sábado, 7 de julho de 2012

Lembranças do Céu - Cosmonauta


LEMBRANÇAS DO CÉU - Cosmonauta



Quase um ano depois de bater o recorde de permanência em órbita, o cosmonauta Iúri Romanenko prova que o homem pode suportar longas viagens espaciais. E ele já fala em "rever as estrelas de perto".    
Desde Iúri Gagárin, o primeiro homem a alcançar o espaço em 12 de abril de 1961, a União Soviética não festejava um herói semelhante - nem se colecionaram tantos conhecimentos sobre os efeitos no ser humano da prolongada permanência a bordo de uma nave em órbita. O coronel aviador Iúri Romanenko, 43 anos, nascido numa aldeia ao norte do mar Cáspio, foi lançado a 6 de fevereiro do ano passado, junto com Alexander Laveikin, à estação Mir - a precursora das grandes cidades orbitais do futuro -, a bordo da sonda Soiuz, na ponta de um poderoso foguete Próton.
    Romanenko ficou na Mir exatos 326 dias, 11 horas e 40 minutos, batendo o recorde de permanência no espaço, que até então era de 236 dias. Nesses quase onze meses a 330 quilômetros da Terra, ele enfrentou não poucos momentos de aflição. Por exemplo, quando seu companheiro de viagem, Laveikin, 36 anos, teve de ser substituído, devido a problemas no coração, por Alexander Alexandrov, 45 anos, depois de 167 dias em órbita. Não faltaram outros contratempos.
    Enquanto estiveram juntos, Romanenko e Laveikin recepcionaram o Quantum, primeiro dos quatro módulos científicos previstos para ligar-se à Mir. O Quantum aumentou os acanhados 56 metros quadrados (14 de comprimento por 4 de largura) que os cosmonautas tinham para se movimentar. Mas o módulo não pôde ser acoplado imediatamente. Os dois precisaram ficar 3 horas e 40 minutos fora da nave até descobrir que um reles pedaço de pano - um exemplo acabado do que se convencionou chamar lixo espacial - estava impedindo o engate do Quantum. Dias depois, os cosmonautas deram um novo passeio forçado de quase uma hora no espaço para aumentar a capacidade dos painéis solares que abastecem de energia a estação, devido ao gasto adicional provocado pelo módulo.    Romanenko e seu companheiro realizaram em todo caso experiências importantes, como a produção de novos materiais para a indústria eletrônica e de informática. Fizeram ainda uma série de observações da supernova de Shelton e de fontes de raios X no núcleo da Via Láctea e outras galáxias. A 21 de dezembro, a Soiuz levou à Mir os cosmonautas Vladimir Titov e Musa Manarov. Oito dias depois, Romanenko e Alexandrov finalmente voltaram à Terra. Ficou acertado, em princípio, que Titov e Manarov permaneceriam na Mir pelo menos até empatar a marca de Romanenko, no dia 11 deste mês.
    Até há poucos anos, considerava-se impossível que o organismo humano suportasse mais de três meses no claustrofóbico laboratório orbital e na ausência de gravidade. Ao orientar seu programa espacial para viagens de longo curso, que devem culminar com a chegada a Marte, prevista para 2010, os soviéticos se encarregaram de desmentir aquela idéia. Desde 1980, nas estações Saliut 6 e 7, e desde 1986 na Mir, praticamente a cada dois anos seus cosmonautas têm quebrado recordes um atrás do outro, culminando com a temporada de Romanenko.
    Um dos objetivos das  prolongadas missões espaciais é testar a capacidade de adaptação dos organismos às condições do Cosmo. Viver na ausência de gravidade pode trazer conseqüências desagradáveis. Os médicos que observaram a saúde de Alexander Laveikin jamais poderiam prever as irregularidades no ritmo cardíaco que o obrigaram a antecipar a volta à Terra. Para evitar surpresas desse tipo, o médico Valeri Paliakov foi enviado à Mir em agosto último para examinar a saúde dos cosmonautas Vladimir Titov e Musa Manarov. "O mal - estar começa logo depois da partida", resume Vladimir Titov que passou 236 dias na Saliut 7 em 1984. "Braços e pernas não obedecem às ordens."
    Sabe-se que a falta de gravidade, ou seja, de peso, afeta o equilíbrio, o senso de orientação e a maioria dos reflexos. Por isso, são comuns os relatos de vertigens e dificuldades de coordenação - houve até casos de alucinação ou ilusões sensoriais. A ausência de gravidade também é responsável pela atrofia de certos músculos que não são exigidos como na Terra. Ocorrem também mudanças na aparência. Sem peso, o sangue naturalmente se acumula na cabeça.A cara fica inchada, a voz anasalada. O corpo interpreta esses sintomas como um crescimento anormal do volume sangüíneo e reduz a produção de líquidos. Em conseqüência, não se sente mais sede e diminui a quantidade de urina.
    Numa semana, perde-se cerca de 4 quilos e 15 por cento do plasma sangüíneo. Além de emagrecer, os cosmonautas também crescem. Sem a gravidade, o intervalo entre as vértebras aumenta, o esqueleto estica. Daí a preocupação com a ginástica corretiva. O mais importante, porém, ocorre com o coração. Como não precisa mais lutar com a gravidade para bombear sangue, começa a atrofiar. Foi o que aconteceu a Laveikin. Ainda estão longe de se completarem os estudos sobre esses efeitos - sem esquecer as pressões psicológicas - por que passam os cosmonautas. Mas, se Romanenko servir de exemplo, as perspectivas são entusiasmantes, pois desde a volta ele parece esbanjar vitalidade e equilíbrio emocional. Na estância hidromineral de Kislovodsk, a leste do mar Negro, onde mora com a mulher Alevtina e os filhos Roman, 16 anos, e Artiom, 10, ele recebeu recentemente o jornalista italiano Gigi Moncalvo, da revista Europeo, para falar de sua experiência. Os principais trechos da entrevista:Como você se tornou cosmonauta?    Tudo indicava que eu seguiria carreira na Marinha, como meu pai. Mas meus ídolos eram Valeri Cicalov, piloto aventureiro dos anos 30, e Iúri Gagárin, que fez o primeiro vôo em volta da Terra. Por isso acabei entrando para a Academia Militar de Aviação, onde me formei engenheiro - piloto. Em 1970, com 26 anos, entrei para a equipe de cosmonautas treinados na Cidade das Estrelas, perto de Moscou. Três anos depois fui escalado para a equipe reserva da missão soviético - americana Apolo - Soiuz, onde acabei servindo como oficial de comunicação. Meu primeiro vôo se deu em 1978, quando passei 96 dias na estação orbital Saliut 6, junto com Georgi Grechko.Depois do seu recorde de permanência na Mir, afirmou-se na imprensa ocidental que você não estava bem de saúde. Como se sente?    Sinto-me bem. Muito melhor do que na volta da Saliut 6. Desta vez, quando voltei à Terra, não me senti cansado. Tanto que insisti para sair da nave andando. Mas o pessoal de terra me levou numa maca por temer que eu poderia quebrar as pernas depois de tanto tempo vivendo num ambiente sem gravidade.O que mais o incomodou fisicamente enquanto esteve a bordo da Mir?    Minha maior dificuldade não foi o esforço físico, mas a falta de esforço. A ausência de gravidade no espaço pode ser agradável, mas também perigosa. Ela afeta o senso de equilíbrio, a circulação sangüínea e outras funções vitais do organismo. Por isso fazemos ginástica o tempo todo.É verdade que você cresceu alguns centímetros enquanto esteve na Mir?No espaço, a sua altura muda durante o dia. De manhã, você pode estar 3 centímetros mais alto. A tarde, depois da ginástica, a altura volta ao normal. Quando, de volta à Terra, fui colocado numa maca especialmente desenhada para as minhas medidas, percebi que não cabia direito nela.E os seus músculos?    Os médicos constataram atrofia dos músculos, principalmente das pernas, que não estavam acostumadas a carregar o peso do corpo. Emagreci 1 quilo e 600 gramas, mas o meu colega Alexander Alexandrov engordou 2 quilos e 300. Depois de Gagárin, os médicos se perguntavam se a permanência de uma hora e meia no espaço podia prejudicar a saúde. Ora, depois de 326 dias, qualquer um pode constatar que não me transformei num marciano.O seu temperamento mudou?    Mudou para melhor. É uma experiência fascinante ver a Terra do alto. Quando se está confinado num espaço tão pequeno como na estação orbital e ao mesmo tempo tão longe de tudo, começa-se a pensar mais na humanidade. Na volta, percebi que me sentia mais amigo dos outros, queria parar as pessoas na rua e contar minha aventura. Sinto mais amor pela natureza, pela música. Quero estar mais tempo ao ar livre.(Alevtina, mulher de Romanenko, interrompe: "Ele voltou a tocar guitarra, o que não fazia há muitos anos, e começou a compor canções de amor. No dia do nosso aniversário de casamento ele fez uma música que enviou à Terra como presente".)Compus 25 canções na Mir. Não que me sentisse isolado. Podia ver os rostos das pessoas no Centro de Controle da Cidade das Estrelas pelo monitor de TV. Freqüentemente assistia programas de televisão e uma vez por semana falava com a família pela TV. Numa dessas ocasiões, meu filho Artiom me pediu para tirar uma foto da Lua.Como você fazia para tomar banho ou fazer a barba?    Eu me barbeava exatamente como faço na Terra, com a diferença de que o barbeador elétrico tinha um pequeno aspirador de pó que recolhia os pêlos num saquinho. Tomar banho não é fácil. Experimentamos um método novo, com duas mangueiras - uma para trazer água e outra para aspirá-la. Ficávamos fechados num envoltório de plástico com as duas mangueiras nas mãos, mas nunca conseguíamos aspirar todas as gotas de água. Então voltamos ao velho sistema: uma toalha empapada de lavanda ou xampu. Depois de 326 dias tomando banho desse jeito, o dermatologista não constatou nenhuma irritação da pele.E para comer, quais eram as dificuldades?    Nós tínhamos de segurar nas mãos tudo o que fôssemos usar. Eu fazia minhas refeições segurando na mão direita uma faca, uma colher e um pão que não fazia migalhas. Na esquerda, um guardanapo e outro alimento. Dispúnhamos de refeições desidratadas para acrescentar água. Lembro do cardápio de Natal: galinha com ameixas, esturjão em molho de tomate gelatinado, suco de grapefruit, frutas e pão. A comida, os jornais, os livros e as fitas de vídeo e música vinham pelo veículo transportador Progresso. Ao todo, fez sete viagens até a Mir. Mas o que recebíamos com mais prazer eram as cartas da família e as mensagens dos amigos de toda a União Soviética.Alguma vez você sentiu medo?    Não. Tanto eu como meus companheiros estávamos muito bem preparados. Nos primeiros três meses, quando todas as funções físicas mudam, é mais difícil a adaptação. Mas depois o organismo se habitua ao espaço. Não senti medo nem mesmo de ter problemas cardíacos como Laveikin.E saudade, você sentia?    Quando somos escalados para uma temporada no espaço, temos dois anos de preparação. Mesmo assim, no início do vôo, a falta da família pesa muito. Mas depois acontece como com os atletas da maratona: começa o "segundo fôlego", aquele que nos dá a força necessária para vencer.Quanto você ganha? Recebeu algum aumento de salário depois da viagem?    Ganho o salário de um coronel da Força Aérea (cerca de 500 rublos ou 800 dólares - 300 mil cruzados ao câmbio oficial de setembro). Como recompensa, recebi, assim como os colegas, um carro Volga (carro de passeio de quatro (portas).Gostaria de ser escalado para a primeira viagem tripulada a Marte?    Gosto de grandes desafios. Antes da minha permanência na Mir. os especialistas diziam que um homem só poderia resistir seis meses no espaço. Acho que contribuímos para mudar essa crença. Tanto que a viagem a Marte deverá durar três anos. Numa de minhas canções, eu digo: "Quando partimos, não esquecemos de saudar os que ficam / Estamos de novo a caminho para rever as estrelas de perto".

Diário de um cosmonauta 
De 13 de maio a 10 de dezembro de 1982, portanto durante 211 dias, os cosmonautas Valentin Lebedev  e Anatoli Berezovoi estiveram a bordo da estação orbital Saliut 7. Nesse período, Lebedev anotou suas impressões num diário, que seria depois publicado na revista soviética Ciência e Vida. Trata-se de uma descrição única do cotidiano e do trabalho do homem no Cosmo. Excertos do mês de setembro:10 de setembro - Completamos 121 dias no espaço. Hoje é dia de médico. Para não repetir sempre os mesmos movimentos, improvisamos alguns exercícios que não estão nos planos da Terra. Há 12 dias ingerimos alimentos suplementares. Os médicos nos aconseIham a tomar mais água. Surgiram os primeiros brotos na horta. Temos rabanete, repolho, tomate e pepino) trigo cresce rápido.11 de setembro - Conversei com Vitali pela TV. Mostrou suas notas. Só tinha 10. Vitali sabe como agradar ao pai. Depois tomamos banho. A pele de meus pés está fina como a de um bebê. Vesti uma roupa de baixo limpa. Com o corpo limpo, parece que o cansaço desaparece.12 de setembro - Medimos hoje o nível de ruído da estação. Temos centenas de aparelhos funcionando ao mesmo tempo. No pequeno espaço de que dispomos, o barulho é ensurdecedor. Estamos prontos para voltar.13 de setembro - À tarde chegou a notícia: nossa missão poderá ser prolongada até dezembro, quando bateremos novo recorde no espaço. Concordamos, desde que nos seja dada mais independência na programação.14 de setembro - Foi autorizada oficialmente a prorrogação do vôo. Eu e Tolia (Anatoli Berezovoi) concordamos que na volta à Terra descansaremos em lugares separados. Não existe hostilidade entre nós, mas já cansamos da companhia um do outro no espaço apertado da estação.15 de setembro - Hoje nem tive tempo de olhar para a Terra. Perdi meio dia de trabalho por causa de dois erros de comunicação do Centro de Controle. O que vocês dizem disso?16 de setembro - A estação ficou silenciosa, não ouvimos música. Converso pouco com Tolia Estou dormindo mal, levanto às 4 ou 5 horas. Assim que o cansaço se vai, volta a preocupação e eu acordo.17 de setembro - Sinto dores no estômago. Aqui é preciso lutar contra o desânimo e a fraqueza do corpo. O único remédio é a ginástica.18 de setembro - Para acabar com o mau humor, trabalho. O mais cansativo são as freqüentes comunicações com a Terra. É sempre a mesma conversa. Como se sentem? O que estão fazendo? Dormiram bem? Em vôos demorados começa a surgir um problema psicológico sério entre os que estão na Terra e no espaço.

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