À PROCURA DO IDIOMA UNIVERSAL
Nesta torre de Babel chamada Terra existem cerca de três mil línguas diferentes. Mas o intercâmbio entre os povos exige cada vez mais uma comunicação universal. E ela somente foi possível até hoje em campos específicos, como a música e a matemática. As tentativas de maior alcance foram mal-sucedidas.
Até o ano 2000, a população mundial - inclusive a do Terceiro Mundo - estará viajando tanto que a exigência de uma língua comum entre os povos será uma necessidade imperiosa. O domínio de um idioma universal para se comunicar já não será privilégio apenas dos que têm maior acesso à cultura. Ainda não se decidiu qual será esta linguagem. Sabe-se apenas que ela não deverá ter fronteiras, além de ser pensada para a próxima e não para esta geração.
A ONU (Organização das Nações Unidas) tem cinco idiomas oficiais: inglês, espanhol, russo, chinês e francês; e seus tradutores não dão conta das montanhas de papéis acumuladas sobre suas mesas. Aqueles que, por causa do trabalho, são obrigados a percorrer diversos países, acabam aprendendo vários idiomas. Mas esta circunstância, em geral, implica em um conhecimento muito superficial. Defender-se não é dominar. Por este motivo, é possível escrever até uma enciclopédia com os erros de interpretação cometidos, inclusive na área diplomática.
Na visita que fez a Moscou em maio passado, o ministro de Assuntos Exteriores da Espanha, Fernando Morán, que fala inglês, cometeu uma gafe. Quando um jornalista Ihe perguntou em inglês se havia tratado do problema do dissidente Andrei Sakharov com as autoridades soviéticas, ele respondeu que "o tema do Sahara não foi incluído nas conversações". Outro exemplo: há alguns meses, a imprensa espanhola publicou a notícia "intoxicação alimentícia mata milhares de turcos". Na realidade, as vitimas não eram turcos, mas perus. Eles traduziram a palavra turkeys (em inglês, perus) por turcos (em inglês, turks).Existem aproximadamente três mil línguas no planeta. Cerca de cem são utilizadas por mais de um milhão de pessoas. A metade da população mundial se comunica em chinês, inglês, espanhol, russo, árabe, indu e português. O comércio internacional, o turismo, a política, os descobrimentos científicos obrigaram a intercomunicação entre homens e culturas e áreas lingüísticas distintas. Já é necessária a introdução de uma língua para a humanidade. No entanto, esta idéia, de vantagens indiscutíveis, não é tão fácil de ser colocada em prática.
O inglês, devido ao predomínio político e econômico dos Estados Unidos, se converteu em idioma quase universal. Um em cada quatro habitantes do planeta pode se entender, mais ou menos bem, nesta língua. Mas os chineses (mais de um bilhão de habitantes) e os soviéticos (277 milhões) se negam a acertá-la; e os dois países somam mais do que a quarta parte da população mundial. Esta circunstância levou os filólogos a considerar que somente um idioma novo deixaria de lado conotações políticas e sociais, pois pertenceria a todos e a ninguém ao mesmo tempo. Não deixa de parecer absurda, no entanto, a implantação de uma língua inventada quando existem mais de três mil faladas. Anos atrás, foi apresentada a proposta de eleger o finlandês ou o nayatl (asteca), para evitar ressentimentos e lutas de poder. A sugestão, no entanto, não foi levada em consideração.
As tentativas de fabricar um meio de expressão artificial são antigas. As primeiras aproximações produziram línguas-catálogos, inúteis para a comunicação humana. Um bom exemplo disto é a invenção do escocês Dalgamo, composta de palavras divididas em partes: o n equivaleria a tudo o que se referisse a seres vivos; em combinação com a letra grega eta formaria o conceito de animais; completado com o k, animais de quatro patas.Mas um idioma vivo nunca é tão lógico, tão fechado, tão regulado. Por isso também não triunfou a fantasia de um francês chamado François Sudre, que em 1817 criou o Solresol, método baseado no solfejo: dó significava sim; ré era e; mi se tornou ou etc. A palavra solasi, ou seja, três tons ascendentes, indicaria subida, e assim seria construída uma variedade de frases. Esta linguagem permitiria também o canto, o que entusiasmou muitos dos intelectuais contemporâneos de Sudre; o poeta Victor Hugo e o imperador Napoleão III eram seus fãs incondicionais. O Solresol é hoje uma simples curiosidade da História da Lingüística.
Além dos idiomas artificiais, surgiram outras tentativas a partir da combinação de línguas vivas. No ano de 1879, o monsenhor alemão Johan Martin Schleyer inventou um sistema original, denominado Volapuk, que, em um primeiro momento, parecia uma revolução. Semelhante em sua estrutura ao húngaro e ao turco, alcançou grande êxito no final do século passado. Foram publicadas 316 gramáticas, traduzidas em 25 idiomas; 25 revistas e 283 clubes se dedicaram à promoção da língua.
Esta difusão, no entanto, foi bloqueada pelo próprio Schleyer. Durante um congresso, vários delegados propuseram a introdução de mudanças gramaticais. Schleyer as recusou violentamente, argumentando que aquele era o seu idioma e não havia autorizado ninguém a fazer modificações. Como se pode pretender que um meio de expressão pertença a apenas uma pessoa? Esta situação é ainda mais incongruente quando se trata de um modelo de linguagem universal.
Felizmente, muitas das tentativas de criação de idiomas não foram adiante. Foi o que ocorreu com o Tutônico, mistura de um mau inglês e um mau alemão, nascido no final do século passado e morto no começo deste. Surgiram ainda várias inovações lingüísticas, entre elas uma feita a partir da combinação do grego clássico, latim e chinês. Nos Estados Unidos, apareceu a idéia de promover um inglês básico, composto por 850 palavras; a idéia não prosperou porque seus defensores se esqueceram de que se tratava da língua materna de mais de duzentos milhões de pessoas que teriam um vocabulário mais rico, com expressões incompreensíveis para os praticantes da versão reduzida.
Somente o esperanto, um dos idiomas inventados, chegará a superar os cem anos de vida. Criado pelo oftalmologista polonês Ludwig Leizer Zamenhof em 1887, é formado pela síntese de várias línguas européias. Toda a sua gramática se resume a dezesseis regras, o que garante a aprendizagem no prazo de um ano. Pelas experiências comparativas, o esperanto exige um terço do tempo necessário para aprender um idioma como o francês. Atualmente, é empregado, com diferentes graus de perfeição, por dez milhões de pessoas em todo o planeta. Um grande número de romances e peças de teatro foi escrito originalmente em esperanto, para o qual já foram traduzidas cerca de dez mil obras da literatura universal. Emissoras de rádio de Viena, Varsóvia, Pequim, Berna, Roma, Sofia e Zagreb transmitem programas em esperanto. E o sistema internacional de telegrafia o aceita como meio de comunicação junto com as línguas vivas e o latim.
Apesar de tudo, o esperanto não alcançou seu objetivo e nem está a caminho de fazê-lo. Grande parte dos idiomas vivos podem ser considerados muito mais universais, ainda que tenham uma aprendizagem mais lenta. Alguns filólogos tentaram explicar a aceitação limitada do esperanto com razões de caráter fonético. Diziam que a pronúncia era complicada para pessoas de certas regiões. Por exemplo, os habitantes do Pacifico Sul teriam enorme dificuldade para pronunciar agrupamentos de letras como sp, st, sch; os chineses lutam com o r, os japoneses com o l. Mas em que linguagem isso não acontece? Só quando a fonética é ensinada desde a infância é possível ultrapassar esta barreira.
O verdadeiro motivo está no fato de que os países que possuem o predomínio econômico e político impõem sua língua nas áreas em que exercem influência. Por isso o inglês se converteu no esperanto do mundo ocidental. Apesar do seu uso estar restrito a determinados países, tamanha é a sua difusão que, dentro de uma década, os jovens de todos os países industrializados do Ocidente já poderão comunicar-se sem problemas neste idioma. De fato, nas nações mais desenvolvidas da Europa, as gerações mais jovens, com um nÍvel cultural médio, o praticam como segunda língua.
O que se pretende porém não é uma língua ocidental, mas mundial. E em grandes regiões da Terra não se percebe nenhuma inclinação pelo inglês. Portanto, ainda está pela frente a tarefa de elegê-lo linguagem universal e assumir o compromisso de ensiná-lo como primeiro idioma estrangeiro a todas as crianças do mundo. Segundo os estudos psicológicos e lingüísticos, a idade apropriada para estudar um segundo idioma é em torno dos seis anos.Apesar disso, as crianças do futuro nunca chegarão a ser bilíngües. Entre outros motivos porque o bilingüismo puro não existe. Nos casos em que o pai fala uma língua diferente ou que a família tenha emigrado para outro país, a criança estabelece inconsciente mente uma separação entre as duas línguas: a materna é recebida com mais emoção enquanto que a paterna ou a do novo país Ihe permite pensar de maneira mais madura e intelectualizada. A possibilidade de um conflito lingüístico entre a primeira e a segunda língua entre o idioma vernáculo e o estrangeiro, pode provocar atrasos na aprendizagem, principalmente se o ensino começa cedo. Não é possível esquecer também que a riqueza do pensamento caminha paralelamente à da linguagem.
O ditador soviético Stálin sonhava que, quando a revolução comunista mundial estivesse concluída, todos os homens falariam russo. Ninguém seria pressionado a fazê-lo. Mas ele estava convencido de que o ideal comunista estabeleceria laços tão estreitos na humanidade que os diversos idiomas da Terra resultariam em um único. Deixando de lado os desejos utópicos de Stálin, o certo é que existem alguns exemplos de linguagem universal no campo da cultura e da ciência. Pensemos na música, na matemática, nas fórmulas químicas. Todos os matemáticos e todos os químicos são capazes de entender os resultados dos trabalhos de seus colegas, sejam quais forem os países de origem. Todos os músicos têm condições de escrever, ler e interpretar qualquer partitura. Estamos iniciando uma nova era em que se torna mais necessário do que nunca uma base de entendimento: a era da eletrônica, que somente alcançará a plenitude quando todos os computadores se expressarem com a mesma linguagem.
Uma equipe de especialistas norte-americanos em Semiótica começou a estudar um sistema de sinalização para o futuro. O método de identificação deverá ser compreensível em qualquer linguagem humana. Trata-se de um programa governamental que tem como objetivo fazer com que todos os habitantes do planeta saibam reconhecer resíduos radioativos que a indústria atômica aloja sob a superfície. O responsável pelo projeto é Thomas Sebeok, presidente da Associação Semiótica Internacional, especializada no tema da comunicação animal e humana.
Poder falar com todos os habitantes da Terra. Entender qualquer estrangeiro. O velho sonho da humanidade. Em épocas passadas, a língua cosmopolita foi o latim; com ela se expressavam as pessoas mais cultas, os estadistas, a Igreja. Nos Estados Unidos se dá muita importância ao aprendizado do chinês. O homem conquistou o espaço e ensinou os computadores a falar, mas não superou a história bíblica da torre de Babel.
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