecia. "Só sei o que os meus olhos me dizem", ou como resposta.
Os olhos do próprio Darwin já haviam visto algo parecido, ali mesmo nas ilhas Galápagos. Ele observara que os tentilhões, pequenos pássaros que lá existem aos milhares, tinham bicos diferentes, maiores ou menores, conforme fosse a ilha de origem. Assim, de observações quase casuais de um leigo, surgiu a idéia que, devida mente ordenada e desenvolvida, produziu uma das mais extraordinárias revoluções na história do conhecimento humano: a teoria da evolução das espécies pela seleção natural. Nesse trabalho, pode-se considerar a evolução como um fato experimentalmente comprovado como atestam as tartarugas e os tentilhões e milhares de outras espécies observadas. A seleção natural é uma teoria que explica os mecanismos pelos quais se produz a evolução.
Muitos anos depois de seu veraneio nas Galápagos, quando sua teoria já estava solidamente reconhecida pelo mundo científico, Darwin escreveu: "Tenho dois objetivos distintos em vista: primeiro, mostrar que as espécies não têm sido criadas separadamente; e, segundo, que a seleção natural tem sido o agente principal das mudanças (...). Se eu estiver enganado (...), se houver exagerado no poder da seleção natural (...), terei, pelo menos, prestado um bom serviço ajudando a derrubar o dogma da criação separada".
Por essas palavras, percebe-se que ele não pretendia ser um revolucionário. Na verdade, foi um tímido inglês interiorano, de idéias liberais, que desde criança cultivou o hábito de colecionar besouros, o que se transformou numa obsessão. Nasceu em Shrewsbury, Inglaterra, no dia 12 de fevereiro de 1809. Até a adolescência não apresentou nenhum traço especial de genialidade ao contrário, como parece ser regra nas biografias de grandes cientistas, seu pai chegou a temer que ele não fosse capaz de nada além de caçar ratos e besouros e, assim, fatalmente, desgraçaria o bom nome da família.
Tornou-se um hábil caçador e isso o levou a uma investigação acurada dos hábitos dos pássaros e animais em geral. Mas logo perdeu o gosto pelos tiros de caçador, e explicou: "Descobri, ainda que inconscientemente, que o prazer de observar e refletir era muito mais compensador do que a perícia da caça como esporte. Os instintos primitivos do bárbaro lentamente se transformaram no paladar de um homem civilizado".
Na Universidade de Edimburgo, onde foi estudar Medicina para seguir os passos do pai e do avô, Darwin descobriu que não tinha nascido para isso ao experimentar a para ele terrível sensação de operar um doente sem anestesia. E fez, então, uma descoberta tranqüilizadora: "Em Edimburgo me convenci de que meu pai iria me deixar propriedades suficientes para eu sobreviver com algum conforto, embora não fizesse idéia de quão rico eu era. Foi o suficiente para me tranqüilizar a respeito da minha incapacidade para aprender a Medicina".
De fato, Darwin nunca precisou trabalhar para garantir o próprio sustento, embora não se possa dizer que tenha sido um ocioso. Reconhecida sua incompatibilidade com a Medicina, o pai sugeriu que ele se dedicasse à Igreja Anglicana. E assim, no outono de 1827, Charles Darwin entrou para o Christ´s College, em Cambridge, acalentando a vaga idéia de que seria agradável ser um pároco do interior. Nem ele mesmo podia imaginar, àquela altura, que seria responsável pela demolição de alguns dos mais formidáveis dogmas da Igreja. Mas é certo que desde então se aborreceu com os ensinamentos que recebia.
Não era para menos. Segundo ele mesmo contou mais tarde, teve de aprender que a Terra foi criada às 9 horas do dia 23 de outubro de 4004 a.C.; que todas as espécies animais haviam sido produzidas ao longo dos seis dias da Criação; e que jamais haviam sofrido mudança em suas características originais. A data da criação do mundo havia sido fixada no trabalho conjunto do arcebispo de Armagh, James Ussher, e do eminente estudioso da religião hebraica John Lightfoot, publicado no final do século XVII. Um disparate, sem dúvida, mas na época aceito sem discussões. Muitos anos mais tarde, quando Darwin já publicara sua teoria revolucionária, seu companheiro de viagem no Beagle, o capitão Robert Fitzroy, ainda explicava a extinção de algumas espécies, evidenciada pelos fósseis descobertos no fundo da Terra, dizendo que esses animais simplesmente não haviam chegado a tempo para embarcar na arca de Noé.
Tais dogmas, no entanto, já estavam sendo contestados pela ciência. No final do século XVIII, o escocês James Hutton lançara as bases de uma nova Geologia Seu discípulo Charles Lyell continuou a desenvolvê-la no século XIX e mostrou que a Terra sofrera lentos e constantes processos de formação. E não apenas tais processos haviam consumido um tempo longuíssimo, mas continuavam a se produzir, interminavelmente. Começou-se a admitir, então, que o mundo era muito mais antigo do que se supunha. Um passo adiante já estava a convicção de que as espécies animais também eram antigas e também evoluíram ao longo desse tempo.
Outros cientistas já haviam se aproximado dessa idéia, antes que Darwin o fizesse. Seu próprio avô, Erasmus, médico, poeta e filósofo. Outro foi o francês JeanBaptiste de Lamarck, que publicou sua teoria no ano em que Darwin nasceu, 1809. Lamarck, porém, errou ao acreditar que a evolução ocorrera porque as características adquiridas durante a vida do animal eram transmitidas aos descendentes. Se isso fosse verdade, significaria que a girafa tem pescoço comprido porque seus ancestrais viviam esticando o pescoço para alcançar os galhos mais altos das árvores.
Charles Darwin desenvolveu sua paixão pela natureza encorajado por um professor, J.S. Henslow. Nunca foi um estudante brilhante, mas tinha imensa curiosidade. Foi uma sugestão e uma recomendação de Henslow, aliadas ao fato de ser um perfeito gentleman, que lhe asseguraram um lugar a bordo do Beagle. A tarefa do capitão Fitzroy era mapear mares e costas ainda pouco conhecidos pela Marinha britânica. A viagem devia durar três anos na verdade, durou cinco. Preso aos rígidos regulamentos da Marinha, o capitão não podia conversar com os subordinados fora das horas de trabalho. Como não havia passageiros no Beagle, significava que ele teria de fazer todas as refeições sozinho.
Darwin foi incorporado à tripulação como naturalista, embora não tivesse qualificação acadêmica para isso quando muito, era um diletante aplicado. Seu dever era mesmo fazer companhia ao capitão, e ele o cumpriu fielmente, embora em muitos momentos lhe tenha sido penoso suportar a conversa de uma pessoa autoritária, com quem não tinha nenhuma afinidade intelectual ou política (o capitão era um torie, conservador, e Darwin um whig, ou liberal). Quem pode imaginar o que tenham representado cinco anos de almoços e jantares a dois, nessas condições?
Zarparam dois dias depois do Natal de 1831. Passaram pelas ilhas Ocidentais, contornaram o extremo sul da América do Sul, passaram pelas Galápagos, chegaram à Austrália, seguiram para o sul da África, tocaram outra vez na América do Sul (Bahia) e voltaram para a Inglaterra. Darwin cumpriu zelosamente seus deveres de gentleman, mas aproveitou cada parada do navio para coletar quanto material pudesse rochas, fósseis, aves, insetos e até animais de grande porte, que ele próprio empalhava; era um exímio taxidermista. De cada porto, despachava pacotes e pacotes para Henslow, na Inglaterra, encarregado de cuidar de sua coleção de naturalista. E ainda encontrou tempo para escrever um diário.
Quando desembarcou, no dia 2 de outubro de 1 836 estava convencido de que as espécies animais sofrem mutações, se transformam. O problema era explicar como isso acontecia. Seis meses depois havia classificado todo o material coletado durante a viagem, com a ajuda de Richard Owen. Preparou a publicação oficial Zoologia da viagem do Beagle, do diário e de três outros livros. E só em 1837 começou as anotações para o seu trabalho sobre a transmutação das espécies. Persistia, porém, o mistério como ocorrem as transformações?
Darwin estava casado com Ema, com quem teria dez filhos, continuava a escrever um diário e nele, supõem seus biógrafos, anotava disfarçadamente todas as relações sexuais que mantinha com a mulher. Coisas de gentleman da rígida era vitoriana. No dia 3 de outubro de 1838, lendo "para me distrair" um livro sobre população de Thomas Malthus (1766 - 1834), encontrou a afirmação de que as populações tendem a crescer geometricamente, a menos que sejam impedidas. Percebeu, então, que ali estava sua resposta: as alterações que favoreciam um indivíduo permitiam que ele prosperasse, enquanto os outros não beneficiados pela mudança pereciam. Uma sutil e fundamental diferença para a teoria de Lamarck. Não é que as girafas fossem ficando com o pescoço cada vez mais comprido pela necessidade de alcançar os galhos mais altos das árvores, mas a necessidade de alcançar os galhos mais altos fazia com que só sobrevivessem as girafas de pescoço mais comprido.
Animais ainda quando da mesma espécie, são diferentes de indivíduo para indivíduo. Como os homens- há os de nariz comprido, de olhos tortos, pernas curtas ou longas, capazes de correr menos ou mais depressa, e por ai vai. Essas diferenças se transmitem geneticamente, através de mecanismos que só seriam devidamente explicados muito tempo depois. Darwin, no entanto, intuiu o caminho certo com notável precisão.
Um ano antes ele publicara A transmutação das espécies, em que aludia às mudanças que ocorrem, mas não arriscava explicação para elas. Mais de vinte anos passaram entre o desembarque do Beagle, o inicio das anotações e a publicação de Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural, sua obra máxima. E ela só foi publicada porque em 1858 ele recebeu uma carta de outro naturalista inglês, Alfred Russel Wallace, que, ao longo de uma expedição à ilha de Ternate, nas Molucas, havia feito observações semelhantes às de Darwin e chegado às mesmas conclusões.
E assim aconteceu que a teoria da seleção natural chegou à Linnaean Society, a sociedade dos naturalistas ingleses, com um co-autor. Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural chegou às livrarias no dia 24 de novembro de 1859. Eram 1.250 exemplares de 502 páginas e foram todos vendidos no mesmo dia. Darwin demonstrou ali como, por meio de adaptação lenta, extremamente gradual, e de alterações produzidas de geração em geração, uma espécie podia produzir indivíduos diversificados. E como, com a passagem do tempo, algumas espécies permaneciam iguais e outras se transformavam. Tudo sob a regência da seleção natural quem estivesse mais adaptado ao ambiente sobreviveria. Um quadro de progressão de complexidade biológica que culminou no homem, o mais sofisticado de todos os organismos.
Darwin jamais usou a palavra evolução, que logo passou a caracterizar e dar nome à sua teoria e sobre a posição do homem nesse painel limitou se a um comentário sobre a muita luz que no futuro ainda seria derramada sobre a questão. Muitos anos mais tarde ele voltaria a esse assunto no livro A descendência do homem e seleção em relação ao sexo. Mas em 1859 o cuidado de pouco adiantou: uma tempestade desabou sobre ele, pois sua teoria levava à demolição de algumas precisas construções religiosas sobre a criação do mundo e dos seres que nele vivem, feitas pela Igreja.
Foram anos de ferozes debates. Os principais adversários de Darwin foram seu antigo companheiro Richard Owen, o bispo de Oxford, Samuel Wilberforce, o escritor Edmund Gosse. Grandes defensores foram Charles Lyell, Joseph Hooker e Thomas Henry Huxley, considerado na época o melhor geólogo, o melhor botânico e o melhor zoólogo da Inglaterra. O próprio Darwin pouco apareceu, mas Huxley envolveu-se em discussões públicas que se tornaram célebres. Como, por exemplo o debate travado com o bispo Wilberforce. em 1860, diante de setecentos estudantes que lotavam o auditório da Sociedade Britânica para o Progresso da Ciência, em Oxford.
Charles Darwin deixou uma obra muito extensa, embora, desde o final da viagem no Beagle, tivesse uma saúde muito frágil-suspeitasse mesmo que durante 2.sua estada no Brasil.2 tenha adquirido a doença de Chagas. Tudo na natureza o interessou muito. Seu escritório, no terceiro andar de sua casa, Dow House, além de livros continha frascos com exemplares das mais variadas espécies animais e vegetais. Apesar da campanha severa que a Igreja fez contra suas idéias, acabou sepultado na abadia de Westminster, ao lado de Isaac Newton, em 19 de abril de 1882, aos 73 anos. Depois do enterro, seu filho William comentou: "Você pode imaginar que conversas deliciosas o pai e Sir Isaac vão ter de noite, depois que a abadia fechar e tudo ficar quieto?"
Sempre à margem da política
A importância da obra científica de Darwin é definida em quatro pontos pelo antropólogo queniano Richard Leakey. Primeiro, ele viu o mundo vivo como mutável, e não estático, como se acreditava em seu tempo; segundo, propôs a idéia da descendência comum para os membros da mesma espécie (por isso nunca disse, como se acredita erroneamente, que o homem descende do macaco; homens e macacos são ramos diferentes de uma mesma espécie, os mamíferos, que têm, todos, um ancestral comum); terceiro, ele acreditava que o processo de mutação era lento e gradual (hoje há cientistas questionando essa idéia, dadas as descobertas de evidência do surgimento de novas espécies quase que de repente); e quarto, estabeleceu que o mecanismo da mudança era a seleção natural.
Hoje sabemos que a variação ocorre em nível molecular. As características se transmitem dos pais aos filhos por unidades químicas que chamamos genes. A variação é, em grande parte, produto de uma recombinação de genes, quando se unem as instruções genéticas do pai e da mãe. A seleção natural apenas favorece os animais mais bem adaptados ao ambiente onde vão viver. Devido à variação, alguns indivíduos dentro de uma espécie são mais capazes que outros de sobreviver e, portanto, de procriar.
Houve quem tentasse levar para a política essa explicação da organização do mundo animal. Na verdade, a expressão "sobrevivência do mais apto" foi cunhada pelo filósofo inglês Herbert Spencer. Tentava-se usar as leis da Biologia enunciadas por Darwin para explicar e justificar a sociedade estratificada produzida, na época, pelo capitalismo industrial. Certamente, não foi culpa dele: politicamente, era um liberal, e todo seu trabalho científico levou-o a uma sólida convicção filosófica materialista de que ele jamais fez alarde.
Karl Marx, então empenhado como nunca na construção de suas doutrinas políticas, econômicas e filosóficas, vislumbrou isso em seus escritos e tentou, mais de uma vez, aproximar-se dele e, quem sabe, cooptá-lo para sua causa. Darwin sempre se esquivou-e polidamente recusou até mesmo a dedicatória que Marx pretendeu lhe fazer, no segundo volume de O capital. Mas não pôde impedir que ele escrevesse: "E notável como Darwin reconhece entre os animais e plantas sua sociedade inglesa, com sua divisão de trabalho, competição; abertura de novos mercados, invenções e uma malthusiana luta pela existência".
O Brasil era lindo mas os brasileiros...
Ao anoitecer do dia 4 de abril de 1832, o Beagle entrou na baia do Rio de Janeiro, então uma base da Marinha Real Britânica e por isso repleta de navios de guerra. Darwin anotou: "É a baía mais bela que o mundo e a Geologia poderiam apresentar, com a massa do Pão de Açúcar se destacando contra o céu límpido da noite . Do porto, ele e o artista de bordo, Augustus Earle, andaram 6 quilômetros por uma estrada de terra, ao longo do litoral, para chegar a Botafogo, onde ficaram hospedados durante as onze semanas que o Beagle ficou na cidade.
Era uma casa de madeira, pintada de cinza-pérola, varandas com telas nos três lados, uma sala modesta, três dormitórios com catre, mesa, cadeira. Do refeitório, num alpendre nos fundos, os hóspedes viam o morro do Corcovado, cujos 612 metros escalaram, seguindo pelo aqueduto que exista na época. Pagaram aos proprietários da casa, senhor e senhora Bolga, ingleses como eles, 22 shillings por semana, "um bom preço", segundo Darwin.
Seu primeiro contato com a sociedade carioca da época, formada basicamente por estrangeiros, foi num restaurante movimentado, "onde se podia beber uma aguardente gostosa e onde havia homens de negócios britânicos e americanos. cônsules de vários países, oficiais da Marinha e viajantes". Dias depois, Patrick Lennon, proprietário de terras em Macaé, levou Darwin até lá. Foi uma cansativa viagem a cavalo, sob um calor de 35 graus. O que mais encantou o naturalista foi a variedade da vegetação, multicolorida, e dos animais. "Era uma tarefa gigantesca descrever, classificar, catalogar, dissecar, espetar, preservar tudo o que colhi, entre animais, vegetais e minerais", ele anotou no diário.
Sua estada no Rio, no entanto, não foi dedicada apenas ao trabalho de naturalista. Levado pelo capitão Fitzroy, a quem devia fazer sempre companhia, Darwin freqüentou a noite carioca. Jantou na casa do ministro plenipotenciário inglês e foi várias vezes convidado para jantar na casa do almirante Thomas Baker, comandante-e-chefe inglês no Rio de Janeiro. Assistiu a um concerto de piano na casa do adido britânico, que lhe garantiu que se permanecesse mais algum tempo na cidade certamente ganharia um bom emprego e uma bela moça de família rica em casamento.
Apesar de ter gostado daquele período e ter admirado bastante a paisagem, a flora e a fauna do pais, Darwin anotou em seu diário que não sentia amizade pelos brasileiros. Cenas de violências contra escravos que presenciou não apenas no Rio mas também em Salvador e no Recife, onde o Beagle passou mais tarde, fizeram-lhe "ferver o sangue nas veias".
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Ele nunca teve um diploma universitário, mas o gosto pela natureza levou-o a uma verdadeira revolução no conhecimento humano. Sempre devagar, como as espécies que descreveu.
Charles Darwin, o único e aristocrático passageiro do HMS Beagle (His Majesty´s Ship Beagte), teve uma feliz e venturosa estada nas ilhas Galápagos ao largo do Equador, no oceano Pacífico, naquele longínquo ano de 1835. Foram quatro semanas de muito sol, passeios de barco pelas praias e enseadas, incursões pelas ilhas, onde a insaciável curiosidade do naturalista amador se deliciou observando e colecionando fantásticos espécimes animais e vegetais. Uma tarde, caminhando pela ilha Charles, surpreendeu-se com a declaração do governador Nicholas Lawson de que seria capaz de dizer exatamente de qual ilha provinha cada uma das inumeráveis tartarugas que encontravam pelo caminho.
"Está sugerindo que cada ilha produz seu tipo especial de tartaruga?", perguntou Darwin. O governador não tinha dúvidas, pois há mais de ano aprendera a identificá-las observando as carapaças, com os gomos mais altos ou mais baixos, a espessura, o colorido, o comprimento do pescoço e das pernas Abismado Darwin perguntou se o governador sabia por que isso acontecia. "Só sei o que os meus olhos me dizem", ou como resposta.
Os olhos do próprio Darwin já haviam visto algo parecido, ali mesmo nas ilhas Galápagos. Ele observara que os tentilhões, pequenos pássaros que lá existem aos milhares, tinham bicos diferentes, maiores ou menores, conforme fosse a ilha de origem. Assim, de observações quase casuais de um leigo, surgiu a idéia que, devida mente ordenada e desenvolvida, produziu uma das mais extraordinárias revoluções na história do conhecimento humano: a teoria da evolução das espécies pela seleção natural. Nesse trabalho, pode-se considerar a evolução como um fato experimentalmente comprovado como atestam as tartarugas e os tentilhões e milhares de outras espécies observadas. A seleção natural é uma teoria que explica os mecanismos pelos quais se produz a evolução.
Muitos anos depois de seu veraneio nas Galápagos, quando sua teoria já estava solidamente reconhecida pelo mundo científico, Darwin escreveu: "Tenho dois objetivos distintos em vista: primeiro, mostrar que as espécies não têm sido criadas separadamente; e, segundo, que a seleção natural tem sido o agente principal das mudanças (...). Se eu estiver enganado (...), se houver exagerado no poder da seleção natural (...), terei, pelo menos, prestado um bom serviço ajudando a derrubar o dogma da criação separada".
Por essas palavras, percebe-se que ele não pretendia ser um revolucionário. Na verdade, foi um tímido inglês interiorano, de idéias liberais, que desde criança cultivou o hábito de colecionar besouros, o que se transformou numa obsessão. Nasceu em Shrewsbury, Inglaterra, no dia 12 de fevereiro de 1809. Até a adolescência não apresentou nenhum traço especial de genialidade ao contrário, como parece ser regra nas biografias de grandes cientistas, seu pai chegou a temer que ele não fosse capaz de nada além de caçar ratos e besouros e, assim, fatalmente, desgraçaria o bom nome da família.
Tornou-se um hábil caçador e isso o levou a uma investigação acurada dos hábitos dos pássaros e animais em geral. Mas logo perdeu o gosto pelos tiros de caçador, e explicou: "Descobri, ainda que inconscientemente, que o prazer de observar e refletir era muito mais compensador do que a perícia da caça como esporte. Os instintos primitivos do bárbaro lentamente se transformaram no paladar de um homem civilizado".
Na Universidade de Edimburgo, onde foi estudar Medicina para seguir os passos do pai e do avô, Darwin descobriu que não tinha nascido para isso ao experimentar a para ele terrível sensação de operar um doente sem anestesia. E fez, então, uma descoberta tranqüilizadora: "Em Edimburgo me convenci de que meu pai iria me deixar propriedades suficientes para eu sobreviver com algum conforto, embora não fizesse idéia de quão rico eu era. Foi o suficiente para me tranqüilizar a respeito da minha incapacidade para aprender a Medicina".
De fato, Darwin nunca precisou trabalhar para garantir o próprio sustento, embora não se possa dizer que tenha sido um ocioso. Reconhecida sua incompatibilidade com a Medicina, o pai sugeriu que ele se dedicasse à Igreja Anglicana. E assim, no outono de 1827, Charles Darwin entrou para o Christ´s College, em Cambridge, acalentando a vaga idéia de que seria agradável ser um pároco do interior. Nem ele mesmo podia imaginar, àquela altura, que seria responsável pela demolição de alguns dos mais formidáveis dogmas da Igreja. Mas é certo que desde então se aborreceu com os ensinamentos que recebia.
Não era para menos. Segundo ele mesmo contou mais tarde, teve de aprender que a Terra foi criada às 9 horas do dia 23 de outubro de 4004 a.C.; que todas as espécies animais haviam sido produzidas ao longo dos seis dias da Criação; e que jamais haviam sofrido mudança em suas características originais. A data da criação do mundo havia sido fixada no trabalho conjunto do arcebispo de Armagh, James Ussher, e do eminente estudioso da religião hebraica John Lightfoot, publicado no final do século XVII. Um disparate, sem dúvida, mas na época aceito sem discussões. Muitos anos mais tarde, quando Darwin já publicara sua teoria revolucionária, seu companheiro de viagem no Beagle, o capitão Robert Fitzroy, ainda explicava a extinção de algumas espécies, evidenciada pelos fósseis descobertos no fundo da Terra, dizendo que esses animais simplesmente não haviam chegado a tempo para embarcar na arca de Noé.
Tais dogmas, no entanto, já estavam sendo contestados pela ciência. No final do século XVIII, o escocês James Hutton lançara as bases de uma nova Geologia Seu discípulo Charles Lyell continuou a desenvolvê-la no século XIX e mostrou que a Terra sofrera lentos e constantes processos de formação. E não apenas tais processos haviam consumido um tempo longuíssimo, mas continuavam a se produzir, interminavelmente. Começou-se a admitir, então, que o mundo era muito mais antigo do que se supunha. Um passo adiante já estava a convicção de que as espécies animais também eram antigas e também evoluíram ao longo desse tempo.
Outros cientistas já haviam se aproximado dessa idéia, antes que Darwin o fizesse. Seu próprio avô, Erasmus, médico, poeta e filósofo. Outro foi o francês JeanBaptiste de Lamarck, que publicou sua teoria no ano em que Darwin nasceu, 1809. Lamarck, porém, errou ao acreditar que a evolução ocorrera porque as características adquiridas durante a vida do animal eram transmitidas aos descendentes. Se isso fosse verdade, significaria que a girafa tem pescoço comprido porque seus ancestrais viviam esticando o pescoço para alcançar os galhos mais altos das árvores.
Charles Darwin desenvolveu sua paixão pela natureza encorajado por um professor, J.S. Henslow. Nunca foi um estudante brilhante, mas tinha imensa curiosidade. Foi uma sugestão e uma recomendação de Henslow, aliadas ao fato de ser um perfeito gentleman, que lhe asseguraram um lugar a bordo do Beagle. A tarefa do capitão Fitzroy era mapear mares e costas ainda pouco conhecidos pela Marinha britânica. A viagem devia durar três anos na verdade, durou cinco. Preso aos rígidos regulamentos da Marinha, o capitão não podia conversar com os subordinados fora das horas de trabalho. Como não havia passageiros no Beagle, significava que ele teria de fazer todas as refeições sozinho.
Darwin foi incorporado à tripulação como naturalista, embora não tivesse qualificação acadêmica para isso quando muito, era um diletante aplicado. Seu dever era mesmo fazer companhia ao capitão, e ele o cumpriu fielmente, embora em muitos momentos lhe tenha sido penoso suportar a conversa de uma pessoa autoritária, com quem não tinha nenhuma afinidade intelectual ou política (o capitão era um torie, conservador, e Darwin um whig, ou liberal). Quem pode imaginar o que tenham representado cinco anos de almoços e jantares a dois, nessas condições?
Zarparam dois dias depois do Natal de 1831. Passaram pelas ilhas Ocidentais, contornaram o extremo sul da América do Sul, passaram pelas Galápagos, chegaram à Austrália, seguiram para o sul da África, tocaram outra vez na América do Sul (Bahia) e voltaram para a Inglaterra. Darwin cumpriu zelosamente seus deveres de gentleman, mas aproveitou cada parada do navio para coletar quanto material pudesse rochas, fósseis, aves, insetos e até animais de grande porte, que ele próprio empalhava; era um exímio taxidermista. De cada porto, despachava pacotes e pacotes para Henslow, na Inglaterra, encarregado de cuidar de sua coleção de naturalista. E ainda encontrou tempo para escrever um diário.
Quando desembarcou, no dia 2 de outubro de 1 836 estava convencido de que as espécies animais sofrem mutações, se transformam. O problema era explicar como isso acontecia. Seis meses depois havia classificado todo o material coletado durante a viagem, com a ajuda de Richard Owen. Preparou a publicação oficial Zoologia da viagem do Beagle, do diário e de três outros livros. E só em 1837 começou as anotações para o seu trabalho sobre a transmutação das espécies. Persistia, porém, o mistério como ocorrem as transformações?
Darwin estava casado com Ema, com quem teria dez filhos, continuava a escrever um diário e nele, supõem seus biógrafos, anotava disfarçadamente todas as relações sexuais que mantinha com a mulher. Coisas de gentleman da rígida era vitoriana. No dia 3 de outubro de 1838, lendo "para me distrair" um livro sobre população de Thomas Malthus (1766 - 1834), encontrou a afirmação de que as populações tendem a crescer geometricamente, a menos que sejam impedidas. Percebeu, então, que ali estava sua resposta: as alterações que favoreciam um indivíduo permitiam que ele prosperasse, enquanto os outros não beneficiados pela mudança pereciam. Uma sutil e fundamental diferença para a teoria de Lamarck. Não é que as girafas fossem ficando com o pescoço cada vez mais comprido pela necessidade de alcançar os galhos mais altos das árvores, mas a necessidade de alcançar os galhos mais altos fazia com que só sobrevivessem as girafas de pescoço mais comprido.
Animais ainda quando da mesma espécie, são diferentes de indivíduo para indivíduo. Como os homens- há os de nariz comprido, de olhos tortos, pernas curtas ou longas, capazes de correr menos ou mais depressa, e por ai vai. Essas diferenças se transmitem geneticamente, através de mecanismos que só seriam devidamente explicados muito tempo depois. Darwin, no entanto, intuiu o caminho certo com notável precisão.
Um ano antes ele publicara A transmutação das espécies, em que aludia às mudanças que ocorrem, mas não arriscava explicação para elas. Mais de vinte anos passaram entre o desembarque do Beagle, o inicio das anotações e a publicação de Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural, sua obra máxima. E ela só foi publicada porque em 1858 ele recebeu uma carta de outro naturalista inglês, Alfred Russel Wallace, que, ao longo de uma expedição à ilha de Ternate, nas Molucas, havia feito observações semelhantes às de Darwin e chegado às mesmas conclusões.
E assim aconteceu que a teoria da seleção natural chegou à Linnaean Society, a sociedade dos naturalistas ingleses, com um co-autor. Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural chegou às livrarias no dia 24 de novembro de 1859. Eram 1.250 exemplares de 502 páginas e foram todos vendidos no mesmo dia. Darwin demonstrou ali como, por meio de adaptação lenta, extremamente gradual, e de alterações produzidas de geração em geração, uma espécie podia produzir indivíduos diversificados. E como, com a passagem do tempo, algumas espécies permaneciam iguais e outras se transformavam. Tudo sob a regência da seleção natural quem estivesse mais adaptado ao ambiente sobreviveria. Um quadro de progressão de complexidade biológica que culminou no homem, o mais sofisticado de todos os organismos.
Darwin jamais usou a palavra evolução, que logo passou a caracterizar e dar nome à sua teoria e sobre a posição do homem nesse painel limitou se a um comentário sobre a muita luz que no futuro ainda seria derramada sobre a questão. Muitos anos mais tarde ele voltaria a esse assunto no livro A descendência do homem e seleção em relação ao sexo. Mas em 1859 o cuidado de pouco adiantou: uma tempestade desabou sobre ele, pois sua teoria levava à demolição de algumas precisas construções religiosas sobre a criação do mundo e dos seres que nele vivem, feitas pela Igreja.
Foram anos de ferozes debates. Os principais adversários de Darwin foram seu antigo companheiro Richard Owen, o bispo de Oxford, Samuel Wilberforce, o escritor Edmund Gosse. Grandes defensores foram Charles Lyell, Joseph Hooker e Thomas Henry Huxley, considerado na época o melhor geólogo, o melhor botânico e o melhor zoólogo da Inglaterra. O próprio Darwin pouco apareceu, mas Huxley envolveu-se em discussões públicas que se tornaram célebres. Como, por exemplo o debate travado com o bispo Wilberforce. em 1860, diante de setecentos estudantes que lotavam o auditório da Sociedade Britânica para o Progresso da Ciência, em Oxford.
Charles Darwin deixou uma obra muito extensa, embora, desde o final da viagem no Beagle, tivesse uma saúde muito frágil-suspeitasse mesmo que durante 2.sua estada no Brasil.2 tenha adquirido a doença de Chagas. Tudo na natureza o interessou muito. Seu escritório, no terceiro andar de sua casa, Dow House, além de livros continha frascos com exemplares das mais variadas espécies animais e vegetais. Apesar da campanha severa que a Igreja fez contra suas idéias, acabou sepultado na abadia de Westminster, ao lado de Isaac Newton, em 19 de abril de 1882, aos 73 anos. Depois do enterro, seu filho William comentou: "Você pode imaginar que conversas deliciosas o pai e Sir Isaac vão ter de noite, depois que a abadia fechar e tudo ficar quieto?"
Sempre à margem da política
A importância da obra científica de Darwin é definida em quatro pontos pelo antropólogo queniano Richard Leakey. Primeiro, ele viu o mundo vivo como mutável, e não estático, como se acreditava em seu tempo; segundo, propôs a idéia da descendência comum para os membros da mesma espécie (por isso nunca disse, como se acredita erroneamente, que o homem descende do macaco; homens e macacos são ramos diferentes de uma mesma espécie, os mamíferos, que têm, todos, um ancestral comum); terceiro, ele acreditava que o processo de mutação era lento e gradual (hoje há cientistas questionando essa idéia, dadas as descobertas de evidência do surgimento de novas espécies quase que de repente); e quarto, estabeleceu que o mecanismo da mudança era a seleção natural.
Hoje sabemos que a variação ocorre em nível molecular. As características se transmitem dos pais aos filhos por unidades químicas que chamamos genes. A variação é, em grande parte, produto de uma recombinação de genes, quando se unem as instruções genéticas do pai e da mãe. A seleção natural apenas favorece os animais mais bem adaptados ao ambiente onde vão viver. Devido à variação, alguns indivíduos dentro de uma espécie são mais capazes que outros de sobreviver e, portanto, de procriar.
Houve quem tentasse levar para a política essa explicação da organização do mundo animal. Na verdade, a expressão "sobrevivência do mais apto" foi cunhada pelo filósofo inglês Herbert Spencer. Tentava-se usar as leis da Biologia enunciadas por Darwin para explicar e justificar a sociedade estratificada produzida, na época, pelo capitalismo industrial. Certamente, não foi culpa dele: politicamente, era um liberal, e todo seu trabalho científico levou-o a uma sólida convicção filosófica materialista de que ele jamais fez alarde.
Karl Marx, então empenhado como nunca na construção de suas doutrinas políticas, econômicas e filosóficas, vislumbrou isso em seus escritos e tentou, mais de uma vez, aproximar-se dele e, quem sabe, cooptá-lo para sua causa. Darwin sempre se esquivou-e polidamente recusou até mesmo a dedicatória que Marx pretendeu lhe fazer, no segundo volume de O capital. Mas não pôde impedir que ele escrevesse: "E notável como Darwin reconhece entre os animais e plantas sua sociedade inglesa, com sua divisão de trabalho, competição; abertura de novos mercados, invenções e uma malthusiana luta pela existência".
O Brasil era lindo mas os brasileiros...
Ao anoitecer do dia 4 de abril de 1832, o Beagle entrou na baia do Rio de Janeiro, então uma base da Marinha Real Britânica e por isso repleta de navios de guerra. Darwin anotou: "É a baía mais bela que o mundo e a Geologia poderiam apresentar, com a massa do Pão de Açúcar se destacando contra o céu límpido da noite . Do porto, ele e o artista de bordo, Augustus Earle, andaram 6 quilômetros por uma estrada de terra, ao longo do litoral, para chegar a Botafogo, onde ficaram hospedados durante as onze semanas que o Beagle ficou na cidade.
Era uma casa de madeira, pintada de cinza-pérola, varandas com telas nos três lados, uma sala modesta, três dormitórios com catre, mesa, cadeira. Do refeitório, num alpendre nos fundos, os hóspedes viam o morro do Corcovado, cujos 612 metros escalaram, seguindo pelo aqueduto que exista na época. Pagaram aos proprietários da casa, senhor e senhora Bolga, ingleses como eles, 22 shillings por semana, "um bom preço", segundo Darwin.
Seu primeiro contato com a sociedade carioca da época, formada basicamente por estrangeiros, foi num restaurante movimentado, "onde se podia beber uma aguardente gostosa e onde havia homens de negócios britânicos e americanos. cônsules de vários países, oficiais da Marinha e viajantes". Dias depois, Patrick Lennon, proprietário de terras em Macaé, levou Darwin até lá. Foi uma cansativa viagem a cavalo, sob um calor de 35 graus. O que mais encantou o naturalista foi a variedade da vegetação, multicolorida, e dos animais. "Era uma tarefa gigantesca descrever, classificar, catalogar, dissecar, espetar, preservar tudo o que colhi, entre animais, vegetais e minerais", ele anotou no diário.
Sua estada no Rio, no entanto, não foi dedicada apenas ao trabalho de naturalista. Levado pelo capitão Fitzroy, a quem devia fazer sempre companhia, Darwin freqüentou a noite carioca. Jantou na casa do ministro plenipotenciário inglês e foi várias vezes convidado para jantar na casa do almirante Thomas Baker, comandante-e-chefe inglês no Rio de Janeiro. Assistiu a um concerto de piano na casa do adido britânico, que lhe garantiu que se permanecesse mais algum tempo na cidade certamente ganharia um bom emprego e uma bela moça de família rica em casamento.
Apesar de ter gostado daquele período e ter admirado bastante a paisagem, a flora e a fauna do pais, Darwin anotou em seu diário que não sentia amizade pelos brasileiros. Cenas de violências contra escravos que presenciou não apenas no Rio mas também em Salvador e no Recife, onde o Beagle passou mais tarde, fizeram-lhe "ferver o sangue nas veias".
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sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
Pele para toda Obra- Biologia
PELE PARA TODA OBRA - Biologia
O mais versátil órgão do corpo humano não tem sequer 2 milímetros de espessura.
Como se fosse uma carapaça blindada, deixa de fora os raios solares e todo provável inimigo. Mantém a temperatura ideal: guarda o calor nos dias frios e o frio nos dias quentes. Reserva água para ser usada sempre que necessário e controla a pressão sangüínea. Produz vitamina e elimina substâncias tóxicas. Capta uma diversidade de informações do ambiente e transmite outras. E dá ainda ao corpo todo o seu contorno e relevo. Por baixo de sua aparente simplicidade, a pele é o mais versátil órgão humano, além de tão vital quanto o coração. Com toda essa importância, seria de esperar que as pessoas tivessem a seu respeito um conhecimento, digamos, menos epidérmico. Mas, na verdade, poucos sabem o que é estar na própria pele.
Embora seja uma engrenagem literalmente finíssima - sua espessura vai de 0,4 a 2 milímetros abriga uma série de estruturas, como nervos, glândulas e músculos, cada qual com funções bastante especializadas. Esticada da cabeça aos pés, a pele humana cobriria uma área de até 2 metros quadrados. Mas, certamente, ela não se estenderia por igual, feito um balão de gás que se enche: ora seria mais fina, ora mais áspera. Isso porque, para cobrir os olhos, por exemplo, a pele forma o fino parabrisa das pálpebras, enquanto para evitar o desgaste dos pés ela cria a proteção das calosidades. Sobre as juntas, como joelhos e cotovelos, fica pregueado para permitir flexibilidade e, nos dedos, para agarrar melhor, como um pneu agarra o chão, possui sulcos. Enfim, a pele não se pauta pela rigidez - ao contrário, se adapta à parte do corpo que reveste.
Um adulto perde diariamente cerca de 15 gramas de células epiteliais, como são chamadas as células da pele; é, em todos os sentidos, uma perda imperceptível: desde que se formam, na primeira semana de vida do feto, essas células se renovam sem parar. Toda essa atividade, que só termina com a morte, é para produzir a queratina, uma proteína impermeável que não permite a saída da água, que compõe 70 por cento do organismo humano.
Por isso, na verdade, por mais que uma pele rosada aparente estar cheia de vida, tudo o que se pode ver dela é uma camada de células mortas. As células vivas e arredondadas da epiderme, como é chamada a camada exterior da pele, nascem cerca de meio milímetro abaixo da superfície. Começam a subir gradativamente, empurradas por novas células param de nascer.
A epiderme, por sua vez, tem quatro camadas; as células saem da mais interior delas, a camada germinativa, rumo à camada de Malpighi, onde assumem uma aparência espinhosa; depois, sobem em direção à camada granulosa da epiderme, onde se inicia a formação da queratina, a partir da transformação de certas proteínas; a queratina, vai matando as células aos poucos, tomando o espaço dos seus núcleos. As células chegam mortas à última camada, a córnea, e, de tanto ser empurradas, ficam achatadas como escamas. Onde a pele é mais grossa, como na sola dos pés e na palma das mãos, podem existir camadas extras. De qualquer forma, todo o ciclo de vida da célula epitelial não dura mais de 21 dias.
Para formar as unhas, o organismo recorre ao mesmo processo. Afinal, as unhas nada mais são do que células epiteliais modificadas, cuja queratina atinge o máximo de rigidez. Há alguns milhares de anos sem uma função especial, as unhas são apenas resquício dos duros tempos primitivos em que o homem precisava lutar com garras e dentes pela sobrevivência. Também na epiderme, mais precisamente na camada germinativa, é que ficam os melanócitos, células especializadas em produzir um pigmento preto, a melanina, que se distribui pela pele, dando - lhe cor. Ao contrário do que se poderia pensar, não é o maior ou menor número dessas células que torna as pessoas negras ou brancas; o que conta é a quantidade de melanina que a célula consegue produzir.
A melanina não se limita a colorir: é o melhor dos filtros solares, impedindo a entrada dos raios ultravioleta. Por isso é que se pode ficar bronzeado numa praia, por exemplo: para proteger-se do sol, a pele aumenta a produção da melanina e escurece. Às vezes, a produção é maior em certos melanócitos do que em outros e assim surgem as sardas, pequenas pintinhas escuras. "Essa hiperatividade pode ser causada por hereditariedade", explica o dermatologista Mário Grinblat, do Hospital Albert Einstein de São Paulo, "mas também se sus peita que tenha a ver com certos hormônios femininos, já que as sarda aparecem com maior freqüência em mulheres."
Os poucos raios ultravioleta que conseguem atravessar a barreira de melanina reagem com determinada proteínas das células epiteliais, produzindo a vitamina D, essencial ao fortalecimento dos ossos. Porém, se essa produção for excessiva, causar problemas, como depósitos de cálcio nas juntas. É em cima da produção de vitamina D que muitos cientista tentam explicar as diferenças de cor na espécie humana. Ao longo da evolução, pessoas que viviam sob o sol forte e constante dos trópicos, com os africanos, teriam a pele mais escura porque a carência de vitamina D seria menor; já os habitantes de climas temperados ou frios teriam a pele clara para deixar entrar os poucos raios luminosos e assim manter a sua quota da vitamina. A única exceção, segundo essa teoria, seriam os esquimós, que têm a pele morena, mesmo vivendo no gelo.
Nesse caso, os cientistas observam que a alimentação dos esquimós. baseada em óleo de fígado e pescados crus, já é tão rica em vitamina D que a pele não precisa fabricá-la - daí a produção da melanina, para evitar excessos.
Mas é na derme, camada abaixo da epiderme, que se localiza o centro de operações da pele. Em meio a um líquido gelatinoso, chamado gel coloidal - que reserva água para outras partes do corpo, em caso de emergência - , estão mergulhados músculos, foliculos, glândulas, nervos e vasos.
As terminacões nervosas, especializadas em cinco sensações diferentes - tato, calor, frio, pressão e dor - fazem da pele o mais completo entre os órgãos dos sentidos. Nas regiões mais sensíveis, como nas pontas dos dedos e lábios, chegam a existir duas mil terminações nervosas por centímetro quadrado; já nos ombros, onde a pele é comparativamente menos sensível, não há mais do que quarenta terminações nervosas por centímetro quadrado. A imensa quantidade de vasos sangüíneos existente na derme, capaz até de trazer muito mais sangue do que a pele em si necessita, mostra que ela está a serviço também do sistema circulatório. De fato, quando a pressão arterial sobe muito, com risco de derrame no cérebro ou no coração, até um quarto do sangue que circula pelo corpo pode escapar para a pele, aliviando assim as artérias dos órgãos em perigo. Dai por que pessoas com pressão alta ficam com o rosto corado. A recíproca, no caso, é verdadeira, pois fica-se pálido quando se está com a pressão baixa, porque os vasos da pele se fecham, mandando mais sangue para o resto do corpo, a fim de aumentar a pressão nas artérias.
A circulação na derme, também aumenta ou diminui conforme a temperatura pois a pele está intimamente ligada à região cerebral chamada hipotálamo, que possui duas espécies de termostato. Um deles registra a elevação excessiva da temperatura corporal ou porque o dia está quente ou porque o corpo está em atividade e manda que o sangue circule com maior intensidade pela pele, a fim de dissipar o calor por radiação.
Ao mesmo tempo, certas glândulas da pele começam a produzir um líquido à base de sais, que se evapora em contato com o exterior da pele, provocando um ligeiro resfriamento do corpo: trata-se do popular suor. Calcula-se que um adulto pode produzir diariamente de meio litro a 2 litros de suor.
Quando a temperatura do corpo cai, o outro termostato do hipotálamo entra em ação e cuida para que o suor e a circulação do sangue diminuam. Mas, em dias frios. a terceira e última camada da pele, a hipoderme, abaixo da derme, também tem um papel fundamental, pois é formada por glóbulos de gordura, que servem de isolante térmico. É claro que a espessura dessa camada, além de definir as curvas do corpo, faz a diferença do gorda para o magro. No passado remoto da espécie, a função principal dos pêlos era aquecer. À medida que o homem foi evoluindo, porém, os pêlos foram se atrofiando. Mesmo assim, o corpo humano só não possui pêlos nas palmas das mãos e solas dos pés, ainda que em certas regiões sejam invisíveis a olho nu, como nos rostos femininos.
Um pêlo nada mais é do que um fio de proteína queratina, como a da pele, envolvido por uma capa de queratina dura; a cor do pêlo é dada pelos melanócitos de seu interior. Com o passar dos anos, essas células deixam de produzir a melanina e o pêlo embranquece. Da mesma forma como nos animais, o pêlo humano tem vida curta: os do corpo caem todo ano; os do couro cabeludo duram de dois a seis anos. Apenas não se nota a muda dos pêlos como nos outros animais, porque ela não acontece de forma organizada: cai um ou outro pêlo diariamente, e não todos de uma vez. Para se ter uma idéia, uma pes-soa normal perde em média todo santo dia trinta dos cerca de 300 mil fios que lhe cobrem a cabeça.
Cada pêlo está ligado a uma ou mais glândulas sebáceas. Estas se aproveitam do canal por onde sai o fio para liberar uma substância gordurosa que, junto com o suor, forma a emulsão protetora natural da pele. Existem cerca de dezessete glândulas sebáceas por centímetro quadrado de pele. Nesse mesmo espaço comprimem-se até duzentas glândulas sudoríparas.
"Pele normal é aquela em que as secreções dessas glândulas se equilibram", explica o doutor Mário Grinblat. "O equilíbrio pode dificultar o aparecimento de certas doenças, como pé-de-atleta".
Milhões de microorganismos, na maioria bactérias, habitam a pele humana. Só nas axilas, por exemplo, existem de 2 a 4 milhões de bactérias por centímetro quadrado: são responsáveis, aliás, pelo odor acre do suar, que na origem não tem cheiro algum. Num encontro de dermatologistas americanos, em fevereiro último, em Nova York, revelou-se algo que talvez explique como a pele mantém sob controle aqueles microorganismos: as células epiteliais produzem certas substância anteriormente consideradas exclusivas dos glóbulos brancos do sangue - que ajudam a desenvolver as células T de defesa do organismo.
Os cientistas descobriram que as células epiteliais ativam hormônios, como os sexuais, produzem substâncias equivalentes aos hormônios da tireóide e ainda fabricam uma proteína típica do fígado, que elimina o colesterol. Não se sabe ainda a função dessas substâncias para as células epiteliais. Mas é certo que, quando se danifica a pele em acidentes, está se perdendo parte daquela produção, o que de alguma maneira deve afetar o restante do organismo. Naturalmente, quando acontece um corte superficial na pele, o cérebro manda que se acelere o ritmo de produção de novas células. Mas em acidentes mais graves, como queimaduras, que destroem um pedaço da pele. não existem tantos recursos. Por desempenhar tantas funções ao mesmo tempo, a perda de uma determinada quantidade de pele pode ser fatal. Calcula se que uma pessoa com menos de 30 anos só sobrevive a queimaduras se tiver menos de 75 por cento da pele atingidos; uma pessoa de 45 anos não pode ter mais de 48 por cento da pele afetados; já em pessoas com mais de 75 anos, queimar 20 por cento da área total da pele do corpo é altíssimo risco de vida.
Essa realidade pode mudar com o uso de uma pele artificial, capaz de substituir temporariamente a pele distruída. Há alguns anos, os cientistas têm pesquisado materiais derivados de petróleo, como o silicone, para a fabricação de pele artificial. Mas o produto mais moderno, candidato a substituto à altura do órgão original, por ser biológico, foi desenvolvido pelo pesquisador brasileiro Luis Fernando Farah, 33 anos, de Curitiba, que há um ano e meio patenteou em dezenove países uma celulose para substituir a pele, chamada Bio Fill. A descoberta foi quase um acaso. No réveillon de 1985, Farah se contorcia de dor por ter derramado uma panela de água fervente sobre o corpo. Na ilha do litoral paranaense onde passava o ano novo. não havia recursos. Ele mesmo acabou cuidando da queimadura, rasgando bolhas e tentando colar os pedaços de pele para não deixar o ferimento em carne viva.
Um ano depois, já recuperado, Farah começou a pesquisar algo como uma celulose capaz de substituir a cera de abelha na produção de mel. "Quando cheguei à celulose, lembrei-me do acidente e achei que o material tinha características ideais para substituir a pele. Tratei então de testá-lo e funcionou." Hoje a pele de celulose é usada em hospitais do país inteiro. Além de acelerar a cicatrização e proteger contra infecções, o produto, ao cobrir as terminações nervosas, elimina qualquer sensação de dor. "Os nervos se deixam enganar, enviando ao cérebro a mensagern de que ali existe pele", explica Farah. E de fato a celulose se comporta como uma pele. A pessoa pode levar uma vida normal, e até tomar banho, que a pele irá descascando como se fosse natural, à medida que ocorrer a cicatrização dos tecidos naturais que estão por baixo.
Segundo os especialistas, quase a metade das pessoas que procuram um dermatologista têm um problema estético. Geralmente, segundo Mário Grinblat, elas acreditam que esse problema foi causado por algo que comeram, 0 que não costuma ser verdade. "Raramente um problema de pele está relacionado à alimentação, como a maioria pensa", diz Grinblat. E dá uma grande notícia: "Chocolate nunca causou espinha". Ele acredita, porém, que a pele é um dos órgãos mais facilmente influenciáveis pela mente: "Quando se acha que algo vai causar manchas ou irritações cutâneas, pode apostar que vai mesmo".
As pesquisas na área de estética se concentram mais no combate ao envelhecimento, a maior causa de rugas de preocupação. Na derme, as fibras de proteínas chamadas colágeno e elastina sustentam todo o tecido cutâneo, organizando-se como uma verdadeira rede. Tais fibras parecem molas: esticam ou se contraem quando a pele é puxada num beliscão. Com o passar dos anos, essa rede perde a elasticidade e o tecido a que dá sustentação - ou seja, a pele - fica flácido. A polêmica surge quando se discute o que fazer para manter elástica a rede de sustentação.
Alguns pesquisadores acreditam que o processo é irreversível e apontam o sol como um dos grandes culpados, por desidratar as fibras de proteína, que precisam sempre de absorver água. Cientistas americanos constataram recentemente que a vitamina A, usada em casos de acne, parece provocar a reidratação das fibras elásticas, mas isso ainda está sendo testado. E os cremes, será que funcionam? Depende. As pesquisas mostram que a pele é um dos órgãos com maior capacidade de regeneração, ou seja, ao menos em teoria uma ruga pode desaparecer. Mas, ao mesmo tempo, a pele é extremamente influenciada pelos estados emocionais e pelo modo de vida. "Está provado que, para se recuperar de uma desidratação ou, no caso, do envelhecimento, as fibras elásticas dependem diretamente de uma vida saudável além de tratamentos cosméticos", diz Roberto Papov, da empresa O Boticário. "Não há creme que evite problemas em quem dorme pouco, bebe e fuma muito."
Coisa de pele
Quando alguém se sente atraído por alguém e diz que o motivo é "coisa de pele" sabe exatamente o que está falando. De fato, sexo e pele têm muito em comum. Para começar, através das terminações nervosas cutâneas, pode-se experimentar a sensação das carícias que levam à excitação. Aliás, pele e carinho se associam desde os primeiros dias de vida, pois é pelos afagos e pelo calor transmitido pela pele dos pais que a criança experimenta segurança e conforto.
A pele tem, ainda, alguns recursos próprios para seduzir o próximo (ou a próxima). Na área dos órgãos sexuais, ela se torna mais escura, como se fosse para chamar a atenção; é por esse mesmo motivo que os mamilos têm uma pigmentação mais acentuada.
Os pêlos também entram nesse jogo de assinalar determinadas partes do corpo e diferenciar pele de homem e de mulher. Quando uma pessoa se sente atraída por outra, a pele envia sinais que muitas vezes passam despercebidos, mas nos quais sedutor e seduzida (ou vice-versa) deveriam prestar mais atenção. As palmas das mãos tendem a ficar úmidas porque ali aumenta a produção de suor; o mesmo ocorre na região genital. Enfim, o rosto de quem está apaixonado tende a ficar mais corado, graças a um aumento da circulação sangüínea na superfície cutânea - talvez seja essa coloração rosada o que se costuma chamar "ar de felicidade".
O mais versátil órgão do corpo humano não tem sequer 2 milímetros de espessura.
Como se fosse uma carapaça blindada, deixa de fora os raios solares e todo provável inimigo. Mantém a temperatura ideal: guarda o calor nos dias frios e o frio nos dias quentes. Reserva água para ser usada sempre que necessário e controla a pressão sangüínea. Produz vitamina e elimina substâncias tóxicas. Capta uma diversidade de informações do ambiente e transmite outras. E dá ainda ao corpo todo o seu contorno e relevo. Por baixo de sua aparente simplicidade, a pele é o mais versátil órgão humano, além de tão vital quanto o coração. Com toda essa importância, seria de esperar que as pessoas tivessem a seu respeito um conhecimento, digamos, menos epidérmico. Mas, na verdade, poucos sabem o que é estar na própria pele.
Embora seja uma engrenagem literalmente finíssima - sua espessura vai de 0,4 a 2 milímetros abriga uma série de estruturas, como nervos, glândulas e músculos, cada qual com funções bastante especializadas. Esticada da cabeça aos pés, a pele humana cobriria uma área de até 2 metros quadrados. Mas, certamente, ela não se estenderia por igual, feito um balão de gás que se enche: ora seria mais fina, ora mais áspera. Isso porque, para cobrir os olhos, por exemplo, a pele forma o fino parabrisa das pálpebras, enquanto para evitar o desgaste dos pés ela cria a proteção das calosidades. Sobre as juntas, como joelhos e cotovelos, fica pregueado para permitir flexibilidade e, nos dedos, para agarrar melhor, como um pneu agarra o chão, possui sulcos. Enfim, a pele não se pauta pela rigidez - ao contrário, se adapta à parte do corpo que reveste.
Um adulto perde diariamente cerca de 15 gramas de células epiteliais, como são chamadas as células da pele; é, em todos os sentidos, uma perda imperceptível: desde que se formam, na primeira semana de vida do feto, essas células se renovam sem parar. Toda essa atividade, que só termina com a morte, é para produzir a queratina, uma proteína impermeável que não permite a saída da água, que compõe 70 por cento do organismo humano.
Por isso, na verdade, por mais que uma pele rosada aparente estar cheia de vida, tudo o que se pode ver dela é uma camada de células mortas. As células vivas e arredondadas da epiderme, como é chamada a camada exterior da pele, nascem cerca de meio milímetro abaixo da superfície. Começam a subir gradativamente, empurradas por novas células param de nascer.
A epiderme, por sua vez, tem quatro camadas; as células saem da mais interior delas, a camada germinativa, rumo à camada de Malpighi, onde assumem uma aparência espinhosa; depois, sobem em direção à camada granulosa da epiderme, onde se inicia a formação da queratina, a partir da transformação de certas proteínas; a queratina, vai matando as células aos poucos, tomando o espaço dos seus núcleos. As células chegam mortas à última camada, a córnea, e, de tanto ser empurradas, ficam achatadas como escamas. Onde a pele é mais grossa, como na sola dos pés e na palma das mãos, podem existir camadas extras. De qualquer forma, todo o ciclo de vida da célula epitelial não dura mais de 21 dias.
Para formar as unhas, o organismo recorre ao mesmo processo. Afinal, as unhas nada mais são do que células epiteliais modificadas, cuja queratina atinge o máximo de rigidez. Há alguns milhares de anos sem uma função especial, as unhas são apenas resquício dos duros tempos primitivos em que o homem precisava lutar com garras e dentes pela sobrevivência. Também na epiderme, mais precisamente na camada germinativa, é que ficam os melanócitos, células especializadas em produzir um pigmento preto, a melanina, que se distribui pela pele, dando - lhe cor. Ao contrário do que se poderia pensar, não é o maior ou menor número dessas células que torna as pessoas negras ou brancas; o que conta é a quantidade de melanina que a célula consegue produzir.
A melanina não se limita a colorir: é o melhor dos filtros solares, impedindo a entrada dos raios ultravioleta. Por isso é que se pode ficar bronzeado numa praia, por exemplo: para proteger-se do sol, a pele aumenta a produção da melanina e escurece. Às vezes, a produção é maior em certos melanócitos do que em outros e assim surgem as sardas, pequenas pintinhas escuras. "Essa hiperatividade pode ser causada por hereditariedade", explica o dermatologista Mário Grinblat, do Hospital Albert Einstein de São Paulo, "mas também se sus peita que tenha a ver com certos hormônios femininos, já que as sarda aparecem com maior freqüência em mulheres."
Os poucos raios ultravioleta que conseguem atravessar a barreira de melanina reagem com determinada proteínas das células epiteliais, produzindo a vitamina D, essencial ao fortalecimento dos ossos. Porém, se essa produção for excessiva, causar problemas, como depósitos de cálcio nas juntas. É em cima da produção de vitamina D que muitos cientista tentam explicar as diferenças de cor na espécie humana. Ao longo da evolução, pessoas que viviam sob o sol forte e constante dos trópicos, com os africanos, teriam a pele mais escura porque a carência de vitamina D seria menor; já os habitantes de climas temperados ou frios teriam a pele clara para deixar entrar os poucos raios luminosos e assim manter a sua quota da vitamina. A única exceção, segundo essa teoria, seriam os esquimós, que têm a pele morena, mesmo vivendo no gelo.
Nesse caso, os cientistas observam que a alimentação dos esquimós. baseada em óleo de fígado e pescados crus, já é tão rica em vitamina D que a pele não precisa fabricá-la - daí a produção da melanina, para evitar excessos.
Mas é na derme, camada abaixo da epiderme, que se localiza o centro de operações da pele. Em meio a um líquido gelatinoso, chamado gel coloidal - que reserva água para outras partes do corpo, em caso de emergência - , estão mergulhados músculos, foliculos, glândulas, nervos e vasos.
As terminacões nervosas, especializadas em cinco sensações diferentes - tato, calor, frio, pressão e dor - fazem da pele o mais completo entre os órgãos dos sentidos. Nas regiões mais sensíveis, como nas pontas dos dedos e lábios, chegam a existir duas mil terminações nervosas por centímetro quadrado; já nos ombros, onde a pele é comparativamente menos sensível, não há mais do que quarenta terminações nervosas por centímetro quadrado. A imensa quantidade de vasos sangüíneos existente na derme, capaz até de trazer muito mais sangue do que a pele em si necessita, mostra que ela está a serviço também do sistema circulatório. De fato, quando a pressão arterial sobe muito, com risco de derrame no cérebro ou no coração, até um quarto do sangue que circula pelo corpo pode escapar para a pele, aliviando assim as artérias dos órgãos em perigo. Dai por que pessoas com pressão alta ficam com o rosto corado. A recíproca, no caso, é verdadeira, pois fica-se pálido quando se está com a pressão baixa, porque os vasos da pele se fecham, mandando mais sangue para o resto do corpo, a fim de aumentar a pressão nas artérias.
A circulação na derme, também aumenta ou diminui conforme a temperatura pois a pele está intimamente ligada à região cerebral chamada hipotálamo, que possui duas espécies de termostato. Um deles registra a elevação excessiva da temperatura corporal ou porque o dia está quente ou porque o corpo está em atividade e manda que o sangue circule com maior intensidade pela pele, a fim de dissipar o calor por radiação.
Ao mesmo tempo, certas glândulas da pele começam a produzir um líquido à base de sais, que se evapora em contato com o exterior da pele, provocando um ligeiro resfriamento do corpo: trata-se do popular suor. Calcula-se que um adulto pode produzir diariamente de meio litro a 2 litros de suor.
Quando a temperatura do corpo cai, o outro termostato do hipotálamo entra em ação e cuida para que o suor e a circulação do sangue diminuam. Mas, em dias frios. a terceira e última camada da pele, a hipoderme, abaixo da derme, também tem um papel fundamental, pois é formada por glóbulos de gordura, que servem de isolante térmico. É claro que a espessura dessa camada, além de definir as curvas do corpo, faz a diferença do gorda para o magro. No passado remoto da espécie, a função principal dos pêlos era aquecer. À medida que o homem foi evoluindo, porém, os pêlos foram se atrofiando. Mesmo assim, o corpo humano só não possui pêlos nas palmas das mãos e solas dos pés, ainda que em certas regiões sejam invisíveis a olho nu, como nos rostos femininos.
Um pêlo nada mais é do que um fio de proteína queratina, como a da pele, envolvido por uma capa de queratina dura; a cor do pêlo é dada pelos melanócitos de seu interior. Com o passar dos anos, essas células deixam de produzir a melanina e o pêlo embranquece. Da mesma forma como nos animais, o pêlo humano tem vida curta: os do corpo caem todo ano; os do couro cabeludo duram de dois a seis anos. Apenas não se nota a muda dos pêlos como nos outros animais, porque ela não acontece de forma organizada: cai um ou outro pêlo diariamente, e não todos de uma vez. Para se ter uma idéia, uma pes-soa normal perde em média todo santo dia trinta dos cerca de 300 mil fios que lhe cobrem a cabeça.
Cada pêlo está ligado a uma ou mais glândulas sebáceas. Estas se aproveitam do canal por onde sai o fio para liberar uma substância gordurosa que, junto com o suor, forma a emulsão protetora natural da pele. Existem cerca de dezessete glândulas sebáceas por centímetro quadrado de pele. Nesse mesmo espaço comprimem-se até duzentas glândulas sudoríparas.
"Pele normal é aquela em que as secreções dessas glândulas se equilibram", explica o doutor Mário Grinblat. "O equilíbrio pode dificultar o aparecimento de certas doenças, como pé-de-atleta".
Milhões de microorganismos, na maioria bactérias, habitam a pele humana. Só nas axilas, por exemplo, existem de 2 a 4 milhões de bactérias por centímetro quadrado: são responsáveis, aliás, pelo odor acre do suar, que na origem não tem cheiro algum. Num encontro de dermatologistas americanos, em fevereiro último, em Nova York, revelou-se algo que talvez explique como a pele mantém sob controle aqueles microorganismos: as células epiteliais produzem certas substância anteriormente consideradas exclusivas dos glóbulos brancos do sangue - que ajudam a desenvolver as células T de defesa do organismo.
Os cientistas descobriram que as células epiteliais ativam hormônios, como os sexuais, produzem substâncias equivalentes aos hormônios da tireóide e ainda fabricam uma proteína típica do fígado, que elimina o colesterol. Não se sabe ainda a função dessas substâncias para as células epiteliais. Mas é certo que, quando se danifica a pele em acidentes, está se perdendo parte daquela produção, o que de alguma maneira deve afetar o restante do organismo. Naturalmente, quando acontece um corte superficial na pele, o cérebro manda que se acelere o ritmo de produção de novas células. Mas em acidentes mais graves, como queimaduras, que destroem um pedaço da pele. não existem tantos recursos. Por desempenhar tantas funções ao mesmo tempo, a perda de uma determinada quantidade de pele pode ser fatal. Calcula se que uma pessoa com menos de 30 anos só sobrevive a queimaduras se tiver menos de 75 por cento da pele atingidos; uma pessoa de 45 anos não pode ter mais de 48 por cento da pele afetados; já em pessoas com mais de 75 anos, queimar 20 por cento da área total da pele do corpo é altíssimo risco de vida.
Essa realidade pode mudar com o uso de uma pele artificial, capaz de substituir temporariamente a pele distruída. Há alguns anos, os cientistas têm pesquisado materiais derivados de petróleo, como o silicone, para a fabricação de pele artificial. Mas o produto mais moderno, candidato a substituto à altura do órgão original, por ser biológico, foi desenvolvido pelo pesquisador brasileiro Luis Fernando Farah, 33 anos, de Curitiba, que há um ano e meio patenteou em dezenove países uma celulose para substituir a pele, chamada Bio Fill. A descoberta foi quase um acaso. No réveillon de 1985, Farah se contorcia de dor por ter derramado uma panela de água fervente sobre o corpo. Na ilha do litoral paranaense onde passava o ano novo. não havia recursos. Ele mesmo acabou cuidando da queimadura, rasgando bolhas e tentando colar os pedaços de pele para não deixar o ferimento em carne viva.
Um ano depois, já recuperado, Farah começou a pesquisar algo como uma celulose capaz de substituir a cera de abelha na produção de mel. "Quando cheguei à celulose, lembrei-me do acidente e achei que o material tinha características ideais para substituir a pele. Tratei então de testá-lo e funcionou." Hoje a pele de celulose é usada em hospitais do país inteiro. Além de acelerar a cicatrização e proteger contra infecções, o produto, ao cobrir as terminações nervosas, elimina qualquer sensação de dor. "Os nervos se deixam enganar, enviando ao cérebro a mensagern de que ali existe pele", explica Farah. E de fato a celulose se comporta como uma pele. A pessoa pode levar uma vida normal, e até tomar banho, que a pele irá descascando como se fosse natural, à medida que ocorrer a cicatrização dos tecidos naturais que estão por baixo.
Segundo os especialistas, quase a metade das pessoas que procuram um dermatologista têm um problema estético. Geralmente, segundo Mário Grinblat, elas acreditam que esse problema foi causado por algo que comeram, 0 que não costuma ser verdade. "Raramente um problema de pele está relacionado à alimentação, como a maioria pensa", diz Grinblat. E dá uma grande notícia: "Chocolate nunca causou espinha". Ele acredita, porém, que a pele é um dos órgãos mais facilmente influenciáveis pela mente: "Quando se acha que algo vai causar manchas ou irritações cutâneas, pode apostar que vai mesmo".
As pesquisas na área de estética se concentram mais no combate ao envelhecimento, a maior causa de rugas de preocupação. Na derme, as fibras de proteínas chamadas colágeno e elastina sustentam todo o tecido cutâneo, organizando-se como uma verdadeira rede. Tais fibras parecem molas: esticam ou se contraem quando a pele é puxada num beliscão. Com o passar dos anos, essa rede perde a elasticidade e o tecido a que dá sustentação - ou seja, a pele - fica flácido. A polêmica surge quando se discute o que fazer para manter elástica a rede de sustentação.
Alguns pesquisadores acreditam que o processo é irreversível e apontam o sol como um dos grandes culpados, por desidratar as fibras de proteína, que precisam sempre de absorver água. Cientistas americanos constataram recentemente que a vitamina A, usada em casos de acne, parece provocar a reidratação das fibras elásticas, mas isso ainda está sendo testado. E os cremes, será que funcionam? Depende. As pesquisas mostram que a pele é um dos órgãos com maior capacidade de regeneração, ou seja, ao menos em teoria uma ruga pode desaparecer. Mas, ao mesmo tempo, a pele é extremamente influenciada pelos estados emocionais e pelo modo de vida. "Está provado que, para se recuperar de uma desidratação ou, no caso, do envelhecimento, as fibras elásticas dependem diretamente de uma vida saudável além de tratamentos cosméticos", diz Roberto Papov, da empresa O Boticário. "Não há creme que evite problemas em quem dorme pouco, bebe e fuma muito."
Coisa de pele
Quando alguém se sente atraído por alguém e diz que o motivo é "coisa de pele" sabe exatamente o que está falando. De fato, sexo e pele têm muito em comum. Para começar, através das terminações nervosas cutâneas, pode-se experimentar a sensação das carícias que levam à excitação. Aliás, pele e carinho se associam desde os primeiros dias de vida, pois é pelos afagos e pelo calor transmitido pela pele dos pais que a criança experimenta segurança e conforto.
A pele tem, ainda, alguns recursos próprios para seduzir o próximo (ou a próxima). Na área dos órgãos sexuais, ela se torna mais escura, como se fosse para chamar a atenção; é por esse mesmo motivo que os mamilos têm uma pigmentação mais acentuada.
Os pêlos também entram nesse jogo de assinalar determinadas partes do corpo e diferenciar pele de homem e de mulher. Quando uma pessoa se sente atraída por outra, a pele envia sinais que muitas vezes passam despercebidos, mas nos quais sedutor e seduzida (ou vice-versa) deveriam prestar mais atenção. As palmas das mãos tendem a ficar úmidas porque ali aumenta a produção de suor; o mesmo ocorre na região genital. Enfim, o rosto de quem está apaixonado tende a ficar mais corado, graças a um aumento da circulação sangüínea na superfície cutânea - talvez seja essa coloração rosada o que se costuma chamar "ar de felicidade".