NOS CONFINS DO TEMPO - Física
Na maior naturalidade, os cientistas lidam com números de tirar a respiração de qualquer um - desde bilionésimos de segundo (e muito menos ainda) a bilhões de anos (e ainda muito mais). Assim, conseguem conceber o Big Bang, o início do Universo, numa fração de tempo da ordem de 10-43 de segundo. E estimam que toda a matéria terminará dentro de buracos negros em 10-30 anos.
A Física moderna não deixa por menos: com a ajuda de um mesmo conjunto de leis, propõe-se a explicar o que acontece tanto no universo microscópico do átomo quanto na colossal imensidão do Cosmo. Isso, entre muitas outras conseqüências, torna extremamente difícil conciliar as portentosas escalas de tempo relacionadas com os fenômenos naturais, que ocorrem no muitíssimo grande e no muitíssimo pequeno. Basta ver, por exemplo, que a vida média de uma estrela é da ordem de 10 bilhões de anos, ao passo que as partículas existentes no átomo morrem, renascem e voltam a morrer e a renascer 1 milhão de vezes no fugaz intervalo de 1 segundo.
Um modo de lidar melhor com esses números formidáveis consiste em substituir a duração do tempo pelas distâncias percorridas pela luz, sabidamente a personagem mais veloz do Universo. Assim fica relativamente fácil visualizar e comparar as dimensões medidas. Em 10 bilhões de anos, por exemplo, a luz pode atravessar algo como a metade do Universo; mesmo no espaço de 1 segundo ela viaja 300 mil quilômetros. No entanto, durante a curta vida de uma partícula subatômica, o espaço percorrido não ultrapassará meros 300 metros. Comparações semelhantes permitem traduzir toda a longa escada do tempo, do nascimento ao fim do Universo.
Na medida em que as unidades de tempo tendem a se tornar incrivelmente grandes ou pequenas nos distantes limites da realidade, é útil recorrer a um expediente comprovadamente prático - as potências de 10. Assim, em vez de escrever mil usando o algarismo 1 seguido de três zeros (1000), emprega-se o símbolo 103. O expoente é sempre igual à quantidade de zeros da expressão numérica - no caso, três. Ou seja, 10 000, com quatro zeros, escreve-se 104 e assim por diante. O mesmo vale para números menores do que 1: basta contar quantos algarismos existem à direita da vírgula. Um milésimo de segundo, por exemplo, pode ser expresso sob a forma 0,001. Ou, por causa dos três algarismos depois da vírgula, 10-3. Um décimo milésimo (0,0001) é 10-4, e por aí afora. As potências assinalam as etapas das viagens aos confins do tempo.
Do maior para o menor
1 segundo Um segundo é um intervalo de tempo muito curto, mas mesmo assim pode-se percebê-lo. Os primeiros a medir o segundo com precisão foram os babilônios, há 3 mil anos. Eles tinham uma escala de números dividida em sessenta partes - e não em dez como no sistema numérico atual. No caso do relógio, herdou-se esse costume, pois o dia tem 24 horas - o que corresponde a dois quintos de sessenta -, a hora tem 60 minutos e o minuto, 60 segundos.
A medida de um segundo, obtida matematicamente, tem no entanto muitos correspondentes naturais. Na fisiologia humana, por exemplo, é o tempo que dura uma batida do coração em condições normais. Já no que se presume seja a história do Universo, foi ao fim do primeiríssimo segundo que se formaram as mais leves partículas fundamentais da matéria, como o elétron. Não eram importantes, nesse começo de tudo, as partículas mais pesadas, como o próton. Elétrons e prótons acabarão por se juntar no interior das estrelas, para formar os átomos dos elementos químicos oxigênio, carbono, ferro e tantos outros.
10-1
Quando se divide 1 segundo por 10, o intervalo de tempo resultante começa a se afastar de qualquer coisa perceptível no mundo cotidiano. A limitação não é uma exclusividade humana. Os caramujos, por exemplo, não conseguem distinguir um fato que aconteça um décimo de segundo depois de outro: ambos os eventos se misturam em seu cérebro. Mas para a luz, que corre à velocidade máxima possível no Universo - 300 mil quilômetros por segundo -, esse tempo fugaz é bem longo: o suficiente para dar uma volta inteira em torno da Terra.
A percepção humana alcança o seu limite perto da milésima parte de segundo. O ouvido já não consegue captar um som emitido 2 milésimos de segundo depois de outro. Assim, uma sucessão de apitos com esse intervalo parece um único apito contínuo. Não obstante, essa escala de tempo é muito comum nas reações químicas que ocorrem no organismo humano: quando uma célula se multiplica, dividindo-se em duas, a substância responsável pelos traços hereditários em seu interior, conhecida como DNA (ácido desoxirribonucléico), gira em torno de si mesma em exatamente 1 milésimo de segundo. Essa rotação permite à molécula de DNA formar uma cópia de si própria, de modo que cada nova célula gerada pelo processo de divisão acaba tendo a sua substância da hereditariedade.
Outros acontecimentos podem ser medidos nesse intervalo de tempo: as minúsculas asas da mosca batem uma vez; o avião mais rápido do mundo - o jato americano SR-71 Blackbird - percorre 1 metro em vôo. Na história do Universo, o primeiro milésimo de segundo marca o momento em que a luz se desembaraça da matéria superdensa e passa a se expandir livremente, como uma espécie de brilho do Big Bang, a grande explosão que deu origem ao mundo.10-6
Em um microssegundo, a milionésima parte de um segundo, a luz percorre 300 metros. Após o Big Bang, foi quando surgiram os prótons e outros "tijolos" usados na construção dos átomos, como os nêutrons. Um microssegundo é também todo o tempo de vida dos múons, partículas da família dos elétrons que, justamente por essa existência efêmera, não têm papel relevante na estrutura da matéria comum, isto é, nos átomos e moléculas.
10-10
A Física moderna, como é notório, foi muito além dos babilônias: ela já não define o segundo como a sexagésima parte do minuto, mas como o tempo que um átomo de césio demora para vibrar 10 bilhões de vezes. Assim, os mais refinados relógios são acertados de acordo com o tempo de vibração do átomo de césio, 1 décimo bilionésimo de segundo. Na história do Universo, esse instante coincidiu com o aparecimento da força eletromagnética, aquela que faz funcionar as pilhas e também cria o poder de atração dos ímãs. Antes disso, o eletromagnetismo não se distinguia da força nuclear fraca, cujo efeito hoje é totalmente diverso, pois provoca a emissão de radioatividade em substâncias como o urânio.
10-15 Pouco a pouco, os intervalos de tempo se tornam ínfimos demais para serem medidos com as grandes unidades tradicionais, como o segundo. Surgiu por isso o femtossegundo, um quatrilhão de vezes menor do que 1 segundo. A luz demora pelo menos 200 femtossegundo, para percorrer a largura de um fio de cabelo, que em média é dez vezes mais fino que 1 milímetro. O mais curto lampejo de raio laser que se consegue produzir no laboratório dura ainda 10 femtossegundos.
10-18 O attosegundo é uma unidade de tempo mil vezes menor que o femtossegundo e mil quatrilhões de vezes menor que 1 segundo. É um instante tão fantasticamente breve que durante ele a luz percorre apenas a irrisória distância equivalente a três átomos de hidrogênio enfileirados (para formar 1 centímetro é preciso enfileirar 100 milhões de átomos iguais a esse).
10-23 No mundo velocíssimo do interior dos átomos, o tempo se torna mera sombra do segundo. O tempo de 10-23 segundos, por exemplo, é 100 milhões de quatrilhões de vezes menor que o segundo. É quanto a luz demora para percorrer uma distância igual ao diâmetro de um próton, uma partícula 100 mil vezes menor que o átomo de hidrogênio.10-35
Esse instante, na história do Universo, marca o aparecimento da força nuclear forte, ou seja, uma nova forma de interação das partículas. Até então, havia apenas duas interações: a força gravitacional e aquela que devia reunir as interações nucleares fraca e forte e ainda o eletromagnetismo. Em 10-35 segundos depois do Big Bang, a força nuclear forte passou a causar um novo efeito sobre as partículas, que só se verifica hoje nas reações atômicas.
10-43É o chamado tempo de Planck, o mais breve momento que a Física pode imaginar - e uma homenagem ao cientista alemão Max Planck (1858 - 1947), Prêmio Nobel de Física de 1918. Por isso o conhecimento do Universo só vai até esse ponto: é como se ai tivesse ocorrido o Big Bang. Antes disso, as teorias dão respostas contraditórias ou paradoxais. Algumas especulações recentes imaginam que em sua mais tenra idade o Universo estava vazio: ainda não havia matéria porque toda a energia disponível servia para dar forma harmônica ao espaço e ao tempo. A quebra dessa harmonia primordial teria feito a energia pipocar dentro do Universo sob a forma de partículas materiais.
Do menor para o maior
1 ano Qual o maior intervalo de tempo que se pode medir no Universo? A resposta a essa pergunta deve começar com os seres vivos, cuja existência é relativamente curta; mas em seguida é preciso pensar nas estrelas, que vivem muito tempo. A unidade é sempre o ano, o período que a Terra consome para dar uma volta completa em torno do Sol, num percurso de 1,35 bilhão de quilômetros.102
Entre os animais superiores, apenas alguns vivem mais de 100 anos, como o homem, em casos excepcionais, e as tartarugas, que chegam a 200 anos. Algumas árvores, como a sequóia americana, se aproximam dos 5 mil anos de idade.
104 Dez mil anos medidos no passado indicam a época em que apareceram as primeiras cidades, como, por exemplo, Jericó, na Palestina, citada na Bíblia. Ao fim de 10 mil anos, um caramujo que se deslocasse à velocidade de 100 metros por hora teria viajado 9,5 milhões de quilômetros. Isso é bem além da Lua, que fica a cerca de 400 mil quilômetros da Terra, mas não o suficiente para o imaginário caramujo desembarcar em algum planeta.106
Para chegar à origem do gênero humano seria preciso recuar no tempo mais de 1 milhão de anos, quando vivia o Homo erectus, um ancestral que sabia usar fogo e fabricar instrumentos de pedra um pouco menos primitivos do que os do Homo habilis, que o antecedeu na escala evolutiva. Depois de viajar 1,5 milhão de anos, o caramujo imaginário alcançaria o planeta Saturno.108
Antes de os mamíferos ocuparem o planeta, os seres dominantes eram os répteis, cujos representantes modernos são os jacarés, as cobras e os lagartos. Mas, há 100 milhões de anos, os reis da Terra eram os dinossauros, cuja extinção é um dos maiores mistérios da história da vida na Terra e motivo de intermináveis discussões entre os cientistas. Nesse intervalo de tempo, o caracol imaginário viajaria muito além de todos os planetas conhecidos e estaria cruzando a região povoada por pequenas pedras de gelo, nas fronteiras do sistema solar, onde nascem os cometas e por onde começa a passear a nave espacial Pioneer 10.1010
A escala de 10 bilhões de anos serve para medir a idade presumível do Universo. Os físicos chegaram a essa ordem de grandeza tomando como referência as transformações radioativas dos átomos na Terra e a composição química das estrelas, analisada a partir da luz que elas emitem. Os estudos indicam que o Universo tem no máximo 20 bilhões de anos, o maior intervalo de tempo já decorrido. Mesmo assim, a aventura do lerdo caramujo o teria levado apenas à metade da distância da estrela mais próxima, Alfa Centauri, a 4 anos-luz da Terra.1020
Quando se multiplica a idade do Universo por dez bilhões, o período obtido é imenso - bastante descomunal para que as estrelas tenham desaparecido. Mais cedo ou mais tarde, com efeito, todas elas desmoronam sob o próprio peso. A gravidade nesses escombros é tão alta que os novos astros resultantes, chamados pulsares, são formados por partículas nucleares, os nêutrons. Eles estão de tal modo compactados que uma estrela do tamanho do Sol ficaria reduzida a uma esfera com um raio equivalente ao do centro de São Paulo, cerca de 3 quilômetros. Em alguns casos, os próprios nêutrons seriam esmagados, transformando a estrela em um buraco negro. Nessa época, finalmente, o caramujo chega aos confins do Universo conhecido.1030
Enfim, toda a matéria do Universo termina dentro de buracos negros. Apenas uma ou outra pequena estrela, já morta, vaga, solitária, entre os grandes vórtices negros que a essa altura perfuram a estrutura do espaço por todos os lados. São abismos pelos quais se pode "cair fora" do mundo. Para onde, a Ciência ainda não sabe dizer. Logo em seguida, as partículas pesadas, como os prótons, começam a se desintegrar, fragmentando-se em partículas mais leves, como os elétrons.1065
No tempo de 1065 anos, os próprios buracos negros começam a evaporar-se rumo à "morte térmica", que parece ser o destino final do mundo. De acordo com a lei segundo a qual o calor sempre corre dos corpos mais quentes para os mais frios - e nunca no sentido inverso -, toda a matéria terminará por se transformar em simples radiação. Isto é, uma forma de matéria desestruturada, monotonamente distribuída por igual. Depois de virtualmente incontáveis milênios, a radiação pode voltar a se concentrar em buracos negros - mas apenas para tornar a escapar em seguida. Os físicos imaginam incríveis períodos de tempo, estendendo-se até 102 000 anos, onde nada mais acontece. E um retrato desolador do que a Ciência pensa ser a eternidade.
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