Aves do Terror - Paleontologia
Como um velociraptor emplumado
Em ação, o Titanis wallery. Em 5 segundos, a fera deixa o capinzal em que estava escondida e dispara de surpresa sobre a vítima, um pequeno ancestral do cavalo chamado braquitério. Então, a 70 quilômetros por hora, o predador salta com seu 1,8 metro de altura sobre a presa, que ainda tenta escapar aos golpes do bico de quase 60 centímetros de comprimento, sólido como uma bigorna. Mas sem chance. O braquitério agoniza e morre imobilizado pelas bizarras lanças de osso que ocupam o lugar das asas no corpo do atacante.
Esta figura de pesadelo existiu mesmo. Pertenceu a uma família de aves pré-históricas que estão fascinando os paleontólogos. O interesse pelo assunto nasceu de um estudo recente do americano Robert Chandler, da Universidade da Geórgia, que mostra semelhanças surpreendentes entre o Titanis wallery e os dinossauros, especialmente o velociraptor, um dos protagonistas dos filmes Parque dos Dinossauros (de 1992) e O Mundo Perdido - Jurassic Park 2.
Os monstros de penas, de acordo com Chandler, poderiam até contracenar com os lagartões que viraram os novos ídolos das telas. Segundo o cientista, "o titanis foi a própria reencarnação do velociraptor". Nos dois animais, a estrutura geral do corpo era a mesma e o desenho dos ossos, análogo. E o esqueleto se articulava de tal modo que a postura e a maneira de correr ficavam quase iguais.
Essas são as comparações decisivas. Mas ainda há outros pontos de contato entre os dois bichos, já que tanto o titanis quanto o velociraptor faziam tocaia nos capinzais, baseavam sua estratégia de ataque na alta velocidade e usavam ativamente as patas pés na caçada, fosse para prender as vítimas ao chão (caso do titanis), fosse para estripá-las (como o velociraptor).
Ele usava o bico em lugar dos dentes e tinha penas em vez de escamas. Foi uma ave, não um dinossauro. Apesar disso, atacava com a mesma violência e velocidade do réptil gigante, personagem dos filmes de Steven Spielberg.
O dinossauro que queria voar
A história das aves do terror faz parte dessa maravilhosa confusão evolutiva que começa nos répteis carnívoros da Pré-História e só acaba nos passarinhos. Confusão porque ainda não foi bem esclarecida pelos cientistas. Maravilhosa porque cheia de perguntas fascinantes. Uma delas vem à tona agora, com as pesquisas mais recentes: como foi, afinal de contas, que os dinossauros aprenderam a voar? A maior parte dos estudos recentes indica que essa incrível metamorfose aconteceu mesmo. E a questão que fica é esta: mas como foi, exatamente, que isso aconteceu?
Perdidos entre os ossos
Os primeiros sinais da mudança apareceram num grupo de répteis carnívoros chamados terópodes. Eles inauguraram uma tendência evolutiva que consistia em andar com as patas de trás. Com isso, deixavam as da frente livres para outros serviços. As primeiras aves seguiram o mesmo esquema, com uma novidade crucial: como passaram a mexer os braços para voar, ganharam um segundo meio de locomoção. Voavam.
O desafio é decifrar os detalhes dessa transição, quais foram suas etapas. Para isso, é preciso encontrar mais fósseis. Uma ossada preciosa apareceu em maio deste ano. A descoberta foi anunciada pelo argentino Fernando Novas, do Museu de História Natural, em Buenos Aires. "O esqueleto pertenceu ao dinossauro mais próximo das aves encontrado até agora", disse NovasBatizado de Unenlagia comahuensis, o predador corria pela Patagônia há mais ou menos 90 milhões de anos. Com quase certeza, foi um lagartão, como indica a maior parte dos seus ossos.
Mas - e aí vem o detalhe crucial - os ossos de seus braços podiam mover-se de cima para baixo como se fossem peças de uma asa de verdade. De acordo com Novas, o bicho, com o corpo que tinha, não conseguiria sair do chão. "Ele provavelmente ‘batia’ os braços para se equilibrar em alta velocidade", explicou. A conclusão é que esse animal teria sido uma das muitas etapas intermediárias que ligaram os dinossauros de 100 milhões de anos atrás aos pássaros de hoje.
Bichos estranhos
No meio dessa trilha evolutiva surgiram animais bem esquisitos, com algumas partes de répteis e outras de aves. Na Argentina mesmo, há alguns anos, foi encontrado o patagoptérix, que até a descoberta do unenlagia era o dinossauro mais próximo das aves.
Por enquanto, só dá para imaginar como teria sido esse zoológico do passado, no qual os cientistas querem achar o ancestral dos pássaros.
O fato é que a ciência vai ter ainda muito trabalho para amarrar as pontas de todas as linhas que saem do grupo dos répteis e avançam na direção de seus sucessores alados. Os dois grupos tiveram uma longa história de aproximações e afastamentos, mas nunca foram tão fortes os indícios de que houve mesmo laços estreitos entre eles. É o que mostram os achados recentes sobre as aves do terror que, milhões de anos depois do último suspiro dos lagartões, reconstruíram o seu mundo.
O monstro não podia voar. Apesar disso, batia os braços como se fossem asas. Pode ter sido um dos muitos ensaios que a natureza fez durante a metamorfose que produziu as primeiras aves.
Volta ao passado
Elas tinham uma postura e uma estratégia de ataque às suas presas que copiava muito de perto a fúria assassina dos dinossauros carnívoros. Mas as aves gigantes não eram descendentes diretas dos grandes répteis. Elas surgiram a partir de outras aves do mesmo grupo que deu origem à seriema, um bicho muito comum no campo brasileiro. E já nasceram com o mesmo aspecto das aves modernas, com o bico sem nenhum dente. Os dinossauros dominaram a Terra até a sua extinção completa, há 65 milhões de anos. Só que, antes disso, em data ainda incerta, em torno de 100 milhões de anos atrás, alguns dos lagartões mais evoluídos viraram aves. Esses felizardos escaparam da grande matança que atingiu seus familiares.
Muito tempo depois, há cerca de 30 milhões de anos, alguns dos bichos de asas reaprenderam a se comportar como os dinossauros. Dessa maneira, tornaram-se os predadores dominantes nos ambientes que habitaram, até desaparecerem, há uns 2,5 milhões de anos.
Os cientistas ainda estão procurando explicações para o mistério dessa inesperada volta ao passado. "É como se a natureza tivesse resolvido recriar o reinado dos temíveis ancestrais das aves", explica o americano Robert Chandler.
Não se deixe enganar pela cara de bobo
O Titanis wallery media 1,8 metro de altura e pesava uns 175 quilos. Mas alguns de seus parentes sul-americanos tinham 3,5 metros dos pés à cabeça.
As asas viram armas
Os dedos do titanis são como os da águia, mas não serviam para voar. Com a forma de uma lança, eram uma arma de caça.
Na águia, dois dedos se soldaram e um se atrofiou. Assim se construiu a estrutura das asas nas aves.
O velociraptor tinha três dedos bem separados. Eles funcionavam como garras para cortar ou segurar as presas.
Dos pântanos para as nuvens
Antes dos tempos jurássicos
Há mais de 250 milhões de anos, os primeiros dinossauros se diferenciaram dos outros répteis pelo modo de andar. Suas pernas, dispostas na vertical, não eram tão voltadas para os lados, como nos antecessores dos jacarés. Com isso, o celófise, acima, deve ter corrido pelos pântanos com mais agilidade do que seus antigos primos.
Encontro marcado no ar
Muito antigos, os répteis de asas de couro chamados pterossauros dividiram o espaço aéreo com o arqueoptérix. Este, há 135 milhões de anos, era meio dinossauro, meio ave.
Foi o primeiro precursor das aves atuais. Parentes mais próximos dos pássaros sairiam mais tarde, dos próprios dinossauros.
Asas de equilibrista
Há 90 milhões de anos, bichos mais ou menos como as aves circulavam por todo lado. Um deles, o ictiórnis morava perto do mar. O unenlagia podia "bater" os braços para se equilibrar na corrida, mas nunca levantou vôo. Ele é o dinossauro mais próximo das aves encontrado até hoje.
Senhores da terra e do céu
As primeiras aves, precursoras das emas e dos pelicanos, começaram a evoluir um pouco antes da extinção dos grandes répteis, há 65 milhões de anos, e se desenvolveram rapidamente. Quando as aves do terror surgiram, há 30 milhões de anos, as espécies voadoras atuais já estavam todas no céu.
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