sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Crime no Microscópio - Tecnologia


CRIME NO MICROSCÓPIO - Tecnologia



Equipamentos de alta precisão e pesquisa científica podem ajudar a polícia a resolver casos misteriosos.

Sherlock Holmes, o mais famoso detetive de todos os tempos, foi dotado por seu criador, o escritor inglês Conan Doyle (1859-1930), de santa paciência, incomum sagacidade e, principalmente, inigualável capacidade de raciocínio lógico - virtudes fundamentais na ficção assim como na vida real. Como se sabe, os policiais encarregados de investigar crimes  às vezes tão misteriosos como os que mobilizam o talento de Holmes fazem (ou deviam fazer) da dedução uma de suas principais armas. Mas eles contam cada vez mais com uma bateria de outros recursos nem sempre acessíveis aos detetives da literatura policial clássica. Proporcionados pela ciência, tais recursos permitem identificar várias pistas que levam com segurança à descoberta dos criminosos.
Uma informação muitas vezes essencial para se elucidar um crime é o sexo do criminoso. Neste caso, segundo a geneticista Gilka Figaro Gattas, da Faculdade de Medicina da USP, "a pesquisa da cromatina X e Y pode fornecer a resposta". Trata-se de um exame que busca no núcleo das células indícios da existência dos cromossomos X, da mulher, e Y, exclusivo do homem. O teste pode ser feito num fio de cabelo, numa gota de sangue ou mesmo nos vestígios de saliva encontrados na ponta de um cigarro. Isso porque algumas células, durante a interfase, período no qual não se multiplicam, apresentam características distintas. As células femininas possuem um ponto escuro, resultante da aglutinação dos dois cromossomos X.
Nas masculinas, pode-se perceber a fluorescência emitida pelo cromossomo Y, ao adicionar-se um corante, de nome quinicrina, usado especialmente para esse fim. A luz é perceptível através de um microscópio de imunofluorescência. Equipado com lentes especiais, capta justamente essa luminosidade. A técnica pode ser considerada recente - o exame da cromatina X começou a ser usado na década de 50; já o da cromatina Y foi criado na década de 70. Muito mais antigo, mas nem por isso menos importante, é o clássico exame das impressões digitais. Em 1858, um funcionário colonial do governo inglês na Índia, William Herschel, observou que mercadores chineses da região de Bengala vez por outra firmavam documentos com a impressão dos polegares.
Não se sabe a origem do costume; sabe-se apenas que o inglês passou a adotá-lo quando teve de organizar o pagamento de grande número de funcionários indianos aposentados. Como não conseguia distinguir uns dos outros, pois todos lhe pareciam ter a mesma cor de pele, cabelo e olhos, decidiu pedir, aos que não sabiam escrever, a assinatura por meio das impressões digitais - tentando assim prevenir eventuais tentativas de fraudes. Porque, tendo ele observado atentamente as marcas, concluiu que as linhas das pontas dos dedos apresentam características únicas em cada indivíduo.
O primeiro investigador de polícia a utilizar essa informação na busca de criminosos viria a ser o francês Alphonse Bertillon, em 1883. A técnica para colher impressões digitais deixadas em copos ou maçanetas, para ficar apenas nos exemplos típicos da literatura policial, é muito simples: basta pincelar na superfície carbonato de chumbo, um pó fino e branco, para que apareça na hora o desenho da polpa do dedo de quem a tocou. Se a superfície for igualmente branca, pode-se utilizar pó de ferro ou negro-de-fumo. As substâncias se agregam à gordura do suor deixada nos objetos. Já no caso de impressões deixadas em papel, usa-se a ninidrina, um reagente orgânico que também se combina com o suor, porém mais lentamente. Em 48 horas a substância revela o desenho das digitais.
Aplicado o pó, o perito põe uma fita adesiva sobre as impressões. O desenho passa para a fita, que então é colada numa lâmina de vidro. "Só a lâmina é levada ao laboratório", explica Nobel Icibaci, perito de datiloscopia do Instituto de Identificação de São Paulo. "Ali ela é fotografada para a identificação por computador". O grau de informatização da polícia brasileira ainda é precário. Só estão arquivadas as fichas dos criminosos de alta periculosidade. Por isso, um delinqüente primário nunca poderá ser identificado por meio dessa técnica. Mas um suspeito nessas condições poderá ser reconhecido, comparando-se as impressões com aquelas existentes na repartição policial que emitiu sua célula de identidade.
As possibilidades de programas de computador destinados à polícia científica são inúmeras. Na França, por exemplo, um completo banco de dados que contém as informações sobre todos os crimes ocorridos desde 1986 pode ser consultado a qualquer hora, em qualquer um dos nada menos de 12 mil terminais da polícia espalhados pelo país. No caso da investigação datiloscópica, depois de fornecer a fotografia da impressão digital com seus sinais característicos, tais como bifurcações, interrupções e finais de linhas, o perito recebe uma lista de trinta possíveis criminosos, com notas numa escala de zero a 4.800, que variam de acordo com as semelhanças entre o desenho da prova e o de suas fichas.
"Se a nota for muito alta, a polícia pode ir atrás do suspeito que é certeza", afirma Carlos Alberto de Souza, engenheiro que cuida da manutenção do sistema da Polícia Científica de São Paulo. Esse grau de precisão é o que torna os laudos técnicos pouco questionáveis. Eles costumam ser considerados decisivos num julgamento. "Provas científicas não esquecem nem são influenciáveis", defende Leonardo Frankenthal, advogado criminalista de São Paulo. "Anos atrás trabalhei no caso de um cidadão acusado de homicídio", conta ele. "Sete testemunhas oculares afirmaram que a bala que havia atingido a vítima tinha sido disparada do revólver de meu cliente. O laudo da balística, porém, descartou essa possibilidade. Então ganhamos a causa sem nenhum problema".
Realmente, um laboratório de balística da polícia técnica pode fornecer um resultado exato nessas questões. Com o revólver do suspeito, o perito atira num balde de acrílico cheio de glicose, uma substância extremamente viscosa, para que a bala possa ser recuperada sem nenhuma lesão. Depois, compara-se o projétil com o que foi retirado da vítima, num microscópio que justapõe a parte anterior de uma bala à posterior de outra. Se suas raias e estrias, formadas pelo atrito do cano da arma, coincidirem, certamente o projétil que atingiu a vítima foi disparado pelo mesmo revólver.
"Essas características são únicas; é como se fossem as impressões digitais da arma", compara Milton Farignolli, diretor-técnico dos laboratórios do Instituto de Criminalística de São Paulo. Ali também são realizados testes que detectam nas mãos do suspeito fragmentos microscópicos de chumbo expelidos no momento do tiro. O exame é feito através da reação provocada por uma substância química cuja exata composição é mantida em sigilo. Com o mesmo composto, é possível medir o diâmetro do círculo formado por resquícios de chumbo deixados na roupa. A medida informa a distância do disparo - quanto maior o círculo, mais longe estava o atirador. "O teste residuográfico representa metade de todo o trabalho do laboratório", conta o químico Souza Lima, do Instituto de Criminalística de São Paulo. Para a análise que visa identificar os diversos componentes de um material metálico, a polícia científica pode utilizar um moderno aparelho de nome imponente: o espectrofotômetro de absorção atômica. Seu funcionamento se baseia no fato de que o elétrons situados em camadas ao redor do núcleo de um átomo vibram com freqüências diferentes.
Cada grupo de elétrons em determinada camada se movimenta de forma distinta tanto daqueles do mesmo elemento químico quanto daqueles presentes em outros elementos químicos.
Tais elétrons só captam freqüências iguais às que emitem. Por isso, o espectrofotômetro é dotado de lâmpadas que emitem vibrações idênticas às de cada elemento. Existe, por exemplo, uma lâmpada específica para a detecção de mercúrio, outra para o ferro e assim por diante. Se o material examinado absorver a radiação emitida pela lâmpada, é sinal de que vibra em semelhante freqüência. Dependendo do grau de absorção, fica-se sabendo a quantidade do material contida na peça. Quando se quer investigar fraudes em documentos, os recursos técnicos são evidentemente essenciais. No Brasil, quando se suspeita, por exemplo de que uma cédula de identidade é falsa, o papel é submetido a um aparelho que emite luz ultravioleta.
Em caso de adulteração, o documento mostrará pequenos pontos fluorescentes. É que a tinta utilizada em falsificações dificilmente será a mesma daquela usada pela Casa da Moeda, que imprime as cédulas. Já através de um microscópio de luz infravermelha, o perito pode reconhecer se um documento foi "lavado", ou seja, se os dizeres foram apagados com substâncias químicas para depois alterar-se o texto. Em casos de seqüestro, um equipamento da maior utilidade é o espectrógrafo de som. Trata-se de um aparelho de uso rotineiro nos Estados Unidos, capaz de captar ruídos produzidos pela voz humana, porém imperceptíveis ao ouvido.
Por mais que se queira imitar a voz de alguém, esses sons não podem ser reproduzidos. Comparando-se duas falas, a máquina informa com 98 por cento de acerto se elas pertencem à mesma pessoa. O segredo está em transformar os sons em impulsos elétricos. O espectrógrafo é usado desde o início da década de 70. Acoplado a um computador, este pode, em questão de segundos, comparar os dois gráficos elaborados pelo espectrógrafo. Se isso pode parecer uma proeza, ainda mais fascinante é o trabalho de identificar uma pessoa apenas a partir de fragmentos de ossos. Segundo o legista Daniel Muñoz, professor de Medicina Legal da USP e famoso por ter identificado em 1985 o cadáver do médico nazista Josef Mengele - responsável por experiências bárbaras com prisioneiros em campos de extermínio -, "a partir de ossos de um indivíduo, pode-se levantar com certa precisão uma série de dados, como o sexo, a idade e o grupo étnico a que pertence".
Se, por exemplo, um dos ângulos do osso da bacia chamado infrapúbico tiver cerca de 90 graus, é sinal de que pertence, muito provavelmente, a uma mulher, porque essa abertura faz parte da conformação necessária para o nascimento de uma criança. No homem, a abertura fica em torno de 60 graus. Sabendo-se o sexo, basta multiplicar a extensão do fêmur, o maior osso do corpo humano, por 3,66 (nos homens) ou 3,71 (nas mulheres) para que se obtenha a altura aproximada de indivíduo.
O método foi elaborado pelo francês Alexandre Lacassagne, num dos mestres da Medicina Legal do século passado. Um dos exames mais comuns e decisivos para a identificação de cadáveres é a comparação da arcada dentária com a registrada na ficha do dentista. Um pouco mais complicada é o processo da prosopografia, no qual se sobrepõem fotografias do crânio às do rosto da pessoa quando viva. "Se houver coincidência dos pontos anatômicos do crânio e do rosto, como os olhos e a cavidade orbital, a boca e a abertura da arcada dentária e do crânio, é muito difícil que não sejam da mesma pessoa", afirma o legista Muñoz. "A dificuldade está em fotografar o crânio exatamente do mesmo ângulo que a foto do rosto".
Atualmente, a prosopografia é feita com câmaras de vídeo, que permitem movimentar a imagem até a posição desejada. "Recebi um pedaço de osso de mais ou menos 2 centímetros quadrados, que uma mulher encontrou em sua nova casa", conta Muñoz, exemplificando os pedidos estranhos que o laboratório do IML recebe. "Ela o entregou à polícia depois de saber que uma pessoa havia sido morta naquele local." Mas como saber se o osso era realmente da pessoa assassinada?
Como quem junta as peças de um quebra-cabeças, o primeiro passo foi verificar se se tratava de um osso humano. O primeiro passo foi realizar testes para identificar proteínas humanas, como a antiglobulina, capazes de resistir à morte do indivíduo.  O resultado, no caso, foi positivo. Depois, identificou-se a que lugar do corpo aquele osso poderia pertencer. "Era um osso de crânio, porque tinha sulcos, marcas das artérias que passam pelas meninges, membranas protetoras do cérebro."
O último exame, porém, foi decisivo: uma análise química constatou incrustações de chumbo. Enigma resolvido: o osso era uma parte do crânio expelida pela ação de um tiro que atravessou a cabeça. Portanto, pertencia mesmo à pessoa que havia sido morta naquela casa. Elementar, meu caro Watson.

Impressão genética

Sob a forma de um código de barras, igual ao que existe em produtos vendidos em supermercados, a molécula de DNA, que contém todas as informações genéticas de cada indivíduo, constará em pouco tempo dos documentos de identificação de franceses e ingleses. Isso porque o pesquisador britânico Alec Jeffreys descobriu, há três anos, que os pares de bases, substâncias químicas que se combinam para formar o DNA (ácido desoxirribonucléico), se agrupam em seqüências que se repetem de modo diferente de pessoa para pessoa. "Apenas dois em cada 9 bilhões de casos apresentam o mesmo padrão de seqüência", afirma a geneticista Gilka Gattas, da USP.
O exame para a determinação da identidade genética pode ser feito a partir dos mais diversos materiais: a raiz de um fio de cabelo, um pedaço de tecido (vivo ou morto), uma gota de sangue ou de líquido seminal. Como uma impressão digital genética, o código do DNA permite não só identificar autores de crimes como estupros mas também esclarecer casos de paternidade contestada, já que metade dos cromossomos de cada pessoa é herdada do pai e metade da mãe.

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