segunda-feira, 31 de março de 2014

Fechado para Balanço - Big Bang


FECHADO PARA BALANÇO - Big Bang


Segundo medições feitas pelo Telescópio Espacial Hubble, o Universo é muito mais jovem do que supunha a teoria. 


A notícia deixou a comunidade científica internacional no mínimo confusa: o Universo parece ser mais novo do que as estrelas mais antigas da nossa Galáxia. Pois é isso o que mostram as últimas medidas de distâncias intergalácticas: em vez de 15 bilhões, o Cosmo pode ter apenas 8 bilhões de anos. A conclusão é de duas pesquisas realizadas por diferentes equipes de astrônomos, que mediram a distância de duas galáxias no centro do aglomerado de Virgem - a NGC4571 e a M100 -, observando estrelas de brilho variável, chamadas cefeidas.
A primeira equipe, liderada pelo americano Michael Pierce, do Observatório Kitt Peak, trabalhou com um telescópio de solo, o potente CFHT, no Havaí, e apresentou os resultados em setembro. Em outubro, foi a vez do segundo grupo, chefiado pela doutora Wendy Freedman, dos Observatórios Carnegie, na Califórnia, que utilizou o Telescópio Espacial Hubble. Ambas as equipes chegaram aos mesmos números: pelas últimas medidas, o Universo deve ter mesmo entre 8 bilhões e 12 bilhões de anos.
Alguns cientistas ainda desconfiam dos resultados. Outros já propõem revisões na teoria do Big Bang, a mais aceita sobre a origem do Cosmo. Entenda porque essas últimas observações colocam o Big Bang em xeque. E veja o que os maiores astrônomos do mundo disseram com exclusividade.
Uma das maneiras de calcular quantos anos o Universo tem é verificar seu ritmo de expansão. Segundo a teoria do Big Bang, a grande explosão que gerou toda a matéria e energia que existe, empurra, até hoje, tudo o que existe no Cosmo. Assim, as galáxias estão permanentemente se afastando umas das outras. Isso é o que se chama expansão cósmica. 
O primeiro a detectar essa corrida em direção ao infinito foi o americano Edwin Hubble (1889-1953). Ao estudar as galáxias, em 1927, ele percebeu que, na escala cósmica, tudo se afasta de nós. Dois anos mais tarde, Hubble verificou um fato espantoso: quanto maior a distância da galáxia, maior é a sua velocidade de afastamento. 
É fácil entender: imagine que uma galáxia está a 1 milhão de anos-luz da Via Láctea, a galáxia onde fica a Terra, e a velocidade com que ela se afasta é de 15 quilômetros por segundo. Então, uma outra galáxia que esteja a 2 milhões de anos-luz se afastará a exatos 30 quilômetros por segundo. E assim por diante. A proporção entre a distância e a velocidade das galáxias é chamada taxa de expansão, e recebeu o nome de constante de Hubble. 
A velocidade de 15 quilômetros por segundo foi exatamente a que Hubble mediu, em sua época. E só com isso já deu para calcular a idade do Cosmo. Basta voltar ao exemplo da galáxia a 1 milhão de anos-luz da Via Láctea. A idade do Universo é justamente o tempo que ela levou para ficar tão longe da Via Láctea - já que, no momento do Big Bang, elas estavam juntas.
É só fazer a conta: a uma velocidade de 15 quilômetros por segundo, elas levaram dois bilhões de anos para se distanciar 1 milhão de anos-luz (a idade é a distância dividida pela velocidade; não esquecer que 1 ano-luz vale 9,5 trilhões de quilômetros). O resultado dessa conta seria a idade do Universo: 2 bilhões de anos. Aí apareceu, pela primeira vez, a grande contradição: como o Universo poderia ser mais novo do que a própria Terra, que já se sabia ter 4,5 bilhões de anos?
Hubble foi prejudicado pelas medidas de velocidade, muito imprecisas. Acontece que nem sempre as galáxias seguem o ritmo de expansão do Cosmo: duas galáxias podem ser atraídas entre si, por sua própria força gravitacional, e criar um movimento independente, que interfere com o cálculo da idade do Universo.
 Desde a época de Hubble, a taxa de afastamento das galáxias foi corrigida diversas vezes e acabou caindo para perto de 15 quilômetros por segundo, atualmente. A idade do Universo foi recalculada para cerca de 15 bilhões de anos, valor coerente com a idade das estrelas mais velhas conhecidas.
É possível que a imprecisão das medidas, 65 anos depois de Hubble, ainda estejam atrapalhando os novos cálculos. Os autores admitem uma incerteza de mais de 20% na distância do aglomerado de Virgem (aglomerado é um agrupamento de galáxias). Com isso, em vez dos 8 bilhões de anos que eles calcularam, a idade do Universo subiria para cerca de 10 bilhões de anos. É um valor menos contraditório com a idade das mais velhas estrelas. Esta idade também pode conter incertezas - as estrelas podem ter bem menos do que 13 bilhões de anos. Em resumo, tudo pode se ajeitar. É o que pensa a maioria dos pesquisadores, atualmente. 
Para entender melhor o jogo de puxa-puxa entre as galáxias - a causa de imprecisão nas medidas de distância e velocidade -, veja o que descobriu, em 1989, um grupo muito especial de astrônomos. Apelidados de Sete Samurais, eles verificaram que as galáxias mais próximas da Via Láctea, pertencentes ao chamado Grupo Local, estão todas se movendo em direção ao aglomerado de Virgem, muito além delas. Este, por sua vez, parece viajar em direção a outro superaglomerado, o de Centauro, ainda mais distante. É nessa região que os Sete Samurais acreditam que exista uma monstruosa massa de estrelas, batizada de Grande Atrator.
É possível que as galáxias de Virgem estejam sendo puxadas pelo o Grande Atrator, que está muito além delas. Ou seja, vistas da Via Láctea, elas estariam se afastando mais rapidamente do que o fluxo cósmico. Assim, a velocidade delas faria o Universo parecer mais jovem: elas teriam levado menos tempo para percorrer a distância que nos separa delas. E esse tempo, como se viu antes, é a idade do Universo. 
A dificuldade dos astrofísicos é separar os dois tipos de velocidade - a que é causada pelo Big Bang e pelo movimento independente. "A única saída é medir a velocidade de grupos de galáxias muitíssimo distantes de nós, em que a atração gravitacional seja tão mínima que possa ser desprezada", explicou a nos o argentino Roberto Televich, um dos Sete Samurais. Televich esteve em novembro de passagem pelo Brasil, para assistir ao eclipse total do Sol. "Para confirmar a velocidade do aglomerado de Virgem, também é preciso verificar a velocidade de galáxias mais distantes, na direção oposta, como as do aglomerado de Fornax".
Os cientistas tentam, então, isolar a velocidade causada pelo impulso do Big Bang, comparando o movimento da galáxia estudada com outra, das vizinhanças. Com base nisso, Michael Pierce garante que suas medidas são bastante precisas.  

A própria Wendy Freedman, um dos pivôs da polêmica, admite que, dentro da margem de erro dos seus cálculos, é até possível que tudo se encaixe: as novas medidas e as observações mais antigas. Ainda assim, a notícia de que o Universo pode ser muito mais jovem mexeu com toda a comunidade científica. 
Mas, se for confirmado que a velocidade das galáxias medida pelas duas equipes é causada mesmo apenas pelo Big Bang, algo terá de ser mudado. Ninguém, a sério, nega que tenha havido a grande explosão que deu origem a tudo. Seria quase como dizer que a Terra é quadrada, hoje. A questão é a evolução do Cosmo daí para a frente: todo seu ritmo de desenvolvimento precisaria ser revisto. 
Alguns astrônomos e cosmologistas já falam em mudar o modelo do Big Bang, introduzindo, por exemplo, a chamada constante cosmológica - uma espécie de número mágico que representaria uma força extra, a empurrar o Universo sempre para a frente.

Brilho oscilante dá a distância

As cefeidas são estrelas que pulsam com regularidade exata. Na foto da esquerda, uma cefeida da galáxia M100 aparece com o seu o brilho mais fraco. Vinte e dois dias depois, a mesma cefeida brilha duas vezes mais forte. Com base nessa variação é que se pode chegar ao cálculo preciso da distância: 54 milhões de anos-luz. É a partir desse número que os cientistas passam a estimar que o Universo tem 8 bilhões de anos. Com isso, ficou aberta a temporada de debates acalorados sobre o Big Bang. 

A galáxia da discórdia

De acordo com a teoria, tudo começou numa grande explosão (o Big Bang). Toda a matéria do Universo concentrava-se num só bloco, que explodiu - e desde então o Cosmo está se expandindo. Daí que, tendo-se a velocidade de afastamento entre as galáxias, a distância entre elas indicaria a idade do Cosmo. A galáxia M100 (ao lado) fica a exatos 54 milhões de anos-luz da Terra. A distância foi conseguida entre setembro e outubro, em medições feitas pelo Hubble. E aí é que a coisa complicou: diz o Big Bang que o Universo tem 15 bilhões de anos; mas, segundo a nova medição do Hubble, esta idade não passa dos 8 bilhões de anos.


"Estou certo de que realmente medimos a taxa de expansão do Universo, com uma margem de erro de apenas  10%."
Michael Pierce

O americano Michael Pierce, do Observatório Kitt Peak, no Arizona, é líder da equipe que mediu a distância e a velocidade da galáxia NGC4571, no aglomerado de Virgem

Na entrevista concedida a nos, Michael Pierce afirma que os resultados confirmam que o método de medição das distâncias e velocidades das galáxias por meio das estrelas do tipo cefeidas - visto com ceticismo até há pouco tempo - é extremamente confiável. Para ele, os próximos passos das pesquisas vão modificar alguns pontos do modelo padrão de desenvolvimento do Universo, provavelmente com a introdução de uma força extra, não identificada ainda, que empurre o Cosmo com uma velocidade maior do que as estimativas iniciais. Em resumo, Pierce defende a adoção da constante cosmológica nas equações da evolução do Cosmo.


"Nossa equipe não está tão otimista quanto a de Michael Pierce - não achamos que o problema esteja resolvido.  É preciso medir a distância de outras galáxias para confirmar nossos resultados."
Wendy Freedman

A canadense Wendy Freedman, 37 anos, é chefe da equipe que mediu a velocidade da galáxia M100, no aglomerado de Virgem. Doutora em Astronomia e Astrofísica, ela lidera o projeto de medição de distâncias intergalácticas do Telescópio Espacial Hubble

Wendy Freedman confia na grande capacidade do Telescópio Espacial Hubble em levantar a distância de galáxias distantes, com altíssima precisão, já que ele trabalha acima da atmosfera e, portanto, livre das interferências do ar. Na entrevista, ela diz que, se as últimas medidas forem confirmadas e não baterem com a idade das estrelas mais antigas, será preciso adotar a constante cosmológica.


"As últimas medidas significam uma das três possibilidades: a) as medidas não são suficientemente precisas; b) a interpretação dos dados não está correta; c) o modelo do Big Bang está errado. Acredito que é ainda prematuro dizer que o trabalho esteja concluído."  
George Smoot

George Smoot é astrofísico do Laboratório Lawrence Berkeley, na Califórnia, Estados Unidos. Trabalhou durante vinte anos com o satélite COBE, fotografando a radiação de fundo que cobre uniformemente o Universo.

Segundo Smoot, vários métodos mostram resultados similares, mas todos com uma margem de erro grande demais. Na entrevista, o astrofísico diz que a evolução estelar ainda é pouco conhecida. É preciso avaliar melhor essas teorias, antes de derrubar a idéia do Big Bang.


"Sabemos que a Via Láctea está sendo puxada em direção a Virgem, o que traz um efeito significativo na medida da sua velocidade real. Se a correção desse movimento relativo calculada pela equipe de Wendy Freedman for grande demais - como eu acredito que tenha sido - então a constante de Hubble será superestimada."  
Joseph Silk

O inglês Joseph Silk é doutor em Astronomia pela Universidade de Harvard. Professor na Universidade da Califórnia, em Berkeley, é autor de vários livros, entre eles, O Big Bang, a origem do Universo

Silk disse a nos que a própria teoria da evolução estelar precisa ser aperfeiçoada para, então, se determinar exatamente a idade das estrelas. Mas ele não descarta a possibilidade de rever alguns pontos da teoria do Big Bang.

"Sou suspeito para falar, mas, em minha opinião, a teoria do Big Bang tem bases muito mais firmes do que outros elementos envolvidos no problema de idade. Assim, acredito que ela sobreviverá. E pouca coisa terá de ser modificada." 
Alan Guth

O americano Alan Guth, 47 anos, é o criador da teoria do Universo inflacionário, que afirma que, logo depois da grande explosão, o Cosmo passou por um curto período de aceleradíssimo crescimento. Doutor em Física pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Guth recebeu vários prêmios internacionais

Segundo Guth, mesmo que se confirme que a constante de Hubble é alta, a teoria do Big Bang não deverá enfrentar muitos problemas. A nos, ele afirmou que se for necessária alguma modificação, a mais razoável é a introdução da constante cosmológica, que aumentaria a taxa de expansão do Cosmo. Guth acha, ainda, que a idade das estrelas deve ser revista. 


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