sexta-feira, 16 de março de 2018

DIVA - Parte 3 de 3 - JOSÉ DE ALENCAR


DIVA - Parte 3 de 3 - JOSÉ DE ALENCAR


Surpreendi seu olhar... Que olhar,  meu Deus!... A voragem de uma alma revolta pela paixão, e 
abrindo-se para tragar a vítima!

(SEGUE ABAIXO A PARTE 3 DE 3 DESTA OBRA)


Mas foi tão instantâneo, que eu não posso afirmar que vi. Já ela se tinha afastado bruscamente 
dilacerando entre os dedos os renovos das plantas, que sua mão trêmula encontrava na passagem. O 
capuz lhe descera, deixando a cabeça exposta à chuva e à brisa     
 cortante.
Depois de algumas voltas pelo jardim voltou calma, serena e risonha; dirigiu-se à porta, 
indicando-me com um aceno gracioso que  a seguisse. Na sala de jantar onde entramos, estava uma 
cafeteira; ela encheu uma xícara e bebeu dous ou três goles frios e sem açúcar.
-- Ah! Aqui é o gabinete, onde se estuda! disse parando no lumiar. Pode-se entrar?
Eu tinha vergonha da minha modesta habitação, que não era digna daquela honra. Confuso, 
acompanhava quase como um autômato a ela, que vagava de um para outro lado, naturalmente, sem o 
menor vexame. Meu gabinete de trabalho era nesse tempo muito pobre; o que havia de melhor estava 
na cidade. Emília correu a estante com os olhos, lendo o título das poucas obras literárias, com esse 
tom afetuoso com que saudamos antigos amigos.
-- O senhor nunca fez versos? 
-- Quem é que não os fez aos dezoito anos? 
-- Eu!... Tenho dezoito anos e nunca fiz um só. 
-- Inspira-os, que é melhor. 
-- Obrigada! Já lhe inspirei alguns? 
-- A senhora... D. Emília?... 
-- A senhora... Por que não me chama Mila? É como me tratam os que me querem bem.
-- E Mila chamará Augusto? 
-- Está entendido! Não é como lhe chamam seus amigos? 
-- Meus amigos me tratam por tu; disse eu sorrindo. 
-- Isso não! Quando eu disser tu, é porque não existe mais eu em mim. Porém responda! Já lhe 
inspirei algum verso?...
-- Quantos, meu Deus! 
-- Mostre-me! Quero ver! 
-- Mas eu não escrevi! Para quê? Eles não diriam tudo que eu sinto. 
-- Pois agora há de escrevê-los para mim, sim, Augusto? 
-- Não, Mila. Eu já não sei, ou antes nunca soube fazer versos. Quando se começa a vida, 
sente-se essa veleidade; é natural. É o tempo das flores, dos sorrisos e dos cantos. Isso passa.
-- Mas por que não há de escrever ainda? Se não quer ser poeta, seja escritor. Não tem 
ambições? Não ama a glória?
-- Amo; a glória da minha profissão, a única a que devo e posso hoje aspirar. É uma glória 
obscura e desconhecida, bem sei. Nossos triunfos, não os obtemos na praça ou no teatro, diante da 
multidão que aplaude; mas lá, no recôndito de uma casa, no aposento silencioso, onde geme a 
criatura. Só Deus os contempla, só ele os recompensa. O mundo e aqueles mesmos a quem salvamos, 
nos pagam,  mas nem nos agradecem às vezes. Foi a natureza, dizem eles, Mas os reveses, esses 
pesam sobre nós. É uma glória amarga, Emília, a que me coube em partilha.
-- Quem lhe impede de aspirar a outras? 
-- A minha consciência. Quando me dediquei à medicina não busquei só um meio de vida, 
votei-me a um sacerdócio. Sinto que a minha aptidão é essa; fugir a ela fora mentir à, minha missão 
neste mundo.
-- Tem razão! A verdadeira glória deve de ser essa; fazer o bem. Eu é que sou uma louca! Mas 
já gostava da medicina; agora vou gostar ainda mais.
E para confirmar seu dito, Emília começou a examinar os instru mentos e livros com uma 
travessura infantil, roçando por eles de leve a ponta dos dedos, como se os acariciasse. O acaso 
deparou-lhe um atlas de anatomia; pousando então a ponta da unha rosada sobre o título, voltou-se 


[Linha 1700 de 2464 - Parte 3 de 3]


para mim sorrindo:
-- Quero ver o coração! Onde está? 
E afastou-se enquanto eu folheava o atlas para mostrar-lhe a estampa que ela pedira. Esteve a 
olhar muito tempo; afinal murmurou:
-- Quando eu morrer, Augusto, há, de examinar o meu... Para ver se é diferente!
-- Que idéia!... Deixe isso, Mila! retorqui fechando os livros e instrumentos nos armários. Sinto 
não ter em minha casa objetos mais alegres para distraí-la. A minha profissão é triste, já lhe disse, bem 
triste! Vive das misérias do próximo. Suas alegrias são sempre travadas de dores!... Afinal nos 
habituamos. Mas enquanto não chega essa indiferença, que dúvidas! E quando chega, que aridez! Por 
isso, Emília, eu sinto a necessidade de um santo amor, que me proteja contra a descrença, e me 
preserve a alma desse terrível contágio do materialismo. 
Emília me ouvira comovida. Ergueu-me a fronte, para que eu  recebesse o meigo sorriso, cheio 
de ternura, que ela me queria em beber n'alma.
-- O que lhe disse eu naquela noite?... Espere! Talvez não espere muito tempo! 
Envolvendo-se na sua capa, fugiu por entre as árvores. 
Depois dessas mútuas expansões e das nossas entrevistas solitárias, depois sobretudo da 
promessa que ela me fizera partindo, parecia natural que eu fosse crescendo na afeição de Emília; 
porém esta moça era cada vez mais incompreensível. Os dias que seguiram tratou-me com bastante 
frieza: e uma tarde com desdém até.
Achei-a lendo uma folha de pequeno papel bordado que me pareceu carta: pensei que fosse 
da prima. Ela nem ergueu os olhos para cumprimentar-me; e respondeu com uma simples inclinação da 
fronte. Sentei-me; dirigi-lhe por vezes a palavra sem obter mais resposta que um sim ou não; afinal 
conhecendo que ela estava preocupada, esperei calado pelo seu bel-prazer.
Emília leu e releu, talvez já esquecida da minha presença; dobrando o papel, que meteu no 
bolso, começou a passear pela sala, visivelmente distraída. Por momentos soltava débeis modulações 
de alguma ária; depois fugia-lhe pelos lábios um sorriso misterioso, desses que se sorriem sem 
consciência, verdadeiras esfinges d'alma.
Não me pude mais conter: 
- Adeus, D. Emília. Vejo que minha presença começa a incomodá-la: é tempo de torná,-la mais 
rara e menos importuna.
- Ah! já cansou de esperar? respondeu com um ligeiro riso de mofa.
- Já perdi a esperança, confesso-lhe. Já; porque enfim compreendo o que se passa em seu 
espírito.
- Queria que me dissesse isso! Ficaria sabendo. 
- Dir-lhe-ei; por que não? A senhora é de uma bondade extrema e cuida que eu tenho direito à 
sua gratidão. Conheceu que eu a amava, que esse amor era minha felicidade e minha vida. Pareceu-lhe 
que recusar-me em troca sua afeição, era o mesmo que recusá-la a um pai, a um irmão. Quis amar-me, 
porque é boa; fez todo o possível para isso, mas debalde... O amor nasce de si mesmo, de repente, 
sem que o suspeitem. Se ele viesse quando o chamamos e desaparecesse à, vontade, não era o que 
é, uma fatalidade. Iludiu-se,  D. Emília. O homem a quem há de amar, a senhora não o conhece,  nem o 
viu talvez. Quando aparecer, não lhe dará tempo de interrogar-se. Seu coração palpitará por si mesmo, 
e a senhora sentirá que ama, sem saber como, nem quando, começou a amar! 
- Talvez isso seja verdade para outras; para mim asseguro-lhe que não. O amor, como eu 
sonho e espero, há de ser a minha vida inteira; portanto parece-me que tenho o direito e até o dever de 
conhecê-lo antes de entregar-me a ele sem reserva e para todo o sempre. 
- É outra ilusão sua! O amor tem a crença ingênua da eternidade; quem o sente acredita 
sinceramente que ele não se extinguirá nunca. Eu não tive a felicidade de lhe inspirar essa fé sublime; 
portanto que esperança posso ter? O melhor talvez fosse retirar-me, porque à força de querer violentar 
seu coração, Emília, talvez acabe odiando-me!...
- Odiando-o?... exclamou Emília assustada. Como lhe veio semelhante pensamento?


[Linha 1750 de 2464 - Parte 3 de 3]


- Não me disse já, uma vez? 
- Cale-se! atalhou ela com inexplicável pavor. 
Emília ficou algum tempo muda e pálida, absorta na estranha emoção.
- Augusto!... disse-me ela afinal, e com terna melancolia. Não tem razão. Quem me fez 
acreditar no amor? Quem me deu a fé e a esperança nele?... Lembre-me! Antes de conhecê-lo, eu 
duvidava.
Essa palavra e um sorriso bastaram para serenar minha alma.

 XIV 

HAVIA grande reunião em Matacavalos. 
Tinha visto Emília de relance. Ela sofria já a ebriedade das luzes, da música e dos perfumes, 
que a dominava sempre em pleno salão. Nesses momentos havia em toda a sua  pessoa, na atitude e 
nos movimentos,  anelos impetuosos. Parecia provocar as emoções. Seus lábios aspiravam então 
com avidez o ambiente do baile. 
Mas seu pudor suscetível não a abandonava nunca. Ela atravessava a multidão agitada, como 
a borboleta que enreda o vôo por entre as ramagens do rosal, sem ferir nos espinhos a ponta das asas 
sutis. O que a protegia na confusão, não era tanto o rápido olhar, como um sétimo sentido, que só ela 
possuía: uma espécie de previsão dos objetos que se aproximavam. 
Contudo, eu sofria muito vendo Emília assim esquecida de mim e engolfada nos prazeres que 
outros partilhavam. Essas horas do baile eram meu lento suplicio. Algumas vezes, bem como nessa 
noite, eu evocava debalde as recordações dos dias passados, debalde me acusava de egoísta; o 
ciúme afinal me vencia.
Foi já, quando o coração me desfalecia, que ela pela primeira vez veio onde eu estava.
Notei sua grande palidez. O seio arfava precipitadamente. A fadiga ou a emoção lhe havia 
umedecido a fronte. Seus olhos tinham um bilho vítreo que incomodava.
- O baile já a fatigou?... Muito depressa!... disse-lhe com o riso amargo. 
- Quase não dancei!... Mas não sei o que sinto!... Não me acha muito pálida?        
- Há de ser o calor!... Esta sala é muito abafada! 
- O calor? Se eu tenho frio... frio n'alma!... É a febre que vem!... murmurou com um riso 
singular.
Nessa ocasião o Dr. Chaves aproximou-se para oferecer-lhe o braço.
Hás de te lembrar dele, Paulo. É um brilhante talento de orador, que se revelou de repente na 
câmara por alguns triunfos bem notáveis. Moço ainda, elegante, com uma fisionomia expressiva e o 
reflexo de suas glórias politicas, ele triunfava no salão, como na tribuna.
Antes de aceitar-lhe o braço, Emília me disse a meia voz, com um tom suplicante:
- Não fique tão longe de mim!... Eu lhe peço!
Segui-a por algum tempo; mas quando a vi suspensa à palavra sedutora de seu par, 
embalando-se docemente à música das frases talvez apaixonadas que ele lhe dirigia, tive a coragem de 
arrancar-me a esse martírio. Refugiei-me no jardim.
Havia ali encostados à varanda, e nos intervalos das sacadas, uns bancos de pedra cobertos 
por dosséis de uma trepadeira qualquer. Nos dias de baile, D. Matilde fazia iluminar essa arcaria de 
verdura, que dava à casa um aspecto campestre. 
Fumava sentado num desses bancos. De repente ouço a voz de Emília. Ela se recostara à, 
janela próxima, e continuava com seu par uma conversa animada. A folhagem espessa me escondia 
aos olhos de ambos; porém eu os via perfeitamente no quadro iluminado da janela.
- Tudo isto, doutor, não é mais do que um desses bonitos discursos, de que o senhor tem o 
talento admirável... 
- Então não me acredita? disse o Dr. Chaves. 
- Não posso!... Em uma vida como a sua, tão cheia de glórias e ambições, o que resta para o 


[Linha 1800 de 2464 - Parte 3 de 3]


amor?... As horas perdidas do baile!... Confesse!...
- Mas a senhora não sabe então, D. Emília, que estes curtos  instantes em que a vejo, são os 
únicos que vivo? O resto, o tempo que sobra à minha tão rápida felicidade, trabalho com entusiasmo, 
é verdade! Mas por quê? Porque trabalhar, para mim, é amar ainda, e elevar-me do pó, a fim de poder 
erguer os olhos para o céu sem ofendê-lo! Eu não era ambicioso, não! Foi o amor que me deu esta 
sede de poder. Os meus mais belos triunfos, acredite-me, senhora,  não os sinto quando os alcanço, 
mas quando venho depô-los submissa a seus pés. A minha glória é essa unicamente, fazer de quanto 
o  mundo respeita e acata a humildade de meu amor!...
Emília escutava enlevada. As vezes o orgulho vibrava sua fronte  nobre com um gesto divino. 
Oh! que tirânica beleza é a dessa mulher, que até mesmo quando eu a desprezo, me força a admirá-la!
Quando a voz que a raptava emudeceu, ela ficou suspensa um instante. Depois fitou os olhos 
no Chaves.
-- E se eu exigisse, o senhor teria a coragem de sacrificar tudo a um capricho meu? 
-- Ordene!
-- Não tenho esse direito; respondeu sorrindo. Se o tivesse... não seria assim egoísta. Quisera 
ao contrário partilhar com o mundo inteiro os seus triunfos!
-- Mas esse direito... lhe pertence! Tome-o. Eu lhe suplico!
-- Não me sinto com forças.
-- Sempre essa cruel palavra!
Como eu sofria, Paulo... Mas não! Sofri depois, ainda agora sofro! Naquele instante, nada, 
nada absolutamente! O que a revelação cruel produziu então em mim, não foi nem dor, nem indignação, 
mas um estupor d'alma! Eu ali fiquei, no idiotismo das minhas emoções.
O diálogo do Dr. Chaves fora interrompido pela aproximação do Alvares, que vinha buscar 
Emília para a prometida quadrilha. O deputado teve de ceder o lugar. 
Depois de um curto silêncio, durante o qual o jovem poeta esteve sob a influência do olhar 
soberano de Emília, ele animou-se a falar-lhe em voz submissa:
-- D. Emília... A senhora leu os meus versos? 
-- Li; disse ela. São muito bonitos, mas não são verdadeiros. 
-- Tem razão! Não dizem nem a sombra do que sinto! Mas sou eu o culpado? O verbo divino do 
meu amor, não há na linguagem dos homens palavra que o exprima!
-- Não por certo! Não é possível exprimir o que não se compreende. 
-- Oh! D. Emília! 
-- Oh! Os poetas! Eu os conheço! O que eles amam neste mundo é unicamente sua própria 
imaginação, o ideal sonhado: todos têm sua Galatéla , e nós não somos para eles senão estátuas, que 
os seus versos devem anhnar, como centelhas do fogo sagrado!
-- Se a senhora tivesse lido a poesia que eu ontem escrevi, não pensaria assim, D. Emília!
-- Dê-me! Quero vê-la! 
-- Não a trouxe! 
-- Procure bem! disse Emília sorrindo. 
O Alvares tirou com efeito do bolso um pequeno papel dobrado; mas com a faceirice dos 
escritores, recusou entregá-lo, quando Emília estendia a mão para recebê-lo.
O movimento vivo que ele fez soltou-lhe dentre os dedos o papel, que veio cair no jardim.
Ela riu e afastou-se exclamando: 
-- Bem feito! 
O Alvares correu à, porta da varanda, mas chegou tarde. Não sei que instinto da minha então 
embrutecida natureza, me fez precipitar ligeiro sobre o papel, como fera sobre a presa.
Fui esconder-me no fim do jardim, e ali passei uma hora palpando aquele papel aveludado, 
com o sentimento do suicida tateando o punhal que o deve imolar. Nem mais me lembrava do que se 
passara com o Chaves. A primeira dor envelhecera já.
Quando me supus calmo e senhor de mim, voltei à sala. 


[Linha 1850 de 2464 - Parte 3 de 3]


Do primeiro olhar, vi Emília sentada na outra extremidade, sempre bela e resplandecente; mais 
por certo que nunca, pois nesse instante eu a admirava com olhos de maldição. Recostado ao umbral 
da porta, estava um homem, que a devorava com a vista, esperando impaciente a oportunidade para 
falar-me. Era o tenente Veiga, de quem já te falei.
- Ainda outro, meu Deus! soluçou minha alma agonizante. 
Julga do meu sofrimento, Paulo, pela vileza a que me arrastava o desespero. Acabava de 
roubar um papel que me não pertencia; não era bastante; fiz-me espião. Dei volta pela varanda de 
modo a aproximar-me da porta sem que os dous me pressentissem. Não cheguei já a tempo de ouvir, 
mas vi... 
Emília desprendera uma violeta de seu ramo e deixara-a cair aos pés intencionalmente: o oficial 
curvou-se, apanhou rápido a flor, que beijou e prendeu com orgulho ao peito da farda ornada de 
condecorações.
Tudo isto fora feito com tão delicado disfarce, que ninguém mais  na sala o viu, nem suspeitou.
Vaguei pelo salão conversando com um e outro, cumprimentando algumas senhoras de meu 
conhecimento, procurando assim gastar ao atrito dos indiferentes as emoções dolorosas que me 
pungiam.
Depois sentei-me à mesa do jogo.
Chegou finalmente a quadrilha que eu devia dançar com Emília, a sexta, se não me engano. 
Uma das finezas que ela me fazia nesse tempo, era não dançar mais em um baile, depois de ter 
dançado comigo; por isso me reservava sempre a última de suas quadrilhas.
- Como o senhor está pálido, meu Deus! exclamou ela tomando-me o braço. 
- Não; há de ser o efeito das luzes sobre este papel escarlate; respondi sorrindo. E o seu 
acesso? Já passou?
- Que acesso? perguntou surpresa.
- Não disse há pouco... que tinha febre n'alma?
- Ah!... Sim! Já passou! replicou sorrindo. O senhor é tão bom médico de minha alma, que 
bastou sua lembrança para curar-me.
- Então lembrou-se de mim?
- Que remédio, se não lembrar-me? Procurei-o tantas vezes com os olhos, e não o vi!... Onde 
esteve o senhor todo este tempo?
- Pois deveras reparou em minha ausência, D. Emília? Juraria o contrário!
- Jurava falso! Se não fosse verdade, por que lho diria?
- Quem sabe?
- Quem melhor do que o senhor!
A voz de Emília nessa conversa era doce e meiga. Seu olhar macio acariciava-me com delícias. 
Em toda a sua pessoa derramava-se um celeste eflúvio de ternura, que manava de sua alma, e rorejava 
a flor nativa de sua ingênua altivez. Nunca eu a vira assim maviosa, nem mesmo nas horas em que 
estávamos sós.
- E não me quer dizer onde esteve? perguntou de novo com branda queixa.
- Estive jogando.
- O senhor?... o senhor que aborrece o jogo? Que lembrança foi esta?
- Aborreço o jogo, é verdade! É de todos os vícios o que mais revolve os instintos maus. 
Porém às vezes é necessário. Os venenos também são remédios... perigosos, sim... Quando não 
curam, matam.
-- Queria esquecer-me! disse Emília com terna exprobração. Ingrato!... Quando minha alma o 
chamava!...
Esta palavra exacerbou-me o coração: 
-- Para que, D. Emília? Para que me chamava a senhora? Não tenho nem posição brilhante, nem 
glória, nem talento, para depor a seus pés. O meu amor?... Esse fora um mesquinho triunfo para quem 
alcança os mais brilhantes. Um amor banal... Mas perdão! Não devo mais profanar o meu sentimento 


[Linha 1900 de 2464 - Parte 3 de 3]


com esse nome. Chamarei amizade -- como a senhora. Não me disse uma noite, por outras palavras, 
que a minha afeição era uma flor muito modesta para se fazer dela ramalhetes e grinaldas de baile?... 
Tinha razão!... No campo, por desfastio, em algum dia monótono, pode excitar a curiosidade. Não lhe 
parece?... Assim foi melhor que eu me conservasse longe; devia mesmo não voltar. Tenho receio de 
envergonhá-la com uma paixão ridícula!      
Emília cravara em mim seu olhar inteligente e soberano, que me trespassou a alma todo o 
tempo que eu levei a proferir estas palavras. Havia nesse olhar, de uma fixidade importuna, arrogância 
e curiosidade ao mesmo tempo. Ela parecia querer recalcar-me no coração minha palavra sarcástica, e 
ao mesmo tempo arrancar dali o segredo da súbita mudança operada em mim. 
Depois de uma pausa começou com a palavra triste e lenta: 
-- Não me fale assim! Eu tenho, o senhor bem sabe, um espinho em minha alma; é o orgulho. 
Quando tocam nele o fel se derrama, e eu me sinto má!... Não quero responder-lhe. Posso dizer-lhe 
alguma palavra dura e magoá-lo... Depois sofreremos ambos. Não é melhor a franqueza, do que 
estarmos aqui como duas crianças a ferir-nos com pontas de alfinetes, que podem entrar no coração? 
O senhor tem alguma cousa que o aflige e que eu ignoro. Fale!
Emília deu à, sua voz uma terna inflexão para pronunciar estas últimas palavras:
-- Se eu o ofendi, Augusto, acuse-me! Não será a primeira vez que lhe peça perdão!
Eu sentia, aos sons maviosos dessa voz celeste, meu coração hirto embrandecer-se como 
uma cera; mas de repente o toque do papel que eu tinha no bolso o enregelou. 
-- Não posso falar aqui; respondi trêmulo. Não estamos sós. 
-- Pois amanhã; me disse Emília. As sete horas, junto aos bambus. 
Estimei essa demora; naquele momento, tão próximo ainda da amarga decepção, sentia que 
não poderia ter a dignidade da minha dor.


 XV 

AO nascer do sol, já eu esperava Emília. Que longa noite! 
Sofria horrivelmente, mas como um enfermo desacordado. O estupor do espirito, que me 
fulminou ouvindo a cruel revelação, continuava. Não podia compreender Emília, o anjo  do celeste  
pudor, a altiva  rainha das minhas  adorações,  transformada  de súbito numa desprezível namoradeira 
de sala.
Havia momentos, em que eu achava dentro em mim a imagem de duas Emílias, uma para o meu 
desprezo, outra  para o meu amor. E minha alma, ora exaltava-se em seu orgulho para cuspir a baba da 
indignação às faces daquela, ora ajoelhava humilde e dolente para chorar seu infortúnio aos pés desta.
Passara uma parte da noite a reler os versos do Álvares; ainda os tenho de cor apesar dos 
esforços que faço para esquecê-los. Eles por aí correm num volume de poesias, recentemente 
publicado por esse  moço. Tem por epigrafe -- A ela.
Quando o sol espalhou as trevas, não sei que serenidade derramou-se em meu seio. Era talvez 
a saciedade do sofrimento. 
Emília veio meiga e serena, como a tinha deixado na véspera. O baile longe de fatigar, 
repousava sempre essa incompreensível criatura. Havia no sorriso dos lábios, no cetim das faces e na 
irradiação do olhar, o primor de virgindade que têm as flores recentemente desabrochadas. Quem visse 
essas límpidas auroras de sua beleza, julgaria que ela acabava de nascer moça, ao despontar do sol, 
como as rosas e as borboletas. Tal era o frescor e o viço da sua formosura.
Quando a percebi de longe, senti que o meu coração exauria-se; a indignação que o enchera 
até aquele momento fugiu dele. Temia que o primeiro olhar de Emília dissipasse a minha cólera, e que 
sua primeira palavra me curvasse a seus pés humilhado ainda por um amor indigno.
-- D. Emília, disse-lhe eu, receio ofendê-la... Talvez o melhor fosse calar-me. 
-- O que mais me pode ofender de sua parte é o silêncio, quando o senhor tem um 


[Linha 1950 de 2464 - Parte 3 de 3]


ressentimento de mim. Fale, não tenha receio. Bem vê que eu estou tranquila. 
-- Pois então ouça-me e desculpe. Sem dúvida a senhora julgará pouco nobre meu 
procedimento, surpreendendo um segredo alheio; mas lembre-se que eu a amava!... E a amava tanto, 
que tive a coragem de aviltar-me ao meu amor. Sinto este orgulho! 
Pela primeira vez Emília pareceu surpresa: 
-- Não compreendo! Que fez o senhor? 
Mostrei-lhe os versos e contei-lhe tudo quanto soubera na véspera, durante o baile; tímido e 
balbuciante em princípio, ia-me reanimando a medida que a evocação daquelas cruéis recordações 
magoava minha alma ulcerada; o desespero prorrompeu afinal.
Emília me ouvira impassível.
-- Bem vê que eu sei tudo, D. Emília!
Ela não me respondeu.
-- Ouviria eu mal? Não compreenderia as suas palavras? 
-- Ora! O senhor é tão perspicaz! 
-- Assim não me iludi? Esses homens a amam, e a senhora lhes corresponde?
-- O senhor o diz!
-- Meu Deus! Mas a senhora não sabe que nome tem isso?... 
Emília ergueu-se de um ímpeto. Seus olhos tinham raios lívidos, e sua fronte um luzimento de 
mármore. 
-- O nome?... exclamou ela. O nome que isso tem? Eu lhe digo! É a indiferença... Não! É o 
desprezo, que me inspiram todas estas paixões ridículas que tenho encontrado em meu caminho! Ah! 
Pensa que amo a algum deles? Tanto como ao senhor!... O amor, eu bem o procuro, mas não o acho. 
Ninguém ainda mo soube inspirar. Meu coração está, virgem! Tenho eu a culpa?... Oh! Que ente injusto 
e egoísta que é o homem! Quando nos ama, dá-nos apenas os sobejos de suas paixões e as ruínas de 
sua alma; e entretanto julga-se com direito a exigir de nós um coração não só puro, mas também 
ignorante! Devemos amá-los sem saber ainda o que é o amor; a eles compete ensinar-nos... educar a 
mulher... como dizem em seu orgulho! E ai da mísera escrava que mais tarde conheceu que não 
amava!... Seu senhor é inexorável e não perdoa!... Basta-lhe um aceno, e a multidão apedreja.
Eu assistia, deslumbrado, às erupções que produzia o orgulho ofendido naquela alma 
inteligente. Emília parou um instante para respirar; e a palavra sarcástica frisou outra vez seu lábio 
mimoso:
- Os homens... Felizmente aprendi cedo a conhecê-los, e os desprezo a todos; os desprezo, 
sim, com indignação do amor imenso que eu sinto em mim, e que nem um deles merece!... Cuida o 
senhor que é a minha vaidade que me arrasta pelas salas, como tantas mulheres, pelo prazer de se 
verem admiradas e ouvirem elogios à sua beleza?... Oh! não, meu Deus!... Vós sabeis quanta 
humilhação tenho tragado, eu que tenho orgulho de merecer um nobre amor, vendo-me objeto de 
paixões mentidas e interesseiras!...
- Refere-se a mim, D. Emília?... 
- Ao senhor?... Se eu tivesse um tal pensamento a seu respeito,  julga que esperaria tanto 
tempo para lho declarar? Os outros têm o direito de mentir-me porque me são indiferentes... O senhor, 
a quem eu dei minha amizade e confiança, não!... Seria uma indignidade!... Os outros podem me fazer 
a vida amarga e triste sem que eu me queixe. Mas o senhor...
- D. Emília!... balbuciei comovido.
- Não me queixo, não; nem preciso que me consolem! exclamou arrebatada. Para quê? O que 
eu sofro agora, Deus mo levará em conta para o meu amor, quando eu amar um dia, na terra ou no céu.
Emília afastou-se: e eu a segui involuntariamente. Esperei debalde que voltasse o rosto; por 
fim a chamei; ela parou. 
- Ao menos, D, Emília, não consinta mais que esses homens lhe falem de sua paixão. 
Promete-me?
- Não, senhor!


[Linha 2000 de 2464 - Parte 3 de 3]


- Bem!
- Se me quer amar como eu sou, com os meus caprichos...
- Não posso!
- Tem razão! É melhor assim! respondeu sorrindo.
- Então adeus, D. Emília!
Ela derramou sobre mim num só olhar todo o seu desdém, dizendo com voz pausada:
- E me tinha amor!... Pois eu, se o amasse, me desprezasse o senhor embora, eu o 
acompanharia até aos pés da minha rival para suplicar-lhe as migalhas de seu amor! Eu sim! Mas 
felizmente para nós ambos, não o amo, e creio agora que não o amarei nunca!
Desatando o passo augusto, deixou-me sepultado naquele desengano cruel.
Não me retirei completamente da casa de Duarte; porém as minhas visitas a pouco e pouco 
foram sendo mais raras. Era outra vez em casa de D. Matilde que eu me encontrava agora mais 
freqüentemente com Emília.
Ela, ou de propósito, ou porque não tivesse mais reservas a guardar comigo, atirou-se com 
sofreguidão aos cortejos de sala. Todas as noites a cercava a grande roda dos seus apaixonados, aos 
quais ela de repente despedia com um gesto ou uma palavra, para atrair novos, que eram logo 
substituídos.
Eu sofria, assistindo, a essa profanação de meu belo ideal, um suplicio cruel. Era meu amor 
que a pouco e pouco se despegava do coração, arrancando-lhe as fibras e escalpelando-o. Quando 
esse amor fugir de todo, o que me restará de coração? Uma úlcera apenas!... 
Julinha me compreendera e me consolava. A boa menina, vendo-me infeliz, começou 
ingenuamente a amar-me, mas sem consciência e sem egoísmo, unicamente por uma força invencível 
de sua extrema sensibilidade. Cheguei a iludir-me; pensei que também amava essa
menina, mas o que eu amei em Júlia, foi só o que vinha de Emília, o que ela conversava comigo a 
respeito de sua prima.
- Não se aflija! Mila gosta do senhor, eu sei! dizia-me Julinha.
- Ela confessou-lhe alguma vez? 
- Não; ela nunca me fez confidências; mas eu a conheço muito!       
- Gosta de mim, como daqueles que a cercam neste momento. Olhe!... 
- Não acredite! Zomba de todos eles. 
Emília viu a minha assiduidade junto à prima. Mas percebeu ela o que se passava em mim, 
apesar dos meus esforços para simular indiferença? 
Não sei. 
Uma noite aproximou-se para dizer-me com um sorriso ameno: 
- Os seus novos amores não toleram nem mesmo as antigas amizades?
Confesso-te a minha vergonha, Paulo. Nunca o império dessa mulher sobre mim foi tão tirânico 
como nesse tempo em que me violentava para arrancar minha alma à, sua funesta influência.
Emília tinha seduções tão poderosas, que era impossível resistir. Eu chegava; vinha com uma 
resolução firme de mostrar-lhe minha completa indiferença, e fazê-la acreditar que realmente amava 
Julinha.
Pois quando estava mais entregue a esse jogo do coração, e à força de falar de amor, eu me 
atordoava a ponto de supor que o sentia pela filha de D. Matilde; pois justamente nessa ocasião, 
Emília,  não sei como, arrancava-me de perto da prima e arrastava-me a seus pés.
Bastava-lhe para isso um nada, um sorriso, uma doce inflexão do seu colo, um gesto gracioso 
da mão afilada brincando com um anel dos cabelos ou com uma fita do vestido. 
Oh! Essa mão gentil, quando ela a despia da luva, tinha uma alma; movia-se em torno de sua 
beleza, como um anjo que descera do céu para acariciá-la. Aos toques suaves dos dedos mágicos 
parecia que sua lindeza debuxava-se mais brilhante.
    E eu ficava sem palavra e sem movimento, todo olhar, a contemplá-la de longe.
Afinal, quando ela me via assim alheio de mim e cativo de sua graça, chamava-me com uma 


[Linha 2050 de 2464 - Parte 3 de 3]


imperceptível vibração de fronte.
De ordinário, vendo-me chegar obediente, se demudava por tal forma, que estupidava-me; era 
então fria e glacial, como uma estátua de gelo. Já não me via, nem me ouvia: eu voltava tragando em 
silêncio a minha vergonha.
Outras vezes, não: recebia-me risonha e amável. 
- Julinha está zangada! Vá dançar com ela! dizia-me então. 
Enfim, Paulo, essa mulher  escarnecia de  mim, a  fazer pena. Tratava-me como ao cão da  
Terra-Nova que  havia em  sua chácara, e com o qual a vira tantas vezes brincar. Enxotava-me com a 
ponta do pé, para ter o prazer de me fazer voltar, lambendo o chão por onde ela passava. 
E eu vivia, espremendo em minha alma o fel dessas humilhações a ver se irritava aí a dignidade 
abatida. 

 XVI 

TINHA caído numa tal prostração de ânimo, que Emília se comiserou de mim. 
Uma noite veio sentar-se a meu lado, e seu olhar envolveu-me daquela ternura compassiva e 
protetora, que dava à sua virgem beleza um perfume de ideal maternidade.
- Como eu o tenho feito sofrer, não é verdade? me disse ela compungida. Também eu sofro! 
Que natureza é a minha? Parece que tenho prazer em me contrariar e afligir a mim mesma. Mas não me 
queira mal, Augusto. Eu lhe prometo ser outra daqui em diante; o que perturbou nossa amizade não 
sucederá nunca mais. 
- Deveras!... Promete repelir os seus adoradores! 
- Eu os afastarei tanto de mim, que nem a sombra deles se possa interpor entre nós.
- Obrigado, D. Emília! Obrigado pela senhora, unicamente; não por mim.
- Então isso lhe é indiferente. 
- Vem tarde! O mal está, feito. 
Emília teve um dos seus gestos de rainha. 
- Ah! se eu houvesse profanado a minha alma nesses arremedos de amor com que as moças 
se divertem antes de casar; se eu estivesse em meu quarto ou quinto namoro quando o senhor me 
conheceu, talvez me julgasse digna de sua afeição. Mas eu, que procuro preservar minha alma dessa 
profanação, mostrando-lhe ao vivo o egoísmo, a cupidez e a baixeza que escondem as paixões 
improvisadas numa noite de baile e calculadas friamente no dia seguinte. Eu, que me guardo para 
aquele a quem amar, virgem de amor e imaculada... Sim! imaculada até dos olhares que resvalam sem 
penetrar-me!... Eu, não sou digna de sua estima, Augusto! Para mim, é tarde! 
- Perdão, Mila!... Eu sou um insensato! Mas meu amor é uma tão pura adoração, eu a coloquei 
tão alto na minha veneração, que as palavras apaixonadas desses homens me pareciam denegri-la 
como o fumo de um torpe incenso... Loucura!... Eu devia saber que elas não chegavam ao seu 
coração, como não chegam a Deus as blasfêmias do ímpio!...
Emília respondeu-me com um sorriso delicioso, pousando a mão sobre a minha:
- Não me eleve tanto, para que outra vez não me deixe cair de tão alto!... Esses homens eram 
apenas livros para mim; às vezes tinha lido na véspera sua cópia impressa. Terá ciúmes, Augusto, dos 
romances que eu leio? Sofreu vendo-me no teatro assistir à, representação de uma comédia?
  - Já lhe supliquei meu perdão. Eu estava louco! 
Ela foi nessa noite e nos dias seguintes de uma bondade inexaurível para mim. Voltamos aos 
nossos antigos passeios e às conversas íntimas. Eu estava outra vez terno e amante a seus pés, mas 
orgulhoso e contente do meu triunfo.
Emília cumprira sua palavra de um modo que eu não ousaria esperar. Apareceu ainda algumas 
noites em casa de D. Matilde, como para mostrar-me o modo significativo por que despedia os seus 
adoradores; realmente soube arredá-los a tal distância que nem um deles se animou a voltar. As horas 
que ali passou esteve completamente isolada, ou perto de mim e ao meu braço.


[Linha 2100 de 2464 - Parte 3 de 3]


Por fim deixou de sair, e fez que cessassem as reuniões em sua própria casa, até nos 
domingos. Desde então parecia que ela se poupava ao mundo, e guardava toda, para entregar-se sem 
reserva às expansões de meu amor.
Assim voaram dous meses de felicidade. 
Durante todo esse tempo, Emília foi de uma submissão e docilidade que me punha sempre 
atônito, e muitas vezes afligia.
Tomava para comigo uma atitude de vitima resignada e contrita; parecia que minha vontade a 
tiranizava, quando era eu mísero quem suportava a tirania de seus caprichos. Mas ela sentia não sei que 
íntimo prazer em humilhar-se aos meus olhos; e tinha o talento de, cativando-me o coração e o 
pensamento, insinuar que obedecia ao mínimo aceno meu.
Sucederam muitos acidentes, como o que te vou referir. 
Encomendava ela à sua modista algum elegante vestido, ou comprava qualquer novidade 
parisiense recentemente chegada. A primeira vez que nos víamos logo me fazia alguma pergunta neste 
gênero:
  - Qual é a cor mais de seu gosto? 
Ou então: 
  - Acha bonita a nova moda de vestidos? 
Respondia-lhe com volubilidade, sem dar grande importância à questão. Acontecia às vezes 
que o vestido era da cor ou da moda não preferida por mim; ela o imolava sem piedade; em folha, 
como estava, fazia dele presente a alguma moça, ou sepultava-o nos recantos de uma cômoda. 
Entretanto o vestido era lindo; e fosse feio, que eu o achara divino, trajado por ela. 
Se eu incomodava-me com estes novos caprichos de humildade, tão avessos dos anteriores 
inspirados no orgulho, e como eles tão imperativos, ela insistia impaciente, e não tolerava da minha 
parte a mínima observação. Muitas vezes por essa causa nos separamos tristes e magoados.      
Em nossos mútuos devaneios, quando me cabia a vez de falar,  vazando as expansões de meu 
coração cheio, ajoelhava todo meu ser ante o ídolo de sua graça.
Ela, antes meiga e dócil à minha palavra, já a não escutava; e abstraía-se às ferventes 
adorações para se refugiar em não sei que penosa e amarga cisma. O que encantara outra mulher, 
parecia enfastiá-la; derramava-se por seu rosto uma nuvem de tédio e desgosto.
Quase sempre esquivava-se logo, e deixando-me só alguns instantes, rompia a conversa. 


 XVII

FOI ontem. 
Deixara Emília na véspera descontente por causa de um dos nossos conflitos de submissão 
recíproca. 
Achei-a porém já esquecida dessa pequena contrariedade, e satisfeita. Contudo, tinha certa 
gravidade no olhar e na fronte que anunciava o peso de muitos pensamentos ali concentrados. 
Falou com sua graça costumada; falou do passado, recordando de leve as fases por que 
passara nosso amor. Era sua história íntima, o romance de sua alma, que ela esboçava a traços finos 
e delicados. 
Depois de comparar sua existência anterior tão agitada com o atual isolamento e tranquilidade, 
fixou-me nos olhos, enquanto me dirigia com a voz lenta estas palavras:
- Está satisfeito? Não foi cegamente obedecido? 
- Oh! Mila! Obedecido, não! Não me atrevia a pedir tanto... É uma graça que me concedeu... e 
eu a recebi de joelhos!... 
- Ah! fez ela com uma expressão indefinível de tédio. 
Geraldo entrava nesse momento. Depois de apertar-me a mão: 
- Diz-me uma cousa, Amaral? Por que razão proibiste a Mila de sair de casa? 


[Linha 2150 de 2464 - Parte 3 de 3]


- Ora, Geraldo! respondi eu enfadado. Nunca hás de ter juízo. 
- Foi ela quem me disse!...    
- D. Emília?... 
- E tu acreditaste! disse Mila ao irmão com um riso irônico. 
Isto passava-se ontem.
Hoje à tarde, chegando à sua casa, achei o carro à porta e ela na sala pronta para sair; só 
esperava por D. Leocádia. 
- Vai sair? perguntei-lhe triste. 
- Não vê? respondeu correndo os olhos pelo seu trajo. 
- Volta cedo? 
- Não! Vamos ao teatro.        
- Ah!... Tinha-me... prometido não, mas habituado já a vê-la longe do mundo, bonita e risonha 
só para mim!...
- É verdade; mas os hábitos sempre continuados afinal trazem a monotonia.
Tive um terror pânico. Ouvindo as palavras desdenhosas de Emília e vendo-a calçar as luvas, 
não sei que alucinação foi a minha; se me afigurou que essa moça ia outra vez ser-me arrebatada pela 
vertigem do mundo; que eu a ia perder, e agora para sempre.
- Mila, não sei que tristeza profunda me causa esta sua ida ao teatro... É uma esquisitice 
minha!... Que cousa mais simples do que ir ao teatro?... Mas... Não compreendo este temor... Eu lhe 
suplico!... Antes de partir dê-me coragem! Diga-me essa palavra que eu espero há tanto tempo!      
Ela esquivou a mão, que eu procurava, vestindo-se da dignidade fria que a envolvia às vezes 
como túnica de gelo.
- Tem muita pressa de ouvir essa palavra!... Há, de querer também um juramento solene... que 
firme seus direitos... Poderá então impor-me sua vontade, e que remédio terei eu se não sujeitar-me!... 
Mas ainda é cedo. Espere, meu senhor!
Súbita e profunda revolução se operou em mim; subjugado por ela eu apenas pude pronunciar 
uma frase; mas que profusão de sentimentos, que riqueza de paixão, a alma não verte numa só palavra, 
mesmo vulgar!...
  - Basta, senhora!   
Não sei se minha voz ecoou nalma de Emília, como ressoava na minha; era o grito de uma 
paixão na agonia.
Emília caminhou para mim, absorta em dolorosa emoção: senti sua mão pousar no meu ombro, 
os seus olhos nos meus, o seu hálito nas minhas faces, a sua palavra caindo a uma e uma no meu 
cérebro. Mas eu estava tão profundamente mergulhado em mim mesmo que não compreendia naquele 
instante nem o que olhava, nem o que ouvia.
  - Augusto! Seu amor é um nobre e santo amor, como eu pedia a Deus que me desse a fortuna 
de inspirar!... Responder-lhe com uma dessas afeições banais a que o coração reserva apenas as 
horas vagas que deixam o cálculo e a vaidade, seria uma profanação indigna!... Espero e lhe peço que 
espere para não causar por engano a sua e minha desgraça; para não ser obrigada a dizer-lhe um dia: 
"Eu me iludi! Esta vida que lhe dei, não a podia dar, não me pertencia, mas àquele de quem a roubei e 
agora a reclama! Trai a um, menti ao outro; falhei meu destino; só me resta morrer!" Eis porque eu lhe 
digo que espere.
Calou-se um instante.
  - Talvez me iluda!... Há horas em que duvido ainda como outrora. Quero esperar um ano 
ainda... Acha muito? Para decidir de duas existências?... Se daqui a um ano eu conhecer que não amo, 
a esta mesma hora, no lugar onde o senhor estiver, eu irei dizer-lhe: "Deus negou-me a ventura de amar; 
mas o senhor me ama; se a minha vida é necessária à sua felicidade, tome-a; eu lha dou com prazer; eu 
lhe pertenço, sem amor, mas cheia de dedicação!" Ouviu, Augusto?... Quer um juramento?
  - É inútil! Eu já a não amo!
Fui sincero nesse momento. Aquele sarcasmo com que Emília respondera à minha suplica, o 


[Linha 2200 de 2464 - Parte 3 de 3]


egoísmo frio que ela revelara, tinham traspassado minha alma, e escoado o amor até a última gota... Eu 
acabava de ver, a nu, o aleijão repulsivo daquele coração de moça.
  - Acredite; repeti com desprezo. Acabou, e já nem me lembro que amei! Está agora tão longe 
de mim esse passado!...
Ela mostrou uma ligeira perturbação; mas imediatamente sua altivez a serenou. Então, Paulo, 
passou-se o que só pode compreender quem viu essa mulher sublime. Fez-se nela como um jubileu de 
graça e luz. Aquela radiante formosura expandiu-se vertendo de si nova e mais esplêndida formosura, 
Imagina uma apoteose da beleza.
Emília assim transfigurada teve um sublime gesto de dúvida.
  - É impossível!...
D. Leocádia entrava. Despedi-me e parti.
São duas horas da noite. Tive a coragem de não aparecer no teatro. Lembrando-me que Emília 
lá estava e desenhando em meu espírito a imagem de sua fulgurante beleza, achei-me calmo; perscrutei 
meu coração, e encontrei-o forte.
Realmente já não amo essa mulher, ou se a amo ainda, semelhante afeição está sepultada 
debaixo de outras paixões que acabarão por aniquilá-la completamente.
O que eu sinto agora é só um desejo frio de vingar-me e pagar a Emília desprezo por desprezo.
Eis a história do meu primeiro e talvez único amor, Paulo; precisava derramar no teu seio as 
lágrimas que ainda neste momento afogam meu coração.
         

PENSAVA ter concluído esta carta, mas não, Paulo! Tornei a vê-la!
É passado um mês.
Durante ele evitei encontrar-me com Emília. Minha alma precisava desse momento de repouso 
entre o amor extinto e o ódio nascente.
Foi há três dias que a vi pela primeira vez depois do nosso rompimento.
Jantava eu em casa de D. Matilde. Estava encostado ao piano ouvindo Julinha tocar; a mãe 
chamou-a. Nessa ocasião Emília aproximou-se de mim e disse-me com o seu habitual sarcasmo:
-- Já não me ama... Por que foge de mim? Tem medo?
Estávamos sós na sala.
Travei-lhe do braço e apertei-o com ímpeto brutal.
-- A senhora acredita que a consciência de uma grande infâmia pode matar um homem de 
brio?... Pois se fosse possível que eu viesse a amá-la ainda, sinto que teria tão grande asco de mim e 
uma vergonha tal que me fulminaria como o raio!
Soltei-lhe o braço. Ela deixou-se cair sobre uma cadeira, e, sustendo com a outra mão o pulso 
magoado, esteve a olhar a nódoa roxa que deixara a pressão de meus dedos. Adejava em seus lábios 
um sorriso de mártir.
Eu me afastara indignado de minha própria brutalidade. Não te posso explicar o que foi isso. O 
sarcasmo de Emília irritou-me de uma maneira que ainda agora não compreendo. Seria porque eu ainda 
a amo, malgrado meu, e sua palavra me denunciara minha própria vileza? 
No jantar incomodava-me muito aquela nódoa roxa. Emília estava sentada quase defronte de 
mim, e a cada momento seu braço volteava em torno dela, talvez que de propósito, e para mostrar a 
contusão. 
-- Mila! disse-lhe D. Matilde de longe. O que tens no braço esquerdo?
-- É verdade! acudiu Julinha. Está roxo. Que foi isso?
-- É o sinal da minha cadeia! respondeu Emília sorrindo. 
-- Que cadeia, Mila? perguntou D, Leocádia.
-- Pois não tenho uma pulseira com a forma de um grilhão?... 
-- Tens, sim.
-- Hoje brincando, ela cerrou-me tanto, que pensei me quebrava o pulso!...


[Linha 2250 de 2464 - Parte 3 de 3]


-- Não deves mais usar dela. 
-- Por quê? Ela é inocente, a culpa foi minha. Não foi? disse espreguiçando sobre mim o 
lânguido olhar.
Voltei o rosto sem responder-lhe. Eu começava a sentir uma espécie de pavor dessa menina. 
Havia nela inspiração heróica e a tentação satânica que o gênio do bem ou do mal derrama sobre a  
humanidade pela transfusão da mulher. Em outra cena mais larga eu a julgaria capaz de vibrar o punhal 
de Judite ou de Macbeth.
Desde esse dia quando ela se aproxima de mim, ou mesmo de longe me envolve com seu 
olhar maléfico, a minha coragem vacila. A raiva que sinto de mim mesmo reflui sobre ela. Cubro-me 
então com o motejo ofensivo e grosseiro. Que queres, Paulo? É a coragem do desespero. 
Mas ela, a incompreensível criatura, longe de ofender-se, parece deleitar-se com as explosões 
do meu desprezo e ressentimento. 
Ainda ontem.
Conversávamos indiferentemente, quando veio a falar-se de uma moça, que amava seu primo 
a quem estava prometida, e de repente se casara com o filho de um rico capitalista. Já sabes; a noiva 
era acremente censurada; eu tomei sua defesa contra Julinha.
  - Pois eu desculpo essa moça, D. Julinha; seu amor tinha talvez a coragem da morte, mas não 
tinha a coragem da pobreza. Há naturezas assim; os grandes sacrifícios as exaltam, os pequenos as 
humilham. Eu não a desculparia se ela fosse rica, e em vez de sentir o orgulho de inspirar um amor 
capaz de resistir a essa sedução do dinheiro, se contentasse em comprá-lo... E nem só comprá-lo; mas 
acenar, como os avarentos, com o seu dinheiro, para ter o prazer incompreensível de aviltar a turba de 
adoradores, entre os quais ela afinal escolherá um marido!... Um marido regateado!... 
Emília soltou uma risada argentina; do alto de sua beleza mais que nunca altiva e radiosa 
atirou-me um olhar augusto. Ergueu-se, e não sei que elação deu ela com esse movimento ao seu talhe, 
que parecia subida a um trono.
Conservava-me de pé no mesmo lugar, com as costas apoiadas a  uma árvore do jardim. Ela 
atravessou o espaço que nos dividia, e veio a mim feita em risos, com o passo tão doce e lento que 
resvalava sobre a areia, onde a orla de seu vestido mal roçava. Vendo-a aproximar-se tanto, retrai-me 
contra a árvore para não tocá-la.
Parou enfim: estendendo o lábio altivo, disse-me com uma voz indefinível, uma voz onde havia 
tudo, ódio e amor, desprezo e ternura,  meiguice e sarcasmo; uma voz que parecia canto, grito e soluço 
ao mesmo tempo:
  - Que é isso, se não amor?... Ama-me ainda e mais do que nunca!
Voltou; e agora a fímbria de seu vestido roçagando rojava pela areia, e ela olhava-a sorrindo 
por cima do ombro, e de propósito inclinava-se mais para enegrecê-la no pó, como se fora a minha 
alma abjeta que ela arrastasse assim pelo chão.
Firmei-me ao tronco da árvore com todas as minhas forças, porque o meu primeiro assomo 
fora terrível. Eu não sei o que seria de mim, se eu desse naquela circunstância um primeiro passo para 
essa moça. Fiquei ali imóvel, vendo-a de longe a voltear entre os arbustos. 
De repente senti uma calma assustadora derramar-se em minha alma: era alguma cousa como 
uma algidez moral, reação da grande cólera. 
Tive necessidade de insultar essa moça. 

 XIX 

VOLTO de sua casa.        
Que noite, Paulo! Que noite de ira, foi esta para mim! 
Cheguei  ao  Rio  Comprido  quase  ao  escurecer. Estavam  todos no jardim. Depois de alguns  
instantes, Emília  ergueu-se e  afastou lentamente  do  grupo.  A  alguma  distância,  parou  para  colher  
uma flor, voltou-se e olhou-me.


[Linha 2300 de 2464 - Parte 3 de 3]


Aproximei-me ; ela continuou seu passeio solitário pela chácara. Chegando à cerca onde as 
murtas formavam um bosque espesso em torno de assentos de pedra, voltou-se de novo para mim e 
sorriu. Como eu hesitasse se devia segui-la, fez-me um aceno gracioso.
Sentamo-nos: eram seis horas da tarde; uma sombra luminosa ainda e de uma doçura imensa 
derramava-se por aqueles lugares. As vozes de Julinha e das outras moças que passeavam ao lado 
oposto, chegavam-nos através das folhas e da sombra com uma suavidade extrema. 
Mas essa doçura da tarde, a beleza de Emília, os perfumes das flores, tudo que havia de suave 
ali, irritava-me; eu tinha a alma ulcerada, e não havia bálsamos, senão cautérios, para cicatrizá-la.         
Falei-lhe com volubilidade, travada do fel que borbotava do coração.
- D. Emília, nós estamos representando o papel de duas crianças, atormentando-nos um ao 
outro, e talvez servindo de tema à malignidade alheia. Ontem, a senhora cuida que não ouviram suas 
palavras?
- Que as ouvissem!... Foi o senhor mesmo quem se denunciou!...
- Já lhe disse e repito, D. Emília, eu não amo a senhora... Nunca amei!...
- Mentiu-me, então?...
- Menti, confesso!...
- Creio antes que mente agora. A mentira é irmã do insulto. 
- Desculpemo-nos mutuamente, D. Emília; ambos erramos; e para que estas cenas não se 
repitam, eu quero ser franco. A senhora me fez uma vez, há tempo, sua confissão: quer ouvir a minha?
- Fale! replicou Emília com um tom de ameaça. 
- Eu não sou inteiramente pobre, mas também não sou rico, e tenho acima de tudo a ambição 
do dinheiro.
- Ah! fez ela cerrando as pálpebras e encostando a cabeça no  recosto do banco para ouvir-me 
impassível.
Seu olhar, coando entre os cílios e partindo-se em mil raios, cintilava sobre o meu rosto, como 
o trêmulo rutilo-de uma estrela.
- O que lhe vou dizer é talvez humilhante para mim; mas eu  me sacrifico!
- Muito agradecida! Isso me penhora: respondeu-me, inclinando-se com um sério 
imperturbável.
- A exceção do comércio, a senhora sabe que não há no Brasil carreira alguma pela qual se 
possa chegar depressa... e honestamente, à riqueza. A minha, mal dá para viver com decência. 
Portanto sendo eu honesto... porque tenho medo da polícia, e não gosto que me incomodem... sendo 
eu honesto, repito, só havia um recurso à  minha ambição... Adivinha qual?
- Suspeito; mas diga sempre. 
- O do casamento. 
- É um recurso lícito e fácil. 
- Não tanto como lhe parece. 
- Ora! Para o senhor?...   
- Para mim, sim senhora ; porque embora ambicioso, eu não estou disposto a sacrificar à 
riqueza minha felicidade; seria um absurdo, pois se eu quero ser rico é para ser feliz.
  - E como pretende conciliar isto? Deve ser curioso. 
- É agora que eu preciso de toda a sua indulgência; vendo-a quando voltei da Europa, senti-me 
atraído para a senhora por uma inclinação que eu considerei amor ; e essa inclinação... não devo ocultar 
cousa alguma para minha maior vergonha... essa inclinação aumentou involuntariamente quando soube 
que os negócios do Sr. Duarte tinham prosperado por tal forma que ele era, se não o maior, um dos 
maiores e mais sólidos capitalistas da praça do Rio de Janeiro... Não sei se deva continuar!...
  - Por que não, doutor? Eu estou ouvindo-o com um prazer imenso!
  - Mas eu me acanho... 
  - É modéstia própria dos homens de talento, que sabem viver Mas nós nos conhecemos!...
  - Bem; eu continuo... Disse-lhe que a amava já muito, mas isso não era nada em comparação 


[Linha 2350 de 2464 - Parte 3 de 3]


do que senti depois... Um dia, alguém, creio que um corretor, assegurou-me que o Sr. Duarte era nada 
menos que milionário... duas vezes milionário...
  - Ah! Eu ignorava!  
  - Pois saiba que é. Viúvo, só com dois filhos... pensei eu... Então D. Emília terá um milhão do 
dote! Um milhão! Desde esse momento meu amor não teve mais limites; tornou-se uma paixão digna 
de Romeu, de Otelo, dos mais celebrados heróis de dramas e romances. Como sua formosura então 
revelou-se resplancedente aos meus olhos!... Eu compreendi nessa ocasião os poetas que eu não 
compreendera nunca, e as suas comparações minerais... Vi que seus dentes mimosos eram realmente 
pérolas de Ceilão, seus lábios rubis de Ofir, e seus olhos diamantes da melhor água! Sua voz argentina 
tinha aos meus ouvidos essa melodia inefável, que nem Rossini nemVerdi puderam ainda imitar, a 
melodia do ouro... do ouro, a senhora bem sabe, a lira de Orfeu deste século!... Oh! Que paixão, D. 
Emília! Era um delírio... uma loucura... Foi então que eu não pude mais resistir e confessei-lhe que a 
amava!
Emília ergueu-se rápida: 
  - Ah! compreendo agora!... 
Como não fiquei ao ver aquela mulher, exultando de júbilo e orgulho ali, em face de mim, que 
pensava tê-la afinal humilhado com meu frio sarcasmo.
  - O que é que a senhora compreende, D. Emília? 
  - Que eu vivo em sua alma! E como o senhor não pode arrancar-me dela, procura rebaixar-me 
a seus próprios olhos e humilhar-me para ter a força, que não tem, de me desprezar! O senhor ama-me, 
e há de amar-me enquanto eu quiser... e há de esperar aqui, a meu lado, até que chegue a hora em que 
me perca para sempre... Porque eu, é que posso jurar-lhe: não o amo, não o amei, não o amarei 
nunca...
A paixão recalcada por algum tempo, ergueu-se indomável em minha alma, e precipitou como 
uma fera sedenta para essa mulher. Toda a lia que o pecado original depositou no fundo do coração 
humano, revolveu-se e extravasou.
Eu avancei para Emília; e meu passo hirto, e meu olhar abrasado, deviam incutir-lhe terror.
  - Pois bem, exclamei eu com a voz surda e trêmula. A senhora quer! É verdade! Eu a amo! Mas 
aquela adoração de outrora, aquele culto sagrado cheio de respeito e admiração... Tudo isso morreu! O 
que resta agora neste coração que a senhora esmagou por um bárbaro divertimento, o que resta, é o 
amor brutal, faminto, repassado de ódio... é o desespero de se ver escarnecido, e a raiva de querê-la 
e obrigá-la a pertencer-me para sempre e contra sua própria vontade!...
- Eu o desprezo!... respondeu-me Emília. 
Era quase noite. A voz de Julinha soou no jardim, chamando a prima. Eu ia dar um ultimo passo 
para Emília; hesitei.
- Fuja, senhora!    
Ela não se moveu; ficou muda enquanto os ecos da voz de Julinha continuando a chamá-la 
ressoavam ao longe. Quando o silêncio restabeleceu-se, e parecia que a prima se tinha afastado, ela 
veio colocar-se em face de mim, e erigindo o talhe e cruzando os braços afrontou-me com o olhar. 
- O senhor é um infame! disse com arrogância. 
Fiz um esforço supremo; inclinei-me para beijar-lhe a fronte. Seu hálito abrasado passou em 
meu rosto como um sopro de tormenta.
Ela atirara rapidamente para trás a altiva cabeça, arqueando o talhe; e sua mão fina e nervosa 
flagelou-me a face sem piedade.
Quando dei acordo de mim, Emília estava a meus pés. Sem sentir eu lhe travara dos pulsos e 
a prostrara de joelhos diante de mim, como se a quisera esmagar. Apesar da minha raiva e da violência 
com que a molestava, essa orgulhosa menina não exalava um queixume ; soltei-lhe os braços 
magoados e ela caiu com a fronte sobre a areia.
- Criança!... E louca!... murmurei afastando-me. 
Emília arrastou-se de joelhos pelo chão. Apertou-me convulsa as mãos, erguendo para mim 


[Linha 2400 de 2464 - Parte 3 de 3]


seu divino semblante que o pranto orvalhava.
- Perdão!... soluçou a voz maviosa. Perdão, Augusto! Eu te amo!...
    Seus lábios úmidos das lágrimas pousaram rápidos na minha face, onde a sua, mão tinha 
tocado. E ela ali estava diante de mim, e sorria submissa e amante. 
Fechei os olhos. Corri espavorido, fugindo como um fantasma a essa visão sinistra.    

 XX 

SIM, Augusto, eu te amo!... Já não tenho outra consciência de minha vida. Sei que existo, 
porque te amo. 
"Naquele momento, de joelhos, a teus pés, essa grande luz encheu meu coração. Acabava de 
ultrajar-te cruelmente; detestava-te com todas as forças de minha alma; e de repente todo aquele ódio 
violento e profundo fez-se amor! Mas que amor!
"Desde então me sinto como inundada por este imenso júbilo de amar. Minha alma é grande e 
forte; guardei-a até agora virgem e pura ; nem uma emoção fatigou-a ainda. Entretanto receio que ela 
não baste para tanta paixão. É preciso que eu derrame em torno de mim a felicidade que me esmaga.
"Por que me fugiste, Augusto?... Segui-te repetindo mil vezes que te amava; confessei-o a 
cada flor que me cercava, a cada estrela que luzia no céu. Minha alma vinha aos meus lábios para voar 
a ti nesta abençoada palavra, -- eu te amo! Tudo em mim, meus olhos cheios de lágrimas, minhas mãos 
súplices, meus cabelos soltos, se tivessem uma voz, falariam para dizer-te, -- ela te ama!
"Beijei na areia os sinais de teus passos, beijei os meus braços que tu havias apertado, beijei 
a mão que te ultrajara num momento de loucura, e os meus próprios lábios que roçaram tua face  num 
beijo de perdão.
"Que  suprema  delícia,  meu  Deus,  foi  para mim  a dor  que me causavam  os  meus  pulsos  
magoados pelas  tuas mãos!  Como abençoei este sofrimento!... Era alguma cousa de ti, um  ímpeto 
de  tua alma, a  tua  cólera  e  indignação, que  tinham ficado  em minha  pessoa e entravam em mim 
para tomar  posse do  que te  pertencia. Pedi  a Deus que tornasse indelével esse vestígio de tua  ira, 
que  me santificara como uma cousa tua!
"Vieram encontrar-me submergida assim na  minha  felicidade. Interrogaram-me; porém eu só 
ouvia os cânticos de minha alma cheia das melodias do meu  amor. Não  lhes falei,  com receio  de 
profanar a minha voz, que eu respeito depois que  ela te  confessou que eu te amo. Não deixei que me 
tocassem para não te ofenderem no que é teu.
"Quero guardar-me toda só para ti. Vem,  Augusto: eu  te espero. A minha vida terminou; 
começo agora a viver em ti.

"Tua Emília."     
São onze horas.    
Recebo agora esta carta, aqui na cidade. 
Quando fugi ontem de Emília, tinha tão grande terror de mim mesmo, que não me animei a ficar 
no Rio Comprido.
Acabando de ler o que ela me escrevera, pedi a Deus que me desse coragem para resistir:
-- Senhor! Vós sabeis que eu não devo amar essa mulher! Seria uma infâmia!...        
Achei Emília sentada em uma cadeira, absorta em seu enlevo. Vendo-me, toda essa bela 
criatura assumiu-se num só e inefável sorriso para cair aos meus pés, difundindo sua alma nestas 
palavras impetuosas:
-- Eu te amo, Augusto!
Depois continuou repetindo uma e muitas vezes a mesma frase, como se estudasse uma 
modulação de voz que pudesse exprimir quanto havia de sublime naquele grito d'alma. 
-- Sim! Eu te amo!... Eu te amo!... 
Eram as notas da celeste harmonia que seu coração vibrava, como o rouxinol canta na 


[Linha 2450 de 2464 - Parte 3 de 3]


primavera e as harpas eólias ressoam ao sopro de Deus.
Quando ela desafogou sua alma desta exuberância da paixão, falei-lhe:
-- Mas reflita, Emília. A que nos levará esse amor?
-- Não sei!... respondeu-me com indefinível candura. O que sei é que te amo!... Tu não és só o 
árbitro supremo de minha alma, és o motor de minha vida, meu pensamento e minha vontade. És tu que 
deves pensar e querer por mim... Eu?... Eu te pertenço; sou uma cousa tua. Podes conservá-la ou 
destrui-la; podes fazer dela tua mulher ou tua escrava!... É o teu direito e o meu destino. Só o que tu não 
podes em mim, é fazer que eu não te ame!...
Enfim, Paulo, eu ainda a amava!...
Ela é minha mulher.


FIM - FIM - FIM




Diva - Romance por José de Alencar



---------------------------------------------------------------------------------------------------------


DIVA - JOSÉ DE ALENCAR - Parte 1 de 3
http://publicadosbrasil.blogspot.com.br/2018/03/diva-jose-de-alencar.html


DIVA - JOSÉ DE ALENCAR - Parte 2 de 3
http://publicadosbrasil.blogspot.com.br/2018/03/diva-parte-2-de-3-jose-de-alencar.html


DIVA - JOSÉ DE ALENCAR - Parte 3 de 3
http://publicadosbrasil.blogspot.com.br/2018/03/diva-parte-3-de-3-jose-de-alencar.html


LITERATURA CLÁSSICA BRASILEIRA - LIVROS
http://publicadosbrasil.blogspot.com.br/2017/03/literatura-classica-brasileira.html


---------------------------------------------------------------------------------------------------------


COMPARTILHAR NO FACEBOOK:
http://bit.ly/29N4G84


COMPARTILHAR NO TWITTER:
http://bit.ly/29BNtyN



CHAT DO BLOG - http://bit.ly/2cWL4j4
www.publicadosbrasil.blogspot.com
Publicados Brasil no YouTube
http://bit.ly/1zIu2s4
http://num.to/6944-5525-7037


01 - 11 clássicos do MS-DOS para jogar - http://bit.ly/1P3vIVn
02 - Imagina ter 900 games de Arcade - http://bit.ly/1J25y0W
03 - Jogando NES OnLine - http://bit.ly/1M4IdTh
04 - 1.185 jogos de Mega Drive - http://bit.ly/1GSTaj2
05 - Ler Scans e Quadrinhos Digitais - Um mundo DIGITAL - http://bit.ly/2cYfdkS
06 - Poeira das Estrelas - Documentário - http://bit.ly/2eLj1ni
07 - Retrô - Relembre as caixas de videogames e jogos lançados no Brasil - http://bit.ly/2hDNdEi
08 - Cachorro-quente no espetinho - Lanche da tarde - http://bit.ly/2lwFSEJ
09 - Coleção Saiba Mais - Completa - http://bit.ly/2lBVIyO
10 - Compilação de 4226 Postagens - 16/02/2017 - http://bit.ly/2lZYwoQ
11 - Literatura Clássica Brasileira - http://bit.ly/2ne9ngz
12 - As 5564 Cidades do Brasil - http://bit.ly/2mykDTg
13 - JogosRBL4 - Jogos Retro grátis no seu PC - http://bit.ly/2uLgDHd
14 - JogosRBL6 -Agora com Playstation One - http://bit.ly/2gjEatl
15 - 945 Filmes Legendados - Coleção Setembro de 2017 - http://bit.ly/2wOM0Ra
16 - Coleção 656 CD-ROM's - Outubro de 2017 - http://bit.ly/2AiD72n
17 - Playstation One Collection - 1391 Games - http://bit.ly/2FkMp3I

http://bit.ly/1zIu2s4

http://num.to/6944-5525-7037


Nenhum comentário:

Postar um comentário