sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Rita Levi-Montacini: A Detetive dos Nervos


RITA LEVI-MONTALCINI: A DETETIVE DE NERVOS



Aos 81 anos, a obstinada italiana, Prêmio Nobel de Medicina, adora uma investigação-seja nos livros policiais que lê, seja nos laboratórios onde persegue todas as pistas sobre o fator de crescimento das células nervosas

Naquela manhã de dezembro, de 1986, Rita Levi-Montalcini acordou, como todos os dias, antes que o relógio marcasse 6 da manhã. Abriu as cortinas sobre a Bala de Estocolmo e pediu à camareira do Grand Hotel o desjejum habitualmente frugal, chá e biscoitos. Diante do espelho, deu aos cabelos cândidos a costumeira onda, toda para um lado, que emoldura o rosto enrugado muito alvo, sereno, e ressalta o olhar risonho azul-claro. Finalmente, vestiu um conjunto de seda pérola, estampado com flores estilizadas, de caimento perfeito no corpo esguio, quase frágil, como o de um passarinho. Só assim, aparentemente pronta para um passeio, a elegante senhora sossegou em um canto, sentando-se na poltrona para folhear um romance policial de Agatha Christie. Há muito tempo, aprendeu a usar os livros da escritora inglesa feito um escudo diante da menor ameaça de tensão. Ela sempre carrega uma aventura do detetive Hercule Poirot, por exemplo, quando precisa enfrentar uma viagem aérea. Naquela vez, porém, as peripécias do personagem serviram para relaxar a leitora que, à noite, receberia o Prêmio Nobel de Medicina das mãos do rei Carlos Gustavo da Suécia.O Nobel premiou uma descoberta feita em parte no Brasil dos anos 50, nos laboratórios do Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro: ali, a cientista italiana teve a certeza da existência do NGF, sigla, em inglês, de fator de crescimento dos nervos. Trata-se de um fluído produzido pelo próprio organismo, que, ao tocar as células nervosas, feito uma varinha mágica, tem a espantosa propriedade de fazê-las crescer. 

Hoje, com recursos da Engenharia Genética para produzir o NGF, sabe-se que sua aplicação clínica, no futuro, poderá curar uma série de doenças degenerativas do sistema nervoso-como, aliás, já está começando a se tentar na Suécia e nos Estados Unidos, para tratar o mal de Alzheimer, a atrofia dos nervos, e o mal de Parkinson, uma espécie de atrofia cerebral. 

Quando o NGF foi descoberto, porém, poucas pessoas Ihe deram a devida importância, talvez porque a substância pudesse ser encontrada em quase todos os tecidos do corpo. Incansável, Rita continuou colhendo pistas do NGF, determinada a provar que a substância também está por trás de outras funções importantes, como a imunológica, ajudando o organismo a vencer suas batalhas contra agentes nocivos. A história da cientista, nesse sentido, se parece com os romances que tanto aprecia, com investigações dignas dos mais perspicazes detetives lutas-não físicas, é verdade-, perseguições implacáveis, como a dos nazistas pelo fato de ser judia, e, sobretudo, cenas de grande-emoção."No verão carioca de 1953, o NGF saiu das sombras de maneira triunfal e grandiosa, como se fosse estimulado pela atmosfera dessa exuberante manifestação de vida que é o Carnaval do Rio". descreveu a cientista em sua autobiografia, O elogio da imperfeição. "Nas vésperas do Natal de 1986, o NGF apareceu de novo em público, sob a luz dos refletores, na presença dos reis suecos, de príncipes, de damas em vestidos de gala e cavalheiros em fraque." Nessa noite, Rita Levi-Montalcini também estava vestida de gala: usava um longo desenhado pelo refinado e pouco conhecido estilista romano Roberto Capucci, autor de verdadeiras esculturas em tecidos. Na verdade, Capucci confeccionou duas roupas para a ocasião, uma bordô e outra verde com mangas roxas. E por que duas? Porque a cientista, famosa por sua vaidade, queria escolher o modelo apenas no dia de receber o prêmio. O requinte da escolha-venceu o vestido com mangas roxas, sua cor predileta-surpreendeu quem estava acostumado a vê-la com o avental branco dos laboratórios.Há sessenta anos, contudo, ninguém imaginaria que aquela jovem, nascida em Turim, passaria boa parte da vida nesse ambiente. Afinal, Rita vinha de uma família culta, mas de convicções vitorianas a respeito do papel da mulher. Na adolescência, ela teve o mesmo destino de suas duas irmãs, isto é, o chamado colegial feminino, um curso que não dava acesso à faculdade: Nina, a mais velha, resolveu se casar; Paola, irmã gêmea da pesquisadora, dedicou-se à pintura e à escultura. Já o caminho de Rita foi traçado quando ela completou 22 anos, com a doença que causou a morte de sua velha babá. Então, contrariando os princípios paternos, Rita decidiu estudar Medicina.Hoje em dia, aos 81 anos de idade, a cientista não hesita em se declarar feminista, na entrevista a SUPERINTERESSANTE, realizada em Castelporziano, uma antiga reserva de caça nos arredores de Roma. Em um cenário de bosques, onde javalis pastavam e faisões ciscavam, 21 Prêmios Nobel se reuniram, em dezembro (1991), para trocar idéias sobre como estimular a pesquisa nos países da Comunidade Européia. Ali, Rita mergulhou em lembranças dos tempos de universitária, quando teve um mestre excepcional, o professor Giuseppe Levi, conhecido por suas idéias antifascistas. "Ele tinha um método de trabalho rigoroso, mas seguia de modo apaixonado as pesquisas de seus alunos", ela recorda.Na mesma época, Giuseppe Levi orientava três futuros Nobel de Medicina: além da própria Rita, Renato Dulbecco, premiado em 1975 pela identificação dos genes desencadeadores do câncer, e Salvador Luria, laureado em 1969 pela descoberta das características dos genes de vírus e de bactérias (veja quadro). "Rita trabalhava no laboratório ao lado do meu", conta Luria. "Por isso, seu Nobel me deixou particularmente contente, apesar de ter chegado atrasado", opina o orgulhoso colega. A perseguição anti-semita durante a Segunda Guerra interrompeu a carreira dos dois jovens pesquisadores de origem judaica. Luria fugiu de bicicleta, cruzando a fronteira da Itália. Rita, por sua vez, escondeu-se no quarto, onde improvisou um laboratório, como uma Robinson Crusoe da ciência.Quando a perseguição contra os judeus estendeu-se da Alemanha para a Itália, a família Levi-Montalcini partiu de Turim para viver refugiada em Florença. Mas, no último período da guerra após o desembarque dos soldados aliados na cidade, Rita saiu do esconderijo para socorrer a população florentina em meio a uma epidemia de tifo. "Só então percebi que não tinha desprendimento emocional para clinicar", diz ela. "Por isso, decidi me dedicar à pesquisa."Assim, em 1951, Rita embarcou para os Estados Unidos, determinada a passar horas com os olhos grudados no microscópio, observando o desenvolvimento dos nervos em embriões de galinha. Naquela época, ela intuía que algo, uma substância qualquer, fazia os nervos dos embriões crescer, quando lhes enxertava células de tumores de ratos-era ali, no tumor, que devia estar o que batizou de NGF. Faltava apenas provar cientificamente a sua presença. Rita, então, pensou em recorrer a uma técnica, que havia usado nos anos 40, com o professor Giuseppe Levi-a cultura de tecido. Ou seja, ao se mergulhar células em um coquetel de nutrientes, elas continuam vivas e, desse modo, consegue-se observá-las, pode-se dizer, em plena ação. Essa técnica estava sendo desenvolvida no Brasil pela cientista alemã Hertha Meyer, que Rita conhecera em Turim. Hertha também judia, tinha fugido para o Brasil em 1939, sendo acolhida pelo biólogo e biofísico Carlos Chagas Filho, no Instituto de Biofísica, no Rio de Janeiro-cidade em que, por sinal, Hertha morou até morrer, no ano passado."Rita me escreveu pedindo para estagiar conosco, com uma bolsa da Fundação Rockefeller", conta Chagas Filho, na sala do Instituto de Biofísica que hoje leva seu nome, atrás de uma de suas duas mesas de trabalho, onde muitas vezes ele almoça. No final de 1952, Rita desembarcou no Rio de Janeiro sob um pé-d´água tropical. "Eu a encontrei no aeroporto, extrovertida, com uma capa impermeável e dois ratinhos portadores de tumor no bolso", recorda o professor. O biofísico levou a estagiária italiana direto ao laboratório, para colocar os passageiros-clandestinos em gaiolas. Só agora Rita confessa: "Eu poderia ter feito a cultura de células nos Estados Unidos. Mas, diante da possibilidade de realizar o sonho de vir para o Brasil, eu não hesitei". Ela só lamenta a falta de tempo para visitar outras cidades-"nem São Paulo eu cheguei a conhecer".Um dia depois de chegar, Rita iniciou a experiência com Hertha Meyer, preparando uma cultura de gânglios embrionários de pintos com um pedacinho do tumor de ratos. Para comparar, as duas cientistas também prepararam uma cultura apenas de gânglios de embriões. Segundo Carlos Chagas Filho, o resultado surgiu no dia seguinte: "Foi espetacular, pois o gânglio com células de tumor tinha lançado inúmeras fibras nervosas-e nada tinha acontecido com o outro gânglio. É raro uma experiência ter sucesso logo na primeira tentativa. Mas nesse caso o êxito era tão evidente, que mandei estourar uma champanhe Moët et Chandon para comemorar". O Instituto de Biofísica, embora bem - aparelhado, não dispunha de um microscópio de fotografia. Por isso, Chagas Filho entrou em seu automóvel e saiu em busca de um equipamento emprestado. Assim, Rita conseguiu provar a existência do NGF.Para o professor, hoje com 80 anos, o episódio marcou o início de uma grande amizade: "A primeira coisa que faço, quando chego a Roma, é ligar para Rita", revela o cientista, que antes de deixar a presidência da Academia de Ciências do Vaticano, há cerca de dois anos, depois de tê-la exercido por dezesseis, ia várias vezes por ano à Itália. As viagens, agora, reduzem-se a dois passeios anuais-mas o hábito de telefonar para a colega permanece. "Ela é uma das mulheres mais femininas que eu conheço", diz ele, sem esconder a admiração. Tão logo sabe que o amigo brasileiro está em Roma, Rita toma seu Alfa Romeo branco, que ela mesma pilota, para ir encontrá-lo. Invariavelmente, eles jantam juntos-ou em elegantes restaurantes, como o do Jardim Borghese, ou no apartamento que Rita divide com a irmã pintora Paola.Os sustos que Chagas Filho leva no trajeto de carro-"ela dirige muito depressa, como todos os motoristas em Roma"-são compensados pela excelência dos jantares, segundo o professor, quando são servidos "seis pratos e vinhos deliciosos", embora Rita só beba água San Pallegrino. Nos encontros, o assunto costuma ser literatura, o lazer predileto da cientista, que adora discutir sobre autores italianos modernos, como Umberto Eco e Alberto Moravia. "Rita também tem um enorme interesse pela política do país", conta Chagas Filho é conhecida sua preocupação com os estudantes pobres, para os quais ela criou uma fundação com o dinheiro de vários prêmios que já recebeu. "Eu sempre digo aos jovens que o primeiro truque é não concentrar-se excessivamente em si próprios, pois isso equivale a fechar-se em um quartinho", ela ensina. "O segundo truque é buscar com obstinação o próprio caminho. O medo da opinião alheia não deve condicionar alguém a tomar uma decisão que, no fundo, sente ser a escolha errada." Por causa de seu carisma, Rita acaba de ser convidada a participar de uma campanha de televisão contra as drogas. Mas nem sempre a pesquisadora teve essa popularidade.Rita viveu toda a década de 50 nos Estados Unidos. Quando voltou para a Universidade de Washington, depois do estágio no Rio de Janeiro, ela conheceu o bioquímico americano Stanley Cohen, com quem, anos mais tarde, dividiria o Nobel pela investigação do NGF. Juntos, eles descobriram aos poucos molécula por molécula que compõe a substância-que os dois cientistas, aliás, identificaram como uma proteína. Preocupada com a mãe idosa e com a irmã gêmea, que vivia sozinha, Rita retornou ao seu país em 1962, quando foi discriminada por muitos cientistas italianos, por ter passado tanto tempo no exterior. Em 1974, no entanto, ela foi a primeira mulher a entrar para a Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano, por indicação de Carlos Chagas Filho Os conhecimentos sobre o NGF permitem a busca de novos tratamentos para o câncer, o crescimento desenfreado de uma célula, assim como para uma série de processos degenerativos. "Nos animais, o NGF é capaz de regenerar células nervosas, mas não temos provas de que isso ocorre com o homem. Por enquanto, é apenas uma esperança, esclarece a cientista. Fora prováveis aplicações clínicas, graças as pesquisas coordenadas por Rita, hoje se sabe que o NGF é muito mais do que o responsável pelo crescimento das células nervosas. 

Descobriu-se que a substância é capaz de estimular o sistema imunológico e o endócrino. Algumas experiências mostram que esse mesmo fator é capaz de condicionar a agressividade de ratos, o que mostra sua influência até no comportamento dos seres vivos. Diante de tudo isso, em abril do ano passado, a inquieta Rita Levi, elaborou uma hipótese: "O NGF pode ser uma espécie de maestro na orquestra do organismo", especula, os olhos brilhando de entusiasmo. "Ele parece estar ligando as funções vitais." 

Animada com a tese, ela não pára. Acorda quando o dia mal amanhece e vai direto para a máquina de escrever. Ela está sempre escrevendo-seja artigos, seja conferências. "Quando era adolescente, eu queria ser escritora, como a inglesa Virginia Woolf", conta. Em parte, esse sonho não deixou de ser realizado: sua autobiografia, lançada depois do Nobel, foi um best-seller nas livrarias italianas. E, agora, Rita aproveita os primeiros meses do ano para terminar dois livros de divulgação científica para o público jovem.Depois de escrever algumas folhas, ela pega o carro e dirige para o Instituto de Biologia Celular do Conselho Nacional de Pesquisa da Itália. Ali. permanece três ou quatro horas trabalhando na sua antiga paixão, o NGF, até sair para o almoço- uma dieta espartana, à base de peixes e verduras cozidas. Às 17 horas, ela volta para o laboratório, onde fica pesquisando até o anoitecer. A agenda só é diferente quando a cientista faz conferências fora de Roma, o que costuma acontecer duas vezes por semana. Rita também é uma ativa militante pela conservação da memória da comunidade hebraica italiana, causa para a qual doou parte do dinheiro recebido com o Nobel. "Apesar disso, não sou religiosa, ela assume. "Minha crença se baseia no respeito à liberdade individual."De fato, ela não tolera a menor lembrança do anti-semitismo dos tempos de guerra-e um episódio doméstico recente ilustra bem esse horror. Em seu escritório, entre prateleiras de livros e plantas. Rita tinha um pôster do líder negro americano Martin Luther King. Mas, há poucos meses, caiu nas mãos da insaciável leitora uma biografia de Lutero, o fundador do protestantismo, que a deixou escandalizada pelo pensamento anti-semita. Ao chegar no ponto final do livro, a primeira atitude de Rita foi arrancar a imagem de Luther King da parede. Ainda o considero uma pessoa muito nobre" esclarece. "Só não quero esbarrar diariamente com o nome de seu xará."

Italianos premiados 

Com Rita Levi-Montalcini, dezessete italianos conquistaram o Nobel de disciplinas científicas-a Itália, aliás, é o nono país mais premiado. Isso não reflete uma tradição de investimento em pesquisa. A maioria desses pesquisadores teve de emigrar para se dedicar às suas experiências, como aconteceu com quatro dos cinco cientistas que receberam o Nobel de Medicina. Antes de Salvador Luria, Renato Dulbecco e Rita Levi Montalcini, foram contemplados Camilo Golgi, em 1906, por estudar o papel dos neurônios, e Daniele Bovet que, trabalhando na Suíça, descobriu os anti-histamínicos.


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O Vaivem do Bumerangue pelo Tempo - Costumes


O VAIVÉM DO BUMERANGUE PELO TEMPO - Costumes



Inventado antes da roda, o bumerangue  mostra que o homem dominava mistérios do vôo há milhares de anos. Transformado num esporte, ele permite entender complicados princípios aerodinâmicos
Dizem dele que lhes deu o mantimento que eles agora têm, que são raízes de ervas; estão bem com ele, já que de um companheiro seu falam mal. E não sei a causa, mas o que ouvi dizer é que as clavas que lhe atiravam voltavam aos que as atiravam e não os matavam! 
(Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil - Período 1538-1553, org. Serafim Leite).

Este trecho de carta, escrito no século XVI pelo padre jesuíta Manuel da Nóbrega, descreve um pouco de seu contato com os índios do litoral sul paulista. Impressiona aí não a óbvia hostilidade dos nativos com o estrangeiro, a ponto de lhe atirar clavas, mas o fato de as clavas irem e voltarem sob controle - não seriam essas clavas, por acaso, bumerangues??

Embora não se possa afirmar com certeza, por falta de provas arqueológicas, essa carta sugere que os tupis-guaranis já se valiam de algum tipo de bumerangue. Para quem tinha na cabeça somente a velha idéia de que os inventores do bumerangue foram os aborígenes australianos, esse dado pode parecer surpresa. Os especialistas modernos, na verdade um pequeno grupo, não se espantam, porque sabem que o bumerangue tem uma história parecida com a do arco e flecha - atravessa civilizações e tempos históricos, sem que alguém saiba ao certo quem o inventou, quando ou como. Certeza mesmo só se tem sobre sua fidelidade às origens. O bumerangue, desde que nasceu, é o mesmo engenho aparentemente simples, quase um brinquedo, mas com uma configuração aerodinâmica bem complicadinha. O bumerangue mais velho de que se tem noticia foi encontrado na Polônia, em 1987, recebendo pela datação com carbono a idade de 23 000 anos. Nesse tempo, no Período Paleolítico Superior, o homem ainda vivia à base de caça e coleta de alimentos e usava ferramentas de pedra. Surpreendente que alguém, lá pelo Hemisfério Norte, soubesse fazer um objeto voador esculpido em presa de mamute.Os homens ainda viviam rudimentos de civilização, mas alguns já podiam, ainda que de forma indireta, imitar o vôo dos pássaros. E souberam fazer um objeto voar no céu antes de colocá-lo a rodar pelo chão, uma vez que a roda só foi inventada cerca de 15 000 anos mais tarde. Outros registros revelam bumerangues, também na Europa e na Índia, de épocas tão diversas como 7000 a.C. e 300 a.C. É difícil achar um bumerangue assim tão antigo por causa da fragilidade da madeira, material de que normalmente são feitos, pois ela se degrada em poucos anos quando em contato com o chão e exposta às intempéries.Enquanto isso, na Austrália, o bumerangue também cortava o céu em seus primeiros vôos, que aconteceram entre 8 000 e 10 000 anos atrás. Cruzando culturas, ele esteve ainda no Antigo Egito, sobretudo no período do faraó Tutancâmon (1361-1352 a.C.), em cuja tumba foram encontrados diversos bumerangues de marfim recobertos de ouro. As margens do Nilo, pinturas da época indicam que jogar bumerangue era um esporte da elite. Até na América esses objetos voadores foram parar: além do litoral sul brasileiro, foi encontrado um bumerangue de 200 anos na Amazônia, outros entre os índios hopis do deserto da América do Norte e há indícios de que os incas nas montanhas peruanas também conheciam seus segredos.E como civilizações tão diversas e distantes, na geografia e no tempo, puderam desenvolver o mesmo instrumento? Só especulações respondem a esse enigma. Supondo-se que não foram os aborígines australianos os inventores dos bumerangues, pois já existiam muito antes na Europa, então eles o conheceram a partir de algum contato entre os grupos humanos. Se houve tal contato, por que os aborígines não tomaram conhecimento também do arco e flecha. uma arma muito mais eficiente? Ainda não se conhece resposta para essas dúvidas. Mas sabe-se muito bem que nem todo pedaço de madeira torto que voava era um bumerangue.O ex-piloto francês Jacques Thomas, em seu livro Magie du boomerang (Magia do bumerangue, não lançado no Brasil), define o bumerangue, seja antigo ou moderno, como um aparelho com duas asas retas ou curvas, de perfil aerodinâmico determinado, ligadas uma à outra por uma extremidade, situadas no mesmo plano e cujos eixos longitudinais formam entre eles um ângulo mais ou menos aberto. Guardadas essas condições, tudo vale, desde que o aparelho vá e volte. Se for e não voltar, não será um bumerangue, mas um bastão de arremesso. E aqui que começa a incorreta lenda de que o bumerangue seria uma arma de caça, que mata uma presa e volta-o que não se dá, mesmo porque, depois de acertar o bicho, o bumerangue ficaria por ali mesmo.O bastão de arremesso é bem mais pesado que um bumerangue,  podendo chegar a mais de 350 gramas, e o ângulo formado por suas asas é mais aberto. Quando lançado, segue girando sobre si mesmo até uma distancia de cerca de 150 metros. A vantagem de ter uma configuração aerodinâmica, ao contrário de um galho de árvore em estado bruto, é que isso lhe permite voar tão longe. Os australianos jogavam bumerangue apenas por diversão, ou para treinar caçadores. Enquanto arma de caça, o bumerangue só funcionava por vias tortas. Os aborígines estudavam a rota dos pássaros e nessa direção colocavam armadilhas no chão. Quando chegavam as aves, eles arremessavam os bumerangues e imitavam o grasnido dos falcões. Como os falcões atacam de cima para baixo, os pássaros fugiam em descida para o chão, caindo assim nas armadilhas, onde eram mortos a golpes de porrete. 

Assim como ninguém sabe se o bumerangue foi inventado por todos os povos que o utilizaram, ou se seu uso se difundiu pela comunicação, também se desconhece como alguém descobriu que aquele objeto podia voar. Duas hipóteses são consi-deradas: ou é um desenvolvimento do bastão de arremesso, ou foi pensado a partir da observação da queda da folha de eucalipto e algumas sementes aladas, que chegam ao chão girando sobre si mesmas. Nem quanto à origem do nome existe consenso. Uns dizem que vem do modo como os aborígines chamavam o vento, "boomori" ou "bumarin". Outros que é a transformação da palavra "woomera" nome com o qual algumas tribos australianas chamavam uma alavanca de impulsionar lanças. Uma terceira corrente diz que é parecido com o nome que Ihe davam os turuwals. encontrados em 1770 pelo capitão inglês James Cook, quando desembarcou na Austrália-"bou-ma-rang".Seja quem for o desconhecido inventor, ele percebeu há milhares de anos os princípios aerodinâmicos que fazem o bumerangue voar. Hoje, encontram-se em seu vôo princípios semelhantes ora aos de um frisbee, um disco voador, ora aos de uma hélice, das asas de avião ou do rotor de helicóptero. Um bumerangue clássico, à primeira vista, é uma asa de avião, com um dos lados invertido: seu perfil é planoconvexo, ou seja, plano na parte de baixo (intradorso) e convexo na parte de cima (extradorso). Esse perfil aerodinâmico fuselado é que permite a sustentação: as moléculas de ar passam mais depressa pela parte de cima, criando assim uma zona de baixa pressão, e a pressão maior na parte de baixo mantém o bumerangue no ar. Reconhece-se um perfil fuselado pela existência de um bordo de ataque, arredondado, que primeiro encontra o ar, e um bordo de fuga, achatado, por onde o ar escapa. Na asa de avião, os dois bordos de ataque são virados para a frente. O bumerangue, para rodar, tem o bordo de ataque de um dos lados virado para trás. 

A presença de ar é que cria as condições para seu retorno. Um bumerangue típico, feito de madeira compensada naval, deve posar no mínimo entre 70 e 80 gramas, para que não seja perturbado por brisas leves, embora ventos fortes possam interferir em sua trajetória. Quando o lançador arremessa-o para a frente, seu braço age como uma catapulta, transferindo ao bumerangue a energia cinética que o fará voar, e um golpe seco da mão solta-o girando sobre si mesmo. Pelas contas do francês Jacques Thomas em seu livro, o bumerangue parte com uma velocidade em torno de 90 quilômetros por hora e uma rotação de 10 giros por segundo.Para poder realizar a trajetória curva e voltar, o bumerangue deve ser largado com uma inclinação em relação ao eixo vertical de cerca de 10 a 40 graus. Ele inicia o vôo numa linha quase reta, até que as forças que interferem em sua trajetória vençam sua inércia e comecem a desviá-lo para a esquerda. Ao mesmo tempo em que ganha altitude, ele começa a se inclinar para a direita e se "deita", iniciando depois o retorno em direção ao lançador, a quem vai chegar praticamente na horizontal. Embora tenha cara de asa de avião, o bumerangue faz essa trajetória circular porque seu vôo mistura artes do disco voador e do helicóptero.Ao girar sobre si mesmo, o bumerangue se comporta como um disco, ou, melhor ainda, como um giroscópio. Um exemplo de giroscópio é uma roda de bicicleta. Quando está parada, ela tomba para o lado; em movimento, porém, possui a chamada propriedade de fixação no espaço, que a faz continuar rodando e conservar seu eixo de rotação, resistindo por inércia a qualquer força que tente modificar seu equilíbrio. Se alguém, segurando-a pelo eixo, tentar mudar sua direção, entrará em cena uma outra propriedade, a precessão giroscópica, que faz com que a reação se dê 90 graus à frente do local onde uma força foi aplicada. Ou seja, se uma força for aplicada no topo, em vez de a roda tombar para o chão, ela vai, de pé, desviar-se para o lado. No bumerangue em rotação, a asa que está na metade superior do círculo roda com mais impulso do que a asa que está embaixo. Isso cria o fenômeno da precessão giroscópica. A força aplicada na parte de cima resulta num desvio na frente, como acontece com a roda da bicicleta. Aí entra em cena a semelhança com o helicóptero.Para algum objeto se sustentar no ar, ou tem o perfil aerodinâmico da asa do avião ou está inclinado em relação ao vento, que passa por baixo dele e o levanta. É fácil perceber essa segunda condição colocando-se o braço para fora de um carro em movimento: se o braço e a mão estiverem retos, paralelos com o chão, o ar passa por cima e por baixo sem perturbá-los. Basta inclinar um pouco a mão para a força do vento empurrar o braço para trás. Dessa maneira é que as pás do rotor de um helicóptero, inclinadas, "seguram" o vento.Pois, quando o bumerangue, jogado já com inclinação, desvia-se pelo efeito da precessão giroscópica, levanta a frente e cria um ângulo de ataque ao ar igual ao da pá do helicóptero, pela inclinação. Por causa da velocidade do bumerangue, esse ângulo de ataque é capaz de gerar uma configuração aerodinâmica cuja soma de forças resulta, na vertical, em uma nova força, que suspende o bumerangue contra a ação da gravidade; na horizontal, o resultado é uma força centrípeta (força que faz um objeto descrever uma trajetória circular), que encurva sua trajetória para a esquerda (num bumerangue para destros). Por isso ele voa aproximadamente em círculo e volta, quando jogado corretamente.É bem provável que os pré-históricos inventores do bumerangue não se dessem conta de tanta teoria para explicar o vôo daquele objeto de madeira em forma de V. Mas hoje, quando os aborígines mantêm-no vivo menos por tradição do que para vender como souvenirs a turistas, o bumerangue virou esporte e conta com aficionados em quase todo o mundo, que vivem se correspondendo, trocando informações e estudando os princípios físicos que tornam seu brinquedo tão interessante. 

Feito em casa

Passo a passo, um jeito fácil de construir um bumerangue simples em sua própria casa1 Pegue uma placa de madeira compensada de 6 milímetros de espessura. Risque 25 centímetros de comprimento e 4 centímetros de largura. Com um círculo de cartolina de 12 centímetros de diâmetro encostando nos lados internos, trace a linha curva superior. Coloque depois o círculo na parte externa e trace outra curva.2 Com um círculo de 6 centímetros de diâmetro risque a curva da ponta da asa. Serre o bumerangue com uma serra elétrica comum. 3 Olhando o bumerangue como um V invertido, desgaste um pouco a borda externa no intradorso da asa direita. No extradorso, faça um desgaste inclinado na parte interna, até o meio do bumerangue, para criar o bordo de fuga.4 Ainda nessa asa, apenas arredonde a parte externa, para criar o bordo de ataque.Repita os mesmos desgastes no extradorso da asa esquerda, mas inversamente-bordo de ataque na parte interna e bordo de fuga na parte externa. Não desgaste o intradorso da asa esquerda.5 Lixe o bumerangue até ficar bem liso, envernize-o e pinte-o com tinta spray. 6 Segure o bumerangue firmemente com a parte lisa voltada para a palma da mão direita. Dobre o braço por cima do ombro para dar impulso e depois lance-o para a frente. Solte-o com um movimento seco do punho. 

Um Mistério Chamado Atlântida - História


UM MISTÉRIO CHAMADO ATLÂNTIDA - História



Uma ilha fantástica que desapareceu sob as águas do oceano ou uma das muitas lendas

Uma ilha fantástica que desapareceu sob as águas do oceano ou uma das muitas lendas contadas através dos tempos. Várias são as opiniões sobre a existência ou não da Atlântida, e mesmo os que nela acreditam divergem quanto a sua  localização e o modo como desapareceu. A primeira referência sobre a Atlântida aparece em dois célebres diálogos de Platão, filósofo ateniense que viveu no século IV a. C. No primeiro deles, Timeu, Crítias, um dos personagens de Platão, conta a história de um povo que habitava além das Colunas de Hércules - que hoje é o Estreito de Gibraltar - e cujos "reis haviam formado um império tão grande e maravilhoso". No outro diálogo, chamado Crítias, ou A Atlântida, Platão, sempre pela boca de Crítias, fornece maiores detalhes sobre aquela sociedade. Conta que, quando os deuses dividiram as terras do planeta entre si, Poseidon (o deus dos mares) ficou com a Ilha de Atlântida. Em uma montanha no centro da ilha vivia Cleitó, uma jovem mortal por quem o deus se apaixonou. Para proteger sua amada, ele isolou a montanha, rodeando-a com água e terra, fossos e muros, alternadamente.Da união de Poseidon e Cleitó nasceram dez filhos homens, em cinco pares de gêmeos. Poseidon dividiu então a ilha em dez partes, uma para cada um dos filhos. O mais velho recebeu o nome de Atlas, que em grego significa suporte e que passou a designar a ilha intei-ra. O trono era herdado pelo filho mais velho de cada um dos reis, e o poder se conservou assim durante séculos. A ilha, segundo Platão, era maior que a Líbia e a Ásia juntas, pelo menos do que se conhecia desses territórios na época. Muito rica dispunha de grande quantidade de oricalco, uma espécie de liga de metal muito valiosa.Lá viviam muitos animais domésticos e selvagens, incluindo elefantes, e a terra proporcionava grande quantidade de frutos. Os reis tinham todo o poder sobre seu reino e faziam a maioria das leis, podendo castigar e condenar à morte quem quisessem. Contudo, o poder de um rei sobre outro era ditado pelos decretos de Poseidon. Uma inscrição gravada pelos primeiros reis sobre uma coluna de oricalco que se encontrava no templo em honra a Poseidon, no centro da ilha. ordenava que eles se reunissem periodicamente a cada cinco ou seis anos, quando acontecia um julgamento mútuo.A cerimônia se iniciava com ritos táureos. Os reis ficavam sozinhos no recinto sagrado de Poseidon, onde eram soltos vários touros. Eles tinham de capturar e degolar os animais, após o que se aspergiam com seu sangue. Jogavam parte dele no fogo, enquanto juravam respeitar as leis sagradas. Ao anoitecer, vestidos com belas túnicas, sentavam-se para serem julgados uns pelos outros.Esses reis permaneceram durante muitas gerações ligados às leis divinas e, como conta Crítias, mantinham seu senso de justiça. Mas, com o decorrer do tempo, abandonaram o principio divino e passaram a ser dominados por humanos, tornando-se ávidos de poder. Foi então que começou a decadência. Zeus, o deus do Olimpo, decidiu tomar providências e promoveu uma reunião com todos os deuses. Nesse ponto, Platão interrompe a narrativa.Entretanto, retomando oTimeu, é possível saber como Platão imaginou o fim da ilha: "Durante um dia e uma noite horríveis, todo seu exército foi tragado de um golpe pela Terra, e ainda a Ilha de Atlântida afundou no mar e desapareceu". Junito de Souza Brandão, um dos maiores especialistas brasileiros em mitologia, que estuda há quarenta anos, e autor do livro Mitologia grega  não acredita na existência da Atlântida. Para ele, o interesse pela história de Platão atravessa milênios porque é inerente ao ser humano buscar um modelo de paraíso e "a Atlântida realmente existe submersa dentro de cada um que a busca".Para afirmar sua tese, Brandão, aponta o recurso usado por Platão de localizar a história em um tempo bastante remoto. Na obra Timeu, Crítias conta que tomara conhecimento da Atlântida por seu avô, que por sua vez a tinha ouvido de seu bisavô, que ouvira o tal relato do governador ateniense Sólon (630 a 560 a.C.). Sólon ficou sabendo da existência da Atlântida em uma de suas viagens ao Egito.Nessa ocasião, alguns sacerdotes Ihe contaram que possuíam escritos nar-rando como Atenas havia conseguido vencer o povo atlante quando esse tentou subjugar a cidade. O fato teria ocorrido por volta de 9 000 anos antes de Sólon, ou seja, em cerca de 10000 a.C. A origem da Atlântida, assim, perde-se no tempo. As primeiras culturas urbanas cuja existência pode ser comprovada através de restos arqueológicos começaram a se desenvolver na Mesopotâmia por volta de 2800 a.C.Várias são as hipóteses que buscam explicar a real localização da Atlântida, e muitas delas a colocam na região do Mediterrâneo. Deve-se levar em conta que os mitos gregos-de onde vêm as lendas atlânticas-foram criados por pessoas vivendo em territórios que mantinham contato muito estreito com a Creta minóica, autêntica superpotên-cia política e econômica da Antiguidade. Localizada no Mar Mediterrâneo, Creta era uma ilha muito rica e muito sofisticada, a ponto de lá existirem palácios de vários pisos. Também vale mencionar que os cretenses celebravam festas táureas. Como se pode ver, são várias as analogias entre Creta e a Atlântida.Mas há ainda outros fatos que também são relacionados com a ilha fantástica. Trata-se da enorme explosão do vulcão da Ilha de Thera, no Mar Egeu, ocorrida provavelmente no século XVI a.C. Tudo o que restou do vulcão e sua cratera foi um círculo de ilhas que os italianos chamam de Santorini e os gregos, de Thera. Em 1967, o arqueólogo grego Spyridon Marinatos descobriu os restos de uma cidade cretense da Idade do Bronze em uma dessas ilhas.A população provavelmente abandonou a ilha quando os primeiros tremores de terra anunciaram a erupção, e essa fuga teria dado origem à lenda da Atlântida. A hipótese da erupção do vulcão é reforçada pela leitura de textos bíblicos. Para alguns pesquisadores, muitos dos fenômenos que a Bíblia narra, como o escurecimento do céu sobre o Egito e a separação das águas do Mar Vermelho, foram conseqüência da explosão em Santorini.Ainda dentro da linha de pesquisas que situa a Atlântida na região do Mediterrâneo, existe outra hipótese para localizar o reino perdido. Ele poderia estar situado na pequena Ilha de Pharos, em frente ao delta do Nilo, que na Idade do Bronze possuía um grande porto. Pharos estava na área de influência política e econômica dos cretenses seu porto era dotado de uma bacia interior e outra exterior. Hoje, essas impressionantes construções portuárias estão submersas nas águas, talvez devido a um terremoto submarino.Por outro lado, o gigante Atlas dos mitos anteriores a Platão habitava na cadeia montanhosa que se encontra no Norte da África, que recebe precisamente seu nome. A esse fato deve acrescentar-se a descrição final de Platão  no Timeu, quando a Atlântida já tinha sucumbido sob a fúria dos deuses: nessa zona marítima havia sérias dificuldades para a navegação devido à "quantidade de limbo que a ilha depositou ao submergir". Ainda hoje existem perigosos arrecifes na costa do Norte da Africa. Eles indicam que antigamente ali havia uma cadeia de ilhas, das quais restaram Djerba e Kerkenna.A história de Platão, entretanto, situa a Atlântida além das Colunas de Hércules, no Oceano Atlântico. Portanto, é para essa região que converge grande parte dos pesquisadores que buscam a ilha submersa. No mundo antigo existia a crença de que o Ocidente Distante era um lugar cheio de mistérios, pois as terras conhecidas se encontravam no Oriente. Mais além das Colunas de Hércules nascia a dúvida.Essas colunas têm sido identificadas freqüentemente com a civilização de Tartessos, destruída por volta de 500 a.C., e que provavelmente se situava numa região nas proximidades da cidade de Cádiz, no sul da Espanha. Curiosamente, Platão menciona essa cidade em seu relato-chama-a Gadiros-, servindo como ponto de referência para assinalar um dos extremos da Atlântida. Para muitos, há coincidências suficientes entre a civilização de Tartessos e a descrição de Platão para identificá-la como sendo a Atlântida. Se aceita, essa suposição seria então um ponto intermediário entre a hipótese mediterrânea e a do Oceano Atlântico.No fundo daquele oceano se estende uma larga cordilheira, cujos picos mais altos aparecem na sul superfície, desde a Islandia, no extremo norte do oceano, até Cabo Verde no Atlântico central inclinando-se nesse ponto para sudeste até as ilhas de Santa Helena, Ascensão e Tristão da Cunha, no Atlântico sul. Segundo a hipótese que situa a Atlântida nessas latitudes, essas ilhas seriam o último vestígio de sua existência.A teoria adquire certa credibilidade quando se centra a atenção no arquipélago das Ilhas Canárias. Localizado a 108 quilômetros da costa noroeste da África, ali os arqueólogos têm encontrado restos de antiqüissimas tumbas gigantes. Uma das hipóteses que permeia a teoria da Atlântida é que seus habitantes seriam muito altos.Porém, pesquisas antropológicas revelam que os antigos habitantes das Canárias vinham das costas africanas e teriam trazido consigo uma cultura rudimentar do Período Neolítico (por volta de 5000 a.C). Outro dado revelador é que, à exceção das Canárias e dos demais picos mencionados, toda a Cordilheira Atlântica tem estado submersa por pelo menos 60 milhões de anos. A história do homem, como grupo específico, desligado das diferentes raças de hominídeos, abrange meros 600 000 anos.O patamar submerso de Dogger Bank, no Mar do Norte, seria outra das possíveis coordenadas. Em outros tempos, ele não esteve coberto pelas águas e, mais importante, era habitado. Porém, os restos de ossos e utensílios recolhidos mostram que o desastre que ocasionou seu afundamento aconteceu no Paleolítico, há aproximadamente 500 000 anos. Os sobreviventes, dotados de uma tecnologia extremamente rudimentar, dificilmente poderiam navegar à deriva por uma grande extensão de água e chegar às costas européias e egípcias, levando consigo a recordação da catástrofe.Em meio às diversas hipóteses que localizam o continente perdido no Oceano Atlântico, contudo, uma pelo menos é bastante singular. Trata-se da que identifica a Atlântida como sendo a América do Sul. Quem defende essa tese é o físico Enrico Mattievich, um peruano de 52 anos, que vive há vinte no Brasil. Suas pesquisas sobre a Atlântida começara n em 1981, quando, já um físico respeitado em seu país, visitou as ruínas arqueológicas no Palácio de Chavin de Huantar, no Peru.Numa das partes do palácio, um verdadeiro labirinto, encontra-se a figura da Medusa (personagem da mitologia grega que tinha os cabelos em forma de serpentes, e cuja cabeça foi cortada pelo herói Perseu) gravada em pedra. Esse detalhe inspirou os primeiros pensamentos de Mattievich sobre uma possível ligação entre a América do Sul e a Grécia, mais especificamente Creta.Além disso, segundo o físico, alguns objetos encontrados no Palácio de Chavin eram feitos de uma liga de ouro e prata, que ao receber uma parte de cobre tornava-se avermelhada. Esse metal, que os incas, habitantes dessa região hoje pertencente ao Chile, chamavam de coriculque, é semelhante ao oricalco. Platão, ao referir-se a ele, dizia que tinha reflexos de fogo. Por essa razão, para Mattievich, "não faltam evidências de que os gregos alcançaram o continente americano e por centenas de anos devem ter explorado a região, rica em ouro".Como essas viagens devem ter ocorrido entre 1500 e 1200 anos antes de Platão nascer, Mattievich supõe que o filósofo tenha se enganado quando localizou a existência do continente atlântico por volta de 10000 a.C. O físico acredita que Platão tenha aproveitado o cenário, no caso a Atlântico/América, para nele desenvolver o seu modelo de sociedade ideal. Para ele o que Platão chamava de submersão do continente nada mais era que a deturpação da história, causada pelo tempo, da explosão do vulcão na Ilha de Thera.Nessa catástrofe, o que restava da frota marítima de Creta acabou e com ela o império colonialista dos micenos, que então habitavam aquela parte do mundo. O contato com a América foi interrompido como se 0 continente tivesse sido simplesmente tragado pelas águas. Mattievich, que também estuda Física aplicada a Arqueologia, afirma ser possível testar cientificamente sua teoria, lembrando que testes de rádio-carbano, por exemplo, poderiam determinar a idade de fortalezas incas para saber se as épocas coincidem.Essa teoria, como as demais, possui sua carga de verossimilhança. Porém, nenhuma delas pôde ser totalmente comprovada ante a absoluta carência de restos arqueológicos que possam ser identificados, com certeza, como sendo da Atlântida. Talvez o mistério maior não esteja em saber se ela existiu ou não, ou onde se localizava, mas por que, há tanto tempo, os homens continuam à sua procura. 


Ecologia à moda da casa - Ambiente


ECOLOGIA À MODA DA CASA - Ambiente



As tentativas de estabelecer uma convivência harmoniosa entre a natureza e desenvolvimento .

Nos últimos seis meses, a rotina da veterinária Rose Lilian Gasparini não tem mudado muito. Cedo às 7 horas, ela já está a cavalo, pronta para uma visita de inspeção a quase uma dezena de piquetes, como são chamados os pastos de 9 hectares onde estão confinados exatos 30 cervos do Pantanal, resgatados das várzeas do Rio Tietê, inundadas pela Hidrelétrica de Três Irmãos, em São Paulo quase na divisa com Mato Grosso do Sul. Durante cerca de duas horas, ela percorre a área à procura desses animais e observa seus hábitos. Quando o sol já está alto e o calor excessivo espanta os cervos para seus esconderijos no mato, a veterinária, uma moça decidida de 23 anos, está de volta. Durante o resto do dia, o seu trabalho é mais burocrático. Ela transforma as informações que obteve em anotações que servirão para o Conhecimento dessa espécie de animais hoje em extinção, mas que outrora habitava da Região Centro-Oeste até o Sul do Brasil. Seus relatórios são valiosos: quase nada se sabe sobre esses bichos ariscos que facilmente podem morrer de susto quando capturados e pouco resistem à vida em cativeiro."É um trabalho lento, mas que vale a pena", explica a veteriná-ria. O objetivo de Rose é garantir a sobrevivência dos cervos em semicativeiro para que a espécie, no futuro, mais adaptada à presença do homem, tenha condições de voltar a viver em áreas preservadas do Estado de São Paulo. Há dois anos, recém-formada, ela nem sabia das experiências de manejo de animais silvestres em extinção, aliás, pouco conhecidas em todo o território brasileiro, onde as construtoras de hidrelétricas costumavam simplesmente abandonar os animais à própria sorte, ou executar uma operação de salvamento de última hora nas áreas prestes a serem inundadas. Na época, apesar de ser uma paulistana pouco entusiasmada com as promessas da vida campestre, Rose tinha um objetivo incomum entre os colegas: dedicar-se a uma atividade ligada à conservação do meio ambiente. "Nunca pensei na natureza como algo intocável", afirma. "Mas acredito que os seus recursos podem ser mais bem aproveitados."Hoje, trabalhando na reserva de Promissão, no interior paulista, que a Cesp (Centrais Elétricas de São Paulo) mantém como um dos lugares de preservação dos cervos do Pantanal, Rose já não é uma raridade em sua geração A tendência dos novos profissionais saídos da universidade é, cada qual em sua especialidade, procurar maneiras de estabelecer uma convivência harmoniosa entre natureza e desenvolvimento-por mais que essa idéia soe como utopia no Brasil de hoje. Em sua maioria, não são ecólogos-aliás, uma palavra tão nova que nem existe no dicionário. 

A atividade também não está regulamentada, mesmo porque só existe uma Faculdade de Ecologia em todo o Brasil. Trata-se de uma das unidades da Unesp (Universidade Estadual Paulista) que fica em Rio Claro, e cuja primeira turma formou-se em 1979. Esses profissionais-cerca de 300, como calcula o professor José Galizia Tundizi, da Universidade de São Paulo, presidente da Sociedade de Ecologia do Brasil-são biólogos, biólogos, agrônomos, que trabalham em universidades, órgãos do governo, empresas de consulta ia ou entidades ecológicas. Em geral, motivados pelo trabalho que realizam, acabam aperfeiçoando os estudos em algum dos seis cursos de pós-graduação em Ecologia do pais. Quando se fala em Ecologia, a primeira imagem que vem à cabeça é a de uma ruidosa manifestação de militantes do verde contra a instalação de alguma fábrica malcheirosa, pela preservação da Mata Atlântica ou o fim da caça às baleias. E, nesse caso, a primeira impressão faz sentido. Apesar de o Brasil estar vinte anos atrasado em relação ao despertar ecológico que sacudiu os Estados Unidos, a Europa e o Japão, também por aqui as entidades preservacionistas têm chamado a atenção com campanhas pela melhoria da qualidade de vida. Talvez por isso os técnicos que estudam, identificam e apontam soluções às vezes ousadas para os problemas causados pelo homem à natureza acabem associados ao ativismo ecológico. Na realidade, acontece o contrário. A militância está deixando a fase em que valia mais o entusiasmo, para alcançar causas imediatas e se empenha na realização de projetos de manejo sustentado da natureza. Hoje, uma entidade como a Fundação SOS Mata Atlântica, por exemplo, reúne profissionais de diversas entidades governamentais e privadas visando avaliar as possibilidades de usar imagens de satélite de sensoriamento remoto para um banco de dados da floresta. A ciência ecológica, por sua vez, é muito mais antiga do que a militância com que freqüentemente passou a ser contundida. Remonta ao século XIX, época em que o cientista inglês Charles Darwin (1809-1882) revolucionou a Biologia com a sua teoria sobre o mecanismo da evolução das espécies. Como uma chave para tentar explicar por que algumas espécies ganham melhores aptidões para desbancar suas competidoras, o zoólogo alemão Ernst Haeckel (1839-1919), admirador de Darwin, usou a palavra "ecologia" pela primeira vez numa conferência proferida na Universidade de Jena, Alemanha, onde lecionava. 

Junção das palavras gregas oikos (casa) e logos (conhecimento, estudo), Ecologia significa o estudo do lugar onde se vive e das relações entre os organismos e o seu ambiente. Dizem os historiadores dessa ciência que Haeckel inventou a palavra, mas não a aplicou no seu próprio trabalho sobre a morfologia-estudo das formas-de seres microscópicos. Nesse caso, a Ecologia deve muito mais a outros cientistas da época, como o naturalista alemão Alexander von Humboldt (1769-1859), que mostrou a influência do clima sobre a vegetação, e o botânico dinamarquês Eugenius Warming (1841-1924), considerado o primeiro ecólogo, por ter pesquisado como as plantas se ajustam ao calor, à luz, à alimentação e à água disponíveis.Diferentemente das ciências exatas, a Ecologia, muito mais abrangente, tomou de empréstimo os conhecimentos da Geologia, Biologia, Física e Química, para analisar um rol de fatores, como a transferência de energia e matéria - alimentos,  água e oxigênio-, que afetam populações e comunidades numa determinada área. Quando fala de comunidades, a Ecologia não tem limites. "A mais nua das rochas da Antártida fervilha de microorganismos",  lembra o ecólogo Sérgio Rosso, da Universidade de São Paulo. Rosso estuda, há anos, a vida das algas, dos mexilhões, dos ouriços-do-mar, das anêmonas, da vegetação, das bactérias, enfim, da rica comunidade de seres vivos que ocupa os costões rochosos brasileiros. Em sua sala, no Departamento de Ecologia, estão guardadas centenas de frascos contendo pequeninos organismos marinhos à espera de serem identificados. Minucioso, Rosso enumera em gráficos, que depois são transformados em modelos no computador, a freqüência com que essas comunidades aparecem nos rochedos do litoral. "Se eu acompanhar o ciclo de vida dessas populações durante o ano, posso identificar quando um fator anormal estiver ocorrendo", explica. Por fator anormal leia-se qualquer espécie de poluição invadindo as praias.Durante anos, os americanos fizeram esse tipo de estudo na poluidíssima Baía de Chesapeake, no nordeste dos Estados Unidos. Hoje, graças aos parâmetros ali obtidos, eles têm condições de controlar qualquer ameaça a outras áreas de risco do litoral. Rosso acredita que isso também poderia acontecer nos costões brasileiros. Ele pretende este ano concluir a análise das espécies existentes na Praia de Barequeçaba, no litoral paulista, para apresentar as sugestões de cuidados que devem ser tomados na construção de um emissário de esgotos. Da mesma forma, no Rio de Janeiro, a instalação de um pólo petroquímico em Itaguaí, próximo da Baía de Sepetiba, só terá início com a aprovação do Rima-Relatório de Impacto Ambiental-que avaliará os efeitos da indústria sobre o litoral. Quarenta anos atrás, quando começou a ser implantado o pólo petroquímico de Cubatão, no litoral paulista, ninguém se preocupou com eles. E o resultado todos conhecemos e lamentamos: Cubatão ganhou o título de campeã mundial da poluição.Essa diferença de tratamento entre o passado-quando a preocupação com o meio ambiente era rotulada de romantismo-e o presente mostra como mudaram os valores das questões de poluição. Foi-se o tempo, por exemplo. de obras como a Hidrelétrica de Balbina, ao norte de Manaus, sempre lembrada quando se fala em falta de planejamento ambiental. Balbina, inaugurada há dois anos, inundou uma área equivalente à do lago de Tucuruí, sepultando madeira nobre e um número incalculável de animais, para fornecer trinta vezes menos energia que a usina paraense. Se fosse planejada hoje, depois de promulgada a nova Constituição, sua licença dependeria de uma análise prévia do impacto ambiental que viesse a provocar. 

Mais recentemente, a construção da barragem de Rosana, no Rio Paranapanema, entre São Paulo e Paraná, foi precedida por um estudo da qualidade da água e identificação de grupos de peixes, plancton e algas. Além disso, toda a área a ser inundada sofreu um processo de desmatamento. "Assim, quando o lago começou a cobrir a região, há quatro anos, não havia excesso de nutrientes provocado pela vegetação apodrecida", explica o biólogo Pedro Umberto Romanini, da Centrais Elétricas de São Paulo, responsável pelo trabalho. Durante esse tempo, Romanini fez coletas bimestrais de água e participou de pescarias periódicas na região, até poder afirmar, de maneira categórica: "Devido aos nossos cuidados, ocorreram poucas alterações no ecossistema".Quando a Rio-Santos, ligando o litoral paulista ao Rio de Janeiro, foi construída vinte anos atrás, pouca gente no Brasil dava atenção às questões da natureza. A estrada avançou pelas praias, lavouras, escarpas e matas da Serra do Mar, causando consideráveis perdas ao patrimônio turístico que pretendia valorizar. Atualmente, sem ter nas mãos um Rima, ninguém pode construir uma obra de porte com impacto ambiental. Foi assim no projeto da Rodovia do Sol, que ligaria a região metropolitana de São Paulo ao litoral norte do Estado. "Passamos semanas no meio do mato para identificar as espécies de vegetação que estariam no caminho da estrada", recorda-se o ecólogo Waldir Mantovani. Um dos raros especialistas brasileiros em fitossociologia, ou estudo das comunidades de plantas, Mantovani foi contratado como consultor da Themag Engenharia, encarregada das obras, para fazer um estudo que oferecesse subsídios ao Relatório de Impacto Ambiental.Foi um trabalho minucioso, no qual contaram-se as plantas e a variedade de espécies em encostas, fundos do vale e no alto dos morros do Parque Estadual da Serra do Mar, uma das poucas reservas da Mata Atlântica que ainda restam na costa brasileira e por onde passaria a rodovia. "O desmatamento em declives tão acentuados traria o grande perigo dos desabamentos". concluiu Mantovani. "A vegetação restante também não resistiria às alterações do terreno." 

Essas considerações foram debatidas em audiências is públicas que contestaram a validade da estrada. O Estado, agora, terá de procurar uma opção que provoque menos prejuízos ecológicos, mesmo que isso signifique gastar mais, pois os órgãos ambientais só permitem que as obras sejam reali-zadas com a aprovação dos Rimas. Por isso mesmo, resume Mantovani, "esses relatórios são um recurso importante -desde que bem feitos". Mantovani se refere assim à falta de preparo de uma parte dos técnicos que produzem os relatórios. De fato, nesses tempos de aprendizado sobre como conciliar desenvolvimento com natureza, por falta de informação ou simplesmente má fé, vários diagnósticos de impacto ambiental são superficiais ou acabam omitindo problemas ecológicos e sociais.Por causa disso, pessoas como o economista Emilio Lebre La Rovere, ex -chefe da área de Energia da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), sentiram a necessidade de implantar o primeiro curso de pós-graduação em Impactos Ambientais a funcionar no país, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Seu objetivo, como coordenador do curso, é formar equipes multidisciplinares de engenheiros, economistas e outros profissionais mais acostumados a fazer contas para diminuir os custos das obras do que a pensar no preço da qualidade de vida. 

Mais amplo do que a pós-graduação em Ecologia, o curso de Impactos Ambientais analisa os problemas relacionados à natureza sob o aspecto da legislação, da segurança de construções, da arquitetura e do impacto social. Segundo La Rovere, "na maioria dos órgãos do governo e da iniciativa privada, os departamentos de meio ambiente não participam do processo de decisão. É preciso mudar essa mentalidade". O exemplo da UFRJ foi seguido em São Paulo, e hoje a USP está iniciando também a sua pós-graduação em Ciências Ambientais reunindo especialistas em Engenharia, Saúde Pública, Física e, naturalmente, Ecologia. Segundo a coordenadora do curso, Sylvia Campliglia, diretora do Instituto de Biociências, "existe, no pais, uma estrutura de defesa contra problemas de meio ambiente que funciona, mas de maneira isolada. Por enquanto, estamos aprendendo a apagar incêndios. Se formarmos mão-de-obra, vamos estabelecer uma estratégia global para acabar com o fogo".  



A Ciência Constrói Atletas - Fisiologia


A CIÊNCIA CONSTRÓI ATLETAS - Fisiologia



A corrida atrás de medalhas leva esportistas aos laboratórios. Fisiologia do esforço, biomecânica, psicologia, tudo vale na luta por centímetros ou décimos de segundo

A garota espevitada com jeito de moleque só queria saber de jogar handebol, pois adorava marcar gols. Nem mesmo o grupo de pesquisadores que apareceu em seu colégio, e descobriu uma força fenomenal nas suas pernas de 12 anos, a fez mudar de idéia. Handebol, diziam eles, era um desperdício de talento, já que a potência privilegiada daquelas pernas faria da garota uma ótima velocista ou jogadora de basquete. A paixão por marcar gols, no entanto, falava mais alto do que uma cesta. Foram necessários muitos conselhos de uma grande jogadora de basquete da época, Norma de Oliveira, a Norminha, para que a menina enfim resolvesse se aventurar em jumps e bandejas. O basquete brasileiro ganhou assim Hortência, uma das maiores jogadoras que já pisaram quadras em todo o mundo. 

Assim como pode descobrir, entre meninos e meninas  aparentemente iguais, quem deles tem corpo e jeito para se transformar num grande atleta, a ciência do esporte evolui a cada dia na arte de lapidá-los. Se o extraordinário negro americano Jesse Owens conquistou quatro medalhas na Olimpíada de Berlim, em 1936, na casa e na cara de Adolf Hitler, o fez simplesmente graças a seus músculos e talento. Às vésperas do Pan-Americano em Cuba e das Olimpíadas de Barcelona 92, os atletas, para subir ao podium, não dependiam apenas de exaustivos treinamentos dirigidos por seus técnicos, mas de minuciosos testes conduzidos por cientistas. É um trabalho requintado, a ponto de se prever como as fibras musculares irão conseguir energia em cada etapa de uma prova, ou em que segundo exato o atleta ficará cansado. O objetivo é sempre um só - rendimento máximo. Antes de se construir um ganhador de medalhas, porém, é preciso saber garimpar a melhor matéria-prima.O Brasil, um país de poucos campeões olímpicos ao longo de sua história, tem um trabalho um tanto artesanal para detectar talentos para o esporte. Um deles foi elaborado pela equipe do Centro de Estudos e Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul (SP), o Celafiscs. Há dezesseis anos, o Celafiscs vem aplicando a estratégia Z, um modelo matemático que compara os dados de 15 000 pessoas de ambos os sexos e diversas faixas etárias aos de atletas de elite. É possível perceber, assim, o que um atleta tem que nós não temos. Com base nesses números, sabe-se por exemplo quanto um jogador de vôlei como Xandó salta acima da média da população. "Se um garoto de 14 anos tiver uma impulsão proporcionalmente tão boa, em relação aos outros da sua idade, é provável que se torne um bom jogador de vôlei", diz o médico esportivo Victor Matsudo, diretor do Celafiscs. É claro que boas pernas não bastam para prever que um garoto será um atleta de alto nível. Outras variáveis pesam, como coordenação motora, velocidade e até vontade treinar.As características corporais são tão importantes que, conhecendo-se quais são elas, é possível farejar um campeão. Foi o caso do judoca Aurélio Miguel, medalha de ouro na Olimpíada de Seul em 88. Aurélio possui não só uma circunferência de braço excepcional, como parece óbvio para um judoca, mas também um ótimo fôlego, que fez a diferença não tão óbvia a seu favor na final. "Esse é o segredo de Aurélio Miguel", revela Victor Matsudo. "Embora as lutas de judô durem só cinco minutos, ele lutou quatro vezes naquela noite em que ganhou a medalha. Vence a final quem tem resistência para chegar à última luta em condições físicas quase tão boas quanto as da primeira"Detalhes como esse são a diferença entre o campeão e o vice. Para poder conhecer o organismo de um atleta e saber onde ele deve ser trabalhado, fisiologistas se valem de uma parafernália de laboratório com a qual desvendam a intimidade de um corpo em movimento. Um organismo nunca está em estado normal quando corre, pula, luta ou salta, já que todo exercício físico é uma sobrecarga ao corpo, provocando alterações bioquímicas, cardiorrespiratórias e musculares. Essas alterações fisiológicas indicam que a questão prioritária do corpo é obter energia para conseguir se manter em esforço.Se um atleta se cansa antes de a prova ou de o jogo terminar, os fisiologistas do esforço, analisando tais alterações, determinam com alto grau de precisão a causa da fadiga em hora imprópria. O corpo vai buscar essa energia em três fontes. A primeira é usada apenas em casos de emergência, porque dura pouco e vem das moléculas de ATP armazenadas nas células. O ATP é uma espécie de bateria que está ali justamente para liberar energia rapidinho. Todo mundo usa ATP quando, sentado, levanta-se e começa a andar. Nos primeiros dois ou três segundos, o corpo usa o ATP armazenado, depois parte para a segunda forma de obtenção de energia, a transformação da glicose presente no sangue e nos músculos em mais ATP. Um   velocista como Carl Lewis, na competição dos 100 metros rasos, que dura menos de 10 segundos para quem chega na frente, não tem tempo sequer para transformar a glicose.Se em lugar de Carl Lewis estiver na pista o brasileiro Joaquim Cruz, especialista na prova dos 800 metros, seu corpo vai, depois dos momentos iniciais, entrar no terceiro jeito de conseguir força para continuar correndo. O método agora é decompor combustíveis energéticos, como gorduras, carboidratos e proteínas, para ter como resultado gás carbônico, água e principalmente energia. Para que esse processo aconteça, é necessária a presença do oxigênio, que vai "queimar" os combustíveis.O cenário dessa reação é a mitocôndria, uma organela em formato de feijão que existe às centenas em cada célula e faz o papel de uma usina. Enquanto o atleta respira fundo e suas células consomem oxigênio, ele está na chamda atividade física aeróbia. "Essa é a forma mais eficiente de um corpo conseguir energia, pois os músculos trabalham melhor e durante mais tempo", conta Carlos Eduardo Negrão, fisiologista da Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo e integrante da Seleção brasileira de vôlei no inicio dos anos 70. 0 único inconveniente desse sistema é a semelhança com o carro a álcool: demora a esquentar. As usininhas celulares só começam a produzir energia a pleno vapor depois de alguns minutos do corpo em esforço.Porém, se por algum motivo o oxigênio inspirado pelo atleta não é suficiente para permitir a queima dos combustíveis, seu organismo apelará para a atividade anaeróbia. É a repetição do segundo estágio, quando a glicose é transformada em ATP, e é aqui que começam os problemas. Embora tenha a vantagem de proporcionar energia rapidamente, o que se torna necessário quando o corpo precisa de mais força do que as mitocôndrias são capazes de gerar, a atividade anaeróbia tem um efeito colateral - o ácido lático. Temida por atletas, técnicos e preparadores físicos, essa substância, sobra da decomposição da glicose, impede a contração muscular, provoca dores e, o que é pior, deixa o sangue ácido.Atrapalhando a produção de elementos bioquímicos que fazem cada fibra muscular se dobrar (por troca de cargas elétricas), e além disso irritando sensores nervosos da dor, o ácido lático leva o troco do corpo. O contra-ataque vem na forma de uma série de bicarbonatos, que o transformam em água e gás carbônico. Isso resolve o problema dos músculos, mas não o do sangue. Acontece que o gás carbônico continua a aumentar a acidez sanguínea, um verdadeiro desastre para o bom funcionamento das células, especialmente as nervosas. Tamanho seria o estrago provocado pelo sangue ácido, que existem células na carótida e na aorta, as duas maiores artérias do corpo humano, encarregadas exclusivamente de vigiar o seu pH (indicador de acidez).Assim, quando o sangue se torna ácido, essas sentinelas nervosas advertem o cérebro para tomar as devidas providências. "A respiração torna se então acelerada e o atleta fica ofegante", diz Negrão. "Mas isso não ocorre porque seus músculos pedem mais oxigênio, como pode parecer à primeira vista, e sim porque é necessário expulsar o excesso de gás carbônico", explica.Esse momento é flagrado em laboratório quando um atleta, pedalando ou correndo numa esteira rolante, é ligado a um aparelho computadorizado que desenha gráficos coloridos. Neles, Negrão acompanha alterações, como freqüência cardíaca, volume de ar respirado, consumo de oxigênio e volume de gás carbônico expirado. Esse aparelho - só existem dois no Brasil - revela particularidades fisiológicas impossíveis de ser detectadas sem ele. Às vezes, um atleta tem uma ventilação adequada, ou seja, respira um volume ideal de ar. "No entanto, ao calcular a pressão dentro dos pulmões, o aparelho indica se aquele atleta está levando para o sangue todo o oxigênio que inspirou", avalia Negrão. Mesmo que seu sangue  receba montes de oxigênio, ele tem ainda outro limite, conhecido como VO2, que determina o volume máximo desse gás que suas células conseguem transformar em energia.Em outro exame importante, uma única gota de sangue do atleta retirada do lóbulo da orelha ou da ponta do dedo, é colocada num aparelho que indica a quantidade de ácido lático. Somada essa informação aos dados do gráfico, sabe-se em que momento o atleta passou a recorrer ao processo anaeróbio, ou seja, cansou - e isso costuma acontecer um pouco antes de seu organismo alcançar o chamado limiar aeróbio, o consumo máximo de oxigênio. É nesse ponto do esforço que o atleta deve trabalhar durante os treinamentos. Se passar desse limite, seu corpo não agüentará; se ficar abaixo dele, pode gastar horas correndo nos treinos, mas sua condição física não sairá do lugar.No caminho que leva uma promessa de campeão até o podium, contudo, a evolução do preparo físico chega na melhor das hipóteses a 20%. Por isso, é inútil preparar um maratonista para disputar uma Olimpíada se o seu consumo máximo de oxigênio é 60 mililitros por quilo por minuto. O fisiologista Antonio Carlos Silva, da Escola Paulista de Medicina, que há quinze anos se dedica à avaliação de atletas, deparou com esse caso. "Um treinamento de êxito condicionaria aquele maratonista a consumir 72 mililitros por quilo por minuto, quando sabemos que um maratonista de nível internacional supera 75", lembra Silva. O brasileiro em questão estaria derrotado antes mesmo do tiro de largada.Nem sempre, porém, a capacidade de consumir oxigênio é o fator limitante da performance. Um atleta pode consumir mais oxigênio do que outro, mas. seu adversário talvez demore mais tempo para fabricar ácido lático, um freio para os músculos, que começa a ser liberado antes de o organismo esgotar suas possibilidades de buscar energia no oxigênio. Na arrancada final embora tenha menor capacidade aeróbia, o adversário tem menos acidez no sangue e está menos cansado- o que pode se traduzir em vitória. Por isso, o objetivo do treinamento pode ser empurrar o início da produção de ácido lático cada vez mais para perto da linha de chegada, se possível para além dela.Vários motivos podem atrasar a entrada do ácido lático na jogada. Parte do ácido é transformada nos próprios músculos em substâncias inofensivas. Esse processo pode ser acelerado por algumas enzimas, cuja produção será tanto maior quanto mais o músculo for requisitado. "Existem evidências, porém, de que a capacidade de gerar enzimas também é determinada geneticamente", observa Antonio Carlos Silva. Portanto, já do berço, algumas pessoas trazem essa marca de atleta. No treinamento, a repetição interminável de movimentos em determinados músculos tem no retardamento da produção de ácido lático a razão de ser. Numa tentativa de atender à demanda implacável, as mitocôndrias das células se multiplicam. Resultado: a capacidade de gerar energia com oxigênio aumenta. Como se não bastasse, doses cada vez maiores desse gás são servidas aos músculos. Isso porque o desenvolvimento muscular é acompanhado pelo crescimento de minúsculos vasos capilares, que levam sangue oxigenado a domicílio. Na comparação do fisiologista Silva, "é como se as fibras musculares ganhassem um sistema de transporte de entrega rápida". Além disso, o exercício constante amplia as câmaras do coração do esportista. Isso aumenta o que os cientistas chamam de déficit cardíaco, o volume de sangue bombeado pelo coração em cada batimento. No auge do esforço, a freqüência cardíaca de um atleta em relação a uma pessoa sedentária, do mesmo sexo e idade, deve ser muito parecida, mas o coração bem treinado empurra muito mais sangue de uma só vez. Moral da história: o músculo do atleta aproveita mais o oxigênio, que chega em quantidades maiores e num tempo menor.Retardar a produção do ácido lático, porém, não é a estratégia ideal para todas as modalidades esportivas. Isso é muito bem adequado às atividades que exigem resistência, chamadas aeróbicas, como as provas de fundo em atletismo, natação ou ciclismo, e as partidas de basquete, vôlei ou futebol. Nos músculos desses atletas predominam as fibras lentas, que se contraem sem muita força, mas agüentam um trabalho prolongado. Já provas anaeróbicas, como os 100 metros rasos e  saltos e arremessos no atletismo, ou ainda levantamento de peso, que exigem mais força do que movimento, dependem da capacidade dos músculos de estocar energia na forma de glicose. E ela o combustível preferido pelas fibras musculares rápidas, que se contraem com muita força, mas se cansam facilmente.Fica patente que os atletas são feitos sob medida para seu esporte. Enquanto os que precisam de resistência são preparados para chegar ao fim da prova ou do jogo antes que o cansaço os alcance, os que dependem da força são treinados para ganhar massa muscular, a fim de ter maior reserva de energia. Mas no esporte de alta performance, onde centímetros ou centésimos de segundo valem a vitória, os talentos naturais pouco valem se não forem levados ao limite pela ciência do esporte. Nem adianta apenas treinar, o que na opinião de Valdir Barbanti, professor da USP e preparador físico da Seleção brasileira de basquete, é simplesmente uma repetição dos movimentos certos. Se o atleta os fizer de forma errada, não evolui. 

É por esse motivo que há cerca de trinta anos se desenvolve outra forma de trabalhar esportistas de alto nível, a biomecânica. Ao contrário da fisiologia, que investiga as mudanças por dentro do corpo, a biomecânica se preocupa com os aspectos externos, ou os movimentos e comportamento dos músculos durante uma competição. O ponto de partida é a antropometria, um cálculo da massa corporal segundo um modelo matemático que serve para determinar, entre outros parâmetros, o centro de gravidade do corpo - um dado fundamental quando se estuda movimento. 

Mais complicada é a eletromiografia, uma técnica que permite ao pesquisador da biomecânica saber quais os músculos ativos em cada passo de um atleta. Como o músculo se contrai por troca de cargas elétricas, é possível saber se ele está em repouso ou fazendo força com o eletromiógrafo, um aparelho ligado ao corpo que capta a freqüência desse sinal elétrico. O eletromiógrafo envia o sinal a um computador e tem-se como resultado um gráfico com linhas semelhantes ao de um eletrocardiograma.Fundador do recém-criado laboratório de biomecânica da Educação Física da USP, o professor Alberto Carlos Amadio exemplifica a aplicação da eletromiografia ao estudo do salto triplo: "Sabendo quais músculos das pernas um triplista ganhador de medalhas usa em cada fase do salto, e quais ele deixa inativos, temos um modelo da ação dos músculos num salto ideal". Um atleta que aparentemente faz o movimento certo, mas deixa contraídos músculos que deveria relaxar, ou vice-versa, é flagrado em erro por esse método.A terceira área da biomecânica é a dinamometria, o estudo das forças de reação do solo ao impacto do corpo. Ela é medida pela plataforma de força, uma placa de aço sustentada por quatro pequenos aparelhos sensíveis a pressão. Ligada também a um computador, a plataforma dá os gráficos de três forças toda vez que alguém pisa ali: vertical, para baixo; horizontal, no sentido do movimento; transversal, lateralmente ao movimento. Por fim, a cinemetria analisa a posição das partes do corpo no espaço. Isso é feito com câmaras de vídeo ou filme, que registram imagens posteriormente digitalizadas e passadas a um computador.A rotina de treinos e competições sobrecarrega não só o físico de um atleta, mas também sua cabeça. O preparo psicológico, por isso, cada vez mais decide o jogo a favor de quem o tem. Ele se resume a características psicofisiológicas treináveis como músculos: atenção, concentração, percepção, memória, pensamento, sentimentos e emoção. As técnicas são variadas, desde pedir a um jogador de tênis que fixe o olhar numa bolinha por cinco minutos, até criar num jogador o hábito de visualizar a partida desde o dia anterior para entrar na quadra psicologicamente "aquecido"."A preparação psicológica é tão importante quanto a física", garante a psicóloga Regina Brandão, coordenadora do setor de psicologia do Celafiscs. "Nenhum atleta perde condicionamento físico de repente - somente a variável psicológica afeta a performance de um dia para o outro", constata. Numa Olimpíada, em que os competidores disputam várias provas eliminatórias e depois as finais, a cabeça precisa estar em ordem todo o tempo, por vários dias. Não é à toa que a normalmente inabalável frieza dos atletas soviéticos e dos países do Leste europeu os levou muitas vezes ao topo do podium - a tradição da psicologia aplicada ao esporte, na União Soviética. é centenária.Nenhum adversário conseguiu derrotar os gélidos atletas da antiga Cortina de Ferro como seu próprio destino histérico, o fim dos governos socialistas. "Quando ruiu o sistema político, ruiu o sistema científico-esportivo sustentado por ele", analisa Alberto Carlos Amadio, que estudou por cinco anos na Universidade de Colônia, na Alemanha. O modelo mais eficiente de fabricação de medalhistas de ouro foi levado a cabo pela ex-Alemanha Oriental com o Instituto de Leipzig, uma fábrica de esportistas finamente talhados por mais de 600 pesquisadores, que hoje está às moscas. "Com o fim da guerra fria entre Ocidente e Oriente, as perguntas que se fazem agora são: para onde vai o esporte de alto nÍvel, e para que somar medalhas numa Olimpíada?", especula Amadio.


O que eles têm

As diferenças entre um brasileiro comum, um maratonista e um velocista
Esse é o perfil de aptidão física de brasileiros do sexo masculino entre 20 e 22 anos de idade. Se fossem atletas dos Estados Unidos, tudo seria diferente. Os americanos pesam em média 72,62 quilos; a balança chega a apontar 83,97 quilos no caso dos velocistas, e isso pode ser uma vantagem, pois a modalidade exige uma grande massa muscular. Já o maratonista americano pesa apenas 61,27 quilos em média, quase dois quilos a menos que o brasileiro. Outro ponto para os corredores dos  Estados Unidos: na maratona, os mais leves costumam chegar primeiro.Brasileiro médio peso: 63,74 quilos altura: 1,70 metro média das dobras cutâneas (gordura): \7,61 centímetros consumo máximo de oxigênio 44,58 ml/kg/min potência anaeróbia: 261,.97 metros potência das pernas (impulsão vertical): 33,13 centímetros, pressão manual: 73,73 quilos velocidade (50 metros): 7s64 volume máximo de sangue bombeado: 20 litros por minuto freqüência cardíaca no repouso: 70 batimentos por minuto    Maratonista médio peso: 63,05 quilos altura: 1,74 metro média das dobras cutâneas 5,61 consumo máximo de oxigênio: 77,26 ml/kg/minpotência  anaeróbia: 304,08 metros potência das pernas: 37 centímetros pressão manual 46,43 qullos velocidade (50 metros): 7s26 volume máximo sangue bombeado: 35 litros por minuto freqüência cardíaca no repouso: 45 batimentos por minuto    Velocista médiopeso: 67.64 quilosaltura: 1,75 metromedia das dobras cutâneas: 5,79 centímetrosconsumo máximo de oxigênio: 59,41 ml/kg/ minpotência anaeróbia: 324,11 metrospotência das pernas: 37,65 centímetrospressão manual: 50 quilosvelocidade (50 metros): 6s64volume máximo de sangue bombeado: 25 litros por minutofreqüência cardíaca no repouso: 55 batimentos por minuto



Ao alcance dos mortais

Fabricar superatletas não é a única missão dos laboratórios de fisiologia do esforço. Ao trabalhar também com quem só se mexe por esporte os cientistas estabelecem parâmetros de atividade física para pessoas tão diferentes como crianças, idosos, mulheres grávidas, diabéticos. "Ginástica não faz bem da mesma maneira para todo mundo", adverte o fisiologista Antonio Carlos Silva. Assim como os atletas, cidadãos comuns, quando treinam menos do que o ideal, não têm benefício algum.Porém, ao fazer esforço demais, o atleta costuma parar por causa do cansaço, que literalmente trava seus músculos. "Quem não tem o mesmo preparo físico talvez não sinta nada ao cometer excessos, mas seu organismo sempre sofre algum dano", comenta Silva. Por isso, os mesmos exames realizados nos superatletas são repetidos em gente normal, para também se conhecer entre essas pessoas os limites individuais de esforço. Isso fornece subsídios a médicos e professores de educação física para que não exijam de cada pessoa mais - ou menos - do que seu organismo pode suportar. 


100 METROS

Recorde atual: 9s92 (Seul, 24/9/88)Limite estimado: 9s58Recordista: Carl Lewis (Estados Unidos)
Avanços tecnológicos, como tênis mais leves, contribuem para superar marcas em modalidades que exigem velocidade. Apesar disso, a grande responsabilidade de recordes está nas pernas dos atletas. Além de possuírem uma proporção maior de fibras musculares rápidas, velocistas devem ter passada larga. Atletas pernaltas devem quebrar o recorde atual em alguns décimos de segundo.


SALTO EM ALTURA

Recorde atual 2,44 m (San Juan, 29/7/89)
Limite estimado 2,72 mRecordista: Javier Soto Mayor (Cuba)
Um excelente salto em altura é uma mistura de força, destreza e estatura. Vários recordes têm sido quebrados porque os atletas são cada vez mais técnicos e mais altos. No entanto, a força das pernas não tem acompanhado esse crescimento. Se os futuros atletas, além de mais altos, também tiverem pernas mais robustas, o recorde atual poderá ser superado em até 13 centímetros. 

SALTO EM DISTÂNCIA
Recorde atual8,90 m (Cidade do México, 18/10/68)Limite estimado10,32 mRecordista: Bob Beamon (EUA)No salto em distancia, quanto mais alto você salta, mais tempo você fica no ar; quanto mais veloz é a decolagem, maior é a distância que se percorre antes de tocar o pé no solo. Atletas mais velozes terão mais facilidade para combinar esses fatores e conseguir ângulo ideal, repetindo - ou superando - o espetáculo de Bob Beamon.



400 METROS NADO LIVRE FEMININO

Recorde atual4min03s85 (Seul, 22/9/88)
Limite estimado: nenhum
Recordista: Janet Evans (EUA)
Poucas provas têm mostrado tanto progresso quanto as de natação feminina. O número de nadadoras de elite cresce, O treinamento é mais aperfeiçoado e surgem novidades, como piscinas que diminuem a formação de ondas. Pela performance das atuais nadadoras, há quem acredite que, no futuro, elas irão superar os recordes masculinos.



SALTO COM VARA

Recorde atual: 6,06 m (Nice, 10/7/88)
Limite estimado: 7,82 m
Recordista: Sergei Bubka (URSS)
O aparecimento de varas de fibra de vidro, substituindo as de alumínio e bambu, fez a curva de recordes ascender drasticamente. Afinal, a vara de fibra de vidro é como uma catapulta, que aproveita a energia do atleta, enquanto ele corre, e o impulsiona para cima. Mas alguma energia se perde em vibração - o atleta que evitar essa dispersão pulará mais alto. 




Incansáveis Operários de Metal - Robótica


INCANSÁVEIS OPERÁRIOS DE METAL - Robótica



Cada vez mais versáteis e inteligentes, os robôs ocupam espaço nas fábricas e em postos de trabalho inacessíveis ao homem, como o fundo do mar

O homem é o mais eficiente e mais versátil animal já inventado pela natureza. Capaz de converter em força de trabalho até 20% das calorias que consome - contra apenas 10% do segundo colocado nessa categoria, o cavalo -, o organismo humano, além disso, retém o bom desempenho nas mais diversas circunstâncias, dos desertos ardentes aos pólos gelados. Mas talvez nem precise fazer isso por muito mais tempo. pois vem se encarregando de criar trabalhadores ainda melhores, os robôs. Equipados com tecnologia cada vez mais sofisticada, os novos operários enfrentam, incansáveis e sempre disponíveis, as tarefas complicadas, estressantes ou perigosas que o homem, por diversos motivos, não pode ou não deve encarar. Eles prometem, por exemplo, revolucionar a exploração do fundo do mar, que se quer transformar num permanente canteiro de obras e de pesquisas, ocupado por milhares de robôs submarinos. "Será como nos dias do Velho Oeste", entusiasma-se o empresário americano Graham Hawkes. Fundador da firma Deep Ocean Engineering, ele conta ao jornal The New York Times que está preparado para produzir e vender máquinas especializadas em serviços nas profundezas.Algumas delas já estão trabalhando em verdadeiras expedições caça-tesouros cujo objetivo é recuperar objetos valiosos que, no passado, tenham afundado com navios, aviões ou mesmo mísseis. Ainda mais promissores, no entanto, são os robôs empregados na indústria petrolífera Não é preciso ir longe para descobrir o motivo. Basta visitar os poços que a Petrobrás perfura em alto-mar, junto à costa do Rio de Janeiro. Obrigada a realizar suas atividades no leito oceânico, em profundidades que vão até os 1 000 metros, a empresa já não pode prescindir da mão-de-obra dos robôs. O maior deles atende pelo nome de Triton. Baixinho e atarracado - tem 1,32 metro de altura, 1,20 de largura e 1,42 de comprimento -, pesa 1,9 tonelada e é capaz de carregar 227 quilos de equipamentos em seus braços. A escuridão impenetrável, reinante abaixo dos 200 metros, é um problema sério, mas contornável. O Triton enxerga, antes de mais nada, por meio de duas câmaras de televisão - uma em cores e outra em preto-e-branco - e para isso tem que iluminar os objetos com quatro lâmpadas de 250 watts cada uma. Esses instrumentos, no entanto, só são eficazes quando estão bem próximos de seu alvo. "A mais de 5 metros do objetivo, o robô está completamente perdido", aponta o engenheiro mecânico José Antônio Galarza. A saída, então, é apelar para o sonar, um olho que vê o som - trata-se de um aparelho que emite ondas sonoras contra um obstáculo e, em seguida, capta os sinais refletidos por ele. De acordo com esse eco, pode desenhar as formas que encontra pela frente. Os mesmos instrumentos equipam o Scorpio, outro funcionário exemplar da Petrobrás.A diferença é que o Triton é um pouco mais forte, pois tem um motor de 50 HP, que Ihe permite enfrentar correntezas de até 3 nós, cerca de 5,5 quilômetros por hora. Já o Scorpio, com uma potência de 40 HP, não se arrisca quando o mar exige velocidade acima dos 2,5 nós. Idiossincrasias à parte, ambos conhecem bem os serviços de rotina nas grandes plataformas, como controlar o fluxo de combustível nos oleodutos abrindo e fechando suas válvulas. Ou então, fazer reparos gerais, como apertar parafusos, carregar e fixar hastes metálicas, ou desenrolar cabos elétricos e hidráulicos no leito oceânico."Teoricamente, eles podem fazer tudo o que um homem faz", explica o engenheiro eletrônico Antônio Cláudio Sant´anna. É claro que certas comparações são muito desfavoráveis. O braço mais forte do Scorpio, por exemplo, consegue realizar, no máximo, cinco movimentos diferentes, como erguer-se, girar, dobrar e assim por diante. O outro braço, chamado manipulador, é um pouco mais fraco e um pouco mais ágil, pois faz até sete movimentos diferentes. Mas, mesmo assim, fica muito aquém do braço humano, que detém a marca insuperável - pelo menos por enquanto - de 27 tipos de movimentos. Por outro lado, nenhum homem é capaz de trabalhar eficientemente a cerca de 300 metros de profundidade.Nesse caso, os robôs saem-se bem melhor que os operários, conforme se viu num teste efetuado pela Petrobrás. A experiência consistiu em fixar uma das chamadas árvores de natal", apelido que se dá ao complicado conjunto de válvulas usado para abrir e fechar os poços submarinos. Embora dois mergulhadores humanos trabalhassem nada menos que quatro horas e meia para terminar o serviço, o Scorpio, sozinho, aprontou tudo em 35 minutos. "Fez mais depressa e mais bem feito", resume Carlos Vilarinho da Costa, especialista em robótica da empresa. O teste dá uma idéia das limitações do corpo humano e, por extensão, ilustra o grande potencial do trabalho com robôs. Os poços da Petrobrás já estão no nível dos 1 000 metros, e é provável que se vá ainda mais longe Mas a marca de 320 metros é considerada como o limite de resistência dos mergulhadores, pois a pressão torna-se equivalente a 30 quilos sobre cada centímetro quadrado do seu corpo. Para evitar problemas, eles têm que ser preparados, antes da descida, durante onze longos dias Mesmo assim, não podem demorar no fundo mais que oito horas e, depois de voltar à tona, levam mais dez dias recuperando-se. As máquinas, em vez disso, são tão insensíveis à pressão da água quanto às reivindicações salariais.Podem, portanto, ampliar a exploração racional nas imensas, e ainda desconhecidas, planícies submarinas. "Mais de 90% do leito oceânico já estão acessíveis aos robôs", opina o especialista americano Robert Wernli. Ele deve saber, pois é um dos dirigentes do Centro de Pesquisas Oceânicas, da Marinha dos Estados Unidos, cujos estudos começaram ainda nos anos 60. Em 1965, um dos aparelhos projetados no Centro desceu a 26 metros e, de lá, trouxe para a superfície velhas peças de artilharia afundadas.Um ano mais tarde, o mesmo engenho realizou a proeza de recuperar uma bomba atômica que, por acidente, havia caído sob 77 metros de água, na costa da Espanha. Hoje, acreditam os pesquisadores, há pelo menos 600 robôs capazes de cumprir a mesma missão e com muito mais facilidade. Muitos deles podem mergulhar mais de 1000 metros e, além de capturar objetos, podem ainda fazer perfurações no subsolo, soldar metais ou cortar cabos. Em outras palavras, as máquinas tomaram-se mais versáteis e mais inteligentes. Isso se deve, em grande parte, aos circuitos eletrônicos acoplados às suas engrenagens. Assim, por meio de comandos mais simples, foi possível obter maior ganho de força nos braços-guindastes e de agilidade nos braços manipuladores. Outra novidade importante foram os novos materiais, como o kevlar, um plástico que tem a resistência do aço; ou o titânio, um metal forte e muito leve, que dificilmente se deixa corroer pelo sal. Os robôs que operam no Brasil empregam algo diferente - uma notável resina recheada de minúsculas esferas ocas de vidro, chamada espuma sintática. As esferas têm apenas 1 milímetro de diâmetro e, em grande quantidade, parecem um talco muito fino, cuja função é tornar mais leves as peças construídas com ela. Desse modo, pode-se contrabalançar o peso das partes de metal, que são os músculos da máquina.Afinal, enquanto fazem suas tarefas, os robôs submarinos têm que flutuar e nadar, ao contrário de seus primos da indústria, que são fixos. Essa habilidade sofisticou-se muito quando entraram em funcionamento as fibras óticas, ampliando os canais de comunicação entre o fundo mar e a superfície. São acondicionadas dentro do mesmo cabo que os operadores empregam para dirigir e acionar os robôs. A diferença é que, em vez de comandos elétricos, transportam grande quantidade de sinais eletrônicos, responsáveis pelas imagens de televisão e de sonar.Foram essas tecnologias que, a partir da década de 70, capacitaram os robôs para tarefas pretensiosas, como as que executam nas plataformas de petróleo. Ou as que podem vir a executar, dentro de mais alguns anos, em muitos outros setores. A França, por exemplo, já construiu inúmeros protótipos com o objetivo de recolher minerais raros no leito oceânico. É difícil prever se os robôs avançarão mais velozmente no mar ou nas indústrias de terra firme, nas quais vêm assumindo tarefas tais como apertar parafusos e fazer pontos de solda, num ritmo de milhares de operações ao dia. Desde 1982, por exemplo, eles desembarcaram na linha de produção da Volkswagen, em São Bernardo do Campo, SP, e acabaram tornando-se fundamentais para a empresa.Das 24 máquinas existentes na fábrica, quatro modelos, denominados R30 mais espertos. Dotados de sensores magnéticos e de calor, localizam e soldam com precisão 72 pontos diferentes na carroçaria dos carros Santana, Voyage e Fox. O capricho é tanto, que o R30 não se limita a fazer o serviço: também registra o número e a posição dos pontos de solda. Trata-se de um detalhe decisivo, pois o relatório apresentado por ele - com rigor e rapidez inigualáveis - é aceito no exterior como comprovante de qualidade. Por esse motivo, tornou-se indispensável na montagem de carros para exportação. "É uma garantia de alta homogeneidade de trabalho", confirma o engenheiro de manufatura Carlos Daniel Kibrit.Além disso, acrescenta, a máquina não reclama de insalubridade, não sofre com os acidentes de trabalho e adapta-se de imediato às mudanças, muito comuns nas modernas linhas de montagem. Embora seja cego, surdo e burro - expressão empregada por Kibrit -, o R30 está alterando toda a fábrica, pois permanece fixo em um local. Em vista disso, montou-se um verdadeiro autorama capaz de levar os carros até ele - são correias de transporte automáticas, guiadas por comandos eletrônicos. Toda a precisão é pouca, diante das rapidíssimas reações do robô, cujo cérebro eletrônico capta uma mensagem em apenas meio segundo - e, naturalmente, manda executar as tarefas com presteza equivalente.Cada gesto seu, ao longo da jornada, obedece a uma programação predeterminada, à qual obedecem, também, muitos outros equipamentos à sua volta, em perfeita sincronia. Levando isso em conta, não há como duvidar do sucesso dos novos operários - a Volkswagen, que já possui 24 máquinas, está importando outras catorze, mais sofisticadas, da Alemanha. É certo que, fora da indústria automobilística, a modernização é mais lenta, mas nem por isso deixa de existir. Já no país 48 robôs em atividade nos mais variados ramos de negócio, de acordo com a estimativa de Roberto Camanho, diretor da Sobracon, Sociedade Brasileira de Comando Numérico e Automação Industrial.Camanho diz que também aumenta o número de fabricantes brasileiros. entre os quais destacam-se empresas como a Villares-Hitachi, Metrixer e a Romi. Elas decidiram começar pelos modelos mais simples. Os mais habilidosos robôs da Petrobrás, por exemplo, são estrangeiros - o Triton é americano e o Scorpio, canadense. Seus preços oscilam entre as ponderáveis quantias de 700 000 e 1 milhão de dólares, razão por que não são comprados, mas sim alagados. Os menores, equipados apenas de urna câmara, saem por 1 200 dólares ao dia; os maiores, dotados de braços, por 2 500 dólares.Como exceção, existem nas plataformas duas simpáticas máquinas brasileiras, trabalhando a todo o vapor. Construídas pela firma Consub e batizadas de Tatuí, vêem por meio de câmaras de TV, enfrentam correntes de 2 nós e descem até os 1 000 metros. Estão preparadas para tarefas rotineiras de inspeção ou reparo de cabos. Mais importante que isso, no entanto, é seu papel simbólico, como os primeiros representantes de uma indústria de vanguarda no país.