quinta-feira, 28 de julho de 2011

Síndrome do Pânico - Famosos

SÍNDROME DO PÂNICO - Famosos



Eles adoram constranger pessoas famosas. Para a ex-Casa dos Artistas Mariana Kupfer perguntaram: "Você não deu certo como apresentadora, atriz e cantora. O que você é agora?". Pediram ao ex-prefeito Paulo Maluf a senha da conta na Suíça. Perseguiram o apresentador Clodovil com a intenção de fazê-lo calçar um ridículo chinelo dourado, as "sandálias da humildade". Em outra ocasião, disseram para a jornalista Marília Gabriela mandar um beijo para o filho dela. "Qual deles?", perguntou Marília. "O Reynaldo Gianecchini", responderam.

Parece mau gosto? Pode ser. Mas foi com essas pérolas que o Pânico na TV, exibido pela RedeTV! aos domingos, tornou-se fenômeno de audiência. A atração, que estreou há um ano e meio com 3 pontos de média no Ibope, hoje bate picos de 13 - como cada ponto equivale a 50 mil domicílios na Grande São Paulo, significa dizer que apenas na região metropolitana paulista o programa é sintonizado em 650 mil televisores.

A fórmula é simples: uma boa dose de criatividade, humor negro e, o mais importante, eficiência em tirar sarro dos famosos. "O sucesso do Pânico mostra que a relação entre a sociedade e suas celebridades ocupa um papel cada vez mais central no mundo contemporâneo", afirma a antropóloga e professora da Escola de Comunicações e Artes da USP, Esther Hamburger. Pelo jeito, além de central, essa relação é também um bocado turbulenta. Por que amamos acompanhar a vida e o trabalho das celebridades mas, ao mesmo tempo, adoramos vê-las em situações constrangedoras? Como entender que um programa como o Pânico faça tanto sucesso? Para começar a responder essas perguntas, temos de voltar no tempo - e voltar bastante, para os tempos das cavernas. É lá que vamos encontrar as origens da...



...HISTÓRIA DA FOFOCA

Foi na pré-história que adquirimos um hábito que transformaria a sociedade: fofocar. Segundo o americano Frank McAndrew, professor de psicologia da Universidade Knox, o ato de falar da vida alheia funcionou como mecanismo de seleção natural dos primeiros Homo sapiens. Os mais bem informados conheciam as fraquezas dos adversários e tiravam vantagem disso. Sabendo que um rival estava com a perna quebrada, era possível tomar seu lugar na caçada. Esses "fofoqueiros das cavernas" tinham mais chances de sobreviver e passar seus genes.

Séculos depois, a fofoca ganharia um especialista. Na França de Luís XIV, Louis Rouvroy, que mais tarde tornou-se o duque de Saint-Simon, escreveu seu livro Mémoires baseando-se em fuxicos do palácio. "A fofoca sobre gente importante, como senhorios e reis, era vista como uma forma de resistência", afirma Bernard Capp, historiador especialista no passado das futricas. "Não se podia protestar contra nobres poderosos. Mas, pelas costas deles, fazia-se chacota e contavam-se histórias que diminuíam sua importância."

Mas a fundação da "fofoca em massa", como conhecemos hoje, só veio com as colunas sociais nos jornais do século passado. A primeira surgiu em meados dos anos 20, com o americano Walter Winchell. Numa época em que editores relutavam em noticiar o nascimento de algum bebê para não cruzar as fronteiras do bom gosto, Winchell usava seu espaço no The New York Times para contar quem namorava quem, quem estava doente, quem tinha dificuldades financeiras e quais esposas mantinham casos extraconjugais. Diária, a coluna era revendida para dezenas de jornais. Somando seu programa de rádio semanal, o jornalista atingia cerca de 50 milhões de pessoas. Talvez sem saber, ele tenha erguido um dos alicerces da hoje tão famosa...



...CULTURA DE CELEBRIDADES

Desde a pré-história já tínhamos o hábito de adorar coisas ou pessoas - os deuses da Antiguidade, o Deus da Idade Média ou os reis da monarquia absolutista. "O homem costuma ligar-se a algo sobrenatural ou de caráter divino como saída para momentos de repressão", afirma a professora de comunicação da USP Maria de Lourdes Motter. Mas com o passar do tempo, as entidades adoradas foram ficando cada vez mais terrenas.

Coube aos famosos sentarem-se nos tronos outrora ocupados por reis e deuses. Com uma vantagem (ou desvantagem?): tudo o que fazem e falam alcança um número infinitamente maior de pessoas. Apoiada na mídia, a indústria das celebridades despontou para a fama com as primeiras estrelas de Hollywood, nos anos 30. E daí cresceu com a velocidade de uma boa fofoca, até despertar a atenção dos acadêmicos nos anos 60. Foi nessa época que o historiador americano Daniel Boorstin cunhou uma das mais precisas definições da fama nos dias atuais: "O herói é distingüido por seu conhecimento; a celebridade, por sua imagem. A celebridade é a pessoa notória por sua notoriedade".

Ao mundanizar a fama, transformamos o ídolo. Hoje ele não precisa ter virtudes. Nem talento. O sucesso dos participantes de reality shows comprova isso - eles são conhecidos por serem alguém e não por terem feito algo. Porém, é impossível acreditar que a condição básica para ser ídolo tivesse se transformado tanto sem a ajuda daqueles que sustentam todo esse esquema: nós, aqui do outro lado da tela. "O fã transforma o ídolo numa versão perfeita de como ele queria ser", diz o professor de comunicação P. David Marshall, da Universidade Northeastern, nos Estados Unidos. As celebridades tornam-se pessoas familiares, que vemos sempre na televisão, na revista, no cinema. Até elas passarem a representar uma nova comunidade de pessoas sobre as quais sabemos tudo - embora nem ao menos a conheçamos. É exatamente aí que está a raiz do porquê...



...AMAMOS ODIAR OS FAMOSOS

Assim como fazemos com as pessoas próximas, também julgamos os comportamentos dos famosos. E por nos sentirmos tão próximos aos famosos, estendemos a eles os mesmos critérios de avaliação que vão determinar, por exemplo, se gostamos ou não do vizinho. "Quando Hugh Grant foi pego com uma prostituta enquanto namorava Liz Hurley, mostrou arrependimento genuíno", afirma o escritor americano Andrew Breitbart, autor de Hollywood Interrupted ("Holywood Interrompida", sem versão em português). "A maioria das pessoas imediatamente o perdoou. Isso porque ele mostrou a humildade que não costuma estar associada com os ricos e famosos." De acordo com o escritor, quando temos qualquer tipo de ressentimento em relação à celebridade, tendemos a ficar felizes quando algo de ruim acontece a ela. É o que os alemães chamam de schadenfreude, que quer dizer algo como ter prazer com a desgraça alheia.

Voltemos então ao ponto de origem. Por que Pânico na TV faz tanto sucesso? Por que um bando de marmanjos com um prazer quase sádico em fazer piadas com pessoas conhecidas atrai tanto? "Porque programas assim mostram que os famosos também são iguais a todo mundo, iguais a mim e a você - ou seja, também são falíveis e pagam mico", afirma a antropóloga Maria Claudia Coelho, autora do estudo acadêmico A Experiência da Fama.

"Acho que nos tornamos uma espécie de porta-vozes de algumas pessoas que, se pudessem, falariam para os famosos as mesmas coisas que falamos", afirma Wellington Muniz, o Ceará, um dos humoristas do Pânico. Rodrigo Scarpa, o repórter Vesgo, concorda: "Apenas critico a celebridade sem conteúdo, aqueles que acham que são famosos mas não mostram nada para o público". Na prática, não é bem assim. As vítimas não precisam ser necessariamente celebridades menos talentosas ou "sem conteúdo". Vai dizer que você não daria risada se Vesgo e companhia fizessem uma de suas perguntas desconcertantes para, por exemplo, Nicole Kidman - que além de belíssima, é considerada por muitos especialistas uma das mais talentosas atrizes de sua geração? Será que mora aí uma pontinha de inveja? Para o professor Leo Braudy, da Universidade Southern California, o sentimento que temos ao ver um famoso como vítima de uma piada tem a ver com o poder que exercemos sobre a tal celebridade. "Não é inveja. Nós não necessariamente queremos ser ela ou ter seus privilégios", afirma. "O que nós queremos é que ela saiba que deve sua fama a nós, a audiência. Nós demos a ela nossa atenção e é melhor ela perceber que, sem nós, não é nada. Tirar sarro dela, satirizá-la, é o preço que a fazemos pagar."
Ao mostrar os famosos em cenas pouco usuais - como o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin respondendo que achava justa a eleição que o colocara como o segundo "careca do ano", atrás do prefeito paulistano, José Serra -, o Pânico tem o que alguns críticos afirmam ser uma "função social". "Gostamos de ver os famosos sendo feitos de bobos porque, assim, podemos nos sentir melhor por sermos quem somos", afirma o escritor Andrew Breitbart. Respiremos aliviados: ah, como é bom ser anônimo...


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