Pinturas rupestres na PB podem ser registro mais antigo de supernova no hemisfério sul há quase 10 séculos
De acordo com artigo de Felipe Sérvulo, professor de física formado na UEPB, mestre em cosmologia e astrônomo, a supernova aconteceu em 1054, ficou visível por quase dois anos e só tinha sido registrada por povos do hemisfério norte.
Um artigo de um pesquisador do interior da Paraíba, Felipe Sérvulo, professor de física e mestre em cosmologia pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), indica que uma explosão estelar, do ano de 1054, pode ter tido o registro mais antigo no hemisfério sul em duas cidades no estado. A supernova, como é chamada, ficou visível por quase dois anos e só tinha sido registrada por povos do hemisfério norte.
Em entrevista, o pesquisador afirma que a supernova em questão é uma das mais relevantes já identificadas pelo ser humano, porque foi um evento de grandes proporções astronômicas e que liberou uma grande quantidade de energia, que não é corriqueiramente observada, por exemplo, até mesmo nos dias atuais.
🔍 O fenômeno denominado supernova é a explosão de uma estrela após o tempo de vida útil do astro.
À esquerda, pintura rupestre na cidade de Taperoá, no interior da PB;
À direita, recriação do céu na Paraíba em 1054 por software
— Foto: Felipe Sérvulo/Arquivo Pessoal
O estudo do professor foi publicado em um artigo da Revista Eletrônica "Tarairú", da UEPB, e baseou um outro estudo, de tema parecido, da Universidade de São Paulo (USP) que também foi publicado sobre a supernova e as pinturas rupestres. A área da pesquisa é chamada de arqueoastronomia, que propõe apenas hipóteses baseadas em associações.
A supernova 1054 é uma das oito amplamente observadas na Via Láctea durante a história da humanidade, de que se tem registro. Calcula-se que o evento tenha despendido uma energia que fez a explosão brilhar seis vezes mais do que o planeta Vênus.
De acordo com a pesquisa, a explosão ficou visível por 623 noites e na luz do dia, em cerca de 23 dias. Os registros em textos dos povos do hemisfério norte relatam que o brilho era tão intenso que se assemelhava ao de outros astros, como a Lua.
A explosão naquele ano, observada na Paraíba, deu origem, inclusive, à Nebulosa do Caranguejo, que é de possível identificação até os dias atuais. As observações dessa estrutura astronômica, inclusive, são consideradas fundamentais para muitas coisas que a Ciência descobriu sobre supernovas, nebulosas e outros mecanismos.
Entre os métodos do estudo está a utilização de um software para reconstituir o céu da noite de 5 de julho de 1054, mais precisamente às 4h, quando o brilho da explosão chegou à Terra. A projeção é de que a estrela tenha explodido na constelação de Touro.
As pinturas rupestres em duas cidades na Paraíba
Pinturas rupestres encontradas na cidade do Congo, no interior da Paraíba,
com alusão a supernova em 1054 — Foto: Felipe Sérvulo/Arquivo Pessoal
No estudo do pesquisador, foram avaliadas duas pinturas nas cidades do Congo e também em Taperoá, no interior do estado. A pintura rupestre no Congo fica localizada no distrito de Carmo, em uma região rochosa chamada de "Toca dos Astros", local onde existem diversas pinturas e gravuras relacionadas com a astronomia.
Em uma parede, é possível observar que existem as pinturas de dois posicionamentos distintos da Lua crescente e, mais ao lado, uma figura "raiada" que o pesquisador atribui a explosão da estrela. O fato de as pinturas poderem se relacionar com fases diferentes da Lua, pode significar que em algum momento o astro se alinhou com a explosão, dado o tempo que o brilho dela ficou exposto no céu.
"Estas representações podem indicar a posições da Lua durante os dias que sucederam a explosão da supernova, uma vez que ela ocorreu próxima à eclíptica (projeção da órbita da Terra ao redor do sol), e isto significa que ocorreram outras conjunções entre a Lua e a supernova, uma vez que ela ficou visível por 623 noites e na luz do dia, em cerca de 23 dias, o que aumenta a possibilidade que esses registros não só tenha sido uma tentativa de gravar o dia exato da explosão no céu, mas uma sequência de visualizações", ressaltou o pesquisador.

Pintura rupestre na cidade de Taperoá, em sítio arqueológico na Paraíba,
pode ser representação de supernova — Foto: Felipe Sérvulo/Arquivo Pessoal
A outra pintura analisada pelo cosmólogo em questão (veja acima), no sítio arqueológico Lagoa do Escuro, em Taperoá, na zona rural da cidade, também se assemelha ao que foi gravado no município de Congo. Novamente, é possível observar a representação de uma Lua crescente, tendo logo acima outra figura em círculo com oito raias, que é associada a explosão.
Segundo o pesquisador, a lua naquele dia estava na fase crescente, confirmada pela recriação da disposição dos céus, o que é um indício de que há materialidade na comparação das figuras com representações, por exemplo, no hemisfério norte, que são muito parecidas.
"Tudo começou em 2013, quando eu descobri a figura semelhante a um sol/uma estrela, com raios juntamente com outra figura, uma Lua crescente, logo abaixo, baseando-me em famoso estudo realizado no sítio arqueológico de Chaco Canyon, no Novo México (EUA), onde é possível encontrar uma figura raiada e uma lua crescente", disse.
Em relação aos autores das pinturas rupestres nas duas cidades, Felipe Sérvulo disse que não se sabe exatamente quem são, mas calcula-se que tenham sido os povos Tarairius ou Kariris, este segundo que dá nome inclusive à região onde é situado os municípios.
Sobre o pioneirismo no hemisfério sul, o professor ressaltou que há alguns registros de povos aborígenes da Austrália, mas que fazem menção a um "evento mitológico" e não à supernova de 1054.
"Eu encontrei registros da tradição oral dos povos aborígenes da Austrália que relatam a aparição de um ser mitológico associado à supernova 1054. Mas não encontrei evidências arqueológicas solidas no hemisfério sul. Ou seja, as melhores evidências, e as únicas encontradas até o momento, estão no Brasil, especificamente na Paraíba", ressaltou.
O registro do evento no hemisfério norte

Marcação de um texto de crônicas chinesas sobre dinastia no império daquele país
refere-se ao brilho intenso da supernova — Foto: Felipe Sérvulo/Arquivo Pessoal
De acordo com Felipe Sérvulo, o estudo se baseou também em comparações com o que já foi representado e registrado por povos do hemisfério norte sobre a supernova em 1054. Conforme o levantamento, os registros do evento foram feitos principalmente pelos povos chineses e japoneses, de diferentes formas, inclusive não rupestre.
No caso do registro dos chineses o evento ficou marcado em crônicas da Dinastia Song, uma série de publicações em texto sobre o que de mais relevante aconteceu durante o período de comando do Império Chinês pela família Song, entre os anos de 960 e 1279. Foi desses registros em textos que se sabe atualmente que o brilho da explosão ficou visível por mais de 600 noites.
Já os registros japoneses, também textos, produzidos por Meigetsuki e Ichidai Yoki, falaram sobre uma "estrela convidada" e que surgiu no quarto mês lunar, o que corresponde entre 30 de maio e 8 de junho no calendário juliano, uma métrica de datação temporal muito próxima ao calendário gregoriano na qual o ocidente atualmente se utilizada.
A pesquisa também cita registros na literatura árabe e também de europeus que avistaram o fenômeno. Na Europa, inclusive, o evento foi registrado como "uma estrela de imenso brilho apareceu dentro do círculo da Lua alguns dias após sua separação do sol".

Pinturas rupestres encontradas no México e nos Estados Unidos que são
semelhantes ao encontrado no Brasil sobre a supernova de 1054.
— Foto: Felipe Sérvulo/Arquivo Pessoal
Há registros ainda no México e nos Estados Unidos, esses sim, de pinturas rupestres, que se assemelham ao que foi observado nas duas cidades paraibanas. Na pesquisa, foi apontado que com essas semelhanças, e os textos chineses e japoneses, é possível cruzar informações e afirmar que muito provavelmente a explosão aconteceu em alinhamento com a Lua naquela noite e posteriormente, devido aos movimentos celestes, gradativamente o astro foi se distanciando do brilho estelar.
O pesquisador ressalta que todos esses povos, inclusive os que fizeram as pintuas na Paraíba, tinham em comum a observação dos astros constantemente e que a vida deles era guiada, entre outras coisas, por isso.
"Os astros eram uma referência para saber quando se iniciavam as estações de colheira, plantio, pesca, caça, ou festividades, ou seja porque os astros trazem encantamento e mistérios aos povos daquela época, o que fez com que eles investissem boa parte do seu tempo observando o firmamento e registrando os astros na arte rupestre", explicou o pesquisador.
O que é supernova
Pesquisadores da Universidade de Cardiff estudaram a
nebulosa de Caranguejo em busca de rastros de fósforo
— Foto: NASA/ESA/J. HESTER/A. LOLL (ASU)
Uma supernova é a "morte" de uma estrela, ou seja, um sol como o do nosso sistema solar. Essa morte consiste em uma explosão que dá origem a outro objeto astronômico, a chamada nebulosa. A supernova de 1054, registrada pelas pinturas rupestres no interior da Paraíba, inclusive, foi originada a 6.500 anos-luz da Terra e a estrela que explodiu tinha cerca de 11 vezes o tamanho do nosso Sol.
Outro fato curioso sobre a explosão registrada nos céus da Paraíba e que deu início a Nebulosa do Caranguejo é que, devido às observações atuais, com telescópios modernos, foi possível identificar a natureza da estrela que explodiu há quase 10 séculos. Trata-se de uma estrela de nêutrons, ou de um "pulsar".
"A importância desse evento reside no fato de que ele dispersa no cosmos todos os elementos químicos pesados forjados no interior da estrela, que são essenciais para a formação de novos sistemas estelares, planetas e a vida (o que incluiu os átomos do nosso corpo, que também foram forjados no interior destas estrelas em colapso)", disse Felipe.
A estrela é extremamente densa e a sua composição quase inteiramente de nêutrons, um tipo de partícula. Ela ainda se move a altas velocidades, em comparação com sóis "normais". Basicamente são restos de estrelas que morreram devido uma supernova.
Arqueoastronomia
A área que estuda esse tipo de registro, da qual o professor faz parte, é a arqueoastronomia, que envolve pesquisas interdisciplinares entre a arqueologia e a astronomia para estudar a visão de culturas antigas e como elas interpretavam o céu e o cosmos.
"A área estuda como as culturas antigas utilizavam o céu como ferramenta útil para atividades diárias, analisando desde o alinhamento de monumentos (como Stonehenge) até o significado de representações celestes em artefatos e na arte rupestre", explicou.
Em relação ao desenvolvimento dessa linha de pesquisa no Brasil, o pesquisador afirma que os esforços concentram-se nos povos pré-históricos e indígenas, como no caso dos que desenharam as pinturas no interior do estado.
"Isso inclui a análise de sítios megalíticos, como o de Calçoene (AP), que possui possíveis alinhamentos do nascer do sol com épocas dos solstícios e equinócios, e o estudo de geoglifos (na Amazônia)", contou.
Ele afirma ainda que o campo mais ativo dentro da arqueoastronomia é o da arte rupestre e o estudo dela.
"O campo mais ativo, no entanto, é o da arte rupestre, com pesquisadores buscando correspondências sugestivas entre petróglifos no Nordeste e fenômenos celestes específicos, como as supernovas históricas", finalizou.
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