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quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Serra do Cipó, o jardim rochoso de Minas - Ambiente


SERRA DO CIPÓ, O JARDIM ROCHOSO DE MINAS - Ambiente


Em meio a suas pedras, o Parque Nacional da Serra do Cipó abriga a maior comunidade vegetal em espécies por metro quadrado do mundo.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Toda a vida do Mundo - Ambiente


TODA A VIDA DO MUNDO - Ambiente



Há mais vida na Terra do que o homem é capaz de saber: fala-se de 5 a 30 milhões de espécies. A biodiversidade fascina os cientistas, preocupados em conhecer e salvar toda essa riqueza.

Nos tempos bíblicos, Deus ordenou ao patriarca Noé que construísse uma arca para abrigar um casal de cada espécie de bicho enquanto o mundo se afogava no dilúvio universal. A missão de Noé pode ter sido ainda mais extravagante do que a lenda sugere. De fato, passados dois séculos desde que o botânico sueco Carolus Linnaeus (1707-1778) começou a classificar as formas animais e vegetais de vida, não se sabe quantas espécies dotadas de patas, rabos, antenas, asas, guelras, folhas, caules ou raízes existem. "Em todas as classes, a cada dia se descobre uma espécie nova", garante o zoólogo Miguel Trefaut Rodrigues, da Universidade de São Paulo. Há algum tempo, com outros pesquisadores, ele passou vinte dias enfurnado na Mata Atlântica do sul da Bahia, onde encontrou nada menos de catorze espécies ao que tudo indica desconhecidas de répteis e anfíbios, incluindo uma perereca que, com seus 10 centímetros de comprimento, talvez seja uma das maiores da América do Sul.
Isso é biodiversidade, o explosivo potencial que a vida possui de se multiplicar em miríades de formas adaptadas aos mais variados ambientes. Desbravando o globo de pólo a pólo, embrenhando-se em florestas e mergulhando nos mares, o homem conseguiu descrever 1,4 milhão de espécies, como se designa a unidade biológica fundamental. Cerca de 750 000 são insetos, 41 000 são vertebrados, 250 000 são plantas e o restante é uma coleção desconjuntada de outros invertebrados, algas, fungos e ainda microorganismos como bactérias e vírus. Parece um desvario da natureza - mas é pouco mais do que uma amostra. A maioria dos biólogos concorda que aquele censo não dá conta nem da terça parte dos passageiros convidados a embarcar na arca de Noé.
Os cientistas reconhecem, por exemplo, serem parcos os seus conhecimentos sobre a diversidade e a distribuição dos insetos, uma categoria que parece ter a preferência da natureza, pois constitui folgadamente a maioria dos seres vivos. O pesquisador americano Terry Erwin e seus colaboradores do Instituto Smithsonian de Washington tiveram a santa paciência de contar, uma a uma, as espécies de bichinhos nas copas de algumas árvores na Amazônia brasileira e peruana e extrapolaram o número encontrado para a área total de florestas tropicais. Resultado: somando as espécies estimadas dos insetos às outras presumivelmente existentes ali, obtiveram um megatotal de 30 milhões de formas distintas de vida. Mesmo quem acha que esse é um cálculo inflacionado demais aceita a hipótese de que pelo menos 5 milhões de espécies povoam o mundo. E não há dúvida de que a maioria anônima está escondida no verde e na água das florestas tropicais.
Sabe-se preto no branco que mais da metade da bicharada do planeta tem seu endereço nos trópicos, mais precisamente nos 7% da superfície do globo coberta por florestas tropicais. A desmedida variedade das espécies vegetais ainda é menor que a de insetos, peixes e microorganismos. Uma pesquisa recente mostrou que 950 espécies de besouros, 80% das quais desconhecidas, estavam instaladas em apenas dezenove árvores da selva tropical do Panamá. Como em cada hectare da Floresta Amazônica existem 300 espécies de árvores, dez vezes mais do que nas regiões temperadas da América do Norte, por exemplo, não é de espantar que o Brasil, onde a floresta ocupa 42% do território, seja o campeão mundial da biodiversidade.
Segundo uma classificação elaborada pela respeitável organização ambientalista internacional World Wide Fund for Nature (Fundo Mundial para a Natureza), o Brasil é o primeiro país do mundo em número de espécies de plantas e de anfíbios, o terceiro em aves e o quarto em borboletas, répteis e mamíferos. "Das 1 100 espécies conhecidas de sempre-vivas (um tipo de flor comum em adornos), 700 encontram-se entre Minas Gerais e Bahia", contabiliza a botânica Ana Maria Giulietti, da USP. "Só numa lagoa do Parque do Rio Doce, em Minas, existem mais espécies de libélulas do que em todo o território britânico", compara, por sua vez, o entomologista Ângelo Machado, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele é também presidente da Fundação Biodiversitas para a Conservação da Diversidade Biológica, uma entidade de cientistas ambientalistas criada há dois anos em Belo Horizonte que, como o nome já diz, se dedica à defesa desse incomparável tesouro que o homem vem dilapidando.
Machado explica por que "nossas várzeas têm mais flores, nossas flores têm mais vida", como se gabam os versos ufanistas de Gonçalves Dias. "No passado", ensina ele, "as zonas temperadas sofreram o rigor das glaciações, que sacrificaram inúmeras espécies e empurraram outras a regiões de climas mais quentes. Enquanto isso, próximo dos trópicos, o ambiente permaneceu estável, o que facilitou o desenvolvimento de ecossistemas mais ricos e complexos, adaptados a um clima com pouca variação." É o que aconteceu, não apenas no Brasil, mas também no México, na Colômbia, na África central e no sul da Ásia, igualmente bem situados no ranking da World Wide Fund. A Colômbia é o país mais rico em diversidade de espécies por unidade de área. Já a Indonésia se destaca não apenas pela variedade de espécies terrestres mas por possuir no seu litoral o mais rico tesouro de organismos marinhos.
Mesmo nas regiões tropicais existem áreas de preferência da bicharada. Perplexos com essa valorização, biólogos do mundo inteiro seguiram o exemplo do brasileiro Paulo Emílio Vanzolini e foram buscar respostas na Geomorfologia, ramo da ciência que estuda as formas do relevo terrestre. Baseado por sua vez nos trabalhos de um colega da USP, o geógrafo Aziz Ab´Saber, Vanzolini - um especialista no mecanismo de multiplicação das espécies, também conhecido por seus sambas - descobriu que a distribuição da vida nas florestas da Amazônia e na Mata Atlântica está relacionada à história antiga dessas formações. Durante a mais recente glaciação, que durou cerca de 10 000 anos, nesta parte do globo períodos frios e secos alternaram-se com outros mais quentes.
Quando o clima esfriava, as florestas encolhiam, cercadas por cerrados, pradarias e caatingas. Os pequenos grupos de espécies, isolados de seu território ancestral, lentamente começaram a se adaptar às peculiaridades locais. É o que os cientistas chamam de diferenciação em isolamento, um processo que leva ao endemismo. Este fenômeno, que ocorre em lugares menos acessíveis, montanhas e ilhas, marcou a peculiar flora e fauna da Austrália - simbolizada pelos cangurus e coalas - assim como da ilha de Madagascar, na costa oriental da África, o paraíso das orquídeas e dos primatas. Muito mais tarde, quando a floresta voltou a se expandir, aquelas espécies já tinham acumulado tantas variações genéticas que perderam por completo o parentesco com seus antepassados.
Comparados às espécies terrestres, os organismos marinhos estão mais bem distribuídos justamente porque toparam com menos barreiras físicas. Não é de estranhar, portanto, que a diversidade de espécies nos oceanos seja também menor. Em compensação, como a vida surgiu na água muitos milhões de anos antes que em terra, os oceanos abrigam formas mais antigas, como algas, moluscos, esponjas e corais. Para o biólogo Eurico Cabral de Oliveira, ex-diretor do Centro de Biologia Marinha da USP, "o equivalente marinho das florestas tropicais são os recifes de coral" - colônias de organismos invertebrados onde vivem numerosas espécies de peixes, moluscos, além de pássaros e tartarugas. "Como as florestas", compara o biólogo, "os corais são ecossistemas complexos e por isso mesmo de equilíbrio delicado."
Por pouco que se saiba sobre as espécies terrestres, ainda é muito comparado com o que se sabe dos oceanos. Recentemente - para surpresa de quem achava que a vida em profusão só existia nas águas mais iluminadas - se descobriu no fundo do Pacífico nada menos de uma centena de espécies estranhíssimas de organismos. Mais do que quaisquer outros terráqueos, são uma prova da incrível capacidade de diversificação e adaptação a todo tipo de ambiente. Costuma-se dizer que a variedade é a própria essência da vida, pois sem a matéria-prima que ela proporciona não haveria evolução. Cada organismo, como se sabe, contém uma quantidade colossal de informações genéticas que determinam todas as suas características. Mas os organismos individuais não evoluem - eles só podem crescer, reproduzir-se e morrer. As mudanças que entram para a história ocorrem nas espécies, a unidade básica da evolução. "Assim, de um mesmo ancestral podem se originar espécies tão diferentes como as lhamas que se adaptaram à Cordilheira dos Andes e os camelos aos desertos da África", lembra o biólogo Vanzolini.
Quando o clima, a água e a alimentação são constantes, as espécies podem repartir o ambiente para não tropeçar umas nas outras, ocupando diferentes nichos ecológicos, como dizem os biólogos. Nas planícies africanas, por exemplo, existem vários tipos de mamíferos que se alimentam de folhagens. Só que as girafas vão buscar o almoço nas copas das árvores, os rinocerontes preferem os arbustos e as zebras comem gramíneas. Mas o destino de uma dada espécie está sujeito a mais interferências do que é capaz de conceber a ciência humana - sem falar que o acaso desempenha um papel não desprezível nessa loteria. Desse modo, sem que se saiba ao certo por quê, algumas espécies tiveram mais sucesso, ao passo que outras passaram despercebidas pelo livro da vida e outras ainda desapareceram abruptamente durante as grandes extinções do passado, como aconteceu com os dinossauros há 65 milhões de ano.
Diante da interdependência e da complexidade dos processos que acontecem na natureza, nunca se sabe quando uma espécie pode representar um papel fundamental para a sobrevivência do homem. Assim, se não por um respeito moral à vida, ou pelo desfrute da beleza que sua variedade proporciona, o mero egoísmo aconselharia salvar o próximo. Não se trata de um raciocínio hipotético. Quem acha, por exemplo, que o mundo estaria melhor sem a enorme variedade de insetos que parecem ter nascido com a exclusiva finalidade de nos infernizar deveria dar uma olhada numa pesquisa feita pelos americanos. Eles calcularam que os insetos causavam um prejuízo de 7 bilhões de dólares anuais nos Estados Unidos. Ruim com eles, pior sem eles. Se os insetos fossem destruídos, os prejuízos que a agricultura teria com a ausência de polinização das plantas seria da ordem de 9 bilhões de dólares. Um exemplo brasileiro: se desaparecesse a mosca que poliniza o cacau no sul da Bahia ou a abelha que faz o mesmo com a castanha no Pará, estaria decretada a falência de importantes atividades econômicas dessas duas regiões.
Com o advento da Engenharia Genética, o estudo da diversidade de animais e plantas tornou-se uma prioridade científica nos países ricos. Isso porque, cada espécie, seja de macaco, barata, rosa ou bactéria, representa um estoque de genes cujo potencial apenas começa a ser arranhado. A humanidade já lucra muito com a herança transmitida por alguns organismos: calcula-se que um em cada quatro tipos de medicamentos contém ingredientes derivados de plantas silvestres. Pacientes com leucemia sobrevivem graças a substâncias contidas numa planta chamada pervinca. A dedaleira ajuda a regular os batimentos cardíacos. O cará proporciona o ingrediente ativo dos anticoncepcionais. O jaborandi combate o glaucoma. A barba-de-bode e a casca do salgueiro têm propriedades analgésicas semelhantes às da aspirina. Fungos e microorganismos-categorias ainda menos identificadas que a dos insetos - foram a chave para o desenvolvimento dos antibióticos e mais recentemente da ciclosporina, o bendito remédio que diminui os riscos de rejeição em transplantes.
O problema é que, para onde quer que se olhe, o homem parece ter declarado guerra às plantas e aos animais. É o desmatamento, os acidentes ecológicos, a ocupação desordenada e a poluição em terra. Os conservacionistas fizeram as contas e obtiveram um número de arrepiar. Se continuar o ritmo atual de destruição da natureza, nos próximos 25 anos cerca de 1,2 milhão de espécies desaparecerão por completo da face da Terra. Ou seja, estamos assistindo sem saber a um genocídio de cem espécies por dia.
O entomologista Ângelo Machado, da Fundação Biodiversitas, se irrita quando lhe perguntam por que conservar animais como o mico-leão-dourado, um primata característico da Mata Atlântica, que está na lista das 207 espécies ameaçadas de extinção elaborada pela Sociedade Brasileira de Zoologia. "O homem é uma espécie curiosa", raciocina ele. "Tem um apreço enorme pelas coisas bonitas que ele mesmo cria, mas destrói as que encontra prontas na natureza. Já imaginou se algum tipo de fungo destruidor de pinturas se alastrasse pelos museus e acabasse com a Mona Lisa ou com as telas de Van Gogh? Antes de mais nada é preciso preservar o mico-leão e outras espécies porque são obras de arte da natureza que levaram milhões de anos para serem criadas."
É possível preservar em parte, em zoológicos, jardins botânicos e bancos de sementes, o muito que ainda resta das espécies. Um exemplo é dado pelo paisagista Roberto Burle Marx. que reúne em seu sítio de Guaratiba, Rio de Janeiro, 3 500 espécies de plantas. Os ecologistas, no entanto, não querem apenas salvar espécies exóticas, mas processos evolutivos. E estes só podem ocorrer nos ecossistemas que Ihes deram abrigo. "Temos que dar chutes na direção certa", recomenda o biólogo Gustavo Fonseca, que leciona Ecologia na UFMG. "É impraticável preservar indefinidamente os ambientes naturais, mas se pode lutar por uma política realista de áreas de conservação."

Os sobreviventes e as vítimas.

O desaparecimento das espécies - e a conseqüente perda do seu material genético - é um fenômeno quase tão antigo quanto a própria vida. Os paleontólogos distinguem cinco episódios de extinção em massa durante os quais uma fração significativa de biodiversidade foi extinta. Os motivos são ignorados ou controversos. O primeiro caso ocorreu no Ordoviciano, há cerca de 450 milhões de anos, quando foram quase eliminados os trilobites, espécies de animais invertebrados. No Devoniano, desapareceu a maior parte das espécies de peixes, diminuíram os corais e os crinóides, animais marinhos. Mas a vida na Terra correu real perigo uma centena de milhões de anos adiante, no Permiano, quando mais de 90% das espécies e todos os trilobites desapareceram. Os sobreviventes abriram caminho para o aparecimento, entre outros, dos dinossauros.
As extinções continuaram. No Jurássico, morreram 75% das espécies de amonites (moluscos) e de crinóides. A mais falada extinção foi a dos dinossauros, que desapareceram no final do Cretáceo junto com os amonites. Em compensação os mamíferos se espalharam pela Terra. Muitos cientistas acusam um descendente desses mamíferos, o homem moderno, de estar promovendo a próxima extinção em massa das espécies. No seu livro O polegar do panda, o biólogo americano Stephen Jay Gould afirma que "aquele que se alegra com a diversidade da natureza e sente que aprende com cada animal tende a considerar o Homo sapiens como a maior catástrofe desde a extinção cretácea".

Comida no congelador.

Há quinze anos, a Organização de Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO) criou uma rede mundial de recursos genéticos, destinada a salvar centenas de espécies de plantas silvestres das quais o mundo pode vir a precisar como alimento e remédio. São os bancos de germoplasma, o material genético estocado nas sementes, mudas, células e sêmen, guardados em geladeira, a temperatura de 20° C negativos. No Brasil, o Centro Nacional de Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen), em Brasília, mantém cerca de 35 mil amostras de sementes de espécies de mandioca, milho, batata, feijão, arroz - alimentos que fazem parte do cardápio da população - e outras que talvez só os índios e os especialistas conheçam. Ao preservar dessa maneira a diversidade da natureza, os cientistas pretendem em primeiro lugar melhorar a produtividade agrícola das espécies conhecidas, especialmente agora que a Biotecnologia e a Engenharia Genética permitem selecionar plantas mais resistentes. Muitas variedades silvestres também podem substituir as vinte espécies de plantas responsáveis pela maior parte da alimentação do homem. Pode chegar um tempo em que espécies como a quinua, um grão que já entrou na dieta básica dos incas, mas é quase desconhecido fora dos países andinos, se tornem uma das mais produtivas fontes de proteína para o homem.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Darwin - A evolução de um homem.

DARWIN: A EVOLUÇÃO DE UM HOMEM



Ele nunca teve um diploma universitário, mas o gosto pela natureza levou-o a uma verdadeira revolução no conhecimento humano. Sempre devagar, como as espécies que descreveu.

Charles Darwin, o único e aristocrático passageiro do HMS Beagle (His Majesty´s Ship Beagte), teve uma feliz e venturosa estada nas ilhas Galápagos ao largo do Equador, no oceano Pacífico, naquele longínquo ano de 1835. Foram quatro semanas de muito sol, passeios de barco pelas praias e enseadas, incursões pelas ilhas, onde a insaciável curiosidade do naturalista amador se deliciou observando e colecionando fantásticos espécimes animais e vegetais. Uma tarde, caminhando pela ilha Charles, surpreendeu-se com a declaração do governador Nicholas Lawson de que seria capaz de dizer exatamente de qual ilha provinha cada uma das inumeráveis tartarugas que encontravam pelo caminho.
"Está sugerindo que cada ilha produz seu tipo especial de tartaruga?", perguntou Darwin. O governador não tinha dúvidas, pois há mais de ano aprendera a identificá-las observando as carapaças, com os gomos mais altos ou mais baixos, a espessura, o colorido, o comprimento do pescoço e das pernas Abismado Darwin perguntou se o governador sabia por que isso acontecia. "Só sei o que os meus olhos me dizem", ou como resposta.
Os olhos do próprio Darwin já haviam visto algo parecido, ali mesmo nas ilhas Galápagos. Ele observara que os tentilhões, pequenos pássaros que lá existem aos milhares, tinham bicos diferentes, maiores ou menores, conforme fosse a ilha de origem. Assim, de observações quase casuais de um leigo, surgiu a idéia que, devida mente ordenada e desenvolvida, produziu uma das mais extraordinárias revoluções na história do conhecimento humano: a teoria da evolução das espécies pela seleção natural. Nesse trabalho, pode-se considerar a evolução como um fato experimentalmente comprovado como atestam as tartarugas e os tentilhões e milhares de outras espécies observadas. A seleção natural é uma teoria que explica os mecanismos pelos quais se produz a evolução.
Muitos anos depois de seu veraneio nas Galápagos, quando sua teoria já estava solidamente reconhecida pelo mundo científico, Darwin escreveu: "Tenho dois objetivos distintos em vista: primeiro, mostrar que as espécies não têm sido criadas separadamente; e, segundo, que a seleção natural tem sido o agente principal das mudanças (...). Se eu estiver enganado (...), se houver exagerado no poder da seleção natural (...), terei, pelo menos, prestado um bom serviço ajudando a derrubar o dogma da criação separada".
Por essas palavras, percebe-se que ele não pretendia ser um revolucionário. Na verdade, foi um tímido inglês interiorano, de idéias liberais, que desde criança cultivou o hábito de colecionar besouros, o que se transformou numa obsessão. Nasceu em Shrewsbury, Inglaterra, no dia 12 de fevereiro de 1809. Até a adolescência não apresentou nenhum traço especial de genialidade ao contrário, como parece ser regra nas biografias de grandes cientistas, seu pai chegou a temer que ele não fosse capaz de nada além de caçar ratos e besouros e, assim, fatalmente, desgraçaria o bom nome da família.
Tornou-se um hábil caçador e isso o levou a uma investigação acurada dos hábitos dos pássaros e animais em geral. Mas logo perdeu o gosto pelos tiros de caçador, e explicou: "Descobri, ainda que inconscientemente, que o prazer de observar e refletir era muito mais compensador do que a perícia da caça como esporte. Os instintos primitivos do bárbaro lentamente se transformaram no paladar de um homem civilizado".
Na Universidade de Edimburgo, onde foi estudar Medicina para seguir os passos do pai e do avô, Darwin descobriu que não tinha nascido para isso ao experimentar a para ele terrível sensação de operar um doente sem anestesia. E fez, então, uma descoberta tranqüilizadora: "Em Edimburgo me convenci de que meu pai iria me deixar propriedades suficientes para eu sobreviver com algum conforto, embora não fizesse idéia de quão rico eu era. Foi o suficiente para me tranqüilizar a respeito da minha incapacidade para aprender a Medicina".
De fato, Darwin nunca precisou trabalhar para garantir o próprio sustento, embora não se possa dizer que tenha sido um ocioso. Reconhecida sua incompatibilidade com a Medicina, o pai sugeriu que ele se dedicasse à Igreja Anglicana. E assim, no outono de 1827, Charles Darwin entrou para o Christ´s College, em Cambridge, acalentando a vaga idéia de que seria agradável ser um pároco do interior. Nem ele mesmo podia imaginar, àquela altura, que seria responsável pela demolição de alguns dos mais formidáveis dogmas da Igreja. Mas é certo que desde então se aborreceu com os ensinamentos que recebia.
Não era para menos. Segundo ele mesmo contou mais tarde, teve de aprender que a Terra foi criada às 9 horas do dia 23 de outubro de 4004 a.C.; que todas as espécies animais haviam sido produzidas ao longo dos seis dias da Criação; e que jamais haviam sofrido mudança em suas características originais. A data da criação do mundo havia sido fixada no trabalho conjunto do arcebispo de Armagh, James Ussher, e do eminente estudioso da religião hebraica John Lightfoot, publicado no final do século XVII. Um disparate, sem dúvida, mas na época aceito sem discussões. Muitos anos mais tarde, quando Darwin já publicara sua teoria revolucionária, seu companheiro de viagem no Beagle, o capitão Robert Fitzroy, ainda explicava a extinção de algumas espécies, evidenciada pelos fósseis descobertos no fundo da Terra, dizendo que esses animais simplesmente não haviam chegado a tempo para embarcar na arca de Noé.
Tais dogmas, no entanto, já estavam sendo contestados pela ciência. No final do século XVIII, o escocês James Hutton lançara as bases de uma nova Geologia Seu discípulo Charles Lyell continuou a desenvolvê-la no século XIX e mostrou que a Terra sofrera lentos e constantes processos de formação. E não apenas tais processos haviam consumido um tempo longuíssimo, mas continuavam a se produzir, interminavelmente. Começou-se a admitir, então, que o mundo era muito mais antigo do que se supunha. Um passo adiante já estava a convicção de que as espécies animais também eram antigas e também evoluíram ao longo desse tempo.
Outros cientistas já haviam se aproximado dessa idéia, antes que Darwin o fizesse. Seu próprio avô, Erasmus, médico, poeta e filósofo. Outro foi o francês JeanBaptiste de Lamarck, que publicou sua teoria no ano em que Darwin nasceu, 1809. Lamarck, porém, errou ao acreditar que a evolução ocorrera porque as características adquiridas durante a vida do animal eram transmitidas aos descendentes. Se isso fosse verdade, significaria que a girafa tem pescoço comprido porque seus ancestrais viviam esticando o pescoço para alcançar os galhos mais altos das árvores.
Charles Darwin desenvolveu sua paixão pela natureza encorajado por um professor, J.S. Henslow. Nunca foi um estudante brilhante, mas tinha imensa curiosidade. Foi uma sugestão e uma recomendação de Henslow, aliadas ao fato de ser um perfeito gentleman, que lhe asseguraram um lugar a bordo do Beagle. A tarefa do capitão Fitzroy era mapear mares e costas ainda pouco conhecidos pela Marinha britânica. A viagem devia durar três anos na verdade, durou cinco. Preso aos rígidos regulamentos da Marinha, o capitão não podia conversar com os subordinados fora das horas de trabalho. Como não havia passageiros no Beagle, significava que ele teria de fazer todas as refeições sozinho.
Darwin foi incorporado à tripulação como naturalista, embora não tivesse qualificação acadêmica para isso quando muito, era um diletante aplicado. Seu dever era mesmo fazer companhia ao capitão, e ele o cumpriu fielmente, embora em muitos momentos lhe tenha sido penoso suportar a conversa de uma pessoa autoritária, com quem não tinha nenhuma afinidade intelectual ou política (o capitão era um torie, conservador, e Darwin um whig, ou liberal). Quem pode imaginar o que tenham representado cinco anos de almoços e jantares a dois, nessas condições?
Zarparam dois dias depois do Natal de 1831. Passaram pelas ilhas Ocidentais, contornaram o extremo sul da América do Sul, passaram pelas Galápagos, chegaram à Austrália, seguiram para o sul da África, tocaram outra vez na América do Sul (Bahia) e voltaram para a Inglaterra. Darwin cumpriu zelosamente seus deveres de gentleman, mas aproveitou cada parada do navio para coletar quanto material pudesse rochas, fósseis, aves, insetos e até animais de grande porte, que ele próprio empalhava; era um exímio taxidermista. De cada porto, despachava pacotes e pacotes para Henslow, na Inglaterra, encarregado de cuidar de sua coleção de naturalista. E ainda encontrou tempo para escrever um diário.
Quando desembarcou, no dia 2 de outubro de 1 836 estava convencido de que as espécies animais sofrem mutações, se transformam. O problema era explicar como isso acontecia. Seis meses depois havia classificado todo o material coletado durante a viagem, com a ajuda de Richard Owen. Preparou a publicação oficial Zoologia da viagem do Beagle, do diário e de três outros livros. E só em 1837 começou as anotações para o seu trabalho sobre a transmutação das espécies. Persistia, porém, o mistério como ocorrem as transformações?
Darwin estava casado com Ema, com quem teria dez filhos, continuava a escrever um diário e nele, supõem seus biógrafos, anotava disfarçadamente todas as relações sexuais que mantinha com a mulher. Coisas de gentleman da rígida era vitoriana. No dia 3 de outubro de 1838, lendo "para me distrair" um livro sobre população de Thomas Malthus (1766 - 1834), encontrou a afirmação de que as populações tendem a crescer geometricamente, a menos que sejam impedidas. Percebeu, então, que ali estava sua resposta: as alterações que favoreciam um indivíduo permitiam que ele prosperasse, enquanto os outros não beneficiados pela mudança pereciam. Uma sutil e fundamental diferença para a teoria de Lamarck. Não é que as girafas fossem ficando com o pescoço cada vez mais comprido pela necessidade de alcançar os galhos mais altos das árvores, mas a necessidade de alcançar os galhos mais altos fazia com que só sobrevivessem as girafas de pescoço mais comprido.
Animais ainda quando da mesma espécie, são diferentes de indivíduo para indivíduo. Como os homens- há os de nariz comprido, de olhos tortos, pernas curtas ou longas, capazes de correr menos ou mais depressa, e por ai vai. Essas diferenças se transmitem geneticamente, através de mecanismos que só seriam devidamente explicados muito tempo depois. Darwin, no entanto, intuiu o caminho certo com notável precisão.
Um ano antes ele publicara A transmutação das espécies, em que aludia às mudanças que ocorrem, mas não arriscava explicação para elas. Mais de vinte anos passaram entre o desembarque do Beagle, o inicio das anotações e a publicação de Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural, sua obra máxima. E ela só foi publicada porque em 1858 ele recebeu uma carta de outro naturalista inglês, Alfred Russel Wallace, que, ao longo de uma expedição à ilha de Ternate, nas Molucas, havia feito observações semelhantes às de Darwin e chegado às mesmas conclusões.
E assim aconteceu que a teoria da seleção natural chegou à Linnaean Society, a sociedade dos naturalistas ingleses, com um co-autor. Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural chegou às livrarias no dia 24 de novembro de 1859. Eram 1.250 exemplares de 502 páginas e foram todos vendidos no mesmo dia. Darwin demonstrou ali como, por meio de adaptação lenta, extremamente gradual, e de alterações produzidas de geração em geração, uma espécie podia produzir indivíduos diversificados. E como, com a passagem do tempo, algumas espécies permaneciam iguais e outras se transformavam. Tudo sob a regência da seleção natural quem estivesse mais adaptado ao ambiente sobreviveria. Um quadro de progressão de complexidade biológica que culminou no homem, o mais sofisticado de todos os organismos.
Darwin jamais usou a palavra evolução, que logo passou a caracterizar e dar nome à sua teoria e sobre a posição do homem nesse painel limitou se a um comentário sobre a muita luz que no futuro ainda seria derramada sobre a questão. Muitos anos mais tarde ele voltaria a esse assunto no livro A descendência do homem e seleção em relação ao sexo. Mas em 1859 o cuidado de pouco adiantou: uma tempestade desabou sobre ele, pois sua teoria levava à demolição de algumas precisas construções religiosas sobre a criação do mundo e dos seres que nele vivem, feitas pela Igreja.
Foram anos de ferozes debates. Os principais adversários de Darwin foram seu antigo companheiro Richard Owen, o bispo de Oxford, Samuel Wilberforce, o escritor Edmund Gosse. Grandes defensores foram Charles Lyell, Joseph Hooker e Thomas Henry Huxley, considerado na época o melhor geólogo, o melhor botânico e o melhor zoólogo da Inglaterra. O próprio Darwin pouco apareceu, mas Huxley envolveu-se em discussões públicas que se tornaram célebres. Como, por exemplo o debate travado com o bispo Wilberforce. em 1860, diante de setecentos estudantes que lotavam o auditório da Sociedade Britânica para o Progresso da Ciência, em Oxford.
Charles Darwin deixou uma obra muito extensa, embora, desde o final da viagem no Beagle, tivesse uma saúde muito frágil-suspeitasse mesmo que durante 2.sua estada no Brasil.2 tenha adquirido a doença de Chagas. Tudo na natureza o interessou muito. Seu escritório, no terceiro andar de sua casa, Dow House, além de livros continha frascos com exemplares das mais variadas espécies animais e vegetais. Apesar da campanha severa que a Igreja fez contra suas idéias, acabou sepultado na abadia de Westminster, ao lado de Isaac Newton, em 19 de abril de 1882, aos 73 anos. Depois do enterro, seu filho William comentou: "Você pode imaginar que conversas deliciosas o pai e Sir Isaac vão ter de noite, depois que a abadia fechar e tudo ficar quieto?"

Sempre à margem da política

A importância da obra científica de Darwin é definida em quatro pontos pelo antropólogo queniano Richard Leakey. Primeiro, ele viu o mundo vivo como mutável, e não estático, como se acreditava em seu tempo; segundo, propôs a idéia da descendência comum para os membros da mesma espécie (por isso nunca disse, como se acredita erroneamente, que o homem descende do macaco; homens e macacos são ramos diferentes de uma mesma espécie, os mamíferos, que têm, todos, um ancestral comum); terceiro, ele acreditava que o processo de mutação era lento e gradual (hoje há cientistas questionando essa idéia, dadas as descobertas de evidência do surgimento de novas espécies quase que de repente); e quarto, estabeleceu que o mecanismo da mudança era a seleção natural.
Hoje sabemos que a variação ocorre em nível molecular. As características se transmitem dos pais aos filhos por unidades químicas que chamamos genes. A variação é, em grande parte, produto de uma recombinação de genes, quando se unem as instruções genéticas do pai e da mãe. A seleção natural apenas favorece os animais mais bem adaptados ao ambiente onde vão viver. Devido à variação, alguns indivíduos dentro de uma espécie são mais capazes que outros de sobreviver e, portanto, de procriar.
Houve quem tentasse levar para a política essa explicação da organização do mundo animal. Na verdade, a expressão "sobrevivência do mais apto" foi cunhada pelo filósofo inglês Herbert Spencer. Tentava-se usar as leis da Biologia enunciadas por Darwin para explicar e justificar a sociedade estratificada produzida, na época, pelo capitalismo industrial. Certamente, não foi culpa dele: politicamente, era um liberal, e todo seu trabalho científico levou-o a uma sólida convicção filosófica materialista de que ele jamais fez alarde.
Karl Marx, então empenhado como nunca na construção de suas doutrinas políticas, econômicas e filosóficas, vislumbrou isso em seus escritos e tentou, mais de uma vez, aproximar-se dele e, quem sabe, cooptá-lo para sua causa. Darwin sempre se esquivou-e polidamente recusou até mesmo a dedicatória que Marx pretendeu lhe fazer, no segundo volume de O capital. Mas não pôde impedir que ele escrevesse: "E notável como Darwin reconhece entre os animais e plantas sua sociedade inglesa, com sua divisão de trabalho, competição; abertura de novos mercados, invenções e uma malthusiana luta pela existência".

O Brasil era lindo mas os brasileiros...

Ao anoitecer do dia 4 de abril de 1832, o Beagle entrou na baia do Rio de Janeiro, então uma base da Marinha Real Britânica e por isso repleta de navios de guerra. Darwin anotou: "É a baía mais bela que o mundo e a Geologia poderiam apresentar, com a massa do Pão de Açúcar se destacando contra o céu límpido da noite . Do porto, ele e o artista de bordo, Augustus Earle, andaram 6 quilômetros por uma estrada de terra, ao longo do litoral, para chegar a Botafogo, onde ficaram hospedados durante as onze semanas que o Beagle ficou na cidade.
Era uma casa de madeira, pintada de cinza-pérola, varandas com telas nos três lados, uma sala modesta, três dormitórios com catre, mesa, cadeira. Do refeitório, num alpendre nos fundos, os hóspedes viam o morro do Corcovado, cujos 612 metros escalaram, seguindo pelo aqueduto que exista na época. Pagaram aos proprietários da casa, senhor e senhora Bolga, ingleses como eles, 22 shillings por semana, "um bom preço", segundo Darwin.
Seu primeiro contato com a sociedade carioca da época, formada basicamente por estrangeiros, foi num restaurante movimentado, "onde se podia beber uma aguardente gostosa e onde havia homens de negócios britânicos e americanos. cônsules de vários países, oficiais da Marinha e viajantes". Dias depois, Patrick Lennon, proprietário de terras em Macaé, levou Darwin até lá. Foi uma cansativa viagem a cavalo, sob um calor de 35 graus. O que mais encantou o naturalista foi a variedade da vegetação, multicolorida, e dos animais. "Era uma tarefa gigantesca descrever, classificar, catalogar, dissecar, espetar, preservar tudo o que colhi, entre animais, vegetais e minerais", ele anotou no diário.
Sua estada no Rio, no entanto, não foi dedicada apenas ao trabalho de naturalista. Levado pelo capitão Fitzroy, a quem devia fazer sempre companhia, Darwin freqüentou a noite carioca. Jantou na casa do ministro plenipotenciário inglês e foi várias vezes convidado para jantar na casa do almirante Thomas Baker, comandante-e-chefe inglês no Rio de Janeiro. Assistiu a um concerto de piano na casa do adido britânico, que lhe garantiu que se permanecesse mais algum tempo na cidade certamente ganharia um bom emprego e uma bela moça de família rica em casamento.
Apesar de ter gostado daquele período e ter admirado bastante a paisagem, a flora e a fauna do pais, Darwin anotou em seu diário que não sentia amizade pelos brasileiros. Cenas de violências contra escravos que presenciou não apenas no Rio mas também em Salvador e no Recife, onde o Beagle passou mais tarde, fizeram-lhe "ferver o sangue nas veias".

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