quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

O Livro Derradeiro - Cruz e Sousa - Parte 4 de 4


O Livro Derradeiro - Cruz e Sousa - Parte 4 de 4

O Livro Derradeiro - Cruz e Sousa



Deus, ó meu Deus, todas as bocas gritam, 
E se afervora mais e mais a crença. 
Mas, onde os astros muita vez palpitam 
No céu, há noite cada vez mais densa. 




Ah! que mudez de túmulo nos ares. 
Nada responde, oh! nada então responde; 
Mas onde está o grande Deus dos mares 
E da terra, onde está, aonde, aonde? 

Tudo está mudo -- a natureza inteira, 
Tudo emudece e não responde nada; 
E só os vendavais têm a maneira 
De responder dando uma gargalhada. 

Gargalhada de lágrimas atrozes, 
De lágrimas de morte e de agonia 
Que abafa e extingue na garganta as vozes, 
Gera a coragem que e a luz do dia. 

O valentes e rudes marinheiros 
Vindos da pátria para pátria nova, 
Que sepultais amores verdadeiros 
Do tão profundo coração na cova; 

Ó viajantes de longe, de países 
Onde a vida cintila e canta alerta 
Como um turbilhão de aves felizes 
Numa campina de rosais, deserta; 

Ó vós todos que vindes lá do oceano, 
Entre as mais bruscas e hórridas tormentas. 
Lá do mar, alto, a vela, a todo o pano, 
Com as almas ansiosas e sedentas, 

De chegar cedo ao porto desejado, 
Calculai, calculai o quanto é triste 
Ver dar à praia um pobre desgraçado 
Em cuja carne a podridão existe! 

À praia! À praia! Dai à praia, morto, 
Rejeitado por ondas convulsivas, 
Indo encontrar na sepultura o porto, 
Deixando ao mundo as ilusões mais vivas. 



[Linha 7550 de 10004 - Parte 4 de 4]


O eterno amor de mãe, de filho, esposa, 
Tanta fé, tanto riso de alegria, 
Tanta coisa dourada, ai tanta coisa 
Que ao recordar toda a nossa alma esfria. 

Morrer no mar, os nervos contraídos, 
Numa asfixia atroz, cerrando os dentes, 
Num abismo de cores e gemidos, 
De maldições e de uivos de descrentes; 

Morrer no mar, sem o farol amigo, 
Esse farol que os náufragos anima, 
Fora de proteção, fora de abrigo, 
Sem sequer uma luz no espaço, em cima; 

Morrer no mar, sem astros no infinito, 
Na solidão das águas, fria, imensa, 
Enquanto a treva aura de granito, 
Ri-se de tudo, com indiferença; 

Morrer no mar, só e desamparado 
E num terror que não acaba nunca, 
Vendo rasgar o corpo enregelado 
O desespero como garra adunca. 

É horrível! Bem sei! Mas ai daqueles 
Que morrem mesmo assim lá no mar fundo 
Sem ter alguém que ao menos neste mundo 
Derrame uma só lágrima por eles! 
  
  

Índice 
  
  
  

CASTELà

Bela e mais encantadora 
Do que todas as belezas, 
Graça leve de pastora 
Que canta pelas devesas. 

Enleios de passarinho 
E brilhos de primavera, 
Com magnetismos de vinho 
No olhar azul de quimera. 

Feita de um jorro sadio 


[Linha 7600 de 10004 - Parte 4 de 4]


De auroras purpureadas 
Carne mais fresca que um rio 
De frescas águas prateadas. 

Tudo é frio e tudo é raso 
Para dizer-te a capricho 
Que és magnólia para um vaso, 
Que és arcanjo para um nicho. 

És um mito da Alemanha 
Vivendo em montanha alpestre, 
No castelo da montanha, 
Como ardente flor silvestre. 

E tens as pomas à farta 
Polposas, cheias de aromas. 
És assim a loura Marta 
Com abundância de pomas. 

Esse príncipe que te ama, 
Cismando, trágico e grave, 
quando o luar se derrama 
Cuida ouvir-te os vôos de ave. 

Ele vive, airoso e belo, 
Como se vive num sonho, 
No seu nevoento castelo 
Junto de um lago tristonho. 

E através do pó flutuante 
Do luar saudoso e vago 
Julga que és a garça errante 
Das águas verdes do lago. 
  
  

Índice 
  
  
  

ARTE 

Como eu vibro este verso, esgrimo e torço, 
Tu, Artista sereno, esgrime e torce; 
Emprega apenas um pequeno esforço 
Mas sem que a Estrofe a pura idéia force. 

Para que surja claramente o verso, 
Livre organismo que palpita e vibra, 


[Linha 7650 de 10004 - Parte 4 de 4]


É mister um sistema altivo e terso 
De nervos, sangue e músculos, e fibra. 

Que o verso parta e gire -- como a flecha 
Que d'alto do ar, aves, além, derruba; 
E como os leões, ruja feroz na brecha 
Da Estrofe, alvoroçando a cauda e a juba. 

Para que tenhas toda a envergadura 
De asa e o teu verso, de ampla cimitarra 
Turca, apresente a lâmina segura, 
Poeta, é mister, como os leões, ter garra. 

Essa bravura atlética e leonina 
Só podem ter artistas deslumbrado: 
Que souberam sorver pela retina 
A luz eterna dos glorificados. 

Busca palavras límpidas e castas, 
Novas e raras, de clarões radiosos, 
Dentre as ondas mais pródigas, mais vastas 
Dos sentimentos mais maravilhosos. 

Busca também palavras velhas, busca, 
Limpa-as, dá-lhes o brilho necessário 
E então verás que cada qual corusca 
Com dobrado fulgor extraordinário.nódoa 

Que as frases velhas são como as espadas 
Cheias de nódoa, de ferrugem, velhas 
Mas que assim mesmo estando enferrujadas 
Tu, grande Artista, as brunes e as espelhas. 

Faz dos teus pensamentos argonautas 
Rasgando as largas amplidões marinhas, 
Soprando, à lua, peregrinas flautas, 
Louros pagãos sob o dossel das vinhas. 

Assim, pois, saberás tudo o que sabe 
Quem anda por alturas mais serenas 
E aprenderás então como é que cabe 
A Natureza numa estrofe apenas. 

Assim terás o culto pela Forma, 
Culto que prende os belos gregos da Arte 
E levará no teu ginete, a norma 
Dessa transformação, por toda a parse. 

Enche de estranhas vibrações sonoras 
A tua Estrofe, majestosamente... 


[Linha 7700 de 10004 - Parte 4 de 4]


Põe nela todo o incêndio das auroras 
Para torná-la emocional e ardente. 

Derrama luz e cânticos e poemas 
No verso e torna-o musical e doce 
Como se o coração, nessas supremas 
Estrofes, puro e diluído fosse. 

Que as águias nobres do teu verve esvoacem 
Alto, no Azul, por entre os sóis e as galas, 
Cantem sonoras e cantando passem 
Dos Anjos brancos através das alas... 

E canta o amor, o sol, o mar e as rosas, 
E da mulher a graça diamantina 
E das altas colheitas luminosas 
A lua, Juno branca e peregrine. 

Vibra toda essa luz que do ar transborda 
Toda essa luz nos versos vai vibrando 
E na harpa do teu Sonho, corda a corda, 
Deixa que as Ilusões passem cantando. 

Na alma do artista, alma que trina e arrulha 
Que adora e anseia, que deseja e que ama 
Gera-se muita vez uma fagulha 
Que se transforma numa grande chama. 

Faz estrofes assim! E após na chama 
Do amor, de fecundá-las e acendê-las, 
Derrama em cima lágrimas, derrama, 
Como as eflorescências das Estrelas... 
  
  

Índice 
  
  
  

ARTE [variação] 

Como eu vibro este verso, esgrimo e torço, 
Tu, o poeta moderno, esgrime e torce; 
Emprega apenas um pequeno esforço, 
Mas sem que nada a pura idéia force. 

Para que saia vigoroso o verso, 
Como organismo que palpita e vibra, 
É mister um sistema altivo e terso 


[Linha 7750 de 10004 - Parte 4 de 4]


De nervos, sangue e músculos e fibra. 

Que o verso parta e gire como a flecha 
Que do alto do ar, aves, além, derruba 
E como um leão ruja feroz na brecha 
Da estrofe, alvoroçando a cauda e a juba. 

Para que tenhas toda a envergadura 
De asa, o teu verso, como a cimitarra 
Turca apresente a lâmina segura, 
Poeta, é mister como um leão, ter garra. 

Essa bravura atlética e leonina 
Só podem ter artistas deslumbrados 
Que sorveram com lábios e retina 
A luz do amor que os fez iluminados. 

Nem é preciso, poeta, que te esbofes 
Para ferir um verso que fuzile; 
Põe a alma e muitas almas nas estrofes 
E deixa, enfim, que o verve tamborile. 

Busca palavras límpidas e novas, 
Resplandecentes como sóis radiosos 
E sentirás como te surgem trovas 
Belas de madrigais deliciosos. 

Busca também palavras velhas, busca, 
Limpa-as, dá-lhes o brilho necessário 
E então verás que cada qual corusca, 
Com dobrado fulgor extraordinário nódoas 

Que as frases velhas são como as espadas 
Cheias de nódoas de ferrugem, velhas, 
Mas que assim mesmo estando enferrujadas 
Tu, grande artista, as brunes e as espelhas. 

Que toda a vida e sensação de estilo 
Está na frase, quando se coloca, 
Antiga ou nova, mas trazendo aquilo 
Que soa como um tímpano que toca. 

Como o escultor que apenas fez de um bloco 
A estátua -- com supremo e nobre afinco 
Estuda a natureza num só foco: 
A prata, o bronze, o cobre, o ferro, o zinco. 

Estuda dos rubins, estuda do ouro 
E dos corais, da pérola e safira, 
Todo esse íris febril radiante e louro 


[Linha 7800 de 10004 - Parte 4 de 4]


Que e a centelha de sol em toda a lira. 

Estuda todos os metais, estuda, 
Desce a matéria prodigiosa e vasta, 
Estuda nela a natureza muda, 
Os veios de cristal da origem casta. 

Estuda toda a intensa natureza 
Feita de aromas, de canções e de asas 
E sente a luz da cor e da beleza 
Rir, flamejar e arder, iriar em brasas. 

Faz dos teus pensamentos argonautas 
Rasgando as largas amplidões marinhas 
Soprando, a lua, peregrinas flautas, 
Como os pagãos sob o dossel das vinhas. 

Assim, pois, saberás tudo o que sabe 
Quem anda por alturas mais serenas 
E aprenderás então como é que cabe 
A natureza numa estrofe apenas. 

Assim terás o culto pela forma, 
Culto que prende os belos gregos da arte 
E levarás no teu ginete, a norma 
Dessa transformação por toda a parte. 

Enche de alegres vibrações sonoras 
A tua idéia pródiga e valente, 
Põe nela todo o incêndio das auroras 
Para torná-la emocional e ardente. 

Derrama luz e cânticos e poemas 
No verso e fá-lo musical e doce 
Como se o coração, nessas supremas 
Estrofes, puro e diluído fosse. 

Que a abelha de ouro do teu verso esvoace, 
Fulja como um fuzil numa borrasca. 
Que o verso quando é bom por qualquer face 
Lembra um fruto saudável desde a casca. 

Com arte, forma, cor, tudo isso em jogo, 
Engrinaldado e rútilo de crenças 
O sonho cresce -- o pássaro de fogo 
Que habita as altas regiões imensas. 

E canta o amor, o sol, o mar e o vinho, 
As esperanças e o luar e os beijos 
E o corpo da mulher -- esse carinho -- 


[Linha 7850 de 10004 - Parte 4 de 4]


Canta melhor, vibra com mais desejo. 

Canta-lhe a sinfonia dos olhares 
A cálida magnólia austral das pomas, 
E quando então tudo isso enfim cantares 
Em tudo põe a fluidez de aromas. 

Vibra toda essa luz que do ar transborda 
Como todo o ar nos seres vai vibrando 
E da harpa do teu sonho, corda a corda, 
Deixa que as ilusões passem cantando. 

Na alma do artista, alma que trina e arrulha, 
Que adora e anseia, que deseja e ama, 
Gera-se muita vez uma fagulha 
Que explose e se abre numa grande chama. 

Pois essa chama que a fagulha gera, 
Que enche e que acende o espírito de força, 
Sobe pela alma como primavera 
De rosas sobe por coluna torsa. 

Faz estrofes assim, de asas de rima, 
Depois de fecundá-las e acendê-las 
De amor, de luz -- põe lágrimas em cima, 
Como as eflorescências das estrelas. 
  
  

Índice 
  
  
  

O DUQUE 

Quando o duque voltava da caçada 
Alegre num clarim d'aço vibrante 
De alacridade moça e evigorada 
Dum ruidoso e trêfego estudante. 

Quando ele vinha com seu ar bizarro 
De atravessar os vales e as colinas, 
Sadio aspecto fresco como um jarro 
Cheio de leite às horas matutinas. 

Em toda a aristocrática varanda 
Alta e vistosa, ampla, aberta em janelas, 
Ele vibrava, de uma e outra banda, 
Cancões de amor, nostálgicas e belas. 


[Linha 7900 de 10004 - Parte 4 de 4]



Do salão nobre entre tapeçarias 
De Gobelins, riquíssimas e raras, 
Iam vibrando aladas harmonias 
Da sua voz, esplêndidas e claras. 

Todas as fluidas, leves, calmas, frescas 
Manhãs azuis, serenas e formosas, 
Loura mulher das regiões tudescas 
O seu bom dia era mandar-lhe roses. 

Floria, é certo, em grande amor, floria 
Gerado pelo eflúvio dessas flores, 
Pois quando o duque não as recebia 
Era o mais infeliz dos caçadores. 

Tão doce amor lembrava aquelas lendas 
Dos medievais castelos esquecidos, 
Quando visões de nuvens e de rendas 
Apareciam nos balcões floridos. 

A caça, a caça, eternamente a caça! 
Quanto melhor, mais fácil não lhe fora 
A conquista das aves do que a graça 
De conquistar essa beleza loura! 

Para possuí-la como noiva amada, 
Aceso há muito nas paixões insanas, 
Arrostaria a caça mais ousada 
Dos javalis nas selvas africanas. 

E sempre as lindas rosas matutinas 
Vinham-no perfumar todos os dias, 
Quando saltava aos vales e as colinas, 
Bizarro e são, dentre as tapeçarias. 

Tempos passaram sobre tais amores! 
Mas depois de casado fez surpresa 
Saber que o duque, o rei dos caçadores, 
Não tinha o mesmo amor pela duquesa. 
  
  

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A ESPADA 



[Linha 7950 de 10004 - Parte 4 de 4]


Cavalheiros, os tempos já passados, 
De pajens, de canzéis, de fidalguia, 
De castelos, de reinos brasonados. 

Ar cortesão de graça e fantasia 
Através dos olhares e dos beijos 
-- No silêncio de cada galeria... 

Foi nesse bravo tempo dos lampejos 
De espadas, de punhais e de couraças 
Por combater frementes de desejos. 

No tempo dos floreios e das caças 
Dos assaltos alegres e bizarros 
Como as sonoras vibrações das taças. 

Em que as almas airosas como jarros, 
Cheios de vinho espumejante e ardente 
Eram de glória vencedores carros! 

Foi no tempo fidalgo e refulgente, 
Quando o heroísmo fantasioso amava 
A linha e a chama de luzida gente, 

Que esta cena galharda se passava, 
Quando um donzel partia para guerra 
Como a nobreza do solar mandava. 

O pai, um tronco transudando a terra, 
Forte e viril, presença de profeta 
Que no seu flanco a valentia encerra. 

Barbas serenas de bondoso asceta 
Em cuja alvura doce e veneranda 
Vê-se a vontade e a intrepidez completa. 

Fronte banhada de meiguice branda 
A que o dever e os ríspidos conselhos 
Dão sempre a austeridade que age e manda. 

Lembra um ocaso de clarões vermelhos, 
Musgoso, triste, desolado muro, 
Por onde o luar abre fulgor d'espelhos. 

E esse semblante que parece duro, 
Áspero e torvo, trouxe-o dos combates, 
Do torvelinho do nevoeiro escuro. 

Dos pelouros sanguíneos escarlates, 


[Linha 8000 de 10004 - Parte 4 de 4]


De fogo aberto em turbilhões, vorazes, 
Dos impulsivos, bélicos rebates. 

Mas, bem olhadas, as feições audazes 
Desse velho patriarca destemido 
Tinha a suavidade dos lilazes. 

Nos olhos, um passado consumido 
Entre aventuras e colóquios belos 
Como que faz um verdadeiro ruído... 

Sente-se neles noites de castelos 
Gozadas em amores dadivosos, 
Em madrigais, em íntimos desvelos. 

Cavalgadas, torneios donairosos, 
Sonho feliz de rica mocidade, 
Requintes ideais, cavalheirosos. 

Tudo se sente na tranqüilidade 
Desse deus varonil da força antiga 
Feito com o rijo bloco da Verdade. 

Tudo se sente nessa paz amiga 
Que as crenças do passado às outras crenças 
Vagas, futuras, para sempre liga. 

Tudo se sente vir das névoas densas 
E da ridente e cândida meiguice 
Das suas barbas límpidas e imensas. 

Sim! tudo da quase criancice 
Que dão aos homens esses tons nevoentos 
Da enregelada e trêmula velhice. 

Porém, reatando aéreos pensamentos... 
Comecemos na cena detalhada 
Que já das eras se espalhou nos ventos. 

É nada mais que a história duma espada, 
História curta, mas interessante 
Duma espelhante lâmina timbrada. 

Não é pelo aço ou lâmina espelhante 
Que irei contar, pois são comuns os aços, 
Mas pelo nobre e original rompante. 

Pelo ardimento que os primeiros braços 
Que a manejaram com pujança e brio 
Nela gravaram, com profundos traços. 


[Linha 8050 de 10004 - Parte 4 de 4]



II 
O velho, em pé, atlético e sombrio 
Diante do filho armado cavaleiro, 
No aspecto dum leão ruivo e bravio. 

Fala-lhe claro, d'alto e sobranceiro, 
Numa solene e enérgica atitude 
De quem nos prélios sempre foi primeiro. 

O filho, grave o escuta e atende a rude 
Lhanez estóica de palavra augusta 
Que dos lábios lhe sai, com tal saúde. 

Calmo, sem se mover, firme a robusta 
Figura solarenga do estoicismo, 
O velho disse esta nobreza justa: 

"Aqui tens esta espada que o heroísmo 
Dos teus avós honrou nessas campanhas, 
Com o mais ousado, intrépido civismo. 

Freme ainda hoje em convulsões estranhas, 
Palpita e anseia dentro da bainha 
Sonhando a luta, as implacáveis sanhas. 

Tu, para a teres, como eu sempre a tinha, 
Num triunfo imortal, quase divino, 
De gládio que o valor maior continha; 

É necessário um grande ardor leonino, 
Que sejas bem idólatra do nome 
Que fez de mim o extremo paladino. 

A ferrugem, tu vês, o aço consome... 
Porém, neste aço que ainda aqui fulgura, 
Se houver ferrugem, tira-a com o renome. 

Aqui tens, pois, a lâmina segura, 
Alma e brasão da nossa velha casa 
Coberta de ovações, famosa e pura". 

Calou-se um instante, como a ave que a asa 
Fechou no voar, já quase que abatida, 
Caindo exausta junto a moita rasa. 

O filho, mudo e respeitoso, erguida 
A valente cabeça leal de moço, 
Formoso estava, porejando vida. 



[Linha 8100 de 10004 - Parte 4 de 4]


E enquanto o velho, impávido colosso, 
Calara-se num momento, emocionado 
Ficara o filho em íntimo alvoroço. 

Mas de repente, como iluminado 
Por um clarão de glórias já extintas, 
Tornou o velho, aos poucos transformado: 

"Podes partir! Porém nunca desmintas 
Nas pelejas o dom da nossa fama, 
Por menos força que no peito sintas. 

Como um clarim, por toda a parte aclama 
O vigor deste ferro e do teu pulso 
No combate que ruja, ulule e brama,'. 

E cada vez mais pálido e convulso, 
Mais nervoso e febril e mais altivo 
Bradou ainda, num tremendo impulso: 

"Se tu, que és da minh'alma o exemplo vivo, 
Meu filho, tens de ser como um cobarde, 
Como um vilão abjeto e repulsivo; 

Não faças mais de fidalguia alarde, 
Pega esta espada, meu Afonso, pega 
E quebra-a de uma vez, que não é tarde. 

Pois em lugar de fazer dela entrega 
Aos sequiosos, feros inimigos 
Antes a quebre a cólera mais cega. 

Ei-la, aqui tens, a leoa dos perigos, 
Que como outrora em minha mão lampeja 
Da bravura e da fama nos abrigos. 

Se não a tens de honrar nessa peleja 
Escuta bem, ó meu amado filho, 
Quebra-a, e o teu nome nem manchado seja. 

Como eu faria noutra idade e brilho, 
Com outras energias musculares, 
Segue-me tu no denodado trilho,,. 

E assim falando, em gestos singulares, 
E agigantado corpo retesando 
E um tom sinistro esparso nos olhares; 

A cabeça nos ares agitando 
Numa alucinação, -- enorme ereto, 


[Linha 8150 de 10004 - Parte 4 de 4]


Como heróica visão, deblaterando... 

Fitando bem o filho predileto, 
Como se de repente lhe brotasse 
A força hercúlea dum poder secreto. 

O velho, qual um templo que abalasse, 
A mão crispada, lívida e nervosa, 
Com todo o esforço a lhe afluir na face, 
Partiu no joelho a espada vitoriosa. 
  
  

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O SOL E O CORAÇÃO 

Sol, coração do Espaço que flamejas, 
O coração é qual tu, sol de utopias... 
Mas, coração, dize-me: -- Que desejas?... 

Foram-se já todas as alegrias, 
Ó Sol! E tu, coração, que ainda adejas, 
Que fazes sobre as mortas fantasias?!... 

Podes brilhar, ó Sol, vivo e fulgente! 
E tu, coração, que me iludiste, 
Também podes bater, inutilmente. 

Crença, Ilusão, Amor, já nada existe, 
Não mais levarás sobre a corrente 
Da tenebrosa dúvida mais triste. 

Longe, mui longe, em regiões caladas, 
Emudecidos pelo Esquecimento, 
Estão hoje esses sonhos de alvoradas. 

Foram-se, há muito, soltos pelo vento 
Entre as grandes ruínas derrocadas 
Do meu amargo e pobre pensamento, 

Entre as profundas, tétricas ruínas 
Em que o doce fantasma desses sonhos 
Atravessou em lágrimas divinas. 

Fantasma ideal, de cânticos risonhos 
Que da vida encontrei pelas colinas 


[Linha 8200 de 10004 - Parte 4 de 4]


E hoje vaga entre bulcões medonhos! 

Fantasma que eu amei, visão errante 
Que sempre junto a mim vivia perto, 
Por mais longe que eu fosse e mais distante. 

Visão que era como a água do deserto 
Para o meu coração sempre anelante, 
Sequioso de amor e sempre aberto... 

Ó pobre coração, em vão te agitas, 
Em vão tu bates, coração estreito, 
Tal qual tu, Sol, nos páramos crepitas. 

Nada mais, para mim, de satisfeito 
Brilha com o Sol nas plagas infinitas, 
Como não canta o coração no peito... 

Podes, enfim, sumir-te nos Espaços 
Sol! E tu, coração, sempre batendo, 
Quebrar da terra os "Transitórios Laços,, 
Eternamente desaparecendo!... 
  
  

Índice 
  
  
  

SAPO HUMANO 
 A Emiliano Perneta 

Oh sapo! eu vou cantar tuas misérias, sapo, 
Vou tirar, nesse lodo onde habitas de rastros, 
Umas vivas canções do teu nojento papo, 
Da crosta esverdeada umas centelhas de astros. 

E canções de tal forma e tais e tais centelhas, 
Que todas possam ir, miraculosamente, 
Transformadas, pelo ar, em rútilas abelhas 
Com o íris voador de cada asa fulgente. 

Que tu, tredo animal, tu, triste sapo hediondo, 
Não és o vil, o torpe, o irracional, que a lama 
Em camadas envolve o atro ventre redondo, 
Dos tempos imortais nessa fecunda chama. 

Não és o sapo histrião de imundas esterqueiras, 
O sombrio Caim nos lamaçais errantes, 


[Linha 8250 de 10004 - Parte 4 de 4]


O clown gargalhador das charnecas rasteiras, 
Que ri-se para o sol com riso ironizante. 

Não és o sapo atroz, coaxador, visguento, 
Que rouco ruge e raiva a noite os seus horrores, 
E para o constelado e mudo firmamento 
Faz ecoar os mais surdos e ásperos tambores. 

Mas és o sapo humano, esse asqueroso e feio, 
Nascido de roldão na lúgubre miséria 
E que do mundo vão no pavoroso seio 
Lembra o negro sarcasmo enorme da Matéria. 

Mas és o sapo humano, o sapo mais abjeto 
Do crime aterrador, do tenebroso vício 
Mas que ainda possuis o brilho de um afeto 
Que te livra, talvez, do eterno precipício. 

Por ora na tua alma a noite cruel, cerrada, 
Não caiu de uma vez, como terrível fora. 
Nela ainda há clarões de límpida alvorada, 
Um prenúncio feliz de aurora redentora. 

Ainda tens coração que pulsa no teu peito 
Por uns filhos gentis, ingênuos, pequeninos, 
Que são o grande amor, o sentimento eleito 
Vencendo esses fatais instintos assassinos. 

Tu semelhas de um charco a superfície nua 
E vítrea, que no campo, aos ares, adormece, 
Que se em cheio lhe bate a luz do sol, da lua, 
Para a vasta amplidão cintila e resplandece. 

Pois no teu organismo, assim sinistro e torvo, 
Repleto de vibriões do vício -- essas crianças, 
Sorriem virginais, oh! solitário corvo, 
Com sorrisos de luzes e barcarolas mansas. 

O amor que regenera os ínfimos bandidos, 
Não reduziu, enfim, tu'alma a ignóbil trapo. 
E eis por que, num viver de pântano e gemidos, 
Cantam dentro de ti aves e estrelas, sapo! 
  
  
                                                 
  
DIANTE DO MAR 

Para matar o letargo 
Da vida, e o profundo tédio, 


[Linha 8300 de 10004 - Parte 4 de 4]


Fui, em busca de remédio, 
Ao cais arejado e largo. 

E vi o mar formidando, 
Cheio de mastros e velas, 
Ocultos clarins vibrando 
Pela boca das procelas. 

Vi tropéis e tropéis bruscos 
De ondas revoltas e crespas 
Com rijos ferrões de vespas 
Ferreteando os ares fuscos. 

Vi os límpidos navios 
Jogados do mar incerto 
Como seres erradios 
Por inóspito deserto. 

Vi tudo nublado, tudo, 
Céus e mares e horizontes; 
E sobre a linha dos montes 
Cair o silêncio mudo. 

E eu lembrei-me quando a aurora 
Sobre aquelas esverdeadas 
Águas jorrava sonora 
A luz em puras golfadas. 

Lembrei-me desses supremos 
Dias acres de alegria 
Na vaga loura e macia 
As leves palmas dos remos. 

Do resplendor das viagens 
Num encanto matutino 
A doçura das aragens, 
Por sobre o mar cristalino. 

A bicar as doces ilhas 
De pedra, musgos e flores, 
Cheias de ervas e frescores 
E naturais maravilhas. 

Que ela a tudo perfumasse 
Como um rosal que floresce 
Que tudo que nela houvesse 
Resplandecesse e cantasse. 

Ou ver na frente das casas, 
Dos vales e das colinas 


[Linha 8350 de 10004 - Parte 4 de 4]


Os pombos batendo as asas, 
Entre festões de boninas. 

Ir a pesca alegre e fresca 
Por suavíssimos luares, 
Numa lua pitoresca, 
Em cima dos salsos mares. 

Quando flexível canoa 
Vai deixando um vivo rastro, 
Fundo, aberto, feito de astro, 
Na vaga que brilha e soa. 

Quando na margem campestre 
De rios indefinidos 
Sente-se o aroma silvestre 
Dos aloendros floridos. 

Lembrei-me até das regatas 
Numa hora deliciosa 
De manhã cheirando a rosa, 
Toda de fúlgidas pratas. 

D'embarcar, como um fidalgo, 
Para aventuras de caça, 
Em companhia do galgo 
Que é das caçadas a graça. 

Ir d'espingarda e d'estilo, 
Por madrugadas serenas, 
Sem males, sem dor, sem penas, 
Peito bizarro e tranqüilo. 

Bater as aves no mato 
Por entre arvoredos graves, 
Ou da beira de um regato 
Ver saltar em bando as aves. 

E da ventura nos jorros 
Voltar da caça repleto 
Vendo ao longe o rubro teto 
Da casa e o verde dos morros. 

Ou então ir como um duque 
Nas praias de mais beleza 
Gozar na choça de estuque 
Uns olhos de camponesa. 

Sentir do equóreo elemento, 
Sobre as serras verdejantes, 


[Linha 8400 de 10004 - Parte 4 de 4]


Ruflantes e sussurrantes 
As ventarolas do vento. 

Deixar o espírito, avaro 
De vida, saúde e força 
Disparar -- alada corça -- 
Pelo azul radioso, claro. 

Assim, talvez que o Nirvana 
Do tédio e letargo imenso 
Não fosse uma dor humana, 
Dentre um nevoeiro tão denso. 
  
  

Índice 
  
  
  

BRUMOSA 

Inglesa! Por toda a parte 
Onde vás, chamam-te inglesa 
E cobrem de pompas de arte 
A pompa dessa beleza. 

Mas tu, num soberbo encanto 
De nevada e fria rosa, 
Ó meu pálido amaranto! 
Não és inglesa, és brumosa. 

A tua carne alvorece 
Em lactescências de opala, 
Brilha, fulge e resplandece 
E um fino aroma trescala. 

És a límpida camélia 
Nos jardins reais plantada 
Ou essa lânguida Ofélia 
Melancólica e nevada. 

O teu corpo imaculado, 
Flor de místicas origens, 
Parece um luar velado 
E lembra florestas virgens. 

Com o teu amor ilumina 
A minh'alma envolta em crepe, 
Ó vaporosa neblina, 


[Linha 8450 de 10004 - Parte 4 de 4]


Ó branca e gelada estepe! 
  
  

Índice 
  
  
  

SGANARELO 

Esse que eu agora rimo 
É viscoso como a lesma 
Pegajosa sobre o limo, 
Sinistro como aventesma. 

Feia coisa, enorme bicho, 
Pavoroso mastodonte 
Feito do horror a capricho, 
Com cornos rijos na fronte. 

Todo o ventre se lhe estufa 
De obesidade lasciva, 
Se fala a voz urra e bufa 
Lembrando a locomotiva. 

Na terrível carantonha 
Retorcida, escalavrada, 
Lhe estruge, às vezes medonha, 
Formidável gargalhada. 

E a luz do sol, que corusca, 
Nas praças, à luz do dia, 
A sua presença brusca, 
Tem uma ardente ironia. 

A língua rubra e convulsa 
Sai-lhe da boca em espasmo, 
Enquanto no olhar lhe pulsa 
A blasfêmia do sarcasmo. 

Capra figura profunda, 
Atroz e amedrontadora, 
Que larga entranha fecunda 
Foi a tua geradora?! 

Que aborto de ventre estranho 
Pode gerar esse aborto 
Assim feroz e tamanho, 
Peludo, estroncado e torto? 


[Linha 8500 de 10004 - Parte 4 de 4]



De que idades tão antigas, 
Pré-históricas vieste? 
Mais hostil do que as urtigas, 
Mais nefando de que a peste! 

Trazes a pata esmagante, 
A pata do bronze trazes; 
Que é no espírito diamante 
E que é nas almas lilazes. 

Possuis o sangue da verve 
Resplandecente, infinita, 
Que ruge, palpita e ferve 
E canta e soluça e grita. 

Vens como imagem da Morte, 
Da Morte hedionda e nefasta, 
Das iras ao vento forte, 
Do desespero a vergasta. 

Desmancha-te em cabriolas 
De doido polichinelo, 
Que os teus membros lembrem molas 
Como um palhaço amarelo. 

Faz nos músculos esgrimas, 
Pula trapézios e barras 
E salta saltando estas rimas 
Que vão saltando bizarras. 

Acrobata da miséria 
Estica os nervos, estica 
E ri, ri tu da matéria 
Da gente fidalga e rica. 

És medonho?! isso que importa? 
Ri! mas ri alto na praça, 
Se a desgraça não foi morta, 
Ah! deixem rir a desgraça! 

Satanás sujo e potrudo 
Nas cambalhotas te inspire. 
Eia! vá! desdém por tudo, 
Por tudo, e o tempo que gire! 

Faz que o século se agite 
De eternas risadas grossas 
E como com dinamite 
Arromba o mundo com troças. 


[Linha 8550 de 10004 - Parte 4 de 4]



Fura o estúrdio Sancho Pança 
Com estocadas de riso 
E mete-o também na dança 
Dos saltos, se for preciso. 

Destrói tudo, vai, desaba, 
De tudo faz estilhaços 
E a golpes de riso acaba 
Os erros córneos e crassos. 

Fura os ventres mais rotundos 
Com aguilhões de chacota 
E manda ao Mestre dos mundos 
Um exemplar da risota. 

Na tal luxúria gorducha, 
Na velha e calva luxúria 
Rebente risos em ducha, 
Com toda a sátira e fúria. 

Ri! até que se transforme, 
O rebelado do inferno! 
O riso num facho enorme 
Aceso no sol moderno! 
  
  

Índice 
  
  
  

DESMORONAMENTO 

Dentro do coração, no côncavo do peito 
Choro a grande ilusão do amor, desfalecida, 
Dentre o gozo feliz, nostálgico da vida; 
Já exangue, afinal, já morto, já desfeito. 

Por visões que adorei num vago tempo incerto 
Não sei por que razão avivo agora as mágoas, 
Num pranto doloroso e triste, como as águas 
Do mar grosso a bater sobre o costão deserto. 

Tu, ó doce visão de perfumosas tranças, 
Todo o meu puro e terno sentimento invades 
E eu não sei o que fiz das minhas esperanças 
Que de longe que vão parecem mais saudades. 



[Linha 8600 de 10004 - Parte 4 de 4]


Tudo o que houve em meu ser de compaixão e crença 
Para sempre secou, secou já como um rio; 
Para sempre também subi ao escombro frio 
Da dúvida mortal, avassalante, imensa. 

Para sempre me achei sem bússola e sem rumo 
No fundo de regiões estranhas e afastadas... 
As almas que eu amei, vi mudas e apagadas, 
Vi tudo se sumir numa espiral de fumo. 

Bem depressa fiquei como um ermo remoto 
Como torvo areal sem plantas e sem fontes, 
Donde apenas se vê rasgar a terra o broto 
Do cardo retorcido e áspero dos montes. 

Muitas vezes, porém, como entre os arvoredos 
Onde juntas, no val, todas as aves cantam 
No meio do rumor, de sombras e segredos, 
Sinto dentro de mim que uns sonhos se levantam. 

Borboleteio, a rir, por entre os sons e as flores, 
Como um pássaro azul de uma plumagem linda 
E canto alegremente a canção dos amores, 
Que este peito viril sabe cantar ainda. 

Lembro então corações que já me abandonaram, 
Que eu senti palpitar, por sobre o meu pulsando, 
Que vão hoje através das afeições chorando, 
Que sofreram comigo e que comigo amaram. 

Entretanto a minh'alma em vôo largo e ufano, 
De repente triunfal, de súbito gloriosa, 
Tem a pompa de sol, vermelha e luminosa, 
Da púrpura esvoaçante e aberta de um romano. 

E esse fulgor, que vem dos meus sonhos dispersos 
Na névoa do passado, errantes e dolentes; 
Dá-me árdidos corcéis fogosos e frementes 
Para atrelar, jungir ao carro destes versos. 

Claramente recordo e penso nas estradas 
Que percorri, que andei às ilusões, sozinho, 
Vendo que todo o amor das virginais amadas, 
Tinha a mesma fatal embriaguez do vinho. 

Quantos entes febris, que o amor embriaga e ofusca 
Assim, durante a vida, ansiosamente exaustos, 
Não encontram, talvez, dessas visões em busca, 
As Margaridas vãs dos ilusórios Faustos! 
  


[Linha 8650 de 10004 - Parte 4 de 4]


  

Índice 
  
  
  

CLARÕES APAGADOS 

Flor de planta aromática, sinistra, 
Nascida nas inóspitas geleiras, 
Célebre flor que o meu Ideal registra, 
Trepadeira das raras trepadeiras. 

Serpe nervosa entre as nervosas serpes, 
Carnívora bromélia da luxúria 
De gozo tetaniza como as herpes 
Da tua boca a polpa atra e purpúrea. 

O teu amor, que lembra vinhos de Hebe 
E essa áspera feição do abeto fusco, 
Como um réptil que salta numa sebe, 
Saltou-me ao peito, impetuoso e brusco. 

Eu ia por estranhos descampados, 
Por extensos desertos impassíveis, 
Na trágica visão dos naufragados 
Perdidos entre os temporais terríveis. 

Sem rumo certo, num sombrio inferno, 
Sozinho, sobre a desolada areia 
Arrastando a existência, de onde, eterno 
Um sapo coaxa e um rouxinol gorjeia. 

Quando tu de repente, então surgiste 
Beleza das belezas redentoras, 
Tendo essa meiga formosura triste 
Das formosas e flébeis pecadoras. 

Fosse talvez uma tremenda insânia 
Tão alta erguer o meu amor, tão alto; 
Mas este coração frio, da Ucrânia, 
Anelava galgar o céu de um salto. 

E fui, galguei, subi, voei na altura, 
Além dos verdes píncaros do monte, 
Donde resplende a tua formosura 
No clarão das estrelas do horizonte. 

Foi o mesmo que se eu num templo entrasse 


[Linha 8700 de 10004 - Parte 4 de 4]


E aí num formidável sacrilégio, 
As angélicas vestes arrancasse 
Das santas de áureo diadema régio. 

Como um leão sem juba e garra, preso, 
Na indiferença, já morreu comigo 
Todo esse amor profundamente aceso 
Na ideal constelação de um sonho antigo. 

Apenas pelo saara imorredouro 
Do longínquo passado, ergue, altaneira, 
Majestosa folhagem no sol d'ouro, 
Dessas recordações a alta palmeira... 
  
  

Índice 
  
  
  

MENDIGOS 

Mendigos! Ah! são mendigos 
Que voltam de vãos caminhos, 
Que atravessaram perigos, 
Urzes, pântanos, espinhos. 

Que chegam desiludidos 
Das portas a que bateram; 
Humanos, grandes gemidos 
Que nos tempos se perderam. 

Que voltam como partiram, 
Com mais amargor na volta 
E mais sonhos que se abriram 
Das estrelas na recolta. 

Mendigos ricas no entanto, 
Das pompas da natureza 
E das auréolas do Encanto, 
Os vinhos da sua mesa. 

Mendigos que o sol, apenas, 
Torna nababos felizes, 
Torna um pouco mais serenas 
As convulsas cicatrizes. 

Mendigos que acham requinte 
Na fumaça de um cachimbo, 


[Linha 8750 de 10004 - Parte 4 de 4]


Deixando que labirinte 
O sonho em tão leve nimbo. 

Mendigos da luz da aurora 
Cantando celestemente, 
Fresca, límpida, sonora, 
Pelas fanfarras do Oriente. 

Mendigos de áureas estradas, 
De sonâmbulas veredas, 
De riquezas encantadas, 
Sem pedrarias e sedas. 

Mendigos d'estranho aspecto 
E sempiterna vigília, 
Filhos nômades, sem teto, 
De milenária Família. 

Mendigos que erram eternos 
Sem fadigas e sem sono, 
Sob o augúrio dos Infernos, 
Das Ilusões sobre o trono. 

Mendigos de plaga nova, 
De novas terras e mares, 
Divinizados na cova 
Como as hóstias nos altares. 

Mendigos da grande esmola 
Da luz das estrelas nobres, 
Que fulge e dos altos rola, 
Entre as suas mãos tão pobres! 

Mendigos de céus remotos, 
De sóis dos mais velhos ouros; 
Com a sua fé e os seus votos 
E os seus secretos tesouros. 

Mendigos de olhar severo, 
Boca murcha, meio amarga... 
Tendo um vago reverbero 
De sonhos na fronte larga. 

Mendigos de ínvias florestas 
E de bosques fabulosos, 
De melancólicas sestas 
Nos crepúsculos brumosos. 

Mendigos da Eternidade, 
Tremendo dos sóis, dos frios, 


[Linha 8800 de 10004 - Parte 4 de 4]


Nas mortalhas da Saudade 
Amortalhados sombrios. 

Mendigos dos Infinitos, 
Das Esferas inefáveis, 
Noctambulando malditos 
Nos rumos imponderáveis. 

Mendigos de fome e sede 
De água e pão de outros mundos, 
Embalados pela rede 
Dos Idealismos profundos. 

Mendigos do azul Mistério, 
Cuja alma -- nívea sereia -- 
Fica saciada no aéreo 
Pão branco da lua cheia! 
  
  

Índice 
  
  
  

ASAS PERDIDAS 
 A Carlos Jansen Júnior 

Afora, pelo azul indefinido e largo, 
Passam asas sutis, pelo éter, longe, afora, 
Como que a demandar outra mais doce aurora 
Que a desta vida atroz, toda veneno amargo. 

Não as asas assim, bem longe, pela curva, 
No vago, na amplidão, perdidas pelos ares 
Até virem caindo os véus crepusculares, 
Toda a anústia do acaso, emocional e turva. 

E diante dessa dor das tardes que esmaecem 
As asas, pelo espaço, em vôos desgarrados 
Como a oração final dos tristes naufragados, 
Longinquamente, além, tênues desaparecem 

Cai então de uma vez a sombra dos segredos. 
E na serena paz das noites adormidas, 
Entre o fundo chorar dos calmos arvoredos, 
Ninguém verá jamais essas asas perdidas. 

E as asas o que são no firmamento errantes, 
Perdidas pelos tempos, esparsas pelas eras 


[Linha 8850 de 10004 - Parte 4 de 4]


Senão os sonhos vãos, mundos alucinantes 
Cheios do resplendor das flóreas primaveras?! 

Por isso, eu quando o Azul repleto de asas vejo 
Muito alto, céu acima, os páramos rasgando, 
Toda a minh'alma oscila e treme num desejo 
Em busca das regiões da dúvida, chorando! 
  
  

Índice 
  
  
  

ANJO GABRIEL 

Na calma irradiação das noites estreladas 
Alto e claro aparece, alto, aparece, claro, 
Alvo, claro, no luar das estrelas prateadas, 
No triunfal esplendor celestemente raro. 

O seu busto de Excelso, a sua graça fina, 
A linha de harpa ideal do seu perfil augusto, 
Estremecem de luz, de uma luz peregrina, 
Do secreto fulgor de um sentimento justo. 

Serenidade e glória e paz do Paraíso 
Flutuam-lhe na face alvorecida e doce 
E quando ele sorri é como se o sorriso 
Claros astros semear por todo o espaço fosse. 

Leve, loura, .radial, a soberba cabeça 
Eleva-se da flor do níveo colo louro 
E não há outro sol que tanto resplandeça 
Como o sol virginal dessa cabeça de ouro. 

As mãos esculturais, de ebúrnea transparência, 
De divina feitura e de divino encanto, 
Lembram flores sutis de sonhadora essência 
Da etérea languidez e de etéreo quebranto. 

Das madeixas reais largo deslumbramento 
Num flavo jorro cai, com sagrado abandono... 
E sai do Anjo o quer que é de vago e de nevoento 
Que lembra o despertar sonâmbulo de um sono... 

De alto a baixo, do Azul, desfilando das brumas, 
Abre todo ele em flor como nevado lírio, 
Belo, branco, eteral, do candor das espumas, 


[Linha 8900 de 10004 - Parte 4 de 4]


Banhado nos clarões e cânticos do Empíreo. 

Maravilhoso e nobre ergue no braço ovante 
Um gládio singular que rútilo cintila... 
Enquanto o seu olhar de mágico diamante 
Aflora em plenilúnio através da pupila. 

Que o seu olhar, então, esse, recorda tudo 
O quanto há de tranqüilo e luminoso e casto. 
Maio de ouro a florir meigos céus de veludo 
E a neve a cintilar sobre o monte mais vasto. 

Do puro albor astral das asas majestosas 
Desprendem-se no Azul mistérios de harmonia... 
Entre as angelicais suavidades radiosas 
Parece o Anjo Gabriel o alto Enviado do Dia! 

Na chama virginal de tão rara beleza 
Brilha a força de um Deus e a mística doçura... 
E sai das seduções de tamanha pureza 
Toda a melancolia errante da ternura. 

Do suntuoso agitar das delicadas vestes 
Tecidas de jasmins, de rosas, de açucenas, 
Vem o aroma cristão dos aromas celestes 
Todas as imortais emanações serenas... 

Transfigurado, excelso, agigantado, imenso, 
Na candidez hostial das formas impecáveis, 
Fica parado no ar, levemente suspenso 
De raios siderais, de fluidos inefáveis. 

Mas quando o seu perfil nas amplidões floresce 
E das asas se lhe ouve a música sonora 
Quando ele agita o gládio e as madeixas, parece 
Que vai noctambular pelo Infinito afora. 

E alto, branco, de pé, destacado no Espaço, 
Eleito das Regiões de estranhas Primaveras, 
Traça, com o gládio no ar, alevantando o braco, 
Uma cruz de Perdão na mudez das Esferas! 
  
  

Índice 
  
  
  

CRIANÇAS NEGRAS 


[Linha 8950 de 10004 - Parte 4 de 4]



Em cada verso um coração pulsando, 
Sóis flamejando em cada verso, e a rima 
Cheia de pássaros azuis cantando 
Desenrolada como um céu por cima. 

Trompas sonoras de tritões marinhos 
Das ondas glaucas na amplidão sopradas 
E a rumorosa musica dos ninhos 
Nos damascos reais das alvoradas. 

Fulvos leões do altivo pensamento 
Galgando da era a soberana rocha, 
No espaço o outro leão do sol sangrento 
Que como um cardo em fogo desabrocha. 

A canção de cristal dos grandes rios 
Sonorizando os florestais profundos, 
A terra com seus cânticos sombrios, 
O firmamento gerador de mundos. 

Tudo, como panóplia sempre cheia 
Das espadas dos aços rutilantes, 
Eu quisera trazer preso à cadeia 
De serenas estrofes triunfantes. 

Preso à cadeia das estrofes que amam, 
Que choram lágrimas de amor por tudo, 
Que, como estrelas, vagas se derramam 
Num sentimento doloroso e mudo. 

Preso à cadeia das estrofes-quentes 
Como uma forja em labareda acesa, 
Para cantar as épicas, frementes 
Tragédias colossais da Natureza. 

Para cantar a angústia das crianças! 
Não das crianças de cor de oiro e rosa, 
Mas dessas que o vergel das esperanças 
Viram secar, na idade luminosa. 

Das crianças que vêm da negra noite, 
Dum leite de venenos e de treva, 
Dentre os dantescos círculos do açoite, 
Filhas malditas da desgraça de Eva. 

E que ouvem pelos séculos afora 
O carrilhão da morte que regela, 
A ironia das aves rindo a aurora 
E a boca aberta em uivos da procela. 


[Linha 9000 de 10004 - Parte 4 de 4]



Das crianças vergônteas dos escravos 
Desamparadas, sobre o caos, à toa 
E a cujo pranto, de mil peitos bravos, 
A harpa das emoções palpita e soa. 

Ó bronze feito carne e nervos, dentro 
Do peito, como em jaulas soberanas, 
Ó coração! és o supremo centro 
Das avalanches das paixões humanas. 

Como um clarim a gargalhada vibras, 
Vibras também eternamente o pranto 
E dentre o riso e o pranto te equilibras 
De forma tal que a tudo dás encanto. 

És tu que à piedade vens descendo. 
Como quem desce do alto das estrelas 
E a púrpura do amor vais estendendo 
Sobre as crianças, para protegê-las. 

És tu que cresces como o oceano, e cresces 
Até encher a curva dos espaços 
E que lá, coração, lá resplandeces 
E todo te abres em maternos braços. 

Te abres em largos braços protetores, 
Em braços de carinho que as amparam, 
A elas, crianças, tenebrosas flores, 
Tórridas urzes que petrificaram. 

As pequeninas, tristes criaturas 
Ei-las, caminham por desertos vagos, 
Sob o aguilhão de todas as torturas, 
Na sede atroz de todos os afagos. 

Vai, coração! na imensa cordilheira 
Da Dor, florindo como um loiro fruto 
Partindo toda a horrível gargalheira 
Da chorosa falange cor do luto. 

As crianças negras, vermes da matéria, 
Colhidas do suplício a estranha rede, 
Arranca-as do presídio da miséria 
E com teu sangue mata-lhes a sede! 
  
  

Índice 
  


[Linha 9050 de 10004 - Parte 4 de 4]


  
  

VELHO VENTO 

Velho vento vagabundo! 
No teu rosnar sonolento 
Leva ao longe este lamento, 
Além do escárnio do mundo. 

Tu que erras dos campanários 
Nas grandes torres tristonhas 
E és o fantasma que sonhas 
Pelos bosques solitários. 

Tu que vens lá de tão longe 
Com o teu bordão das jornadas 
Rezando pelas estradas 
Sombrias rezas de monge. 

Tu que soltas pesadelos 
Nos campos e nas florestas 
E fazes, por noites mestas, 
Arrepiar os cabelos. 

Tu que contas velhas lendas 
Nas harpas da tempestade, 
Viajas na Imensidade, 
Caminhas todas as sendas. 

Tu que sabes mil segredos, 
Mistérios negros, atrozes 
E formas as dúbias vozes 
Dos soturnos arvoredos. 

Que tornas o mar sanhudo, 
Implacável, formidando, 
As brutas trompas soprando 
Sob um céu trevoso e mudo. 

Que penetras velhas portas, 
Atravessando por frinchas... 
E sopras, zargunchas, guinchas 
Nas ermas aldeias mortas. 

Que ao luar, pelos engenhos, 
Nos miseráveis casebres 
Espalhas frios e febres 
Com teus aspectos ferrenhos. 



[Linha 9100 de 10004 - Parte 4 de 4]


Que soluças nos zimbórios 
Os teus felinos queixumes, 
Uivando nos altos cumes 
Dos montes verdes e flóreos. 

Que te desprendes no espaço 
Perdido no estranho rumo 
Por entre visões de fumo, 
Das estrelas no regaço. 

Que de Réquiens e surdinas 
E de hieróglifos secretos 
Enches os lagos quietos 
Revestidos de neblinas. 

Que ruges, brames, trovejas 
Ó velho vândalo amargo, 
No sonâmbulo letargo 
De um mocho rondando igrejas. 

Que falas também baixinho 
Lá da origem do mistério, 
Trazendo o augúrio sidéreo 
E certa voz de carinho... 

Que nas ruas mais escusa, 
Por tardes de nuvens feias, 
Como um ébrio cambaleias 
Rosnando pragas confusas. 

Que és o boêmio maldito, 
O renegado boêmio, 
Em tudo o turvo irmão gêmeo 
Do sonhador Infinito. 

Que és como louco das praças 
Nos seus gritos delirantes 
Clamando a pulmões possantes 
Todo o Inferno das desgraças. 

Que lembras dragões convulsos, 
Bufantes, aéreos, soltos, 
Noctambulando revoltos 
Mordendo as caudas e os pulsos. 

Ó velho vento saudoso, 
Velho vento compassivo, 
Ó ser vulcânico e vivo, 
Taciturno e tormentoso! 



[Linha 9150 de 10004 - Parte 4 de 4]


Alma de ânsias e de brados, 
Consolador companheiro 
Sinistro deus forasteiro 
D'espaços ilimitados! 

Tu que andas, além, perdido, 
Tateando na esfera imensa 
Como um cego de nascença 
Nos desertos esquecido... 

Que gozas toda a paragem, 
Toda a região mais diversa, 
Levando sempre dispersa 
A tua queixa selvagem. 

Que no trágico abandono, 
No tédio das grandes horas 
Desoladamente choras, 
Sem fadigas e sem sono. 

Que lembras nos teus clamores, 
Nas fúrias negras, dantescas, 
Torturas medievalescas 
Dos ímpios inquisidores. 

Que és sempre a ronda das casas, 
A gemente sentinela 
Que tudo desgrenha e gela 
Com o torvo rumor das asas. 

Que pareces hordas e hordas 
De hirsutos, intonsos bardos 
Vibrando cânticos tardos 
Por liras de cem mil cordas. 

Ó vento languido e vago, 
Ó fantasista das brumas, 
Sopro equóreo das espumas, 
Ó dá-me o teu grande afago! 

Que a tua sombra me envolva 
Que o teu vulto me console 
E o meu Sentimento role 
E nos astros se dissolva... 

Que eu me liberte das ânsias 
De ansiedades me liberte, 
Pairando no espasmo inerte 
Das mais longínquas distâncias. 



[Linha 9200 de 10004 - Parte 4 de 4]


Eu quero perder-me a fundo 
No teu segredo nevoento, 
Ó velho e velado vento, 
Velho vento vagabundo! 
  
  

Índice 
  
  
  

MARCHE AUX FLAMBEAUX 

Rompe na aurora o sol que a terra esbofeteia 
Com látegos de chama, iriando o pó e a areia, 
Iriando os vegetais de ricas pedrarias, 
Dos rubis e cristais das ourivesarias; 
Aurora acesa em cor de púrpura de cravos 
Opulentos, febris, ensanguinados, bravos; 
De ritmos leves de harpa e frêmitos e beijos 
Que são da natureza os trêmulos arpejos; 

Aurora que sorri, que traz pomposamente 
Todo o raro esplendor da luz resplandecente, 
Das paisagens loucas no fúlgido matiz 
O aroma a derramar da meiga flor de liz. 

Na alegria dos tons os pássaros cantando 
Vão as asas abrindo, entre os clarões ruflando, 
Asas emocionais, que assim dentre clarões 
Palpitam num fervor de alados corações. 

E no luxo oriental de etéreo Grão-Mogol 
Como um Baco feliz rubro flameja o sol. 

II 
Filósofos titãs, filósofos insanos 
Que destes turbilhões, que destes oceanos 
De lutas e paixões, de sonho e pensamentos 
Espalhásteis no mundo aos clamorosos ventos 
A Ciência fatal, talvez como um veneno, 
Que os tempos abalou no caminhar sereno; 
Filósofos titãs, que os séculos austeros 
No flanco da Matéria abris, graves, severos, 
Sobre o escombro da fé, da crença e da esperança, 
Da civilização o trilho que hoje alcança 
No seu aço viril as regiões supremas, 
Traçado em novas leis, doutrinas e problemas; 


[Linha 9250 de 10004 - Parte 4 de 4]


Vós que sois no Saber os monges da existência 
E só acreditais na força da Ciência, 
Que da morte sabeis os filtros invisíveis, 
Narcóticos, sutis, incógnitos, terríveis, 
Não sabeis, entretanto, apóstolos sombrios, 
Como a luz da Ciência os homens estão frios, 
Como o tudo ficou num doloroso caos 
E os seres que eram bons, rudes, egoístas, maus. 

Em vão! em vão! em vão! os vossos largos crânios 
Lutaram pelo Bem dos Bens contemporâneos! 
Tudo está corrompido e até mais imperfeito... 
Não há um lírio são a florescer num peito, 
De piedade, de amor e de misericórdia... 
Se brota uma virtude o ascoso vício morde-a, 
Envilece, corrompe e abate essa virtude 
Com o cinismo revel dum epigrama rude... 
E até muita alma vil, feroz, patibular, 
Impunemente sobe ao mais sagrado altar. 

Por isso vão passar perante a turbamulta 
Como abrupta avalanche, enorme catapulta, 
Numa marche aux flambeaux, os famulentos vícios 
Que cavaram no globo horrendos precipícios, 
Os vícios imortais, que infestam tribos, greis, 
Povos e gerações, seitas, templos e reis 
E que são como a lava obscura da cratera 
Que subterraneamente em tudo se invetera. 

Com toda intrepidez hercúlea de acrobata 
Vou sobre eles soltar, gloriosa, intemerata, 
A sátira que tem esporas de galhardo 
Cavaleiro ideal que joga a lança e o dardo. 
Vou com esse altanado e muscular esforço 
De quem galga triunfal o soberano dorso, 
A crista vigorosa, altiva, sobranceira, 
Da mais agigantada e vasta cordilheira. 

III 
Lobos, tigres, chacais, camelos, elefantes, 
Hipopótamos, ursos e rinocerontes, 
Leopardos e leões, panteras acirrantes, 
Hienas do furor, membrudos mastodontes 
Tredas feras do mal, soturnos dromedários, 
Serpentes colossais que rastejais na treva, 
Monstros, monstros cruéis, medonhos, sangüinários, 
Cuja pata esmagante a presa aos antros leva; 
Ó ventrudos judeus, opíparos, obesos, 
De consciência obtusa, ignóbil e caolha 
Que no mundo passais grotescamente tesos 


[Linha 9300 de 10004 - Parte 4 de 4]


Com honras de entremez e grandezas de rolha. 
Gafentos histriões, ridículos da moda, 
Que fingis entender Berlim, Londres, Paris, 
Mas nos altos salões, por entre a fina roda, 
Meteis sordidamente o dedo no nariz; 
Brasonados truões, inúteis como eunuco, 
Que as pompas ostentais de aurífero nababo 
Mas apenas valeis como um limão sem suco, 
Tendes rabo no corpo e dentro d'alma rabo; 
Nobres de papelão, milionários vândalos 
De ventre confortado e rosto rubicundo, 
Que no torvo cancã no cancã dos escândalos 
Sois o horrendo espantalho, a ignominia do mundo; 
Ó deuses do milhão, ó deuses da barriga, 
Que sentindo a aguilhada intensa da luxúria 
Buscais a mais em flor e linda rapariga 
Para então vos fartar na luxuriante fúria; 
Gamenhos de toilette e convicções de lama 
Onde tudo afinal se atola e se chafurda, 
Que do clube e do esporte sintetizais a fama 
Mas tendes para o Bem a fibra sempre surda; 
Palhaços, clowns senis, hediondos borrachos 
Que aos trambolhões urrais afora no universo, 
Desdenhando de tudo e até rindo dos fachos, 
Do clarão do saber em toda a parte imerso; 
Almas negras, servis, d'ergastulos caóticos, 
Gerado no paul das lúgubres voragens, 
Do crime nos bulcões, nos vícios mais despóticos 
Aos quais tanto rendeis eternas homenagens, 
Manequins, charlatães, devassos do bom-tom, 
Que viveis nas Babéis das grandes capitais 
Apodrecendo sempre infamemente com 
O cancro do dinheiro as forcas virginais; 
Mascarados tafuis de gordos ventres de ouro, 
Ó bonzos do deboche e cínicos esgares, 
Que sois o único sol esterlinado e louro 
Das parvas multidões, das multidões alvares; 
Fidalgos de barril, sicofantas, malandros 
Do templo e do bordel, da crápula de harém 
Que ao puro mar do Ideal, com torpes escafandros, 
Arrancais, p'ra vender, a pérola do Bem; 
Ó trânsfugas, ladrões que difamais a terra, 
Que tudo poluís, do próprio lodo a flor, 
A serena humildade, - intrepidez da guerra. 
Aos beijos maternais, ao nupcial amor; 
Espíritos de treva, espíritos de barro 
Que enegreceis de horror o sangue das papoulas 
E das ostentacões vos aclamais no carro, 
Cobertos de cetins, arminho e lantejoulas; 
Que se vem de repente o Nada sepulcral 


[Linha 9350 de 10004 - Parte 4 de 4]


Nunca deixais, sequer, no tétrico leilão, 
No leilão da memória, estranho, universal, 
Nem um som a vibrar do estéril coração! 
Dentre feras brutais de ríspidos penhascos 
E a torrente caudal de rijos versos francos 
E a zombaria e o riso e as sátiras e os chascos, 
Nesta marche aux flambeaux ides passar, aos trancos 
Do mundo os naturais, zoológicos museus 
Despejem pare fora as pavorosas massas, 
Para virem reunir-se aos tábidos judeus 
Irromper e seguir e desfilar nas praças. 
Que a cada mate, a entranha, o seio virgem se abra 
Jorrando tigres, leões, panteras do seu centro 
E na dança infernal, estrupida, macabra, 
Siga a marche aux flambeaux pelo universo a dentro. 

Gargalhadas abri a rubra flor sangrenta 
Da humanidade vã na amargurada boca 
Vai agora passar a marcha truculenta 
Sob o espingardear duma ironia louca. 
E desfila e desfila em becos e vielas 
E torna a desfilar por vielas e por becos 
às risadas da turba, estultas e amarelas 
Que tem o áspero som de gonzos perros, secos... 
E desfila e desfila, estrídula e execranda, 
Das praças na amplidão, rugindo em mar desfila, 
Enquanto além dardeja, heróica e formidanda, 
A metralha do sol que rútilo fuzila... 
E mastodontes vão de braço dado a sérios 
Burgueses que já são bem bons comendadores 
E marqueses de truz, com ares de mistérios 
De lunetas gentis e aspectos sonhadores 
Dão o braco fidalgo e airoso das nobrezas 
Aos ursos boreais, enquanto os conselheiros 
Os condes, os barões, os duques e as altezas 
Lá vão de braço dado aos lobos carniceiros. 
E nessa singular, atroz promiscuidade, 
Animais e truões de catadura suína 
Gordalhudos heróis da infâmia e da maldade, 
Vendidos da honradez, velhacos de batina 
Bobos, cães, imbecis, humanos crocodilos 
E déspotas, jograis, todos os miseráveis 
De todas as feições e todos os estilos, 
Uns aos outros lá vão jungidos, formidáveis!... 
Mas a marche aux flambeaux derrama um pesadelo, 
A agonia dum tigre, em sonhos, sobre um ventre, 
Agonia mortal que envolve tudo em gelo... 
E desfila e desfila entre sarcasmos e entre 
As sátiras-fuzis, relampejando açoite, 
Por essa imensa aurora, estranhamente imensa 


[Linha 9400 de 10004 - Parte 4 de 4]


Por um sol que angustia e que não tem da noite 
Para a Miséria a sombra atenuante e densa. 

Os vícios, as paixões, os crimes, ódios e erros, 
Na marcha, de roldão, caminham fraternais 
Com bandidos, vilões, burgueses rombos, perros 
E focas e mastins, macacos e chacais. 
Aos sobressaltos vão como visões, fantasmas 
Bichos de toda a casta, anões de chapéu alto, 
Deixando em convulsão todas as almas pasmas 
E o globo num tremendo e fundo sobressalto. 
E nas praças, ao sol, confundem-se os bramidos, 
Os uivos com a expressão humana misturados, 
Através do sussurro e bruscos alaridos 
Das chacotas bestiais, dos risos trovejados. 
E segue e segue e segue, afora, légua a légua 
Essa marche aux flambeaux, ciclópica, estupenda 
Caminha atravessando um longo sol sem trégua, 
Um dia secular, um dia de legenda; 
Caminha atravessando um sol de foco aberto, 
Por um dia fatal, interminável, mudo, 
O dia do remorso, aterrador, incerto 
Que em todo o coração crava um punhal agudo. 
Mas eu quero assim mesmo, eu quero-vos assim, 
Em marcha tropical, à crua e ardente luz 
Que vos seja uma febre indômita, sem fim, 
Um cautério de fogo a vos queimar o pus 
Venéreo da Moral, carbonizando-o até 
Para que nunca mais se sinta dele a origem 
Nem volte, como sempre, então, a ser o que é, 
Deixando-vos no mundo inteiramente virgem; 
Eu quero-vos assim, de fachos apagados, 
Apagados, ao alto, os joviais flambeaux, 
Que os tereis de acender nos campos ignorados 
Que de sóis de Vingança a Eternidade arou. 

E depois de vagar às sátiras de todos, 
Na evidência da luz, numa perpetua aurora; 
De caminhar ao sol, por tremedais, por lodos, 
No tédio do sarcasmo, o tédio que a devora, 
Essa Marcha afinal penetrará aos urros, 
Titânica, sinistra e bêbada, irrisória, 
Num caos de pontapés, coices, vaias e murros, 
Na eterna bacanal ridícula da História. 
  
  
  
O ÓRGÃO 

Um largo e lento vento dormente 


[Linha 9450 de 10004 - Parte 4 de 4]


Taciturnas lágrimas sonambulas, sinfônicas 
Um esquecimento amargo 
Uma sombria clausura de almas 
Suspirando e gemendo solitárias harmonias 
Vago luar de esquecimento e prece, 
Dessa melancolia que anda errando 
No mar e nas estrelas ondulando, 
Pela minh'alma etereamente desce. 

Na minh'alma, dos Sonhos anoitece 
O Sentimento que ando transformando 
Em hóstia de ouro 

Sombra e silêncio 
  
  

Índice 
  
  

  

JULIETA DOS SANTOS 
  
  

Índice 
  
  
  

A IDÉIA AO INFINITO 
 À distinta e laureada atrizinha 
 Julieta dos Santos 

 "...A fama de teu nome, 
 a inveja não consome, o tempo não destrói!... 
    (Dr. Symphronio) 

Era uma coluna de artistas!... 
 Ao lado Tasso 
Medindo as múltiplas conquistas 
 Co'as amplidões do espaço!... 
Seguia-se João Caetano 
Embuçado da glória no divinal arcano!... 
 Depois Joaquim Augusto 
Altivo, sobranceiro, erguido o nobre busto. 
 Depois Rachel, Favart, 
 Fargueil, a espadanar 


[Linha 9500 de 10004 - Parte 4 de 4]


Nas crispações homéricas da arte, 
Constelações azuis por toda a parte! 
E em suave ondulação os astros 
 Vão de rastros 
Roubar mais luz às rúbidas auroras!... 
 Quais precursoras 
Do mais ingente e mago dos assombros, 
Do orbe imenso nos calcáreos ombros, 
Rola um dilúvio, um grande mar de estrelas 
Que lançam chispas cambiantes, belas!... 
Há um estranho amalgamar de cousas 
Como os segredos funerais das lousas 
 Ou o rebentar de artérias 
-- Ou o esgarçar de brumas, 
 Negras, cinérias 
-- Ou o referver de espumas, 
 Nas longas praias 
Alvinitentes, mádidas, sem raias. 
 Do brônzeo espaço, 
 Das fibras d'aço 
Como que desloca-se um pedaço 
Que vai ruir com trépido sarcasmo 
Nas obumbradas regiões do pasmo... 
 -- O Invisível 
Geme uma música, lânguida, saudosa, 
Que vai sumir-se na entranha silenciosa 
 Do impassível! 
 -- O Imutável 
 -- O Insondável 
La vão cair no seio do incriado. 
 E o bosque irado 
A soletrar uns cânticos titânios 
 Lança nos crânios 
Aluvião de auras epopéias 
 Tétricas idéias!... 
E o pensamento embrenha-se nos mares 
 E vê colares 
De níveas pérolas, límpidas, nitentes 
 E vê luzentes 
Conchas e búzios e corais, -- ondinas 
 Que peregrinas 
Aspásias são de lúcida beleza, 
De moles formas, desnudadas, brancas 
 Sendo a primesa 
Dessas paragens hiemais e francas!... 
 -- Ou quais Phrynés 
 A quem aos pés 
O mundo em ânsias, reverente adora 
 E chore e chora!!... 
................................................................... 


[Linha 9550 de 10004 - Parte 4 de 4]


Mas a idéia o pensamento insano 
As asas bate em busca de outro arcano, 
E o manto rasga do horizonte eterno 
 Vai ao superno 
Ao Criador, ao Menestrel dos mundos! 
E n'uns arroubos, rábidos, profundos 
 Em luta infinda 
 -- Oh! quer ainda 
Quer escalar o templo do impossível, 
Bem como um raio abrasador, terrível!... 
Quer se fartar de maravilhas loucas, 
 Quer ver as bocas 
Dos colossais Antheus da eternidade!... 
Quer se fartar de luz e divindade 
 E de saber, 
 Depois jazer 
Nas invisíveis cobras do insondável, 
Bem como um verme, mísero, imprestável!... 
 -- Ou quer ousado 
Descortinar os crimes do passado 
E apalpar as gerações dos Gracos 
 Dos Espartanos 
 E dos Troianos 
 E dos Romanos, 
 Dos Sarracenos 
 E dos Helenos, 

E esbarrar nesse montão de ossos 
 Por esses fossos 
Tredos, medonhos, sepulcrais e frios 
 Onde sombrios 
Andam espíritos de pavor, errantes 
 E vacilantes 
Como a luzinha das argênteas lampas, 
Lentos e lentos através das campas!... 
.................................................................. 
Mas a idéia, o pensamento audaz 
 Quer ainda mais!... 
Quer do ribombo do trovão pujante 
Já n'um esforço adamastório, tredo 
 Embora a medo, 
 -- O atroz segredo 
Com que ele faz a terra palpitante!... 
 E quer dos ventos 
 Dos elementos 
Quer do mistério a solução! -- Nas trevas 
 Hórridas, sevas, 
 A gargalhada 
Ríspida, negra irônica, pesada, 
Estruge enfim, da morte legendária, 


[Linha 9600 de 10004 - Parte 4 de 4]


 E a idéia vária 
Ainda n'isso ousando penetrar, 
 Tenta sondar!... 
 E em vão, em vão 
A mergulhar-se em tanta confusão 
 Não mais compreende 
 -- O que saber pretende!... 
 Assim, oh! gênio, 
Na ofuscadora auréola do proscênio 
Não sei se és astro, se és Esfinge ou mito, 
 Se do infinito 
Possuis o encanto, os esplendores grandes, 
 Ou se dos Andes 
Águia tu és, ou és condor divino, 
-- Ou és cometa de cuja cauda enorme 
 É multiforme 
 Só lágrimas de prata 
 Ou mesmo se desata 
Um vagalhão de palmas, diamantino!!... 
Minh'alma oscila e até na fronte sinto 
 Medonho labirinto, 
 Estúpida babel, 
 E vou cair, revel 
No pélago sem fim dos nadas materiais!... 
 E como os racionais 
Eu fico a ruminar ainda umas idéias 
 De erguer-te, o novo Talma 
Um trono singular, mas feito de -- Odisséias 
 De brancas alvoradas, 
 Olímpicas, nevadas, 
Dos êxtases magnéticos, nervosos de minh'alma! 
  
  

Índice 
  
  
  

SONETO 
 -- Os Trópicos pulando as palmas batem... 
 Em pé nas ondas -- O Equador dá vivas!... 

Ao estrídulo solene dos bravos! das platéias, 
Prossegues altaneira, oh! ídolo da arte!... 
-- O sol pára o curso p'ra bem de admirar-te 
-- O sol, o grande sol, o misto das idéias. 

A velha natureza escreve-te odisséias... 
A estrela, a nívea concha, o arbusto... em toda a parte 


[Linha 9650 de 10004 - Parte 4 de 4]


Retumba a doce orquestra que ousa proclamar-te 
Assombro do ideal, em duplas melopéias! 

Perpassam vagos sons na harpa do mistério 
Lá, quando no proscênio te ergues imperando 
-- Oh! Íbis magistral do mundo azul -- sidério! 

Então da imensidade, audaz vem reboando 
De palmas o tufão, veloz, febril, aéreo 
Que cai dentro das almas e as vai arrebatando!... 
  
  

Índice 
  
  
  

SONETO 

Dizem que a arte é a clâmide de idéia 
A peregrina irradiação celeste, 
E d'isso a prova singular já deste 
Sorvendo d'ela a divinal sabéia!. 

Da "Georgeta" na feliz estréia, 
Asseverar-nos ainda mais vieste 
Que és um gênio, que te vás de preste 
Tornando o assombro de qualquer platéia!... 

Sinto uns transportes fervorosos, ledos 
Quando nas cenas de sutis enredos 
Fulgem-te os olhos co'a expressão dos astros!... 

E as turbas mudas, impassíveis, calmas 
Sentem mil mundos lhes crescer nas almas... 
Vão-te seguindo os luminosos rastros!... 
  
  

Índice 
  
  
  

SONETO 

Um dia Guttemberg c'o a alma aos céus suspensa, 
Pegou do escopro ingente e pôs-se a trabalhar! 
E fez do velho mundo um rútilo alcançar 


[Linha 9700 de 10004 - Parte 4 de 4]


Ao mágico clangor de sua idéia imensa! 

Rolou por todo o globo a luz da sacra imprensa! 
Ruiu o despotismo no pó, a esbravejar... 
Uniram-se n'um lago, o céu, a terra, o mar... 
Rasgou-se o manto atroz da horrível treva densa!... 

Ergueram-se mil povos ao som das melopéias, 
Das grandes cavatinas olímpicas da arte! 
Raiou o novo sol das fúlgidas idéias!... 

Porém, quem lance luz maior por toda a parte 
És tu, sublime atriz, ó misto de epopéias 
Que sabes no tablado subir, endeusar-te!... 
  
  

Índice 
  
  
  

SONETO 

É delicada, suave, vaporosa, 
A grande atriz, a singular feitura... 
É linda e alva como a neve pura, 
Débil, franzina, divinal, nervosa!... 

E d'entre os lábios setinais, de rosa 
Libram-se pérolas de nitente alvura... 
E doce aroma de sutil frescura 
Sai-lhe da leve compleição mimosa!... 

Quando aparece no febril proscênio 
Bem como os mitos do passado, ingentes, 
Bem como um astro majestoso, helênio... 

Sente-se n'alma as atrações potentes 
Que só se operam ao fulgor do gênio, 
As rubras chispas ideais, ferventes!... 
  
  

Índice 
  
  
  

SONETO 


[Linha 9750 de 10004 - Parte 4 de 4]



Imaginai um misto de alvoradas 
Assim com uns vagos longes de falena, 
Ou mesmo uns quês suaves de açucena 
C'os magos prantos bons das madrugadas!... 

Imaginai mil cousas encantadas... 
O tímido dulçor da tarde amena, 
As esquisitas graças de uma Helena, 
As vaporosas noites estreladas... 

Que encontrareis então em Julieta 
O tipo são, fiel da Georgeta 
Nos dois brilhantes, primorosos atos!... 

E sentireis um fluido magnético 
Trêmulo, nervoso, mórbido, patético, 
Bem como a voz dos langues psicattos!... 
  
  

Índice 
  
  
  

SONETO 

Parece que nasceste, oh! pálida divina, 
Para seres o farol, a luz das puras almas!... 
Parece que ao estridor, ao frêmito das palmas 
Exalças-te feliz a plaga cristalina!... 

Parece que se partem, angélica Bambina, 
As campas glaciais dos Tassos e dos Talmas, 
Lá quando no tablado as turbas sempre calmas 
Transmutas em vulcão, em raio que fulmina!... 

E quando majestosa, em lance sublimado 
Dardejas do olhar, olímpico, sagrado 
Mil chispas ideais, titânicas, ardentes!... 

Então sente-se n'alma o trêmulo nervoso 
Que deve ter o mar, fantástico, espumoso 
Nos grossos vagalhões, indômitos, frementes!!... 
  
  

Índice 
  


[Linha 9800 de 10004 - Parte 4 de 4]


  
  

SONETO 

Quando apareces, fica-se impassível 
E mudo e quedo, trêmulo, gelado!... 
Quer-se ficar com atenção, calado, 
Quer-se falar sem mesmo ser possível!. 

Anda-se c'o a alma n'um estado horrível 
O coração completamente ervado!... 
Quer-se dar palmas, mas sem ser notado, 
Quer-se gritar, n'uma explosão temível!... 

Sobe-se e desce-se ao país das fadas, 
Vaga-se co'as nuvens das mansões douradas 
Sob um esforço colossal, titânico!... 

E as idéias galopando voam... 
Então lá dentro sem parar, ressoam 
As indomáveis convulsões do crânio!!... 
  
  

Índice 
  
  
  

SONETO 

Lágrimas da aurora, poemas cristalinos 
Que rebentais das cobras do mistério! 
Aves azuis do manto auri-sidério... 
Raios de luz, fantásticos, divinos!... 

Astros diáfanos, brandos, opalmos, 
Brancas cecens do Paraíso etéreo, 
Canto da tarde, límpido, aéreo, 
Harpa ideal, dos encantados hinos!... 

Brisas suaves, virações amenas, 
Lírios do vale, roseirais do lago, 
Bandos errantes de sutis falenas!... 

Vinde do arcano n'um potente afago 
Louvar o Gênio das mansões serenas, 
Esse Prodígio singular e mago!!... 
  


[Linha 9850 de 10004 - Parte 4 de 4]


  

Índice 
  
  
  

JULIETA DOS SANTOS 
 Tu passas rutilante em toda a parse 
 Oh! sol de nossa pátria, oh! sol da arte!... 
    (Virgílio Várzea) 

Quando eu te vi pela primeira vez no palco 
 Avassalando as almas, 
 N'um referver de palmas, 
Cheia de vida e cândido lirismo! 
Senti na mente uns divinais tremores... 
 E louco e louco, 
 A pouco e pouco 
Vi rebentar o inferno cataclismo!... 

Mil pensamentos galoparam, céleres 
 Por minha fronte 
 E do horizonte 
Quis arrancar os astros diamantinos, 
Para arrojá-los a teus pés mimosos 
 E arrebatado, 
 Fanatizado 
Por entre um mar de cintilantes hinos!... 

Esse teu busto, a genial cabeça 
 Tão bem talhada 
 E burilada 
Com o escopro límpido da arte, 
Tem umas puras fulgurações suaves 
 E a tu'alma 
 Ardente ou calma 
Os corações arrasta por toda a parte!... 

A encarnação tu és das maravilhas, 
 A doce aurora, 
 Branda e sonora 
Das teatrais e lucidas idéias!... 
Tens no olhar o filtro que arrebata 
 E és profética 
 E magnética, 
Possuis na voz o som das melopéias!... 

És a escolhida pare as grandes lutes 
 Esplendorosas 


[Linha 9900 de 10004 - Parte 4 de 4]


 E majestosas!... 
E sobre os débeis, delicados ombros, 
Bem como Homero a sua lira d'ouro, 
 Resplandecente, 
 Trazes pendente 
O Infinito enorme dos assombros!... 

Quando apareces tudo ri e chore, 
 Se endeusa, agita, 
 Como que palpita 
N'uma explosão de férvidos louvores!. 
E o potentado mais febril da terra 
 Gagueja um bravo, 
 E faz-se escravo 
O mais severo e nobre dos senhores!... 

A Dejaset, uma Favart, Rachel, 
 O João Caetano 
 Como um arcano 
Imperscrutável, hórrido, terrível!... 
Quebram as louças sepulcrais e frias 
 E te louvando 
 Vão reinando... 
Dizem que é sonho, é mito, é impossível! 

Oh! tu nasceste para suplantar, JULIETA 
 Os grandes mundos, 
 Os mais profundos 
D'ess'arte bela, magistral, divina!... 
E esse olhar tão expressivo e terno 
 Já eletriza 
 E cauteriza... 
É como um raio que a corações fulmina!... 

Que sol é este, vão bradando os pólos, 
 Tão sobranceiro, 
 Que o brasileiro 
O vasto império confundindo está?!... 
Venham teólogos, venham sábios... todos 
 Venham troianos, 
 Venham germanos, 
Venham os vultos da Caldéia, lá!... 

Oh! resolvei o mais atroz problema, 
 Fundo mistério, 
 Alto, sidério 
Do gênio altivo na criança, ali!... 
Vamos, natura, rasga o véu dos medos, 
 Dizei ó mares, 
 Falai luares, 


[Linha 9950 de 10004 - Parte 4 de 4]


Sombras dos bosques, respondei-me aqui!... 

Astros da noite, tempestades, ventos 
 Erguei as vozes, 
 Falai velozes 
N'um som estranho, n'um clangor audaz!... 
E respondei-me e explicai ao orbe 
 Se essa menina, 
 Que nos fascina 
É um fenômeno ou outro tanto mais!... 

Tudo emudece na natura imensa 
 E desde os Andes, 
 Dos cedros grandes 
Ao verme, à pedra, às amplidões do mar!... 
Tudo se oculta na invisível raia 
 No espaço a bruma, 
 No mar a espuma 
Vão-se esgarçando também, a se ocultar!... 

Tudo emudece na natura imensa 
 Quando na cena 
 Surges serena 
Como a visão das noites infantis! 
Dos olhos vivos dos que são teus adeptos 
 Bem como prata 
 Eis se desata 
A aluvião de lágrimas febris!... 

É que tu tens esse poder superno 
 Real, sublime 
 Que até ao crime 
Faz arrastar o mísero mortal! 
É que tu és a embrionária horrível, 
 Mística, ingente 
 Que de repente 
Fazes de um ser estúpido animal!... 

Tudo emudece na natura imensa 
 Desde nos campos 
 Os pirilampos 
Até as grimpas colossais do céu!... 
Tudo emudece e até eu JULIETA, 
 Já delirante 
 Vou vacilante 
Cair-te aos pés como um servil, um réu!!... 
  
  
FIM DA OBRA !!!

FIM DA OBRA !!!

FIM DA OBRA !!!


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O Livro Derradeiro - Cruz e Sousa - Parte 3 de 4
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