Último sebo a resistir na Praça Tiradentes, Livraria Marins se prepara para fechar as portas
Atualmente, cerca de 30 pessoas passam ao longo do dia na Livraria Marins, que tem 60 mil livros
Proprietário aponta o preço dos aluguéis, a concorrência com a internet e a violência na cidade como motivos para passar ponto.
Em meio a títulos como “A cada dia um novo começo", “Como vender seu peixe na internet" e “Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva" — que parecem resumir sua atual fase —, a Livraria Marins, última a resistir na Praça Tiradentes, prepara-se para pôr um ponto final na própria história. Adelbino de Marins Espíndola, seu proprietário, á se mobiliza para passar o ponto. Hoje com 68 anos, o carioca aponta o preço dos aluguéis, a concorrência com a internet e a violência na cidade como alguns dos motivos pelos quais se diz cansado de manter o seu sebo aberto.
— Antes, aqui na praça, eram seis livrarias. Eu sou o único a continuar. O movimento está sempre caindo, e qualquer aumento no aluguel, para um livreiro, já significa muito. Estou conformado, pois, na minha idade, não teria muitas perspectivas nesse mercado. Mas fico triste por aqueles que estão começando — lamenta, referindo-se a seu funcionário, Leandro Cardoso, de 30 anos.
Assim que passarem o ponto — Marins prefere o método boca a boca —, os dois planejam se concentrar na venda dos cerca de 60 mil livros em estoque, 80% usados, pela internet. Para isso, é preciso também conseguir um espaço para depositar a mercadoria. Por ora, as vendas através da Estante Virtual correspondem à metade do faturamento da livraria, que ingressou no portal de vendas de livros novos e usados em 2006. Por dia, ele estima a venda de 10 a 12 livros pelo site.
Marins focará na internet
Meio em que Marins pretende concentrar suas vendas, a internet tem registrado números em ascensão nos negócios com livros. Apenas na Estante Virtual, que reúne cerca de 1.350 sebos e livrarias, as vendas foram aproximadamente 25% maiores em todos os meses de 2015, comparados a 2014. Mais de mil livreiros estão na fila de espera para comercializar obras na página, diz o fundador André Garcia.
— Há casos de sebos que abriram em locais onde não há demanda que justifique a existência física depois de comercializar livros virtualmente, na Estante. Para mim, o fechamento de livrarias no Rio é um retrato da situação absurda que são os aluguéis na cidade. Não vejo uma migração das compras para a internet, acho que as vendas virtuais e físicas são complementares. Pelo site, é possível encontrar um livro que a pessoa queria de antemão. Já o sebo físico é um local para garimpar. Lá, o livro acha a pessoa — opina Garcia.
UM RELACIONAMENTO EM EXTINÇÃO
Apesar de se mostrar conformado com a situação, Marins admite que sentirá falta do contato com os clientes. Afinal, lá se vão 50 anos no meio — ele começou aos 18, fazendo pequenos serviços na tradicional Livraria São José, até assumir a filial na Tiradentes que, sem sucesso financeiro, se tornou sua propriedade e se transformou em Livraria Marins, há cerca de 10 anos.
— Hoje recebemos, em média, 30 pessoas por dia. É muito pouco. A presença dos clientes é fundamental para o livreiro, pois eles trazem demandas e informações que contribuem para constituir nosso acervo. Eu, por exemplo, aposto em ter sempre uma boa seleção de clássicos, até pela proximidade com o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) — explica Marins, que em sua trajetória tomou gosto pela leitura de biografias e livros de autoajuda.
‘TEMPO DE IGNORÂNCIA DA LEITURA’
O escritor americano Benjamin Moser também descreve os sebos como lugar de encontros. Na época em que chegou ao Rio, em meados da década de 1990, ele cultivava o hábito de descer Santa Teresa de bonde e andar até a Praça Tiradentes, onde conheceu autores brasileiros.
— Era uma caminhada muito agradável. Eu não conhecia nada de literatura brasileira, e dependia dos livros para explorar os grandes nomes. Naquela área, descobri uma vocação de transmitir essa literatura para fora do Brasil — conta o autor de “Clarice, uma biografia" (Editora Cosac Naify). — Todos dizem que vão para a internet, mas, com isso, fica perdida aquela situação espontânea de você entrar numa loja enquanto está esperando o ônibus e descobrir coisas novas. Lamento o fechamento dos sebos da Praça Tiradentes. É um empobrecimento da região e da vida intelectual da cidade.
O arquiteto e pesquisador Nireu Cavalcanti diz que a proliferação de sebos na região teve início em 1980, possivelmente impulsionada pela proximidade com teatros e com o IFCS, no Largo de São Francisco.
— Foi natural que, em volta de boêmios e intelectuais, surgisse um comércio desse tipo. Lamento hoje assistirmos ao fechamento dessas livrarias. É sinal de que estamos entrando em tempo de ignorância da leitura. O Rio está virando uma cidade de coisas superficiais. O que caracteriza hoje a Praça Tiradentes? Nada — queixa-se Cavalcanti.
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