segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Sonho de produzir eletricidade a partir do ar pode estar mais perto

Sonho de produzir eletricidade a partir do ar pode estar mais perto

Cientistas estão tentando reproduzir o que ocorre nas nuvens de tempestade.

Ninguém no laboratório conseguia acreditar no que estava vendo. Um dispositivo experimental, um sensor de umidade, começou a gerar sinais elétricos.

Só que isso não deveria ser possível.

"Por alguma razão, o aluno que estava trabalhando no dispositivo esqueceu de ligar a energia", lembra Jun Yao, da Universidade de Massachusetts Amherst.

"Esse é o começo da história."

Desde aquele momento, cinco anos atrás, Yao e seus colegas desenvolveram uma tecnologia que pode obter eletricidade a partir do ar úmido, o que é chamado de higroeletricidade.

É uma ideia que existe há muitos anos. O famoso inventor Nikola Tesla (1856-1943) e outros investigaram essa possibilidade no passado, mas nunca alcançaram resultados promissores. Mas finalmente isso pode estar prestes a mudar.

Vários grupos de pesquisa em todo o mundo estão descobrindo novas maneiras de extrair eletricidade de moléculas de água que flutuam naturalmente no ar.

Isso é possível porque essas moléculas podem transferir pequenas cargas elétricas entre si — um processo que os pesquisadores querem dominar.

O desafio é obter eletricidade suficiente para que a tecnologia seja minimamente útil. Mas os cientistas agora acreditam que conseguem obter o suficiente para alimentar pequenos computadores e sensores.

A higroeletricidade traz a perspectiva tentadora de uma nova forma de energia renovável cuja fonte pode estar flutuando ao nosso redor.

Em 2020, Yao e seus colegas publicaram um artigo científico que descrevia como minúsculos nanofios de proteína, produzidos por uma bactéria, conseguiam coletar eletricidade do ar.

O mecanismo exato ainda está em discussão, mas os minúsculos poros do material parecem ser capazes de prender moléculas de água. À medida que se esfregam contra o material, as moléculas parecem fornecer uma carga.

Yao explica que, em tal sistema, a maioria das moléculas fica perto da superfície e gera muita carga elétrica, enquanto outras penetram mais profundamente. Isso cria uma diferença de carga entre as partes externa e interna do material.

"Com o tempo, você vê que há uma separação de carga acontecendo", diz Yao. "Isso é o que acontece em uma nuvem."

Em uma escala muito maior e mais dramática, as nuvens de tempestades também incorporam um acúmulo de cargas elétricas opostas que eventualmente descarrega na forma de um raio.


Moléculas de água carregam cargas elétricas minúsculas


Assim, ao controlar o movimento das moléculas de água e criar as condições certas para a separação de cargas, seria possível gerar eletricidade.

"O dispositivo pode funcionar literalmente em qualquer lugar da Terra", diz Yao.

Yao e seus colegas publicaram um novo estudo em maio de 2023, no qual criaram o mesmo tipo de estrutura, preenchida com nanoporos, mas usando uma variedade de materiais diferentes – de flocos e polímeros de óxido de grafeno, a nanofibras de celulose derivadas da madeira.

Todos eles funcionaram, embora com algumas pequenas diferenças. Isso sugere que a estrutura é o que importa, e não o material em si.

Nos experimentos até agora, dispositivos mais finos que um fio de cabelo humano geraram quantidades muito pequenas de eletricidade, equivalentes a uma fração de volt.

Yao afirma que, com material mais volumoso, é possível começar a obter cargas úteis, com vários volts.

Ele sugere que até mesmo um líquido a ser pulverizado com spray em superfícies poderia fornecer uma fonte de energia instantânea.

"Acho que é realmente empolgante", diz Reshma Rao, engenheira de materiais do Imperial College London, no Reino Unido, que não participou do estudo.

"Há uma enorme flexibilidade no tipo de materiais que você pode usar."

No entanto, pode não ser realista imaginar tal tecnologia alimentando edifícios inteiros ou máquinas que consomem muita energia como carros, adverte Rao.

A umidade pode ser suficiente apenas para alimentar dispositivos do tipo "internet das coisas" (internet of things, em inglês, que se refere a objetos do cotidiano que são conectados à internet), como sensores ou pequenos eletrônicos.


A princípio, acredita-se que o uso do ar úmido como fonte de energia serviria para alimentar pequenos dispositivos, como sensores e relógios inteligentes


A equipe de Yao está longe de ser a única que investiga o ar úmido como uma potencial fonte de energia. Em 2020, um grupo de Israel publicou que conseguiu coletar eletricidade passando ar úmido entre duas peças de metal.

Esse tipo de fenômeno foi registrado pela primeira vez em 1840, quando um maquinista de uma mina de carvão ao norte de Newcastle, na Inglaterra, sentiu uma estranha sensação de formigamento na mão enquanto operava o trem.

Depois, ele notou uma pequena faísca saltando entre seu dedo e uma das alavancas do veículo. Os cientistas que investigaram o ocorrido concluíram que o atrito do vapor contra o metal da caldeira do motor causou o acúmulo de carga.

Colin Price, pesquisador em ciências atmosféricas da Universidade de Tel Aviv, em Israel, coautor do artigo de 2020, diz que as cargas geradas em experimentos de laboratório com pequenos pedaços de metal foram muito baixas.

No entanto, ele afirma que ele e seus colegas estão trabalhando para melhorar o sistema. Ainda assim, uma limitação pode ser que o grupo trabalha com uma umidade mínima de 60% nos experimentos, enquanto os dispositivos do grupo liderado por Yao começam a gerar eletricidade a uma umidade relativa de cerca de 20%.

Enquanto isso, uma equipe em Portugal está trabalhando em um projeto financiado pela União Europeia chamado CATCHER, que também visa aproveitar o ar úmido como fonte de energia.

Svitlana Lyubchyk, cientista de materiais da Universidade Lusófona de Lisboa, em Portugal, coordena o projeto e é cofundadora de uma empresa chamada CascataChuva.

"Acho que o protótipo estará pronto até o final deste ano, mais ou menos", diz Lyubchyk, enquanto seu filho Andriy Lyubchyk, que também é cofundador da empresa, apresenta um vídeo de uma pequena luz LED sendo ligada e desligada.

Ele segura um disco cinza de cerca de 4 cm de diâmetro, feito de óxido de zircônio, explicando que esse material pode capturar moléculas de água do ar úmido e forçá-las a fluir por canais minúsculos.

Ele diz que um único disco gera carga elétrica suficiente para fornecer cerca de 1,5 volts. Apenas dois discos são suficientes para alimentar a luz de LED, afirma ele, acrescentando que muito mais peças do material podem ser encadeadas para produzir ainda mais.

No entanto, embora algumas informações sobre o trabalho estejam disponíveis online, detalhes completos sobre os experimentos mais recentes da equipe ainda precisam ser publicados ou revisados por pares.

O grupo também não quis compartilhar qualquer material mostrando como os discos são conectados ao LED para alimentá-lo.

Muitas questões permanecem sobre os mecanismos por trás de todos essas invenções higroelétricas, diz Rao.

"Há muito mais a ser investigado em termos dos fundamentos de por que isso funciona."

Há também a questão da comercialização. Qualquer pessoa que pretenda vender uma tecnologia como essa precisará provar que esta forma de produção de energia é competitiva, autossuficiente e economicamente vantajosa em comparação com outras fontes renováveis, diz Sarah Jordaan, engenheira civil da Universidade McGill, no Canadá.

Jordaan estuda os aspectos ambientais e econômicos das fontes de energia.

As tecnologias de energia renovável mais estabelecidas, como a eólica e a solar, claramente saem em vantagem. Elas provavelmente serão ainda mais importantes na próxima década, uma época em que o distanciamento dos combustíveis fósseis será particularmente urgente.

Apesar desses desafios, Rao afirma que ainda há um "raio de esperança" de que novas tecnologias surgirão das pesquisas com higroeletricidade.




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