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terça-feira, 8 de outubro de 2013

As primeiras notícias da década do Cérebro - Neurociência


AS PRIMEIRAS NOTÍCIAS DA DÉCADA DO CÉREBRO - Neurociência


Cientistas do mundo inteiro mostram avanços no sentido de decifrar os mecanismos dos pensamentos e das emoções, naquela que é considerada a estrutura mais complexa do Universo.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Quando o Cérebro cai na fossa - Saúde


QUANDO O CÉREBRO CAI NA FOSSA - Saúde


Cerca de 250 milhões de pessoas, ao redor do mundo, se encontram na mais profunda depressão. Razões emocionais podem tê-las empurrado ao fundo do poço, mas os médicos sabem que isso não basta: os deprimidos são doentes crônicos, cujas células nervosas não trabalham direito.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Rita Levi-Montacini: A Detetive dos Nervos


RITA LEVI-MONTALCINI: A DETETIVE DE NERVOS



Aos 81 anos, a obstinada italiana, Prêmio Nobel de Medicina, adora uma investigação-seja nos livros policiais que lê, seja nos laboratórios onde persegue todas as pistas sobre o fator de crescimento das células nervosas

Naquela manhã de dezembro, de 1986, Rita Levi-Montalcini acordou, como todos os dias, antes que o relógio marcasse 6 da manhã. Abriu as cortinas sobre a Bala de Estocolmo e pediu à camareira do Grand Hotel o desjejum habitualmente frugal, chá e biscoitos. Diante do espelho, deu aos cabelos cândidos a costumeira onda, toda para um lado, que emoldura o rosto enrugado muito alvo, sereno, e ressalta o olhar risonho azul-claro. Finalmente, vestiu um conjunto de seda pérola, estampado com flores estilizadas, de caimento perfeito no corpo esguio, quase frágil, como o de um passarinho. Só assim, aparentemente pronta para um passeio, a elegante senhora sossegou em um canto, sentando-se na poltrona para folhear um romance policial de Agatha Christie. Há muito tempo, aprendeu a usar os livros da escritora inglesa feito um escudo diante da menor ameaça de tensão. Ela sempre carrega uma aventura do detetive Hercule Poirot, por exemplo, quando precisa enfrentar uma viagem aérea. Naquela vez, porém, as peripécias do personagem serviram para relaxar a leitora que, à noite, receberia o Prêmio Nobel de Medicina das mãos do rei Carlos Gustavo da Suécia.O Nobel premiou uma descoberta feita em parte no Brasil dos anos 50, nos laboratórios do Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro: ali, a cientista italiana teve a certeza da existência do NGF, sigla, em inglês, de fator de crescimento dos nervos. Trata-se de um fluído produzido pelo próprio organismo, que, ao tocar as células nervosas, feito uma varinha mágica, tem a espantosa propriedade de fazê-las crescer. 

Hoje, com recursos da Engenharia Genética para produzir o NGF, sabe-se que sua aplicação clínica, no futuro, poderá curar uma série de doenças degenerativas do sistema nervoso-como, aliás, já está começando a se tentar na Suécia e nos Estados Unidos, para tratar o mal de Alzheimer, a atrofia dos nervos, e o mal de Parkinson, uma espécie de atrofia cerebral. 

Quando o NGF foi descoberto, porém, poucas pessoas Ihe deram a devida importância, talvez porque a substância pudesse ser encontrada em quase todos os tecidos do corpo. Incansável, Rita continuou colhendo pistas do NGF, determinada a provar que a substância também está por trás de outras funções importantes, como a imunológica, ajudando o organismo a vencer suas batalhas contra agentes nocivos. A história da cientista, nesse sentido, se parece com os romances que tanto aprecia, com investigações dignas dos mais perspicazes detetives lutas-não físicas, é verdade-, perseguições implacáveis, como a dos nazistas pelo fato de ser judia, e, sobretudo, cenas de grande-emoção."No verão carioca de 1953, o NGF saiu das sombras de maneira triunfal e grandiosa, como se fosse estimulado pela atmosfera dessa exuberante manifestação de vida que é o Carnaval do Rio". descreveu a cientista em sua autobiografia, O elogio da imperfeição. "Nas vésperas do Natal de 1986, o NGF apareceu de novo em público, sob a luz dos refletores, na presença dos reis suecos, de príncipes, de damas em vestidos de gala e cavalheiros em fraque." Nessa noite, Rita Levi-Montalcini também estava vestida de gala: usava um longo desenhado pelo refinado e pouco conhecido estilista romano Roberto Capucci, autor de verdadeiras esculturas em tecidos. Na verdade, Capucci confeccionou duas roupas para a ocasião, uma bordô e outra verde com mangas roxas. E por que duas? Porque a cientista, famosa por sua vaidade, queria escolher o modelo apenas no dia de receber o prêmio. O requinte da escolha-venceu o vestido com mangas roxas, sua cor predileta-surpreendeu quem estava acostumado a vê-la com o avental branco dos laboratórios.Há sessenta anos, contudo, ninguém imaginaria que aquela jovem, nascida em Turim, passaria boa parte da vida nesse ambiente. Afinal, Rita vinha de uma família culta, mas de convicções vitorianas a respeito do papel da mulher. Na adolescência, ela teve o mesmo destino de suas duas irmãs, isto é, o chamado colegial feminino, um curso que não dava acesso à faculdade: Nina, a mais velha, resolveu se casar; Paola, irmã gêmea da pesquisadora, dedicou-se à pintura e à escultura. Já o caminho de Rita foi traçado quando ela completou 22 anos, com a doença que causou a morte de sua velha babá. Então, contrariando os princípios paternos, Rita decidiu estudar Medicina.Hoje em dia, aos 81 anos de idade, a cientista não hesita em se declarar feminista, na entrevista a SUPERINTERESSANTE, realizada em Castelporziano, uma antiga reserva de caça nos arredores de Roma. Em um cenário de bosques, onde javalis pastavam e faisões ciscavam, 21 Prêmios Nobel se reuniram, em dezembro (1991), para trocar idéias sobre como estimular a pesquisa nos países da Comunidade Européia. Ali, Rita mergulhou em lembranças dos tempos de universitária, quando teve um mestre excepcional, o professor Giuseppe Levi, conhecido por suas idéias antifascistas. "Ele tinha um método de trabalho rigoroso, mas seguia de modo apaixonado as pesquisas de seus alunos", ela recorda.Na mesma época, Giuseppe Levi orientava três futuros Nobel de Medicina: além da própria Rita, Renato Dulbecco, premiado em 1975 pela identificação dos genes desencadeadores do câncer, e Salvador Luria, laureado em 1969 pela descoberta das características dos genes de vírus e de bactérias (veja quadro). "Rita trabalhava no laboratório ao lado do meu", conta Luria. "Por isso, seu Nobel me deixou particularmente contente, apesar de ter chegado atrasado", opina o orgulhoso colega. A perseguição anti-semita durante a Segunda Guerra interrompeu a carreira dos dois jovens pesquisadores de origem judaica. Luria fugiu de bicicleta, cruzando a fronteira da Itália. Rita, por sua vez, escondeu-se no quarto, onde improvisou um laboratório, como uma Robinson Crusoe da ciência.Quando a perseguição contra os judeus estendeu-se da Alemanha para a Itália, a família Levi-Montalcini partiu de Turim para viver refugiada em Florença. Mas, no último período da guerra após o desembarque dos soldados aliados na cidade, Rita saiu do esconderijo para socorrer a população florentina em meio a uma epidemia de tifo. "Só então percebi que não tinha desprendimento emocional para clinicar", diz ela. "Por isso, decidi me dedicar à pesquisa."Assim, em 1951, Rita embarcou para os Estados Unidos, determinada a passar horas com os olhos grudados no microscópio, observando o desenvolvimento dos nervos em embriões de galinha. Naquela época, ela intuía que algo, uma substância qualquer, fazia os nervos dos embriões crescer, quando lhes enxertava células de tumores de ratos-era ali, no tumor, que devia estar o que batizou de NGF. Faltava apenas provar cientificamente a sua presença. Rita, então, pensou em recorrer a uma técnica, que havia usado nos anos 40, com o professor Giuseppe Levi-a cultura de tecido. Ou seja, ao se mergulhar células em um coquetel de nutrientes, elas continuam vivas e, desse modo, consegue-se observá-las, pode-se dizer, em plena ação. Essa técnica estava sendo desenvolvida no Brasil pela cientista alemã Hertha Meyer, que Rita conhecera em Turim. Hertha também judia, tinha fugido para o Brasil em 1939, sendo acolhida pelo biólogo e biofísico Carlos Chagas Filho, no Instituto de Biofísica, no Rio de Janeiro-cidade em que, por sinal, Hertha morou até morrer, no ano passado."Rita me escreveu pedindo para estagiar conosco, com uma bolsa da Fundação Rockefeller", conta Chagas Filho, na sala do Instituto de Biofísica que hoje leva seu nome, atrás de uma de suas duas mesas de trabalho, onde muitas vezes ele almoça. No final de 1952, Rita desembarcou no Rio de Janeiro sob um pé-d´água tropical. "Eu a encontrei no aeroporto, extrovertida, com uma capa impermeável e dois ratinhos portadores de tumor no bolso", recorda o professor. O biofísico levou a estagiária italiana direto ao laboratório, para colocar os passageiros-clandestinos em gaiolas. Só agora Rita confessa: "Eu poderia ter feito a cultura de células nos Estados Unidos. Mas, diante da possibilidade de realizar o sonho de vir para o Brasil, eu não hesitei". Ela só lamenta a falta de tempo para visitar outras cidades-"nem São Paulo eu cheguei a conhecer".Um dia depois de chegar, Rita iniciou a experiência com Hertha Meyer, preparando uma cultura de gânglios embrionários de pintos com um pedacinho do tumor de ratos. Para comparar, as duas cientistas também prepararam uma cultura apenas de gânglios de embriões. Segundo Carlos Chagas Filho, o resultado surgiu no dia seguinte: "Foi espetacular, pois o gânglio com células de tumor tinha lançado inúmeras fibras nervosas-e nada tinha acontecido com o outro gânglio. É raro uma experiência ter sucesso logo na primeira tentativa. Mas nesse caso o êxito era tão evidente, que mandei estourar uma champanhe Moët et Chandon para comemorar". O Instituto de Biofísica, embora bem - aparelhado, não dispunha de um microscópio de fotografia. Por isso, Chagas Filho entrou em seu automóvel e saiu em busca de um equipamento emprestado. Assim, Rita conseguiu provar a existência do NGF.Para o professor, hoje com 80 anos, o episódio marcou o início de uma grande amizade: "A primeira coisa que faço, quando chego a Roma, é ligar para Rita", revela o cientista, que antes de deixar a presidência da Academia de Ciências do Vaticano, há cerca de dois anos, depois de tê-la exercido por dezesseis, ia várias vezes por ano à Itália. As viagens, agora, reduzem-se a dois passeios anuais-mas o hábito de telefonar para a colega permanece. "Ela é uma das mulheres mais femininas que eu conheço", diz ele, sem esconder a admiração. Tão logo sabe que o amigo brasileiro está em Roma, Rita toma seu Alfa Romeo branco, que ela mesma pilota, para ir encontrá-lo. Invariavelmente, eles jantam juntos-ou em elegantes restaurantes, como o do Jardim Borghese, ou no apartamento que Rita divide com a irmã pintora Paola.Os sustos que Chagas Filho leva no trajeto de carro-"ela dirige muito depressa, como todos os motoristas em Roma"-são compensados pela excelência dos jantares, segundo o professor, quando são servidos "seis pratos e vinhos deliciosos", embora Rita só beba água San Pallegrino. Nos encontros, o assunto costuma ser literatura, o lazer predileto da cientista, que adora discutir sobre autores italianos modernos, como Umberto Eco e Alberto Moravia. "Rita também tem um enorme interesse pela política do país", conta Chagas Filho é conhecida sua preocupação com os estudantes pobres, para os quais ela criou uma fundação com o dinheiro de vários prêmios que já recebeu. "Eu sempre digo aos jovens que o primeiro truque é não concentrar-se excessivamente em si próprios, pois isso equivale a fechar-se em um quartinho", ela ensina. "O segundo truque é buscar com obstinação o próprio caminho. O medo da opinião alheia não deve condicionar alguém a tomar uma decisão que, no fundo, sente ser a escolha errada." Por causa de seu carisma, Rita acaba de ser convidada a participar de uma campanha de televisão contra as drogas. Mas nem sempre a pesquisadora teve essa popularidade.Rita viveu toda a década de 50 nos Estados Unidos. Quando voltou para a Universidade de Washington, depois do estágio no Rio de Janeiro, ela conheceu o bioquímico americano Stanley Cohen, com quem, anos mais tarde, dividiria o Nobel pela investigação do NGF. Juntos, eles descobriram aos poucos molécula por molécula que compõe a substância-que os dois cientistas, aliás, identificaram como uma proteína. Preocupada com a mãe idosa e com a irmã gêmea, que vivia sozinha, Rita retornou ao seu país em 1962, quando foi discriminada por muitos cientistas italianos, por ter passado tanto tempo no exterior. Em 1974, no entanto, ela foi a primeira mulher a entrar para a Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano, por indicação de Carlos Chagas Filho Os conhecimentos sobre o NGF permitem a busca de novos tratamentos para o câncer, o crescimento desenfreado de uma célula, assim como para uma série de processos degenerativos. "Nos animais, o NGF é capaz de regenerar células nervosas, mas não temos provas de que isso ocorre com o homem. Por enquanto, é apenas uma esperança, esclarece a cientista. Fora prováveis aplicações clínicas, graças as pesquisas coordenadas por Rita, hoje se sabe que o NGF é muito mais do que o responsável pelo crescimento das células nervosas. 

Descobriu-se que a substância é capaz de estimular o sistema imunológico e o endócrino. Algumas experiências mostram que esse mesmo fator é capaz de condicionar a agressividade de ratos, o que mostra sua influência até no comportamento dos seres vivos. Diante de tudo isso, em abril do ano passado, a inquieta Rita Levi, elaborou uma hipótese: "O NGF pode ser uma espécie de maestro na orquestra do organismo", especula, os olhos brilhando de entusiasmo. "Ele parece estar ligando as funções vitais." 

Animada com a tese, ela não pára. Acorda quando o dia mal amanhece e vai direto para a máquina de escrever. Ela está sempre escrevendo-seja artigos, seja conferências. "Quando era adolescente, eu queria ser escritora, como a inglesa Virginia Woolf", conta. Em parte, esse sonho não deixou de ser realizado: sua autobiografia, lançada depois do Nobel, foi um best-seller nas livrarias italianas. E, agora, Rita aproveita os primeiros meses do ano para terminar dois livros de divulgação científica para o público jovem.Depois de escrever algumas folhas, ela pega o carro e dirige para o Instituto de Biologia Celular do Conselho Nacional de Pesquisa da Itália. Ali. permanece três ou quatro horas trabalhando na sua antiga paixão, o NGF, até sair para o almoço- uma dieta espartana, à base de peixes e verduras cozidas. Às 17 horas, ela volta para o laboratório, onde fica pesquisando até o anoitecer. A agenda só é diferente quando a cientista faz conferências fora de Roma, o que costuma acontecer duas vezes por semana. Rita também é uma ativa militante pela conservação da memória da comunidade hebraica italiana, causa para a qual doou parte do dinheiro recebido com o Nobel. "Apesar disso, não sou religiosa, ela assume. "Minha crença se baseia no respeito à liberdade individual."De fato, ela não tolera a menor lembrança do anti-semitismo dos tempos de guerra-e um episódio doméstico recente ilustra bem esse horror. Em seu escritório, entre prateleiras de livros e plantas. Rita tinha um pôster do líder negro americano Martin Luther King. Mas, há poucos meses, caiu nas mãos da insaciável leitora uma biografia de Lutero, o fundador do protestantismo, que a deixou escandalizada pelo pensamento anti-semita. Ao chegar no ponto final do livro, a primeira atitude de Rita foi arrancar a imagem de Luther King da parede. Ainda o considero uma pessoa muito nobre" esclarece. "Só não quero esbarrar diariamente com o nome de seu xará."

Italianos premiados 

Com Rita Levi-Montalcini, dezessete italianos conquistaram o Nobel de disciplinas científicas-a Itália, aliás, é o nono país mais premiado. Isso não reflete uma tradição de investimento em pesquisa. A maioria desses pesquisadores teve de emigrar para se dedicar às suas experiências, como aconteceu com quatro dos cinco cientistas que receberam o Nobel de Medicina. Antes de Salvador Luria, Renato Dulbecco e Rita Levi Montalcini, foram contemplados Camilo Golgi, em 1906, por estudar o papel dos neurônios, e Daniele Bovet que, trabalhando na Suíça, descobriu os anti-histamínicos.


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segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O Endereço da Inteligência - Biologia



O ENDEREÇO DA INTELIGÊNCIA - Biologia



Cem trilhões de conexões celulares, em eterna troca de informações, tecem a estrutura mais complexa do Universo: o cérebro humano.

Preste atenção. Ler este pedido é possível porque os olhos traduziram a imagem de cada letra em centenas de milhares de sinais elétricos que, em linha quase reta, escorregaram até a parte de trás da massa gelatinosa abrigada na caixa do crânio. Daquela região, próxima  à nuca, foram disparados outros milhares de mensagens que se esparramaram pelas laterais, encontrando na superfície rugosa da massa uma área capaz de reconhecer as letras e montar palavras. Em seguida, partiram dali, em todas as direções, ondas elétricas que, ao varrer a víscera cinzenta, encontraram o significado da frase, escondido em um canto qualquer da  memória. 
Compreendida, a ordem foi comparada a outras mensagens, desde relatórios sobre o organismo a informações sobre o ambiente, que chegam a todo instante ao cérebro humano - uma construção tão complexa que os melhores cérebros que se dedicaram a estudá-la concluíram, sem preocupação com a modéstia, que não existe nada igual em todo o Universo conhecido. Então, se ao cérebro que defrontou com a primeira linha deste texto nada pareceu mais importante do que o pedido de prestar atenção, se por algum motivo não brotou na memória uma forte saudade nem irrompeu no organismo uma dor de dente, é bem capaz que o sistema nervoso tenha decidido escalar mais células para interpretar a leitura, atendendo à solicitação. E, caso todo o processo tenha ocorrido, durou exatamente o tempo necessário para ler as quatro primeiras palavras do texto.
De uma célula para outra, no entanto, a informação trafega no cérebro 1 milhão de vezes mais devagar do que um sinal de computador. Apesar da desvantagem inicial, porém, o cérebro consegue reconhecer um rosto em fração de segundo; portanto, no final das contas, está um corpo à frente da Informática. A diferença é possível porque bilhões de células nervosas, os neurônios, podem trabalhar ao mesmo tempo na solução de um único problema, como identificar uma forma ou compreender uma ordem, enquanto um computador processa bovinamente, passo a passo, as informações que recebe. Só recentemente começaram experiências para fazê-los trabalhar em paralelo, como o cérebro humano.
Apenas nos últimos dez anos os cientistas começaram a desvendar para valer os mecanismos cerebrais que tornam o homem inteligente. E as últimas descobertas aconselham apagar da memória a gasta analogia do computador. Parece muito mais adequado comparar o cérebro humano a um movimentado pregão da Bolsa ou a um igualmente agitado debate estudantil em que as informações pipocam de forma desorganizada e muitas vezes prevalece quem fala mais alto. No ano passado, cientistas americanos concluíram que qualquer estímulo que chega ao cérebro não segue uma rota definida, mas percorre diversos caminhos de neurônios, e alguns vão levar a dados que nada têm a ver com a assunto tratado.
Mas sempre que determinado estímulo encontra uma espécie de eco em algum dado estocado na memória, esse circuito passa a ser mais ativado, como se gritasse alto e bom som uma pista. No final, é como se o cérebro escolhesse as pistas e, por intuição, decidisse em favor de uma resposta, mesmo que incompleta, pelos dados de que dispõe. Graças a essa maneira aparentemente desajeitada de ser inteligente, às vezes nem com muito esforço o homem resolve equações cuja solução uma calculadora de bolso daria em um zás-trás.
Em contrapartida, é essa fórmula de sempre trabalhar simultaneamente com um grande número de informações que dá à inteligência humana toda a flexibilidade, fazendo com que o homem seja capaz de reconhecer depois de muito tempo um amigo que deixou crescer a barba, ou de imaginar um passeio de gôndola sem nunca ter pisado em Veneza e, principalmente, de lidar com toda sorte de imprevistos. Para chegar a essa compreensão dos mecanismos da inteligência, os americanos criaram um computador programado de acordo com os conhecimentos que se tem sobre a anatomia cerebral, ou seja, a forma como os neurônios se distribuem. É que na geometria dessas células de 1 centésimo de milímetro de diâmetro e de seus prolongamentos pode estar o segredo de ser humano.
Cada um dos 100 bilhões de neurônios do cérebro está ligado a 10 mil outros e assim é capaz de receber 10 mil mensagens ao mesmo tempo; a partir desse colossal volume de informações, o neurônio tira uma única conclusão, a qual, por sua vez, pode ser comunicada a milhares de outras células.
Calcula-se que existam entre os neurônios nada menos de 100 trilhões de contatos, as sinapses. Junto com a câmara de pósitrons, o único aparelho que permite visualizar o cérebro em atividade, o computador simulador de neurônios é um dos recentes recursos que podem ajudar o homem a conhecer os segredos da sua inteligência. Mas devagar com o andor. "Podemos entender os mecanismos básicos. No entanto, dizer que a gente entenda tudo é um grande exagero", adverte o neurologista Esper Cavalheiro da Escola Paulista de Medicina. "Conhecemos muito melhor o cérebro do macaco do que o do homem", informa esse professor, que passa o dia no laboratório. "O chimpanzé, por exemplo, é um dos animais mais inteligentes, pois pode até aprender uma dúzia de palavras em linguagem de surdo-mudo e manter certa comunicação com seres humanos", compara. "Mas, entre o cérebro do chimpanzé e o do homem existe um abismo."
A quantidade de novos genes que o homem adquiriu na evolução, em relação aos genes de seus ancestrais primatas, é muito pequena para justificar o avanço no sistema nervoso. Esse salto para a inteligência é um dos maiores enigmas da espécie humana. "Coincidência ou não", aponta Cavalheiro, "junto com o crescimento da área ligada a funções intelectuais, aparece a linguagem, uma aquisição que permite aos homens registrar informações, de maneira que cada geração não precise reinventar a roda. Os outros animais, sem aquela parte frontal do cérebro, não deixam história."
Se pudesse ser esticado, o cérebro humano também seria o maior entre os de todas as espécies. Pois, na realidade, a sua superfície cor de chumbo, o córtex, esconde nas reentrâncias nada menos de 9 décimos de sua área. E, em matéria de cérebro, ter uma vasta superfície vale muito mais do que a víscera pesa - afinal, seu quase 1,3 quilo ( 1,350 nos homens e 1,100 nas mulheres) é metade de um cérebro de baleia colocado na balança. A importância do córtex se deve ao fato de sediar a maior parte dos neurônios, as células nervosas que deixam fluir as idéias. Tais células foram observadas pela primeira vez em 1873 pelo fisiologista italiano Camillo Golgi (1843-1926), que descreveu seus milhares de prolongamentos espalhados feito galhos: são os dendritos, a porta de entrada das mensagens enviadas por outras células; o neurônio possui ainda um único axônio, ponto de partida da informação que processa.
São esses prolongamentos revestidos de uma substância branca que cruzam o cérebro de um lado para outro, tecendo a massa branca na parte interna da víscera. O fisiologista espanhol Santiago Ramón y Cajal (1852-1934) notou em 1889 que os prolongamentos dos neurônios, medindo de milésimos de milímetro até mais de 1 metro, não formam fios contínuos, feito cabos elétricos. Pois, na realidade, uma célula nervosa não encosta em outra. Uma informação salta o vazio entre um neurônio e outro graças a proteínas muito especiais, sintetizadas nas próprias células nervosas: são os neurotransmissores. Até a década de 70 se conhecia uma dúzia dessas substâncias mensageiras químicas; hoje os cientistas contabilizam mais de cinqüenta.
"Isolá-las e conhecer as suas principais propriedades é uma coisa", esclarece o neurologista Jorge Facure da Universidade de Campinas, no interior de São Paulo. "Mas ao se verem os neurônios em ação é quase impossível saber quais neurotransmissores estão sendo liberados naquele momento." Faz sentido: afinal, muitos neurônios fabricam mais de uma dessas substâncias, selecionando o momento de usá-las, a concentração e até a dose indicada, tudo conforme o sinal que pretendem transmitir. "Nos Estados Unidos", conta o médico Facure, que já trabalhou ali, "existem prédios inteiros ocupados por laboratórios dedicados exclusivamente ao estudo de neurotransmissores, tal a sua complexidade."
Há dois anos, Facure está à frente de uma equipe da Unicamp concentrada numa das mais instigantes investigações sobre o cérebro humano: trinta pesquisadores das mais diversas áreas - da Medicina à Informática, da Física à Psicologia - reúnem todos os dados ao alcance da ciência para tentar descobrir se existe alguma relação entre a mente e a matéria. Em outras palavras, a pesquisa confronta a delicada questão da possível existência de uma mente - que alguns preferem chamar alma - habitando os circuitos nervosos e controlando o funcionamento cerebral.
De fato, tão complicado como entender a inteligência é compreender por que ela se manifesta de maneira diferente de pessoa para pessoa. Ou seja, compreender por que uns são mais criativos do que outros, por que há quem goste de compor música e quem prefira escrever, como enfim a inteligência se desdobra em infinitos perfis. De acordo com os cientistas, para se tirar alguma conclusão dessa trama cerebral, o fio da meada é a comunicação entre os neurônios, cujas membranas funcionam feito uma divisória, separando cargas elétricas opostas: dentro da célula nervosa existem substâncias predominantemente negativas e, do lado de fora, encontram-se substâncias predominantemente positivas.
Um estímulo qualquer, como a visão de um retrato, subitamente inverte a situação: dentro do neurônio a eletricidade passa a ser positiva e, fora, negativa. A inversão, que dura um ínfimo milésimo de segundo, gera uma onda elétrica que percorre o neurônio de ponta a ponta. Ao alcançar o final do axônio - que se bifurca sucessivamente -, a corrente elétrica provoca uma alteração na membrana da célula. Assim, abrem-se brechas por onde escapam espécies de pacotes recheados de determinado neurotransmissor. Os pacotes logo se encaixam nos dendritos das células nervosas e ali se derretem, liberando o mensageiro químico. Este, por sua vez, provoca a inversão de carga que gera o sinal elétrico.
Para o neurônio que recebe a informação, as coisas não são tão simples. Afinal, é alcançado ao mesmo tempo por milhares de outras mensagens. "O sinal elétrico resultante não é necessariamente a soma de todos os sinais recebidos", explica Esper Cavalheiro, da Escola Paulista de Medicina, enquanto rabisca um exemplo. Segundo tal esquema, se alguém segura uma xícara de café muito quente, um neurônio pode ordenar: "larga"; um segundo neurônio, porém, passa a informação de que aquela é uma raríssima peça de porcelana chinesa. Provavelmente, a segunda mensagem irá atenuar a intensidade da primeira, de modo que a pessoa, apesar da dor, controlará o movimento da mão até pousar a xícara com cuidado sobre um móvel.
De acordo com as informações que um neurônio está habituado a receber, vai formando um comportamento. Passa a precisar de certa quantidade de energia, a produzir determinada dose de proteína, a reagir de modo específico a um estímulo. No final, um neurônio é sempre diferente de outro. Pode-se perguntar, no entanto, como o cérebro interpreta separadamente cada informação, sem confundi-las. O segredo é receber as mensagens por dendritos diferentes. Um neurônio, capaz de calcular a distância de onde veio uma mensagem, pode assim concluir qual de suas entradas ou dendritos foi usada naquela vez e, conseqüentemente, qual neurônio a está enviando.
O neurônio vai além: ao decodificar determinado sinal, sabe que a célula que o enviou está, por sua vez, sendo estimulada por tais e quais neurônios. Alguns cientistas, porém, acham que essa explicação é um tanto simplista.. Na opinião do neurofisiologista Luiz Menna-Barreto, da Universidade de São Paulo, não se pode entender o mecanismo de compreensão de mensagens quando se pensa em um único ou mesmo em poucos neurônios. "O cérebro sempre raciocina em cima de centenas de milhares de células nervosas. É muito mais adequado imaginá-lo como um jogo de batalha naval em três dimensões, onde os pontos assinalados seriam neurônios ativados", sugere Menna-Barreto.  "Conforme o padrão formado por esses pontos, o cérebro entende um significado."
Existem neurônios que já nascem sabendo o que fazer: é o caso dos que controlam o ritmo cardíaco, feito marca-passos, disparando constantemente ondas elétricas em uma freqüência predeterminada. Outros, porém, surgem como folhas em branco, mas, à medida que um estímulo chega ali pela primeira vez, fica gravado para sempre de alguma maneira ainda não muito clara para os cientistas. Ou seja, aquele neurônio ativado passará a gerar regularmente a onda elétrica desencadeada pelo estímulo, que pode até já ter desaparecido.
Do mesmo modo, na batalha naval imaginada por Menna-Barreto, existem padrões inatos de comportamento cerebral, como os do sono. Mas outros padrões são criados pela experiência. Isso é possível graças à mais fantástica característica do cérebro humano: a plasticidade. Pode-se visualizar as ligações entre os neurônios como caminhos, a maior parte deles criados na infância. No decorrer da vida, o cérebro deixa de lado na memória as ruas por onde transitam poucas informações. Em compensação, rasga novas estradas e abre avenidas nas áreas por onde passam muitos estímulos nervosos. Isto é, faz crescer novos prolongamentos unindo mais neurônios ou aumenta as áreas de contato, as sinapses, já existentes entre as células.
"Quanto mais sinapses, mais recursos de informações", resume o neurologista Saul Cypel, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. "Logo, mais inteligente ou criativo aquele cérebro tende a ser." Segundo ele, a existência de mais sinapses em determinadas áreas cerebrais justificaria uma facilidade maior para lidar com um assunto do que com outro. "Alguém que cresceu ouvindo música", exemplifica, "provavelmente desenvolveu muitas sinapses na área do cérebro responsável por esse tipo de percepção. Daí, tende a ter talento para a música." Se a habilidade pode ser, fisiologicamente, questão de prática, não se pode esquecer de outro ingrediente fundamental à plasticidade das células nervosas: a emoção, algo que em neurologuês pode ser descrito como um mero conjunto de reações químicas na massa cinzenta.
O sistema nervoso tende a formar as tão importantes conexões entre as suas células ali onde existe uma dose concentrada de afeto. A percepção auditiva dos pais é um exemplo claro: o menor choramingo do filho explode, na calada da noite, como efeito despertador de uma turbina de Boeing. Isso porque a emoção fixa as sinapses: assim, toda informação relacionada àquela criança merece atenção do cérebro. Na realidade, a emoção está em jogo mesmo nas atividades mais banais do dia-a-dia. Toda vez que se lê um texto, os trechos mais marcantes, agradáveis ou desagradáveis, ganham mais sinapses no cérebro. É o afeto que ajuda a determinar a importância e a permanência de um registro na memória. Mas, de qualquer maneira, toda informação nova é gravada nos neurônios e forma sinais elétricos, que de seu lado inauguram diferentes caminhos de axônios para compreendê-la. Em suma, ninguém é exatamente o mesmo após ler uma matéria como esta.

Flagrando os miolos em ação

Médicos americanos pediram a voluntários que resolvessem problemas de raciocínio abstrato - e concluíram que o cérebro daqueles que se saíram melhor no teste consumia um terço a menos de energia. Isso leva à suspeita de que quanto mais neurônios conectados, menor o esforço do sistema nervoso para raciocinar. Descobertas como essa são possíveis graças à câmara de pósitrons, que permite aos cientistas bisbilhotar a intimidade do metabolismo cerebral. Os pósitrons são partículas que, imediatamente após sua emissão, se combinam com uma substância radioativa.
As combinações são interpretadas por um computador que desenha do cérebro uma imagem parecida com a de uma tomografia. O truque do exame está em ligar, por exemplo, flúor radioativo, que permanece cerca de meia hora no organismo, com aquilo que se pretende observar. Assim, ligado à glicose - combustível que o cérebro consome seis vezes mais do que qualquer outro órgão - o flúor acusa as áreas que gastam mais energia. Com o mesmo método pode-se examinar a ação de drogas e neurotransmissores. 

Uma escalada em três degraus

Até os 20 anos de idade aproximadamente, o sistema nervoso ainda é capaz de alterar a sua arquitetura formando novas sinapses. No entanto, como para tantas outras coisas, os primeiros anos de vida são os mais importantes no desenvolvimento cerebral, que obedece a um rígido passo-a-passo. Nos primeiros meses surgem nas chamadas regiões primárias conexões nervosas que fazem o bebê perceber, por exemplo, um objeto escuro. Sem elas, não se formariam, nos três primeiros anos de vida, sinapses nas áreas cerebrais secundárias, que já são capazes de interpretar informações com maior riqueza de detalhes - o objeto escuro é reconhecido como uma caneta.
Isso leva ao terceiro e mais importante passo: o surgimento de sinapses em áreas de associação, especializadas em cruzar as informações mais diversas no cérebro, verdadeiros pontos de convergência. Segundo o neurologista Saul Cypel, de São Paulo, as experiências são fundamentais para o cérebro poder escalar os três degraus do seu desenvolvimento: "Prova disso é que crianças paralíticas, justamente pela impossibilidade de explorar o mundo ao seu redor, tornam-se adultos com dificuldade de perceber, por exemplo, distância e dimensões".

Tudo que o cérebro faz para reconhecer um rosto

1) Uma pessoa vê um rosto que lhe parece familiar, mas por algum motivo não identifica imediatamente de quem se trata. O cérebro então registra os traços essenciais daquela imagem - o bigode, o formato da face e do nariz.
2) Com essas pistas, a memória busca retratos aparentados. Assim o cérebro compara a imagem que vê com as lembranças de um ex-chefe, de um antigo médico da família, de um primo distante, de um professor dos tempos de colégio. Este último possui o mesmo formato de rosto e tem nariz e cabelos iguais. Mas na imagem gravada na memória o seu rosto aparece de barba.
3) Sem ter certeza absoluta, o cérebro se decide pelo professor, cujo rosto é o mais parecido. A partir daí, surgem lembranças: a de que certa vez o professor ofereceu uma feijoada, a do rosto de sua amiga, a de que ele tocava violão - e tudo vai reforçar a decisão de que é de fato o professor, só que sem barba.
4) Um computador não chegaria a essa resposta, a menos que encontrasse dados idênticos na memória. Além disso, processaria as informações uma por uma, enquanto na verdade o cérebro pode acionar ao mesmo tempo milhões de lembranças arquivadas.

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sexta-feira, 8 de julho de 2011

Deu a louca nos neurônios

DEU A LOUCA NOS NEURÔNIOS



Você já sentiu vontade de dizer palavrões no meio da sala de aula ou no escritório? Provavelmente, você segurou o impulso e ficou calado, para não acabar sendo expulso ou despedido do emprego. Sorte sua. Porque pessoas diagnosticadas com síndrome de Tourette - um distúrbio neurológico que se manifesta por tiques vocais e motores involuntários - não têm o mesmo autocontrole. Na hora que a vontade de falar palavrões aparece, não há quase nada que elas possam fazer para impedir.

Nas enciclopédias de medicina, a síndrome de Tourette é apenas uma das doenças neurológicas que apresentam sintomas esquisitos. Um rapaz com a síndrome de Klüver-Bucy, por exemplo, pode ter ímpetos de fazer sexo com postes ou calçadas. Uma garota com coréia de Sydenham, que provoca espasmos nos braços e nas pernas, pode dar a impressão de estar dançando freneticamente em situações nada apropriadas para coreografias. Quem tem narcolepsia dorme sentado, de uma hora para outra, durante uma reunião importante ou enquanto conversa com um amigo. E quem tem frangofilia pode destruir em pouco tempo móveis, roupas, travesseiros, colchões e qualquer objeto que estiver por perto.
Além dos sintomas, os doentes se vêem obrigados a lutar contra o estigma social de que são vítimas. Já pensou no embaraço dessa gente, na maioria das vezes estudantes e profissionais tão competentes quanto colegas saudáveis? É bem possível que você, ao ser pego de surpresa por alguém com algum desses sintomas, tivesse vontade de rir - uma reação bem compreensível. Mas não dá para ser preconceituoso e achar que está lidando com malucos. Nas próximas páginas, você vai conhecer um pouco mais sobre algumas das patologias que apresentam sintomas para lá de esquisitos e fazem pessoas comuns se sentirem estranhas e inadequadas no seu dia-a-dia.

METRALHADORA DE PALAVRÕES
Em 1825, a marquesa de Dampierre, uma nobre de 26 anos, impressionava a todos pela inteligência e pela ousadia. Ela costumava rechear seus discursos sobre as artes na França com palavras tão elegantes quanto "merda" e "porco imundo". "Mudava bruscamente seu comportamento. Latia e dizia obscenidades. Parecia possuída pelo diabo", escreveu o neurologista francês Gilles de la Tourette em 1883, quando descreveu - e batizou - a síndrome.

A marquesa foi o primeiro caso de síndrome de Tourette descrito pela medicina. Naquela época considerava-se que a coprolalia (o impulso de dizer palavrões) era seu sintoma mais comum. Hoje, já se sabe que ela é rara. "Para um diagnóstico positivo, é preciso que um tique motor acompanhe um tique fônico", afirma a psiquiatra Roseli Gedanke Shavitt, da Associação Brasileira de Síndrome de Tourette, Tiques e Transtorno Obsessivo-Compulsivo.

A síndrome pode ter vários sintomas. Alguns simples - como piscar os olhos, repuxar a cabeça, encolher os ombros e fazer caretas - e outros complexos - pular, tocar coisas e pessoas, cheirar, retorcer-se e pronunciar palavras fora do contexto. Tudo num impulso incontrolável. O distúrbio costuma começar antes dos 10 anos, ocorre mais nos meninos que nas meninas e tende a ficar menos intenso com o tempo. Ainda sem cura, é tratado com medicamentos - nos casos mais graves - e técnicas de psicoterapia e modificação de comportamentos.

SÍNDROME DE BAILARINO
Em grego, coréia significa dança. Pela tradição, já dá para ter idéia de uma das características da coréia de Sydenham: movimentos involuntários nos braços e nas pernas que lembram coreografias. Um dos principais sintomas da febre reumática, esse distúrbio se desenvolve quando as lesões da doença atingem o sistema nervoso. "Ele dura de algumas semanas até dois anos", diz o psiquiatra Marcelo Zappitelli, da Escola Paulista de Medicina, que descreveu casos de pacientes com Sydenham em sua tese de mestrado.
Em geral, as vítimas são meninas em idade escolar, como Leilani, uma americana de 7 anos, incapaz de controlar os movimentos do próprio corpo. A menina parecia dançar desajeitadamente em momentos impróprios e escrevia as lições da escola com garranchos incompreensíveis quando a mãe percebeu o problema e ela foi diagnosticada com a coréia. As reações do paciente podem ser tão embaraçosas que a família de Leilani resolveu criar um site para instruir pessoas passando pela mesma situação.
Outros sintomas da coréia são voz baixa, fraqueza muscular e ansiedade ou comportamento obsessivos-compulsivos. A boa notícia é que o distúrbio se tornou mais raro na era dos antibióticos, que atacam infecções causadas por bactérias, justamente a origem do problema. Em paises em desenvolvimento, por exemplo, a incidência da febre reumática é de um caso em mil, sendo que a coréia só aparece em cerca de 30% desses pacientes.

O AMOR É CEGO. OS IMPULSOS SEXUAIS TAMBÉM
A história é contada pela jornalista inglesa Rita Carter, em O Livro de Ouro da Mente - O Funcionamento e os Mistérios do Cérebro Humano. Um homem foi preso ao ser flagrado fazendo sexo com a calçada. Antes que fosse internado como pervertido, diagnosticou-se que ele sofria da síndrome de Klüver-Bucy, um distúrbio neurológico com origem na amígdala - não a que inflama quando você tem dor de garganta, mas uma estrutura no cérebro do tamanho de uma noz, que identifica situações de medo e agressividade.
A síndrome provoca comportamentos anti-sociais. A pessoa perde a habilidade de reconhecer objetos, a capacidade de perceber o perigo e a seleção sexual. Assim, não vê problema algum em aliviar seus impulsos carnais junto a um poste na avenida mais movimentada da cidade. Também tende a colocar na boca tudo o que estiver pela frente, desde alimento até cabelos.
A doença foi descrita pelo alemão Heinrich Klüver e pelo americano Paul Clancy Bucy, em 1939. Os dois médicos estudaram o comportamento de macacos Rhesus sem o tal pedaço do cérebro. No homem, a síndrome pode aparecer depois de traumatismo craniencefálico, encefalite, tumores localizados ou outras lesões adquiridas. O dano à amígdala em geral é irreversível e os sintomas são controlados com medicamentos e técnicas de controle comportamental, explica o neurologista Charles André, professor da UFRJ.

HORA DA SESTA
De uma hora para outra, em plena reunião com o chefe, o cara pega no sono. Certamente ele seria demitido se ninguém soubesse que tem narcolepsia, um distúrbio que provoca sonolência excessiva em homens e mulheres e surge quase sempre na adolescência. Os cochilos acontecem sem aviso e não é preciso estar sentado ou deitado. Mesmo em pé, o portador de narcolepsia adormece por períodos de 10 a 20 minutos. Nesse caso, ele fica com a musculatura mole e cai. Para quem vê, parece um desmaio.
A narcolepsia costuma atacar em situações bem parecidas com aquelas em que pessoas saudáveis sentem sono: depois do almoço ou durante atividades entediantes. Outro sintoma do distúrbio são as alucinações hipnagógicas, sonhos muito reais que podem ser confundidos com esquizofrenia.
O tratamento para a narcolepsia usa remédios estimulantes, para manter o doente acordado, ou hipnóticos, para melhorar o sono a noite. Os antidepressivos evitam a cataplexia, aquela moleza nos músculos que termina em queda. Segundo o médico José Roberto Santiago Barreto, do Laboratório de Sono do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, o distúrbio afeta 0,78% da população. Uma taxa baixa, comparada a outras doenças do sono, como a insônia (45%) e a sonolência (15% a 30%). As causas da narcolepsia ainda são desconhecidas, mas o diagnóstico é possível com um exame chamado Teste de Múltiplas Latências do Sono.

INSTINTO DE DESTRUIÇÃO
Tire tudo de perto. Uma pessoa com impulso de frangofilia é capaz de pôr toda a casa abaixo. Ela dirige sua raiva contra roupas, toalhas, travesseiros, colchões, móveis e objetos de decoração. A quebradeira tem diversas explicações psiquiátricas. Algumas vezes é uma expressão de hostilidade ativa e incontida ao mundo material (no caso de pacientes com transtorno afetivo bipolar, agitação catatônica, estados demenciais senis e pré-senis e oligofrenia - escassez de desenvolvimento mental.
Em outros casos - personalidades desajustadas, imaturas, explosivas e paranóides - a explicação aparece no que os médicos chamam de deslocamento afetivo. O indivíduo fica nutrindo sentimentos de humilhação e vingança e, instantes depois, tem explosões incontroláveis. Como não pode, ou não quer, atingir diretamente a pessoa que o humilhou, por covardia moral ou desvantagem física, ele descarrega a agressividade nos objetos que estiverem à sua volta ou rasgando as roupas que estão no próprio corpo.
A frangofilia não é uma doença, mas um impulso patológico, assim como a piromania (produzir incêndios), dromomania ou poriomania (fuga e correria súbitas e precipitadas), toxicofilia (uso abusivo de drogas), dipsomania (uso abusivo de bebidas, alcoólicas ou não) e cleptomania (furtos). Todos eles se caracterizam por um estado súbito, explosivo, instantâneo, fulminante. E capaz de deixar qualquer um morrendo de vergonha quando o impulso passa.


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terça-feira, 30 de novembro de 2010

Ao cérebro o que é do cerebro

AO CÉREBRO O QUE É DO CÉREBRO



Um aroma insuportável se espalha pelo velho casarão de Beam Hall, em Oxford, Inglaterra. Com a ajuda de serrotes e tesouras, o médico Thomas Willis abre o crânio de um fidalgo decapitado. Matemáticos, astrônomos e alquimistas observam com atenção a experiência nunca antes realizada. Willis finalmente corta o último nervo, arranca o cérebro do morto e o levanta nas mãos para o assombro da platéia. Tem início a anatomia da alma.

Aquela reunião malcheirosa de 1662 havia se perdido na história, mas o jornalista americano Carl Zimmer a trouxe de volta no livro A Fantástica História do Cérebro (Campus). Zimmer narra a saga de Willis, que sepultou o reinado do coração e concedeu ao cérebro o título de comandante soberano do corpo. Ao dar à alma novo endereço, Willis fundou a neurologia. Mas não foi fácil: no século 17, a idéia de que carne gelatinosa em nossas cabeças pudesse raciocinar sem depender de Deus ia além do simples absurdo. Beirava a heresia.

Fascinado por ciência desde criança, Zimmer não imaginou que escreveria para revistas como Discover, Newsweek e National Geographic e o jornal The New York Times, além de publicar quatro livros. "Foi tudo uma questão de sorte", disse ele à Super, de sua casa em Connecticut. Thomas Willis diria que foi tudo obra de suas células cinzentas.

Pode a mente humana compreender o funcionamento da mente humana?

Com certeza. Meu livro mostra uma compreensão crucial que os cientistas tiveram no século 17: a de que a mente emerge de um processo químico dentro do cérebro. Hoje, temos ferramentas mais sofisticadas para encontrar essas conexões. Entendemos melhor como diferentes partes do cérebro constroem a imagem da árvore que vemos pela janela. Mas os cientistas estão apenas no começo e seria prematuro dizer que o problema está resolvido.

Como foi evolução das descobertas científicas sobre o cérebro?

Para Aristóteles, o cérebro era um refrigerador que mantinha o corpo frio e evitava que o coração esquentasse. Ele pensava que o coração era responsável por nossas sensações e percepções. Outros gregos descobriram o sistema nervoso, um avanço gigantesco, mas ninguém associava o cérebro ao que chamamos de mente. Muitos pensavam que ele era apenas uma bomba que expulsava espíritos do corpo. Na Idade Média, a Igreja combinou as idéias gregas com teologia cristã. Aprovou-se a visão de que o corpo servia de casa para três almas: a alma vegetativa do fígado, responsável pelos desejos; a alma vital do coração, produtora de calor e coragem; e a alma racional da cabeça. Essa noção foi quebrada no século 17, com o Círculo de Oxford, grupo liderado por Thomas Willis. Eles reconheceram o cérebro pelo que ele é de fato e inventaram uma nova ciência, que chamamos de neurologia.

Por que Thomas Willis foi esquecido?

Porque suas idéias vieram rápido demais. Willis teve visões impossíveis de seguir no século 17, pois as pessoas não tinham a tecnologia suficiente. Achavam que era especulação. Somente 200 anos depois aceitaram que o cérebro fosse o responsável por funções como memória e linguagem. Cientistas de hoje seguem as pegadas de Willis com scanners que podem tirar fotos do raciocínio. Registram marés microscópicas de sangue que suprem os neurônios do oxigênio consumido a cada sinal enviado às células vizinhas. Mas poucos sabem quem foi Willis. Na ciência, quem quiser ser famoso precisa torcer para que reconheçam logo seu trabalho. Ou será relegado à obscuridade.

Quais os maiores mistérios que persistem sobre o cérebro humano?

A memória é um deles. Podemos localizar circuitos para distintas formas de memória, mas não conseguimos explicar o que eles fazem. Imagine pessoas falando vários idiomas numa casa. Sabemos que algumas estão conversando no quarto, mas não sabemos o que estão dizendo. Mas o maior mistério é a consciência, que nos intriga sempre que dormimos ou ficamos sob efeito de anestesia. Há neurologistas que lidam com pessoas que sofreram danos e perderam a consciência de forma permanente, embora abram os olhos e reajam a estímulos. Elas podem ficar assim durante anos, e esses médicos não têm idéia do que as torna diferentes de nós.

Com tanto remédio para depressão, o cérebro se tornou a alma do século 21?

Thomas Willis pensava que o único caminho para curar as doenças da alma ou da mente era químico. Profundamente religioso, ele acreditava que suas poções alteravam os espíritos dentro do cérebro. O sucesso de drogas antidepressivas deriva da cultura neurocêntrica que Willis ajudou a criar, que coloca o cérebro no comando do corpo. A psicanálise era extremamente popular nos EUA nos anos 50 e 60, até sofrer um duro golpe do neurocentrismo. Hoje, muitos americanos tratam a depressão com um médico que receita drogas sem levar em conta suas experiências de vida. Esperamos que uma pílula pocure as doenças da alma. A idéia da depressão é confortadora para as pessoas porque distancia do problema central: tudo passa a ser culpa de uma deficiência de dopamina no cérebro que muito pouco tem a ver com nosso "eu".

O debate sobre a origem da moral se divide entre os"realistas", que crêem que julgamos pelo raciocínio, e os"intuicionistas", que dizem que as emoções determinam decisões sobre o que é certo e errado. De que lado você está?

Para entender como tomamos tais decisões, temos que nos distanciar da idéia de que tudo é criado através do poder da razão. Nossas emoções e reações são muito intensas e geralmente atuam mais rápido que o raciocínio. Suponhamos que seu cachorro morra atropelado. É certo cozinhá-lo para o jantar? A maioria dos americanos diria: "Oh, meu Deus, claro que não!". Comer um animal de estimação não faz parte de nossa cultura, mesmo que ninguém fique doente por isso. Poderão dizer que, se comermos nossos cães, começaremos a matar-nos uns aos outros. Quase sempre aplicamos valores racionais para a moral apenas depois que nossas intuições emocionais já atuaram. Essas intuições têm uma longa história evolutiva nos nossos ancestrais primatas.

Isso quer dizer que cada cérebro determina seu próprio padrão moral?

As pessoas não devem pensar que a moral não importa só porque descobrimos a evolução. Muitos cientistas afirmam que desenvolvemos nossa moralidade do mesmo jeito que desenvolvemos a linguagem. Os bebês não nascem falando português ou chinês. Nascem com instintos de linguagem e aprendem a falar o idioma do lugar onde vivem. Do mesmo modo, crianças que nascem com os instintos morais são influenciadas pelo sistema moral que as rodeia. Esses instintos são importantes, mas ainda assim temos que debater com nossos amigos para concluir o que é certo ou errado.

No futuro, será possível fazer um "upgrade" das funções executadas pelo cérebro com o auxílio de máquinas ou substâncias químicas?
Já fazemos isso. Ao escrever num notebook você está usando tecnologia para ampliar sua memória. Em breve, poderemos conectar eletrodos ao cérebro para que um computador leia nossos sinais e faça o que quisermos. Isso já deixou de ser ficção. O debate das substâncias químicas é mais sério. Drogas ajudam pessoas com o mal de Alzheimer a estender a memória e melhorar o raciocínio, ou seja, ajudam a restaurar o cérebro ao que ele era quando jovem. Mas e se você é jovem e toma essas drogas? É errado consumi-las para alterar o modo como pensamos, lembramos e sentimos? Deixamos de ser nós mesmos? Não sei responder. Emergimos de um processo químico que está em constante mudança dentro de nossas cabeças. O mesmo acontece com essas substâncias. Portanto, talvez não haja nada de errado com elas. O certo é que teremos que chegar a um acordo sobre esse tema no futuro.