sábado, 15 de abril de 2017

Casa de Pensão - Parte 4 de 5 - Aluísio Azevedo


Casa de Pensão - Parte 4 de 5 - Aluísio Azevedo



       que eu lhe tome o amante da irmã!
      - Insolente! Bradou o Coqueiro, avançando um passo.





      - Não te tenho medo, ordinário! Retrucou Lúcia empinando o peito contra ele. - Sairei 
daqui se bem quiser! Não te devo nada, entendes tu?! Nada!
      - Ah! Não deve porque ele pagou!
      - E que tem você com isso?! Que tem você com o dinheiro dos outros?! Ou, quem sabe 
se a donzela da irmã passou-lhe procuração!...
      Seja lá pelo que for! Eu é que não a quero aqui, nem mais um instante. É fazer a trouxa e  
- rua!
      - Também não preciso ficar  nesse bordel! Exclamou ela, e rabanou com direção ao 
segundo andar.
      - Que diz você, sua aquela?! Assistiu Mme. Brizard, cortando-lhe o caminho.
      - É isso mesmo! Respondeu Lúcia, escarrando no chão com desdém. E as duas mulheres 
ficaram alguns segundos a olhar em silêncio uma para a outra, de mãos nas cadeiras.
      Coqueiro e  Dr. Tavares meteram-se entre elas.
      Lúcia subiu ao n.º 8, aprontou as malas num abrir e fechar de olhos, em seguida vestiu-se 
para sair, e já de chapéu, a sombrinha na mão, o indispensável enfiado no braço, correu ao 
quarto de Amâncio.
      - Sabes? Bradou logo ao entrar, empurrando a porta com fúria. - Aquela bêbada e o 
marido acabam de me enxotar daqui por tua causa! Têm medo que eu te coma! Não posso ficar 
nem mais um instante! Desejo que me emprestes o Sabino!
      - O Sabino estava às ordens, mas para onde se atirava ela com tanta precipitação?
      - Não sabia! Havia, porém , de encontrar um canto, onde se metesse! Havia de descobrir 
um buraco, ainda que fosse no cemitério!
      E Lúcia levantou os punhos até às fontes como para se esmurrar, mas cobriu o rosto com 
as mãos e abriu num pranto muito nervoso. Era a reação que chegava.
      Amâncio saltou da cama e correu para ela. Desembaraçou-a do chapéu, da bolsa e da 
sombrinha e puxou-a depois sobre si.
      - Não te consumas...disse - não te mortifiques desse modo.
      - Sou uma desgraçada! respondeu a mulher, assoando as lágrimas  . - Nada se cumpre 
do que eu desejo! Nada! O melhor é dar cabo desta vida miserável!
      E soluçava com o rosto escondido no peito do rapaz.
      Na febre daquele choro agitado, os seus movimentos transformavam-se em carícias. 
Amâncio sentia-lhe as lágrimas quentes e o contacto carnal dos lábios, que elas ensopavam. Os 
desejos assanhavam-se-lhe de novo pelo corpo, como insetos que voltam com o calor.
      - E tornava a cobiça-la com os mesmos ardores primitivos.
      Não me queria separar de ti...queixou-se ela, afinal, virgulando as sua frases com soluços 
suspirados. - Em ti havia firmado todas as minhas esperanças de ventura, todos os sonhos de 
minha vida! Amava agora a existência, só porque alguma coisa me fazia acreditar que ainda um 
dia seríamos felizes!
      - E porque não havemos de ser?...perguntou Amâncio condolentemente.
      - Ora!...prosseguiu ela, - tudo me persegue, tudo me sai contrário...Foi bastante que eu te 
amasse, foi bastante pensar que poderíamos ser um do outro, para que aqui se levantassem todos 
contra mim e ferissem a guerra que tens visto!
      E, desagarrando-se de Amâncio, para segurar de novo a cabeça, num movimento de 
embaraço doloroso:
      Mas, imagina tu, que estou inteiramente sem recursos!...Tenho que fazer a mudança e 
ainda não sei como pagar o carreto das malas!...Vê tu que situação!
      Amâncio beijou-a na boca e perguntou se ela não lhe dava uma esperançazinha para 
depois que se mudasse.
      Lúcia respondeu que dava, não uma esperança, mas uma certeza". E sem desprender os 
lábios dos lábios do rapaz, afiançou - que lhe mandaria dizer  por escrito o lugar onde seria 


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encontrada; e que ele fosse por lá as vezes que entendesse. - Aí ao menos estariam livres do 
Coqueiro e das outras   pestes!
      - prometes então?...insistiu ele , procurando garantir o compromisso.
      - Prometo, prometo o que quiseres, tudo! Disse ela, ainda chorosa.
      Amâncio foi à algibeira do fraque, abriu a carteira. Havia trezentos mil-réis, tomou uma 
nota de cem e entregou-a a Lúcia, dizendo com pesar que era o único dinheiro que possuía na 
ocasião.
      - Talvez te façam falta...considerou ela escrupulosamente, sem querer tocar na cédula.
      - Não! não! apressou-se a declarar o rapaz. - Desculpa não te poder  ser mais agradável.
      Lúcia beijou-o de novo, e desceu enfim ao primeiro andar, acompanhada pelo Sabino 
que já estava à sua disposição.
      Ordenou ao moleque de buscar, num pulo, uma carrocinha, e logo que esta chegou fez 
embarcar as malas e mandou chamar uma carruagem.
      Enquanto esperava, reclamou a sua conta, atirou com o dinheiro sem olhar para quem o 
recebia, embolsou o troco e, em seguida, foi acordar o Pereira.
      - Onde vamos? Perguntou este entre dois bocejos, assim que a viu em trajes de sair.
      - Venha daí, homem! E deixe-se de perguntas!
      Pereira levantou-se espreguiçando-se e acompanhou a mulher.
      Esta o fez entrar na carruagem que já havia chegado, assentou-se junto dele e disse ao 
cocheiro que tocasse par a Tijuca. Deu-lhe o número.
      Era o número de uma outra hospedaria nas mesmas condições da que deixavam. Lúcia, 
que já pressupunha aquelas rápidas mudanças, tinha, por cautela, uma lista das principais casa 
de pensão da Corte e, à medida que se servia de cada uma, riscava-a da coleção. A do Coqueiro 
era no rol a Sexta inutilizada com o traço enérgico de seu lápis.
      Entretanto, ia o Pereira silenciosamente se atufando nas almofadas e, aos balanços 
monótonos do carro, procurava reatar o sono interrompido
      
      
      XIII
      
      
      A casa de pensão de Mme. Brizard sofreu muito com as variolóides de Amâncio. 
Desmanavam-se hóspedes que era uma coisa por demais.
      O gentleman,  o Piloto e a pérola do n.º 9, "o estimável Melinho", desde a fatal noite 
das cataporas, não davam notícias suas; Fontes e a mulher sumiram-se logo no dia imediato, e, 
por conseguinte, não metendo o tal médico  do n.º 11, que já não aparecia há bastante tempo, 
apenas seis hóspedes restavam dos quatorze primitivos.
      E ainda mesmo destes seis nem todos eram aproveitáveis; porque o Paula Mendes e mais 
a mulher levantariam o vôo, assim que    lhes chegasse uma aragenzinha de dinheiro, e o 
estafermo do n.º 7 também estava a se despedir por um daqueles dias, não da casa, mas do 
mundo.
      Certos, só Amâncio, o guarda-livros, e o esquisitão do Campelo que, fugindo ao pigarro 
do tísico, mudara-se para o andar de baixo, mal pilhara um cômodo desocupado.
      Mme. Brizard estava, pois, inconsolável. - Em sua vida de hospedeira jamais tivera um 
mês tão ruim!
      E azoinada por essas contrariedades e já de natureza um tanto supersticiosa, agora em 
tudo descobria sinais de agouro e motivos para desconfiança. - Pois se até o ilustre Sr. 
Lambertosa, "o respeitável gentleman, a flor dos homens finos, uma criatura tão cheia  de 
circunspeção", quem diria?...aproveitar ao ensejo das bexigas para lhe passar a perna!
      E o Melinho? "estimável Melinho! A pérola do n.º 9, o homem das frutas cristalizadas!" 


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também não deixara as suas contas em aberto?...
      Só o  Piloto, o estúrdio, aquele de quem menos se esperava, aparecera três dias depois 
da fugas, perguntando, ainda muito escabreado, de quanto era a sua dívida.
      - É mesmo caiporismo! Gemia a francesa.
      O marido, porém, soprava-lhe a coragem: _Ela que não desanimasse por tão pouco! Nem 
tudo se perdera! Enquanto tivessem o Amâncio não se podiam queixar da sorte; este valia por 
todos os outros!
      Mas o precioso Amâncio não estava também muito satisfeito com a casa, talvez 
desconfiado que a esta coubesse em parte a responsabilidade daquele maldito reumatismo que, 
ora parecia extinto e ora o obrigava a guardara cama, tolhido de dores.
      A noite, quando lho permitiam as pernas, descia a cavaquear na varanda com os 
senhorios. Agora os serões tinham um caráter mais íntimo e eram freqüentemente animados com 
a presença de uma família, que voltara às relações de Mme. Brizard depois de seis meses de 
inimizade.
      Tocava-se de piano, jogava-se a víspora quase todos os dias e, às vezes, se dançava
      A casa de pensão nunca ofereceu aos seus hóspedes um aspecto tão divertido; menos 
para o rabequista, o Paula Mendes, que parecia cada vez mais triste e apoquentado da vida. A 
circunstância de já não comer à mesa do Coqueiro obrigava-o a desperdiçar muito tempo com o 
restaurante e dificultava-lhe a subsistência da mulher, cujo mau humor ia azedando ao peso da 
tanta necessidade e de tanta humilhação. O infeliz marido conseguiu afinal que ela fosse passar 
alguns meses na companhia dos parentes em Niterói.
      Mme. Brizard, ao vê-la partir, receou a premeditação de uma fuga e exigiu logo que o 
Mendes, para garantir a dívida, hipotecasse o piano que tinha no quarto
      O pobre homem consentiu, sem dizer palavra, mas, de envergonhado, deixou de 
aparecer nos serões da sala de jantar.
      E desde então, por alta noite, quando toda a casa era silêncio, Amâncio ouvia no 
corredor o som de passos trôpegos e um vozear confuso de alguém quer monologava..
      
      
      * * *
      
       A casa de  pensão, definitivamente, ia se tornando insuportável ao estudante.
       Não podia sair à rua; o médico, havia quase um mês, jurara pô-lo pronto em quatro dias, 
se Amâncio não fizesse alguma extravagância; as conversa de toda a família Coqueiro, à 
exceção de Amelinha, o enfastiava; a leitura muito pouco o distraía, e, para complemento do 
enjôo, o maldito tossegoso do n.º 7, o qual por caridade entregara ele ultimamente ao seu 
médico, parecia morrer de cinco em cinco minutos e não lhe dava um momento de sossego.
      Mas a causa principal desse tédio era, sem dúvida, a ausência de Lúcia. Desde que ela se 
foi, o coração do rapaz turgia de saudade; longe de esquecê-la, cada vez a desejava com mais 
sofreguidão.
      AS trevas da ausência faziam-na destacar melhor e mais linda, como um fundo negro a 
uma estátua de mármore.
      Sentiu sobressaltos deliciosos quando recebeu a primeira carta das mãos dela. Era 
extensa, cheia de imagens poéticas e figuras de grande alcance amoroso; terminava dizendo 
que" Amâncio, logo que pusesse os pés na rua, a fosse procurar". O endereço vinha à parte, num 
pedacinho de papel.
      E não poder ir quanto antes!...Que espiga!, considerou ele, sinceramente penalizado.
      E cresciam-lhe os enjôos. 
      Só Amélia, com os estiletes da sua perceptibilidade feminina, consegui penetrar no 
âmago daquelas tristezas, mas não se deu por achada e redobrou de desvelos e meiguices para 


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com ele.
      Amâncio, por mais de uma vez, beijou-lhe as mãos suspirando que ela era o seu bom 
anjo, a sua consolação única no meio de "tantos dissabores"!
      Assim se passaram quinze dias. O apaixonado já a tratava por tu, por você e raras vezes 
por senhora.
      Era a piedosas Amelinha quem lhe arrumava o quarto, quem lhe cuidava da roupa, e, já 
por fim,. Era até quem lhe levava o cafezinho pela manhã. Mas não entrava, apenas metia o 
braço pela abertura da porta que ficava sempre encostada, depunha cautelosamente a xícara 
sobre soalho, e, se Amâncio ainda dormia, gritava-lhe no seu falsete aprazível:
      - Preguiçoso, acorde! São horas!
      Depois, apanhava novamente as saias e descia a escada, ligeira e sem rumor.
      Outras vezes, ao anoitecer, subia para lhe pedir um livro emprestado, para saber se ele 
queria chá no quarto ou se preferia descer à sala de jantar. Sempre havia um pretexto para lá ir e, 
depois de lá estar, sempre arranjava um motivo de demora. Entretinha-se a ver o que se achava 
sobre a mesas; examinava tudo; lia a lombada dos  livros, e brincava com um esqueleto que 
jazia pendurado a um  canto do quarto.
      Amâncio, de uma feita, não pôde deixar de rir, quando a encontrou muito espantada a 
examinar as gravuras de um tratado fisiológico de Vernier.
      Estava ,porém , mais e mais convencido de que toda aquela familiaridade e toda aquela 
confiança da rapariga procediam do modo e das maneiras respeitosas e fraternais com que ele, 
até ali, a tratara. E então fazia  por domar os seus impulsos luxuriosos, receoso de cair-lhe em 
desagrado.
      Verdade é que , em grande parte, contribuía para esse estranho heroísmo do garanhão, 
não só a moléstia, como a ilimitada confiança que, muito propositalmente depositavam nele o 
Coqueiro e a mulher.
      Se Amélia e Lúcia trocassem os papéis, isto é, se aquela se negasse e esta se oferecesse, é 
de supor que Amâncio desdenhasse a última e ambicionasse a primeira.
      Mas o Sr. João Coqueiro, apesar de tão fino, não calculou que, em naturezas viciadas 
como a de Amâncio, o mais forte estímulo para o amor é a proibição.
      Embalde deixavam o rapaz horas e horas no salão, às voltas com a menina; embalde 
Mme. Brizard lhe dava a perceber o quanto era ele amado pela cunhada; embalde lhe chamava 
"coração de gelo"; embalde lhe preparava todos os laços. - Nada produzia o efeito desejado; 
Amâncio tornava-se cada vez mais respeitoso e mais frio em presença de Amélia.
      Era para desesperar!
      Uma ocasião, todavia, estava ele no quarto, de costas para a porta e muito entretido a ler 
defronte o gás, quando Amélia, pé ante pé, entrou sem ser sentida e, encaminhando-se contra o 
moço, tomou-lhe a cabeça nas mãos e cobriu-lhe o rosto de beijos.
      Amâncio quis prendê-la, mas a rapariga não se deixou enlear, e fugiu, como um pássaro 
assustado.
      
      * * *
      
      O rapaz, então, nunca mais receou lhe cair em desagrado. Mas o demônio do reumatismo 
lá estava erguido entre ele e a provocadora menina. A despeito do tratamento, as dores 
recrudesciam-lhe de vez em quando e assanhavam-lhe a bílis. Amâncio principiou a emagrecer, 
tomado de uma estranha prostração, muito assustadora. O médico aconselhou-o, logo a que se 
mudasse para um arrabalde de bons ares, como Santa Tereza, por exemplo, e esta notícia 
produziu enormes sobressaltos na família dos locandeiros.
      Mme. Brizard parecia ter um filho em risco de vida; Coqueiro declarou, cheio de 
dedicação, que não deixaria o  "pobre amigo " ir assim desamparado para uma casa de saúde ou 


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para um hotel; Amelinha choramingava ao lado da cama do enfermo, e, quando se achava a com 
este, beijava-lhe as mãos, afagava-lhe os cabelos e soluçava palavras de ternura.
      Nesses dias Amâncio era o assunto obrigado das conversas da casa. À mesa e durante os 
serões não se falava noutra coisa. Lembravam-se todos os expedientes: - uma mudança geral da 
família; alugar fora uma casinha e levá-lo de passeio até que se restabelecesse; abandonar  a 
casa de pensão ou entregá-la aos cuidados de alguma pessoa de confiança.
      Nada, porém, ficava resolvido. A conversa turbinava em volta do mesmo assunto, sem 
descobrir uma saída.
      Nini era a única que parecia não se importar com tudo aquilo; de olhos muito abertos, 
sonâmbula, ouvia em silêncio as conversas da família, apenas suspirando de espaço a espaço.
      Não obstante, já uma noite estava a casa recolhida, quando despertaram alarmados com 
o baque de um corpo que, entre medonhos gritos , rolava pela escada do segundo andar.
      Acudiram todos, num levante.
      - _Que acontecera?! Que acontecera?!
      Nini, coberta de sangue, jazia estendida sem sentidos ao sopé da escada. Rolara vinte 
degraus e partira a cabeça em dois lugares.
      Ia fazer uma visita ao seu esquivoso enfermo, mas no patamar da maldita escada, 
perdera o equilíbrio e baqueara desastradamente.
      Tomaram-lhe as feridas a pontos falsos, friccionaram-lhe o corpo inteiro com aguardente 
canforada e deram-lhe a beber cerveja preta.
      Supunham, todavia, que amanhecesse morta. Foi o contrário: Nini melhorou muito de 
seus antigos padecimentos e apresentou uma inesperada lucidez de idéias, como há muito não 
possuía. -  O choque fizera-lhe bem e não menos o sangue que derramou da cabeça, afiançou o 
médico.
      Aquele trambolhão era uma providência!
      À noite, conversou-se bastante a esse respeito; vieram as amigas de Mme. Brizard; 
choveram os comentários sobre Nini; citaram-se as anedotas correlativas ao fato, e Amâncio, 
que se achava então mais desembaraçado das pernas, entendeu de sua obrigação fazer uma 
visita à pobre criatura.
      Nini estava melhor que nunca, tranqüila; havia comido regularmente e mostrava-se até 
mais satisfeita e mais comunicativa; ao dar, porém, com Amâncio, que entrara no quarto com o 
seu risinho de boa amizade, abriu de repente a estrebuchar na cama, bramindo impropérios e 
atassalhando as roupas. 
      Para sossegar um pouco foi preciso que o rapaz fugisse o mais depressa de sua presença. 
E, desde então, a desgraçada não o podia ver, que lhe não voltassem logo as insânias e os 
frenesis
      Estabeleceu-se um cuidado enorme para evitar que os dois se encontrassem. Já não era 
permitido a Amâncio dar um passo fora do quarto, sem se precaver e indagar se Nini estava por 
ali perto.
      O médico declarou que um novo encontro exacerbaria os padecimentos da enferma e 
talvez lhe produzisse a loucura absoluta.
      Mme. Brizard pranteava-se toda, quando lhe falavam na filha. - Era uma desgraçada, 
dizia, com os olhos epispados pelo esforço que faziam - era uma grande desgraça! Antes Deus a 
levasse logo para si, coitada!
      Um encontro, que Amâncio não pudera evitar, a despeito de suas precauções, deixou 
Nini em tal excitação nervosa, que o doutor proibiu que a consentissem fora do quarto. Ficou 
presa desde esse dia.
      Malgrado a felicidade prevista ao lado de Amélia, o provinciano sentia já bastante 
desejo de se tirar dali. - Assim estivesse bom!
      Campos, em uma visita que lhe fez por essa ocasião, falou muito na generosidade com 


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que se portara a família do Coqueiro durante a moléstia do rapaz. - Que aquilo era uma fortuna 
que nem todos abichavam! Citou principalmente as canseiras de Amelinha e concluiu 
declarando que, segundo o seu fraco modo de pensar, Amâncio tinha obrigação de fazer à 
menina um qualquer presente de valor.
      Sim! porque, no fim de contas. Era muito difícil encontrar daquilo nas casa de pensão
      ! Outros foram eles, que Amâncio teria de Pôr os quartos na rua! - Não. 
Inquestionavelmente, era preciso dar o presente!
      E, depois de se concentrar numa pausa:
      - Aí uma jóia de uns cem mil-réis...Que diabo! Esse dinheiro não o faria pobre...
      Mas o estudante, em voz discreta e abafada, confessou ao Campos que a brincadeira não 
lhe havia saído tão de graça, como parecia à primeira vista: Só no mês passado gastara perto de 
seiscentos mil-réis, sem contar que o Sabino vivia numa dobadoura, de casa para a botica e da 
botica para a casa, e eram remédios para Nini, remédios para o tísico do n.º 7, água de flor de 
laranja para Mme. Brizard, xaropes para o Coqueiro; um inferno!...E que toda essa droga caía na 
sua conta! - E os dinheiros emprestados?...E as fitas, os botões, as linha, as tiras bordadas, que 
Amelinha estava sempre a lhe pedir que mandasse buscar nos armarinhos sem nunca dar 
dinheiro para isso?...Não! O Sr. Luís Campos não lhe podia calcular o que havia! - Hoje cinco 
mil-réis, amanhã vinte! E, no tirar das contas, parecia que tudo isso, em vez de ser descontado, 
era aumentado nas suas despesas!...Que tal?!-  Recebera obséquios, sim senhor! mas também 
puxara muito pela bolsa!
      Campos ignorava aquelas particularidades!...Mas entendia que Amâncio, nem menos por 
isso devia menos obrigações à família do Coqueiro.
      E ofereceu a "sua modesta choupana", caso o estudante não quisesse continuar ali.
      Amâncio rejeitou, um tanto por se lembrar das esperanças que embalava a respeito de 
Amélia, um tanto por se não querer sujeitar ao regime do negociante e um tanto por mera 
cerimônia.
      - Enfim, disse o marido de Hortênsia, despedindo-se-  acho que o senhor deve fazer o 
presente e tratar logo de sair daqui; já não digo pela questão da despesa, mas porque lhe convém 
à saúde. 
      Escolha um arrabalde de bons ares ou então dê um passeio a Petrópolis; o médico 
afiançou-me que o senhor tem ameaços de uma febre paludosa, e isso é o diabo na época que 
atravessamos: a febre amarela grassa por aí que não é brinquedo!
      
      * * *
      
      Logo que constaram as novas disposições de Amâncio a respeito de mudança, houve 
uma grande consternação por toda a casa.
      - Deixar-nos?! Exclamou Mme. Brizard em sobressalto. - Não consentimos! Se para o 
seu completo restabelecimento é necessário um arrabalde, vamos todos para o arrabalde! Só - 
isso é que não! Seria até uma falta de humanidade, coitado!
      E formou-se um zunzum de opiniões. Cochichava-se pelos cantos, em magotes, 
discreteando-se projetos em voz de mistério, como se se tratasse de um moribundo. O Coqueiro 
andava de um para outro lado, coçando desesperadamente a cabeça, gesticulando, à procura de 
um meio de conciliar os seus interesses.
      Amélia, afinal, subiu ao quarto do doente, e, com uma aflição a quebrar-lhe a voz, toda a 
tremer, os olhos úmidos, perguntou se ele tencionava deixar a casa.
      Amâncio, ignorando o que ia por baixo a seu respeito, trejeitou uns momos de 
indiferença e respondeu: "que não sabia ainda ao certo...havia de ver!...mas o médico lhe 
ordenara que fosse..."
      Como se só esperasse por aquelas palavras, o pranto da menina irrompeu violentamente.


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      Ele, meio surpreso, a tomou nos braços, indagando com ternura  "o que significava 
aquilo?..."
      Amélia não respondeu logo, mas depois, levantando a cabeça, que lhe havia pousado no 
colo, exclamou entre soluços angustiados: - Não! não! não hás de ir ! peço-te que não vás!
      O provinciano quis saber por quê.
      - Eu te amo! disse ela, escondendo de novo o rosto. - Eu te amo e não posso me separar 
de ti! Vejo a sua indiferença ! percebo que me detesta, mas que hei de eu fazer?! Adoro-te, meu 
amor!
      - Ah! se eu não estivesse tão doente!...suspirou Amâncio.
      
      XIV
      
      O tísico do n.º 7 há dias esperava o seu momento de morrer, estendido na cama, os olhos 
cravados no ar, a boca muito aberta , porque já lhe ia faltando o fôlego.
      Não tossia; apenas, de quando em quando, o esforço convulsivo para atravessar os 
pulmões desfeitos sacudia-lhe todo o corpo e arrancava-lhe da garganta um a ronqueira lúgubre, 
que lembrava o arrulhar ominoso dos pombos.
      Contavam que expirasse a todo o instante. Amâncio cedera o seu moleque para lhe fazer 
companhia, e dos brancos da casa era o único que lhe aparecia lá uma vez por outra. 
      Não é que  o espetáculo daquele aniquilamento lhe tocasse o coração, mas  porque lhe 
mordiscava a curiosidade com esse frívolo interesse de pavor, que nos espíritos românticos 
provocam os loucos e os defuntos.
      Uma noite, seriam duas horas da madrugada, o tísico gemeu com tal insistência que 
acordou o estudante. Amâncio levantou-se, tomou uma vela e foi até o quarto dele.
      Ficou impressionado. O homem estava muito aflito, debatendo-se contra os lençóis, no 
desespero da sua ortopnéia A cabeça vergada para trás, o magro pescoço estirado em curva, a 
barba tesa, piramidal, apontando para o teto; sentiam-se-lhe por detrás da pele empobrecida do 
rosto os ângulos da caveira; acusavam-se-lhe os ossos por todo o corpo; os olhos, extremamente 
vivos e esbugalhados, de uma fixidez inconsciente, pareciam saltar das órbitas, e, pelo 
esvazamento da boca toda aberta, via-se-lhe a língua dura e seca, de papagaio, e 
divisavam-se-lhe as duas filas de dentadura.
      Não podia sossegar. O seu corpo, chupado lentamente pela tísica, nu e esquelético, 
virava-se de uma para outra banda, entre manchas excrementícias, a porejar um suor gorduroso e 
frio, que umedecia as roupas da cama e dava-lhe à pele, cor de osso velho, um brilho 
repugnante.
      Faltava-lhe o ar e, todavia, pela janela aberta para o nascente, os ventos frescos da noite 
entravam impregnados da música de um baile distante, e punham no triste abandono daquele 
quarto  uma melancolia dura, um áspero sentimento de egoísmo; alguma coisa da indiferença 
dos que vivem pelos que se vão meter silenciosamente dentro da terra.
      O médico recomendara que lhe dessem todo o ar possível e lhe fizessem beber de  
espaço a espaço uma porção do calmante que lhe receitara. Uma lamparina de azeite fazia 
tremer a sua miserável chama e cuspia  o óleo quente. Havia um cheiro enjoativo de moléstia e 
desasseio.
      Sabino dormia a sono solto no corredor. Amâncio acordou-o com o pé.
      - É dessa forma que velas pelo homem? perguntou.
      O moleque ergueu-se estremunhado e deu alguns passos, esbarrando pelas paredes, sem 
cair em si.
      - Vamos! Desperta por uma vez e dá-lhe o remédio! Ele parece que tem sede!
      O tísico, ao ouvir a voz de Amâncio, principiou a agitar os braços, como se o chamasse, 
grugulejando sons roucos e ininteligíveis.


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      O estudante não quis atender, mas o doente insistia com tamanho desespero, que ele, 
afinal, vencendo a repugnância, se aproximou, a conchear a mão contra a língua trêmula da vela.
      Apesar de seus fracos estudos  de medicina, fazia-lhe mal aos nervos aquela figura 
descarnada, que se exinania na impudência aterradora da morte; faziam-lhe mal aqueles 
membros despojados em vida, aquele esqueleto animado, que, na sua distanasia, parecia 
convidá-lo para um passeio no cemitério.
      E o tísico rouquejava sempre, agitando os braços.
      O moleque, ao lado, derramava-lhe colheradas de remédio na boca; mas o líquido 
voltava em fios pelo canto dos lábios do moribundo e escorria-lhe ao comprido do pescoço e 
pela aridez escalavrada do peito.
      Amâncio tomou-lhe um dos pulsos. O contacto pegajoso e úmido fez-lhe retirar-lhe logo 
a mão com um arrepio.
      - Creio que não deita esta noite! Disse ao moleque, afetando tranqüilidade, mas com a 
voz sumida e alterada.
      - Qual, nhô, ele está assim a um ror de dias! Leva nisto e não decide!...
      - Não! Creio que agora está morrendo...
      E olhou para o doente. 
      Este espichou a cabeça e respondeu que não, com um movimento demorado.
      - Ele ouviu?...Perguntou Amâncio, impressionado com a intervenção inesperada do 
moribundo.
      A caveira tornou a agitar-se nos travesseiros para dizer que sim.
      - Olha!...fez o estudante arregalando os olhos. E aproximou-se da porta, recomendando 
ao Sabino que se não descuidasse da pobre criatura; que se não pusesse a dormir como ainda há 
pouco!
      O tísico, que havia serenado alguma coisa com a presença do rapaz, principiou de novo a 
espolinhar-se, rilhando os dentes e agitando os braços e as pernas.
      Amâncio, porém, não atendeu desta vez e saiu. O tísico rosnou com mais ânsia, 
procurando lançar-se  fora do leito, numa aflição crescente.
      - Fica quieto! Gritou Sabino, obrigando-o a deitar-se.
      
      
      
      * * *
      
      Logo que o estudante se afastou com a vela, o quarto recaiu na sua dúbia claridade 
modorrenta. Os ventos frios da madrugada continuavam a soprar. O moleque foi até a janela, 
olhou a rua em silêncio, acendeu um cigarro e, quando viu que o seu homem parecia serenado, 
tratou de reassumir o sono.
      O senhor é que não podia sossegar, com a idéia naquele pobre rapaz, que ali morria aos 
poucos, sem família, nem carinhos de espécie alguma; sem Ter ao menos quem o tratasse, nem 
dispor de um amigo que se compadecesse dele.
      - Infeliz criatura! Pensava .- Além do mais, longe da pátria, longe de tudo que lhe podia 
ser caro!
      E, sacudido de estanhas condolências, imaginava o pobre desterrado saindo de sua 
aldeia em Portugal, atravessando os mares, atirado no convés de um navio, afinal no Brasil, 
neste país-sonho, a trabalhar dia a dia durante uma mocidade, e economizar, e sofrer privações; 
depois - falir, perder tudo de repente, achar-se em plena miséria e com a ladra da tísica a 
comer-lhe os pulmões! Oh! cortava a alma!
      Não se podia esquecer do desespero com que o desgraçado o chamava, como se lhe 
quisesse pedir alguma coisa, fazer alguma revelação: - Talvez, quem sabe? Até o tomasse, no seu 


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delírio, por algum amigo: porque Amâncio se se não enganava, chegara a distinguir-lhe balbuciar 
o nome de alguém. - Não podia ser outra coisa, o mísero chama v apor um amigo!
      - Mas, também, que idéia, a sua, de andar por aquelas horas a visitar moribundos! Que 
diabo tinhas ele, no fim de contas, com o tal tísico?...Ora essa!
      O vulto esquelético não lhe saía. porém, de defronte dos olhos, com a sua ronqueira 
lúgubre, sempre a lhe estender os longos braços sem músculos e a rolar nas órbitas, 
convulsivamente, aqueles dois bugalhos luminosos. 
      Fechou a porta do quarto, despiu o sobretudo que havia enfiado, apagou a vela e 
recolheu-se à cama.
      
      * * *
      
      Era inútil; o sono não vinha; o quarto às escuras fazia-lhe mal aos nervos. No fim de 
meia hora, ergueu-se novamente, tentou acender um bico de gás, haviam fechado no registro; 
recorreu à vela e assentou-se à mesinha diante de um livro.
      O tísico gemia.
      - Que maçada! resmungou Amâncio, sem se poder safar da impressão  que trouxera do 
quarto "daquele diabo"! E cansava os olhos contra as páginas do  livro, lendo sem 
compreender.
      Vinham-lhe bocejos repetidos, ardiam-lhe os olhos.-   Agora talvez dormisse. O 
importuno parecia sossegado, pelo menos não se lhe ouvia gemer.
      Amâncio voltou à cama, sem ânimo de apagar a vela.
      Quando estava quase adormecido, passos agitados no corredor o despertaram em 
sobressalto e uma pancada em cheio na porta fê-lo erguer-se  de pulo e precipitar-se para ela.
      Sabino e o tísico vieram-lhe à memória. Ouriçaram-se-lhe os cabelos, enlixou-se-lhe a 
pele, e o coração bateu-lhe com mais força.
      -  Que teria sucedido? A mão tremia-lhe ao forçar o trinco.
      A porta afinal cedeu, e Amâncio sentiu cair desamparadamente no chão o corpo 
comprido e nu do héctico.
      Estava horrível. Queria erguer-se, e em vão agitava as pernas e os braços. Amâncio 
tentou ajudá-lo, gritando ao mesmo tempo pelo Sabino. Os membros do tísico pareciam 
quebrar-se-lhe nas mãos, que escorregavam com a gordura fria do suor, e no  soalho manchas 
de umidade desenhavam-lhe já o feitio do corpo.
      O estudante desejava chamar por alguém. - O Sabino dormia com certeza! -  Peste! Fez 
um movimento para sair; mas o esqueleto agarrou-lhe violentamente os pulsos e pediu-lhe com 
uns vagidos dolorosos que ficasse.
      De seus olhos corriam duas lágrimas compridas.
      Depois de um esforço terrível, conseguiu falar. Eram sons apenas murmurados, fracos, 
quase imperceptíveis
      Amâncio tinha razão: O desgraçado, no delírio de sua fraqueza, o tomara por algum bom 
amigo. Suas palavras  vinham-lhe aos lábios roxos impregnadas de confiança e de amor. Falava 
de coisas  estranhas ao outro;  perguntava-lhe  por indivíduos  desconhecidos para Amâncio e 
reprochava-lhe  a culpa de não  ter vindo  mais cedo.
      Depois  referiu-se  dolentemente  à sua terra; tratou da infância,   rindo,  com os 
olhos  cheios  d'água. Pediu que Amâncio, logo que lá voltasse, fosse à   procura do senhor 
padre, e encomendasse-lhe três  missas.
      Em seguida, fez um esforço  para chegar ao ouvido do rapaz e começou, em ar de 
mistério, a ensinar-lhe um caminho longo, muito  longo...  Explicava-lhe ruas, as voltas que era 
necessário  fazer para chegar lá; afinal, dava-se com uma choupana.  Uma velhinha  entrevada 
fazia meia a um canto da casa.  Amâncio  que  se aproximasse  dela e lhe dissesse em segredo  


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que o  João, o seu querido filho...
      Uma agonia violenta tolheu-lhe a fala. Ele ainda  tentou   dizer  alguma coisa, mas o 
sangue purulento já  lhe golfeava da boca   e  caía-lhe um jorro pelo corpo. Estirou-se todo,  
dobrou a cabeça   para trás e, depois de entesar num    estremecimento os membros   
rechupados, foi  pouco a pouco cerrando os lábios  e empenando o corpo com  um gemido  
longo e sentidíssimo.
      Lá  fora, a música duvidosa   continuava, ao longe, entristecendo.
      Amâncio  teve   um assomo de  cólera; seu temperamento nervoso e egoísta  
revolucionava-se  com o choque daquele incidente  desagradável, que lhe não dizia respeito e 
vinha-lhe todavia roubar despoticamente o sossego.
      Logo    que o tísico  expirou,  correu a acordar  Sabino com um  murro.  O moleque  
levantou-se, como da primeira  vez, e correu à  cama do tísico. A  lamparina  bruxuleava  
sobre o  velador, projetando   em volta, pelas paredes, sombras que se iam dobrar no   teto.
      Sabino abismou-se ao dar com o leito vazio, olhou em torno, muito  pasmo, chegou a  
levantar a colcha  e a  espiar  para debaixo da cama; depois correu à janela e interrogou a 
solidão  fria da rua.
      -  Ué! disse .
      -  És uma  peste! Gritou-lhe Amâncio. -    Por tua causa o tísico  foi   morrer no  meu  
quarto! Ande! Vá chamar o Dr. Coqueiro   ou  alguém que  trate  do corpo! Aqui  em cima, 
creio  que não há ninguém, nem sequer  o Paula Mendes.
      O  rabequista, com efeito, havia ficado essa noite em companhia da mulher em Niterói .
      A notícia levantou  embaixo um  rebuliço. À  exceção do   Campelo e do 
guarda-livros, ninguém mais se conservou na cama.
      Mme. Brizard arrepelava-se,  praguejando contra o maldito caiporismo que  a perseguia 
ultimamente. -  Até já lhe vinham os tísicos  morrer   em  casa! Era demais!
      Causou grande impressão a narrativa  de Amâncio sobre os últimos momentos do 
homem.  O Dr. Tavares desfez-se  em altas  considerações a esse respeito. Coqueiro   proibiu 
à irmã que subisse ao segundo andar, enquanto o cadáver não estivesse  convenientemente  
amortalhado e deposto no sofá que às pressas se   carregou para   cima.   Por toda a casa 
distribuíram-se fogareiros de incenso e alfazema.  Sabino fora, de um pulo, buscar à  botica 
uma garrafa  de  labarraque , e o copeiro  saíra para lançar  à primeira  praia o colchão,  os  
lençóis e os travesseiros que serviam  ao defunto.
      Descarregou-se o  quarto. A francesa quis abrir  um velho baú  de folha, que jazia a um 
canto e que era  o único objeto   deixado  pelo morto; mas  o  Dr. Tavares  opôs-se-lhe 
energicamente,  citando artigos   do código   criminal e dizendo em tom de autoridade que o 
falecido era um súdito  português  e, por conseguinte, só  ao cônsul de sua nação competia   
fazer-lhe o  espólio  dos bens!
      -  E  o que nos ficou   ele a dever?! E mais a despesa dos  lençóis, do colchão e do 
diabo?!    Perguntou   Mme. Brizard. 
      - Recebe-se do consulado português   ou  não se recebe de  pessoa  alguma, 
apressou-se a explicar o Coqueiro, que já sabia  perfeitamente não haver dentro  do  tal  baú   
coisa alguma  de  valor.
      
      
      * * *
      
      O  corpo saiu  no dia seguinte, em um carro da misericórdia.  E  Amâncio declarou 
positivamente que não estava disposto a ficar na casa de  pensão  em  mais um dia.
      -  Pois então  vamos todos para um arrabalde!  -   deliberou    Mme. Brizard , em  
conseqüência  dos repetidos conchavos  que  fizera  com o marido.


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      Diabo era o estado de  Nini,  a pobrezita achava-se  agora completamente 
desarranjada. Comia encostando a  boca  ao  prato, como um bicho;  não  trocava   palavra 
com pessoa alguma e nem mais podia  ficar em liberdade , porque de vez em quando lhe  
acometiam frenesis,   que lhe davam  para morder os outros e espatifar  as   roupas, até  ficar 
nua.
      O médico entendia, porém, que, com um bom regime hidroterápico, ela ainda podia se 
restabelecer. Citou exemplos animadores, "bonitos casos", disse os belos resultados que 
ultimamente se obtinham por meio das duchas de água fria no tratamento das enfermidades 
nervosas, e terminou declarando que, só por esse meio, havia esperança de uma cura radical. 
      E o doutor, logo que esteve a sós com Amâncio, confidenciou-lhe, rindo:
      -   Já toquei   à velha sobre aquilo que falamos; creio que desta vez fica o  senhor livre 
da histérica!
      Venceram-se, com efeito, os escrúpulos de Mme. Brizard, e Nini  foi  para a casa de 
saúde do Dr. Eiras. A mãe teria notícias dela todos os dias e havia de lhe aparecer em pessoa 
duas vezes por semana.
      -  Aquela rapariga era o  tormento de sua vida! Antes Deus  a  tivesse chamado para  
si! Agora, o que não  seria  necessário gastar com a tal casa de saúde?... talvez uns vinte  
mil-réis diários, se não foram  mais! Onde iria tudo  aquilo parar?  Era  caiporismo,  
definitivamente!
      Como  desejavam, descobrir-se uma casa em Santa Teresa.  O  Dr. Tavares e o 
guarda-livros acompanhariam a família; Campelo,  o esquisitão, é que não estava  pela 
mudança. Logo que lhe falaram nisso, pediu  secamente a nota de suas despesas, pagou-a, e 
retirou-se muito calmo, assoviando, de  mão no  bolso, cabeça erguida, na mesma fleuma 
inalterável com  que costumava sair todas as manhãs    para o  trabalho.
      Todo  ele ia como a dizer no seu silêncio indiferente e egoísta: "A mim tanto se me dá 
seis como  meia dúzia ...morar com  Pedro  ou  morar com   Paulo, tudo para  mim é a  
mesma coisa, desde que, em  troca do  - meu dinheiro - , me apresentem um quarto limpo e a  
comida a horas  certas. Se  dez anos continuasse  aqui  Mme.  Brizard, dez  anos ficaria eu 
na Rua do Resende; mas, uma vez  que se   muda     para  Santa Teresa -  Adeus!  vou 
bater a  outra  freguesia... o que  por    aí não faltam são casas de pensão."
      O  Paula Mendes, ao entra pouco depois, recebeu em cheio a notícia de a família  
Coqueiro ia deixar a casa  e  que   por conseguinte era  preciso que ele  saldasse as suas 
contas.
      Mas o   rabequista não  tinha dinheiro na ocasião. -  Logo que o tivesse havia de pagar  
integralmente.
      Os locandeiros não estavam  por isso, já lhes bastavam os calos    do   gentleman e do  
Melinho! E , depois  de uma troca agitada de palavras, Mendes propôs deixar o  piano, 
ficando-lhe o direito de  resgatá-lo mais tarde com a devida importância.
      Mme. Brizard  queria  do dinheiro e não instrumentos de  música! O Sr. Paula Mendes 
que  vendesse o piano e liquidasse depois as suas contas!
      Assim foi.   O  rabequista saiu, e, quando  à  tarde voltou  à casa de  pensão, trazia 
consigo um homenzinho de barbas  compridas,  que fechou o negócio por   quatrocentos  mil  
réis. Mendes   pagou o que   devia, fez tristemente as suas malas, e afinal se retirou  de cabeça  
baixa e mãos cruzadas par trás.
      César,  que o fora   espreitar ao corredor, voltou  à varanda, dizendo  espantado que 
ele chorava  ao descer as escadas.
      - Deixa-o lá, menino! Resmungou  a  locandeira, e tocou a sineta, chamando para a 
mesa.
      
      * * *


[Linha 5500 de 8244 - Parte 4 de 5]


      
      
      O jantar já não tinha o caráter de uma refeição de hotel, em mesa-redonda. Agora 
compareciam apenas cinco  pessoas: Amâncio, Amelinha, Mme. Brizard,   Coqueiro, César e o 
Dr. Tavares.    O guarda-livros, esse continuava a não comer  em casa. 
      Mme. Brizard suspirava  à  vista  dos lugares vazios. -  Oh!  que   aperto de coração 
lhe   fazia  aquilo! Não podia resistir a tanta contrariedade  ao mesmo tempo!...
      Pelo corredor do jantar, falou a respeito de Nini, queixou-se  de saudades. Já à  
sobremesa, recrudesceram-lhe as ternuras maternais,  vieram-lhe nostalgias, uma lágrima 
saltou-lhe do olho esquerdo.
      Chamou  César para junto de si, abraçou-o e beijou-o  repetidas  vezes e ficou a 
passar-lhe  a mão pela cabeça. Um  silencioso constrangimento se   apoderou das pessoas 
presentes; depois,   ainda com a voz quebrada de  comoção,  ela pediu  ao Coqueiro  que se 
não descuidasse de cobrar o que o  Lambertosa e o  Melinho  ficaram a dever. -  Agora  
precisavam muito e muito de dinheiro!...
      Mudaram-se no dia seguinte. Amâncio ia muito incomodado,  amanhecera  pior, quase 
que não podia mexer com as pernas;   todos   lhe profetizavam, entretanto,  rápidas melhoras 
em Santa Teresa. O cômodo que lhe destinaram  era da casa o mais espaçoso e arejado.
      Amelinha não o  desamparava, já  não  escondia até os seus carinhos, chegava-se 
abertamente  para o  rapaz, como se fora casada  com ele. Às vezes dizia-lhe  segredos na  
presença  do irmão ou da francesa; prestava-lhe pequeninos  serviços  amorosos: levantar-lhe,  
por exemplo, a gola do  fraque, se  fazia frio; abotoar-lhe  o colarinho, se estava desabotoado; 
atar-lhe  a  gravata, se o laço se desmanchava;  chegar-lhe para junto  a escarradeira se 
Amâncio queria fumar.
      Em  Santa Teresa esses  desvelos multiplicaram-se .  aí já   era a menina quem lhe 
metia os botões na camisa e as fivelas no colete, quem lhe  escovava a roupa e o chapéu, quem  
lhe  punha o perfume no lenço e lhe dava corda ao  relógio, e, quando fazia bom tempo  e o 
rapaz tentava um passeio   pelo morro, era ela quem corria a lhe trazer a bengala ou o 
chapéu-de-sol, perguntando muito solícita  se ele não se esquecera dos charutos e dos fósforos, 
sem já tinha lenço, se levava dinheiro.
      Mas,  às vezes,  rezingava,  quase que ralhava com o estudante. Fazia-lhe censuras, 
tomava-lhe  contas de umas muitas coisas: se  Amâncio  passara por tal rua, se estivera durante 
a ausência a   passear sempre ou se encontrara alguém porventura em alguma parte;   quando 
lhe sentia  cheiro de álcool  queria saber o que o rapaz bebera.
      Amélia, enfim, se derramava por todo ele, sem Amâncio dar  por isso; invadia-o 
sutilmente, como um bicho que entra na carne.
      A  nova residência  punha-os muito mais juntos, muito mais unidos do que a da Rua do         
Resende. Os  quartos eram pequenos, chegados uns dos outros; havia um sótão com escadaria 
para a sala de jantar.  Amâncio morava  aí, sozinho.
      Tinha de seu uma alcova   e um pequeno gabinete de   trabalho; janelas para o nascente 
e para  o ocaso, despejando sobre o jardim.
      Embaixo, então, era a sala de visitas, a de jantar e mais quatro  cômodos, sem  meter os 
quartos da criadagem, a cozinha, a despensa  e o banheiro. Num daqueles  cômodos ficou o  
João Coqueiro com a mulher; noutro Amelinha; noutro o  guarda-livros, e o  Dr. Tavares no  
último.
      A respeito de mobília, só se carregou da Rua do Resende a que  era  de todo 
indispensável. Não se vendeu sequer um objeto; o casarão renderia muito  mais com os trastes 
e, além disso,  Mme.  Brizard contava, mais dia, menos dia, reabilitar a sua antiga e  afamada  
casa de  pensão. -  Porque, dizia ela -  era impossível que as coisas não voltassem ao estado 
primitivo!...


[Linha 5550 de 8244 - Parte 4 de 5]


      Coqueiro é que parecia, como nunca, satisfeito de sua vida. Cuidava da nova casa com 
muito  interesse; falava em melhoramentos e aconselhava a Amâncio a que comprasse uma 
mobiliazinha   catita para ver como  "ficava  então naquele  sótão melhor que um príncipe no 
seu castelo".
      A casa, de fato, convidava às fantasias do gosto, porque era  perfeitamente nova e bem 
feita; o papel  das paredes estava imaculado, o chão limpo e os  tetos virgens ainda de  
moscaria
      Amâncio experimentou rápidas melhoras; quis logo descer à cidade, mas o Coqueiro não 
lhe permitiu ir só.
      Aproveitaram o  passeio  par comprar a mobília. O provinciano recebera nesse mês 
dinheiro do Norte e retirara mais algum da casa do Campos; João  Coqueiro levou-o a uma loja 
de trastes e escolheu  ele  próprio o que podia  convir ao outro; isto é, uma cômoda, um 
lavatório, uma boa cama de casados, uma secretária, duas estantes, um velador, e seis cadeiras; 
tudo de mogno e trabalhado a gosto  moderno.
      Estes arranjos pediam outras coisas; escolheram-se também dois quadros para o intervalo 
das  portas, um belo espelho de parede, um relógio  de pêndulo, tapetes, capachos e 
escarradeiras.
      
      * * *
      
      
      O Coqueiro, muito empenhado na condução dos trastes, havia-se afastado alguns passos 
de Amâncio, quando este sentiu baterem-lhe no ombro.
      Era o Paiva Rocha.
      - Oh! exclamou, satisfeito com o encontro.-  Como vais tu? Há  quanto tempo não nos 
vemos!... Que é feito de ti?
      -  Ai, filho apoquentado! Respondeu o Paiva. Ultimamente tem sido uma enfiada de 
coisas más!...Há dois meses que não recebo dinheiro do correspondente; tinha aí um lugar de 
revisor numa folha e os ladrões  passaram-me a perna em mais de duzentos mil-réis; além de 
que, a besta do diretor lá da escola lembrou-se agora do exigir uma infinidade de maçadas e 
obrigar-nos a despesas impossíveis! O diabo!
      E, mudando de tom, perguntou como ia Amâncio; onde se metera, que ninguém o via?
      O outro prestou contas de sua vida, expôs os pormenores de sua moléstia, falou nos 
incômodos que dera à família do Coqueiro, principalmente a D. Amélia, que, por sinal, era uma 
excelente menina.
      - Maganão!... disse o comprovinciano, esbarrando-lhe intencionalmente no braço.
      Amâncio repeliu com febre aquela insinuação. O colega fazia uma tremenda injustiça, 
tanto a ele, Amâncio, como à pobre rapariga!
      - Ora, filho! Queres tu agora dizer a mim o que é a gente do Coqueiro!...
      Amâncio abriu grandes olhos.
      - Morde aqui! Acrescentou o outro, apresentando-lhe o dedo.
      E em troca de um gesto negativo do amigo:
      - Não queres falar por ora, e fazes tu muito bem! Mas é impossível que a tua ingenuidade 
chegue ao ponto de tomares a sério a irmão do Coqueiro, - a Amélia dos camarões!...
      - Juro-te que, até aqui, só a tenho tratado com todo o respeito!
      O outro soltou uma risada.
      - É fato! Insistiu Amâncio, aborrecido já  com aquela troça do companheiro, mas ao 
mesmo tempo feliz por imaginar que as suas esperanças sobre a rapariga eram perfeitamente 
justificáveis.
      - Pois, se é fato, acredita que tens representado um papel de tolo! Fazem-te a barba, 


[Linha 5600 de 8244 - Parte 4 de 5]


filho!
      Amâncio, então, para provar a pureza de sua conduta, pintou o estado em que se achara 
ultimamente, -  entrevecido de reumatismo, sem préstimo para nada. E contou o que sofrera 
com as bexigas.
      - Ora, dize-me cá...volveu o outro em tom de segredo. - O Coqueiro já te não tem dado 
algumas facadinhas...Confessa...
      Amâncio, nem só confessou, como disse até o dinheiro que por várias vezes emprestara 
ao senhorio.
      - Hein?! Bradou o Paiva, fazendo-se muito fino. - Queres mais claro?...E ainda tens 
escrúpulos, criança! Pois olha que te não fazem nenhum favor -  tu pagas, filho, e pagas bem!
      E lembrou que não seria mau tomarem alguma coisa num botequim próximo.
      O outro declarou que estava ali à espera do Coqueiro.
      - Deixa lá o Coqueiro, homem! Tens medo de ir só para casa ?...
      - Mas é que não sei se me fará mal beber alguma coisa. Ainda estou em uso de remédios.
      - Não sejas idiota! Exclamou o Paiva, puxando-o pelo braço.   
      Amâncio deixou-se levar, não tanto pelo prazer da companhia, como pela circunstância 
de se livrar do Coqueiro, o que lhe dava esperanças de ver Lúcia ainda essa tarde.
      No café, defronte dos copos, a conversa voltou de novo à gente de Mme. Brizard.
      - Gentinha! qualificou o Paiva, atirando a palavra com o desprezo de quem lança fora o 
sobejo de um copo.
      E, depois, entornando os lábios, numa obstinação torpe:
      -  A questão está no pagamento!
      Amâncio riu. Sentia-se feliz; aquele dia de liberdade, depois de tamanho recolhimento, 
os cálices de xerez, as palavras degotadas do Rocha; tudo isso lhe picava o espírito com uma 
pontinha de alegria devassa. Seus  gostos, suas tendências luxuriosas, volviam-lhe em revoada, 
como pássaro de arribação. Ficou expansivo, disposto aos desabafamentos da vaidade. Em 
breve, contava tudo o que se passara com ele na casa de Mme. Brizard, descrevia as maneiras de 
Amelinha com sua pessoa, os pequenos cuidados amorosos, as pequeninas frases significativas; 
narrou minuciosamente as cenas com  Lúcia e disse que, ao sair do café, iria visitá-la à Tijuca.
      -  Está claro! Trejeitou o outro, cuspilhando a areia branca do chão de pedra e batendo 
com a ponta da bengala sobre os pés cruzados. -  Eu, no teu caso, já teria desforrado melhor os 
cobres!
      -  Achas então que eu devo?...
      -  Ora, filho, é o que se leva deste mundo! A respeito de virtudes temos conversado! Eu 
cá só acredito numa castidade -  a da velhice!... tirando daí...
      e concluiu a sua idéia com um gesto feio.
      Amâncio já recorria à moléstia para justificar aos olhos do amigo a atitude respeitosa que 
ocupara ao lado de Amélia -  o colega que não o julgasse um tolo!... Mas que  diabo havia ele 
de fazer, tolhido de dores, como estava, numa cama?...
      Quando se despediram, o Paiva deu a entender que precisava de dinheiro; mas Amâncio 
negou-o, apesar de bem provido, dizendo com voz triste que "sentia muito não poder servir 
naquela ocasião".
      O outro, sem mais querer ouvir coisa alguma, retirou-se logo.
      
      * * *
      
      Amâncio, assim que se viu livre, correu a tomar um tílburi e bateu para a casa de pensão, 
onde estava Lúcia.
      Era um palacete, com magnífica aparência. Janelas de sacada, grande corredor ladrilhado 
de mármore e velhas escadarias encentradas de tapete de oleado, preso a cada  degrau por um 


[Linha 5650 de 8244 - Parte 4 de 5]


fio de metal amarelo. 
      Foi recebido cerimoniosamente no salão por uma mulheraça muito gorda, de luneta, 
extremamente degotada, mostrando entre as almofadas do peito ramificações de veiazinhas 
escarlates, que pareciam miniaturas de árvores secas desenhadas a bico de pena. Em um dos 
braços luzia-lhe uma jóia e, por debaixo do vestido de cambraia, aparecia-lhe o pé quase 
redondo e empantufado de veludo azul.
      Tinha a voz grossa, cheia de uu, e o lóbulo do queixo coberto de penugem negra.
      Ai saber que Amâncio não ia com a intenção de tomar algum cômodo, mas sim para falar 
com Lúcia, retirou-se sacudindo os rins; e da sala o estudante lhe ouviu gritar  ao criado "que 
fosse prevenir à senhora do Sr. Pereira de que aí estava um cavalheiro que lhe desejava falar".
      Lúcia mostrou-se no fim de meia hora, a pedir mil perdões por se haver demorado mais 
um pouco. Fizera toilette especial para recebê-lo e parecia muito lisonjeada com a visita.
      Declarou, logo, que o achava mais gordo, de melhor fisionomia. -  Abençoada moléstia, 
a dele! 
      E, em resposta ao que o rapaz lhe perguntava sobre aquela nova residência , elogiou 
muito a casa, o serviço. "Sempre  era outra coisa! Nem havia termo de comparação entre esta e 
a de Mme. Brizard!"
      Amâncio voltou-se todo na cadeira, considerando a sala. Uma  rica sala, apesar de 
velha, -  grande , espelhada, cortinas de ramagem, consolos cobertos de jarras com flores 
artificiais de pena. A um dos cantos um piano  antigo e no centro do teto de estuque, no lugar 
donde espipava o lustre, um grande escudo de cores, rebentando em cabecinhas de  anjos.
      Falaram logo sobre as novidades da casa de pensão do Coqueiro: a saída dos hóspedes, 
a morte do tísico, a mudança para Santa Teresa.
      -  Você ali está seguro!... disse Lúcia.
      O estudante protestou com um gesto, em que já havia alguma coisa das revelações  que 
pouco antes lhe fizera o Paiva Rocha.
      E, discutindo os amores de Amelinha, foram pouco e pouco empurrando a conversa para 
o verdadeiro motivo da visita, até que Amâncio conseguiu tratar de si, das suas saudades do 
quanto desejava Lúcia, do quanto sofria por causa daquela ingrata  que ali estava!
      -  Mais baixo! Olha que te podem ouvir!...
      ele então chegou-se mais para a ilustrada senhora, tomando-lhe as mãos que cobria de 
beijos, e, no seu ardor, com a voz abafada, os olhos acendidos, procurava arrancar-lhe uma 
resposta definitiva, uma palavra qualquer que  o restituísse por uma vez à tranqüilidade. 
      -  Está quieto! Respondeu a tirana. - Está quieto!
      E, vendo que o demônio não a escutava, em risco de comprometê-la aos olhos de quem 
por acaso entrasse na sala, propôs mostrar-lhe a chácara enquanto  esperavam pelo jantar. -  
Que ela já o não deixava sair sem ter jantado!...
      Havia duas descidas; uma pelo corredor e outra pela varanda. Tomaram por resta.
      Lúcia, muito disfarçada, ia-lhe apontando os cômodos e as benfeitorias da casa, com 
tanto empenho e gosto como se fora mesma a proprietária; mostrou-lhe o banheiro, os tanques 
para a lavagem de roupa, o coradouro, o cercado das galinhas e por último o jardim.
      Colheu logo uma rosa e, por suas próprias mãos enfiou-a na gola do fraque de Amâncio.
      Em seguida atravessaram a hora.
      Canteiros grandes, cobertos de verdura, saturavam o ar de um cheiro de hortaliças. As 
alfaces brilhavam ao sol dourado de julho. Mais para adiante havia um sombrejar melancólico e 
deliciosos de árvores grandes; era a chácara; viam-se no ar as  folhas largas e recortadas da 
fruta-pão faiscarem, como lâminas de metal brunido; ao passo que as bojudas mangueiras se 
debruçavam sobre a terra numa concentração pesada de sono.
      Os dois prosseguiram de braço dado por entre  o murmurejar tristonho daquelas 
sombras. E lentamente, e sem trocarem uma palavra, se deixaram ir até a espalda de um morro, 


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que servia de limite à chácara.
      Havia um grosseiro banco de pau meio escondido entre bambus e trepadeira. 
Assentaram-se. Um fio de água corria da montanha e os passarinhos remigiavam trilando na 
mole embalsamada das estevas.
      Amâncio passou   um braço na cintura de Lúcia e chamou-lhe o corpo para  junto do 
seu. Ela deixou-se arrebatar, bambeando a cabeça, num encontro apaixonado de lábios.
      O rapaz parecia louco no seu desejo.
      -  Não! Isso não! dizia a outra. -  Mostra que é um homem de espírito! Não se queira 
confundir com esses materialões  que há por aí! 
      Ele opunha as razões que lhe vinham à cabeça para justificar os seus rogos: "Lúcia que 
não quisesse desvirtuar o amor, o verdadeiro amor, fazendo de um sentimento real e fecundo 
uma pieguice romântica  e desenxabida". Lembrou-lhe o que ela própria dissera, quando pela 
primeira vez estiveram juntos.
      E, num esfolegar febril e ruidoso, suplicava-lhe  um pouco de compaixão, ao menos; que 
não o torturasse  daquele modo; que não o obrigasse a sucumbir ao desespero de sua paixão!
      Lúcia não entendeu. -  Ele  que deixasse a casa de Mme. Brizard e viesse tomar um 
cômodo ali na Tijuca. Assim ... bem! Mas, naquele momento e naquelas circunstâncias... Não! 
não! e não! 
      Apesar de enérgica recusa, Amâncio insistia sempre.
      -  Não seja teimoso, repreendeu ela, arrancando-lhe as saias da mão.   -  Oh!
      ele, porem, não se desenganava e até já recorria à violência.
      -  Pior! Disse a mulher, notando que o estudante lhe desgrenhava os cabelos e 
machucava-lhe as roupas. -  Já não vou gostando muito da brincadeira!
      E, a um movimento desabrido do rapaz:
      -  Ora pílulas! Isso agora também já é estupidez!
      Amâncio ao lado bufava, imóvel, emitindo sobre ela olhares de cólera.
      -  O senhor faz-se desentendido! Exclamou Lúcia, afinal, endireitando o penteado e 
armando as lunetas. -  Há muito devia compreender  que nada alcançará de mim, enquanto eu 
estiver com meu marido!
      -  Marido o quê! Desmentiu o provinciano, com a voz sufocada. -  Tão marido como 
eu!
      Lúcia olhou para ele, apertando os olhos.
      - É isso! Sustentou aquele. -  Sei de tudo! A senhora quer fazer de mim um tolo, pois 
fique sabendo que não faz! Trate de arranjar outro, porque comigo perde o seu tempo!
      Ela o mediu de alto a baixo, levantou desdenhosamente o lábio superior, e afastou-se 
com um grande ar emproado e senhoril, murmurando entredentes.
      -  Ordinário!
      Amâncio calcou o chapéu sobre os olhos, e, de cabeça baixa e passos lentos, retomou 
pelo caminho andando, a fustigar com a bengala  as ervínculas da estrada. Saiu pelo portão da 
chácara.
      Já na rua, sacudia os ombros e disse a meia voz:
      -  Que a leve o diabo!
      
      
      XV
      
      
      O rapaz acordou muito bem disposto no outro dia, estava, ou  pelo menos  parecia, 
restabelecido completamente. Os ares tonificantes da Santa Teresa produziram-lhe efeitos 
miraculosos.


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      - Até que enfim podia mandar ao diabo os xaropes e as tisanas que, de tempos a essa 
parte, lhe melancolizavam a vida e relaxavam o estômago. E, ainda, metido entre os lençóis, na 
matinal preguiça das sete e meia, dispunha-se a filosofar sobre o ridículo episódio da véspera, 
quando um leve rumor na porta do quarto lhe desviou o curso das idéias. Era a menina que 
trazia o café.
      Viu-lhe a pálida mãozinha medrosamente surdir por entre a fisga da porta mal cerrada, 
para depor no chão, como era de costume, a chávena de porcelana. Amâncio. porém, desta vez 
saltou da cama e, correndo da gatinhas, a empolgou nas suas.
      A mãozinha quis fugir, ele não consentiu, e com ela veio um braço que as folhas da porta 
arremangavam.
      Começou a beijá-lo sofregamente, desde a ponta dos dedos até os bíceps; enquanto 
Amélia, sempre escondida ia consentindo, toda ela arrepiada em cócegas. 
      - Um beijinho...pediu ele mostrando o rosto.
      - Logo!
      - Com certeza?...
      - Com certeza!
      E a pequena desapareceu muito ligeira, - tique, tique, tique, pela escada.
      Pouco depois combinaram a primeira entrevista. Ela subiria ao sótão, logo  que a casa 
estivesse completamente recolhida. Amâncio que a esperasse no escuro e com a porta do quarto 
apenas cerrada.
      O rapaz não  pôde ficar tranqüilo mais um instante.
      As horas nunca lhe pareceram tão longas e as conversas tão intermináveis. Um 
sobressalto feliz perturbava-o todo, tirava-lhe o apetite e não lhe permitia um pensamento que 
não fosse cair aos pés de Amélia.
      Por maior caiporismo, o Dr. Tavares tinha essa noite uma visita que parecia disposta a 
não largá-lo. Era um velho de sua província, muito falador de política, apaixonado pelas 
eleições, pelos conservadores, mas que, nem à mão de Deus Padre, pronunciava os rr e os ss e 
dizia: "Os partido liberá, os senadô", e outras barbaridades.
      - Quando se irá este cacete?...pensava Amâncio, trêmulo de impaciência.
      E o Tavares a puxar pelo demônio do homem, a fazer-lhe perguntas sobre perguntas e a 
despejar contra ele a sua retórica inexaurível.
      Até o guarda-livros que às vezes passava dias e dias sem dar uma palavra, estava essa 
noite disposto a falar pelos cotovelos. Ainda pilhara o chá e, repimpando na cadeira, com um 
brilhante a luzir num dedo, o ar satisfeito, os punhos bem engomados, taramelava a respeito dos 
seus projetos de casamento. "Sim, que ele, havia coisas de ano e meio, estava para desposar uma 
linda menina e de educação esmeradíssima. Já há tempos a pedira!... Só esperava que a casa, 
onde trabalhava desde os seus quinze anos, lhe desse sociedade, como aliás, havia  já 
prometido. -  Ah! Toda a sua ambição era fazer família! Que vidinha melhor que a do 
casado?...o matrimônio era um complemento do homem...A gente enquanto moça não sentia a 
falta da esposa, mas depois?...quando chegasse a velhice?...Aí é que seriam elas! Não! não 
podia admitir um eterno celibato!...A vida do solteiro tinha seus encantos, tinha, para que 
negar?...os espinhos, porém, eram em maior número; se eram!...
      E citava os casos. 
      Amâncio retirou-se da varanda, sufocado de raiva. Preferia esperar no quarto.
      Deram onze horas. Amelinha pediu licença e também se recolheu. Mme. Brizard, à 
cabeceira da mesa, já bocejava, entretendo os dedos, a fazer pílulas das migalhas de pão que 
ficaram do chá; o marido, ao lado dela, estudava mecânica racional.
      Veio finalmente o copeiro levantar a mesa e buscar o César para a cama. O guarda-livros 
apertou as mãos de todos e sumiu-se; o sujeito dos partido liberá , a despeito das insistências do 
amigo, despediu-se igualmente e, quando o advogado, que o fora acompanhar até o portão da 


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chácara voltou à varanda, já não encontrou ninguém.
      Em pouco a casa era todo silêncio e trevas. Então, Amelinha, deixou o quarto 
sorrateiramente, tirou as botinas, apanhou as saias e galgou a escada do sótão.
      Amâncio, que a esperava na porta, logo que a teve ao alcance da mão, puxou-a para 
dentro, e deu uma volta à fechadura. 
      
      
      * * *
      
      
      Desde esse momento, a vida em casa de Mme Brizard tornou-se para ele uma coisa 
muito agradável. Ninguém mostrava desconfiar, ao menos, de suas intimidades com Amélia, 
que pelo seu lado parecia satisfeita com o estado de coisas.
      Só uma ligeira circunstâncias covardemente o arreceava: É que a pequena não lhe exibira 
em quarta ou  quinta  edição, como dizia o Paiva, mas em comprometedoras primícias, com 
todos os cruentos requisitos de uma estréia.
      Fugiu o primeiro mês de  lua-de-mel, sem o menor eclipse. Contudo,  ele agora puxava 
um pouco mais pela bolsa: a família estava em crise; a pensão de Nini absorvia os proventos que 
se obtinham  do Tavares e do guarda-livros; o casarão da Rua do Resende apenas se conseguira 
alugar em parte; os gêneros de primeira necessidade eram mais caros em Santa Teresa.
      Mas que valia tudo isso posto em confronto aos gozos que lhe proporcionava a deliciosa 
rapariga?
      Ela parecia viver exclusivamente para lhe dar carinhos e afagos. Era como se fora sua 
esposa; deixava tudo de mão para só cuidar do amante. -  Ele estava em primeiro lugar! Agora 
a pequena lhe fazia a cama; levava-lhe ao quarto o moringue d'água, penteava-lhe os cabelos, e 
exigia que o rapaz lhe dissesse os passos que dava, por onde estivera, com quem falara e o 
dinheiro que gastara. Revistava-lhe  conjugalmente as algibeiras, lia-lhe as cartas e, sempre 
desconfiada, cheirava-lhe as roupas.
      Amâncio sorria de tais ciúmes, com o ar seguro de quem desfruta em paz uma felicidade 
legítima  e abençoada por todos. Já não furtava beijinhos assustados por detrás das portas; não 
roçavam os joelhos por debaixo da mesa, e não se serviam das mãos como instrumentos de 
amor; guardavam-se para as liberdades da  noite, para a independência do quarto. Na ocasião, 
porém, em que ele saia para as aulas ou à noite para  o passeio,  beijocavam-se, sempre, como 
dois bons casados.
      Entretanto, as  épocas  de exame batiam à porta. Amâncio vivia em desassossego com 
os seus estudos tão mal apercebidos; mas o  Coqueiro dava-lhe coragem, ensinando-lhe como 
devia proceder, dizendo-lhe o que devia estudar de preferencia,  aconselhando-o a que não 
tivesse medo. "Amâncio que se apresentasse de cabeça erguida: o bom êxito nos exames 
dependia quase sempre  do desembaraço mais ou menos atrevido do concorrente!" E citava 
exemplos: "Fulano que apenas conhecia dois pontos de tal matéria, chimpara  distinção, só 
porque era de um descaramento imperturbável;  ao passo que sicrano, apesar de muito bem 
preparado, não conseguira passar com a sua vozinha  trêmula  e o seu todo raquítico e 
assustado!"
      Um novo acontecimento veio, porém, desviar Amâncio daquela preocupação: por 
telegrama de sua província, constou-lhe que o velho Vasconcelos  morrera de beribéri 
fulminante.
      Os pormenores chegaram no primeiro vapor: "Vasconcelos fora atacado como hoje e 
morrera como depois de amanhã. Ia pela rua, muito senhor de si, quando, de repente, sentiu 
afrouxarem-se-lhe as pernas e teria desabado no chão, se dois homens que passavam  não o 
socorressem  prontamente.


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      "Foi recolhido à primeira casa, que era felizmente de um amigo. Meia hora depois já lhe 
principiava a faltar a respiração: a moléstia subia, ameaçando-lhe o estômago. Fez-se uma junta 
de médicos; ficou resolvido que o doente devia seguir, sem perda de tempo, para qualquer 
parte, -  Caxias, Rosário, mesmo Alcântara, a Vila do Paço, que fosse; contanto que saísse da 
cidade, quanto antes, até aparecer um vapor que o levasse para mais longe.
      "Partiu nesse mesmo dia, dentro de uma rede, com direção à Vila do Paço. Mas o 
terrível beribéri subia sempre; os membros por onde ele atravessava iam ficando paralisado e 
frios como membros de defunto. A onda maldita galgara finalmente a caixa torácica, 
Vasconcelos não pôde respirar de todo e morreu".
      Amélia,  ao receber a inesperada notícia, rebentou num berreiro e tratou de cobrir-se de 
luto fechado.
      O irmão também se vestiu de preto, fez cerrar as portas e as janelas da casa por sete dias 
e, durante esse tempo, andou tristonho e anojado.
       
      
      * * *
      
      
      Amâncio perturbou-se deveras com a morte do pai. Há bastante tempo mentalizava 
projetos de , em voltando à província, tratá-lo de modo tão carinhoso e tão amigo, que sua 
consciência ficasse, por uma vez, tranqüila a esse respeito. Havia no segredo de tal intenção o 
sabor inefável de um voto religioso. E seus planos, assim malogrado de repente, enchiam-lhe 
agora o coração de tristeza e as noites de sonhos tormentosos.
      Mas Amelinha lá estava para  o consolar, para lhe reprimir os gemidos com a polpa 
vermelha de seus lábios, e espantar-lhe os negrumes do desgosto com a luz voluptuosa de seus 
olhos e com a doçura cristalina de suas palavras.
      Veio o Campos. Trataram longamente do "triste acontecimento": Amâncio queria dar 
um pulo ao Norte: a mãe com certeza precisava dele as seu lado, quando mais não fosse para 
tratar do inventário.
      O negociante já não compreendia assim: " Estavam a chegar os exames; Amâncio, ase 
saísse da Corte naquele momento, perderia o ano; o melhor, por conseguinte, seria esperar pelas 
férias. Pois então! eram mais alguns dias de demora que não prejudicavam a ninguém!..."
      Coqueiro pensava do mesmo modo. "Nem o colega encontraria alguém com um 
bocadinho de juízo que lhe aconselhasse uma semelhante viagem antes do ato. Era até loucura 
pensar nisso!"
      Cruzaram-se cartas entre o Rio de Janeiro e Maranhão. Amâncio foi considerado maior 
pelo Juiz de órfãos, podia receber o que lhe tocavas na herança. Mas a firma liquidante 
ofereceu-lhe sociedade em comandita; ele aceitou, a conselho de Campos, e insti5tuiu na 
província um advogado de confiança para lhe curar os bens. Escolheu-se o Dr.Silveira, o dos 
cabelos pintados, aquele mesmo que, no dia do exame de português, se mostrara tão 
entusiasmado pelo rapaz.
      Até que enfim estava Amâncio livre e senhor de sua bolsa; podia gastar à farta, sem 
sofrer daí em diante as peias da mesada. E não o amedrontava igualmente o risco de cair na 
penúria, porque ainda havia para reserva o que tinha a herdar da mãe e da avó.
      Os carinhos e as solicitudes da família Coqueiro inflamaram-se, já se vê, com os últimos 
acontecimentos. O estudante era cada vez mais adulado e em compensação mais explorado. 
Agora, o irmão de Amélia não punha o menor escrúpulo lhe aceitar os obséquios e a casa ia 
ficando a pouco e pouco às costas do provinciano.
      Era sempre por intermédio de Amélia que ele sofria a cardadura. Hoje tratava-se do 
aluguel da casa, amanhã seria a conta do Eiras, depois a dos fornecedores; se entrava um barril 


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de vinho para a despensa, ou um saco de feijão; se aparecia um novo aparelho de porcelana à 
mesa do almoço ou do jantar, Amâncio ficava à espera da fatura que, à noite, 
impreterivelmente, passava as mãos da rapariga para as suas.
      Amelinha, essa então, já não procurava rodeios para lhe arranjar as coisas. Quando 
precisava de um vestido, de uma jóia, de um chapéu, dizia-lhe secamente:" Deixe-me tanto, que 
amanhã tenho de fazer compras".
      E as despesas das casa recrudesciam, à proporção que minguavam os lucros. O 
guarda-livros despedira-se, porque afinal chegara a época do seu casamento, e ninguém o 
substituiu; só ficou advogado que deixaria por mês, quando muito, uns duzentos mil-réis.
      Amâncio ia suportando a carga silenciosamente, certo de que não encontraria 
dificuldade em despejá-la, assim que a coisa lhe cheirasse mal.
      Todavia, o dinheiro era já o único recurso de que dispunha para fazer calar a amante, 
quando esta lhe falava em casamento. Em tais ocasiões, a rapariga chorava quase sempre; 
dizia-se infeliz; queixava-se da sorte. "Que Amâncio fora a sua perdição! Que ela cedera aos 
rogos dele na persuasão de que era amada e de que mais tarde seria sua esposa!"
      - Ora, filha!  Nós, antes de cairmos na asneira em que caímos, não tocamos uma só vez 
em casamento! E , se queres que te diga com franqueza, eu até nem supunha ser o primeiro com 
quem tivesses relações!...
      Ela irritava-se ao ponto de ameaçá-lo com um escândalo. Amâncio que se não enganasse, 
pois que havia um João Coqueiro sobre a terra! Ele que não caísse no descoco de querer 
desampará-la, porque então as coisas lhe sairiam mais atravessadas!
      Estas rezingas terminavam sempre por uma nova exigência de Amélia. E já não se 
contentava com um chapéu ou com um par de botinas, queria vestidos de seda, jóias de valor e 
dinheiro para gastar.
      Uma noite, Amâncio ficou abismado por lhe ouvir falar na compra de um chalé nas 
Laranjeiras.
      - Sim! reforçou ela, ao perceber que o rapaz não tomava a sério suas palavras. - 
Despedia-se o Tavares e ficaríamos à vontade por uma vez! Eu não estou satisfeita aqui!...
      Ele tornou a sorrir. - Amélia com certeza estava gracejando...
      Mas a rapariga jurou que não, recorrendo a todos os segredos de sua ternura. Afinal, 
vendo que o amante  não cedia, zangou-se como de costume.
      - Tu assim o queres; disse arrancando-se dos braços dele,-  pois bem, tu assim o terás! 
Amanhã hás  de ver o que sai nesta casa!
      Amâncio encolheu os ombros.
      - Não te importas?! Pois veremos quem tem razão!!
      E limpando os olhos:
      - Ingrato! Por que sabe que a gente o estima, abusa deste modo! Tola fui eu em me 
deixar seduzir!...
      - Eu não a seduzi! Ora essa!
      - Até fez mais, replicou ela -  Desonrou-me!
      - Pois desonrada ou seduzida, não tenho dinheiro para comprar casas!
      Amélia saiu essas noite do quarto do estudante ameaçando fazer estourar a bomba no 
dia seguinte.
      E, pela manhã, quando Amâncio , ao seguir para as aulas, lhe foi dar o beijo favorito, .
      ela muito amuada, voltou o rosto, resmungando  "que a deixasse".
      O rapaz prometeu que  "ia pensar" e à noite daria uma resposta.
      Mas nessa noite, Amélia, pela primeira vez, depois do seu novo estado, não se 
apresentou às horas habituais no quarto do estudante.
      Amâncio, sem perder as esperanças de a ver surgir de um momento para outro e 
precipitar-se-lhe nos braços, não conseguira ficar tranqüilo. Aquele procedimento, vindo de 


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quem vinha, o revoltava como a mais infame das ingratidões!
      Ouviu dar três horas, quatro, cinco. Não se conteve, levantou-se, pisando forte, desceu à 
varanda e foi bater à porta de Amélia.
      Nada.
      Bateu mais rijo.
      - Que é?! Perguntou ela asperamente.
      - Preciso falar-lhe.
      - Não são horas para isso!
      - Ouça! Quero dizer-lhe uma coisa...
      - Não tenho negócios! Entenda-se com meu irmão!
      Amâncio voltou ao quarto, desesperado. Não que o acovardassem as ameaças da 
rapariga, bem percebia que as suas relações com ela não eram em casa nenhum segredo e, além 
disso, desde que aceitavam o pagamento, -  ora adeus! nada  podiam dizer! Mas  
apoquentava-se com a falta que já fazia o diabrete da pequena. Habituara-se a dormir  ao calor  
perfumado daquele corpinho branco, ajeitara-se ao cômodo amor daquela mulherzinha nova e 
palpitante e, agora, não podia voltar, assim sem mais nem menos, às suas  tristes noites 
desacompanhadas do outro tempo.
      Acordou muito tarde no dia seguinte. Amélia , quando ele saiu do quarto, não lhe deu 
palavra; estava arrumando uma caixa de retalhos, e arrumando ficou. Mme. Brizard havia saído 
para ver Nini. -  O Coqueiro e os hóspedes se achavam também na rua.
      -  Então o senhora não me quer falar? Perguntou Amâncio, fitando-lhe as costas.
      Ela interrompeu o que cantarolava e, sem se voltar, disse friamente:
      -  A culpa é sua ...
      E continuou a cantarejar, muito embebida nos seus retalhos de fazenda.
      Aquele desdém, namorado e artístico, a tornava ainda mis desejável aos olhos do rapaz.
      Parecia-lhe  até mais vela esse dia; como se os seus encantos, intervindo na perrice, 
florejassem  caprichosamente durante aquela noite de soledade.
      Amâncio nunca lhe achou a pele tão fina, os dentes tão brancos, os olhos tão vivos e tão 
formosos. O pálido e ondulante pescoço da menina jamais lhe pareceu tão misterioso: a sua 
garganta, macia e doce, jamais o cativara tão despoticamente. Ele, enfim, nunca a sentira tão 
necessária,  tão indispensável.
      E as cenas venturosas dos seus primeiros dias de amor lhe perpassaram  
vertiginosamente diante dos olhos, derramando-lhe  por  todo o corpo um apetite brutal de  
readquirir, no mesmo instante, aquela riqueza, que lhe fugia por entre os dedos, como um vinho 
precioso que se derrama.
      - Então a culpa é minha?...disse ele, afinal, apalpando com a vista a carne esperta dos 
quadris e dos braços da amante.
      - Pois você não vê, respondeu ela, voltando-se espevitada - que as coisas não podem 
continuar como até aqui?! É uma canseira insuportável! Quase que já não durmo! Preciso 
esperar de olho aberto que toda a casa ser recolha e recolher-me ao quarto antes que os mais se 
levantem! O resultado é que não descanso; ando tresnoitada; estou enfraquecendo! Já tenho até 
uma dor do lado. Quem pode com esta vida?! Ah! você não sente, bem certo! Porque muita vez 
o encontro a dormir, e dormindo o deixo quando saio! Mas eu?! Se quero que não aconteça 
como outro dia (que nem sei como não deram pela coisa !) o remédio que tenho é ficar alerta e 
não deixar que o dia me surpreenda a dormir no seu quarto! Vê você?!
      - Mas daí?...perguntou Amâncio, no fundo compenetrado de que "a pobre menina" não 
deixava de ter o seu bocadinho de razão.
      - Daí...esclareceu Amélia, - é que nessa tal casa de que lhe falei, e que está para se 
vender muito em conta, há, além dos cômodos necessários para Loló e Janjão, dois quartos 
magníficos, com entradas independentes e comunicáveis entre si por uma pequena alcova. Ora, 


[Linha 6000 de 8244 - Parte 4 de 5]


um dos quartos dá para a sala de visitas e o outro para a sala de jantar; no caso de que 
arranjássemos o negócio, você ficaria com um e eu ficaria com o outro, e dessa forma 
acabavam-se os sustos e as canseiras; porque durante o dia abriam-se as portas do lado de fora e 
fecham-se as de dentro, mas à noite praticava-se justamente o contrário, e ficávamos nos em 
completa liberdade! Compreende você agora?...
      - Sim, Amâncio compreendia e até achava o plano muito bem lembrado, mas a questão é 
que não via necessidade d comprar a casa, era bastante alugá-la...
      - Sim, sim! mas é que o dono não a aluga, quer vendê-la. E onde ia você encontrar outra 
casa nessas condições?...
      - Hei de passar por lá...
      - Não. Vamos hoje mesmo, à tarde. Loló já prometeu que nos acompanha.
      - Pois sim.
      E Amâncio puxou Amélia pelo braço, para lhe dar um beijo.
      - Deixe-me...rezingou ela, ainda com um restinho do arrufo. Você só cuida de si e das 
suas comodidades...Egoísta!
      - Não digas isso, meu bem!
      - Pois não é assim?! Qual foi a vontade séria que você já me fez? É bastante que eu 
mostre gosto numa coisa, para você fazer justamente o contrário...Entretanto, eu, por sua causa, 
sacrifiquei tudo que possuía!
      E começou a chorar, muito infeliz, a dizer que Amâncio tinha razão! - Ninguém lhe 
mandara ser tola! Ela nunca deveria ter-se entregado senão depois do casamento!
      E as suas lágrimas enxugavam-se nos lábios dele.
      E assim ficaram alguns minutos, até que Amélia, de repente, se lhe tirou dos braços e, 
abrindo distancias, declarou de  longe, em plena atração de seus encantos, que "não faria 
nenhum caso de Amâncio enquanto não possuísse o chalé".
      Nessa mesma noite ficou assentado que o rapaz, em nome da amante, compraria a casa 
das Laranjeiras.
      
      * * *
      
      Com efeito, umas semana depois, tratava-se da escritura de compra. O negócio correu a 
galope, visto que a propriedade era de um pândego sequioso por dinheiro.
      Podiam cuidar logo da nova mudança; Amélia, porém, não consentiu em tal, sem que se 
realizassem umas tantas benfeitorias que a "sua" casa reclamava; substituir, por exemplo, o papel 
da sala de visitas, que era de mau gosto; meter-lhe água, que não havia, e fazer esteirar os 
aposentos destinados para si junto com seu homem.
      Mas Amâncio não podia distrais tempo com essas coisas: andava muito absorvido pela 
idéia dos exames que se aproximavam.
      Ultimamente viera-lhe uma febre de formatura, queria a todo o custo "passar "no 
primeiro ano. - Também era só do que fazia questão, "passar no primeiro", porque, quanto aos 
outros, tinha certeza de se preparar melhor e com mais antecedência. agora, lamentava o tempo 
perdido na preguiça e na moléstia; dava ao diabo os seus amores, e vivia numa dobadoura a 
arranjar empenhos e cartas de proteção. Agarrou-se ao Campos; agarrou-se àquele Dr. Freitinhas 
(do baile do Melo
      ) que era unha com carne de um dos examinadores. E furou, e virou, e percorreu amigos 
e desconhecidos, até se julgar "garantido'" . Então, pagou a Segunda matrícula e entregou-se de 
olhos fechados a destino. "Seria o que Deus quisesse!"
      Era ,pois, o Coqueiro quem dirigia as obras da casa da irmã. O metódico rapaz sempre 
tivera paixão por esse gênero de trabalho.
      - Se fosse rico, afirmava ele, - muito prédio havia de fazer, só pelo gfostinho de 


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acompanhar as obras!
      
      
      XVI
      
      
  C
      hegou, finalmente a véspera do amaldiçoado exame.
        Que ansiedade! Que de angústias para o pobre Amâncio! que noite, a sua! - Não 
descansou um segundo; apenas, já quase ao amanhecer, conseguiu passar pelo sono; antes, 
porém, não dormisse, tais eram os pesadelos e bárbaros sonhos que o perseguiam.
      Via-se entalado num enorme rosário de vértebras que se enroscava por ele, como uma 
cobra de ossos; grandes tíbias dançavam-lhe em derredor, atirando-lhe pancadas nas pernas; as 
fórmulas mais difíceis da química e da físicas individualizavam-se para o torturar com a sua 
presença; os examinadores surgiam-lhe terríveis, ríspidos, armados de palmatória, todos com 
aquela feia catadura do seu ex-professor de português no Maranhão. 
      Pelo incoerente prisma do sonho, o concurso acadêmico amesquinhava-se às ridículas 
proporções do exame de primeiras letras. Era a mesma salinha do mestre-escola, a mesma banca 
de paparaúba manchada de tinta, o mesmo fanhoso Sotero dos Reis presidindo a mesa, João 
Coqueiro, o Paiva e o Simões, vestidos de menino, fitavam o examinando com um petulante 
riso de escárnio. Amâncio sentia corre-lhe o suor por todo o corpo e agulhas invisíveis 
penetrarem-no até à medula. O professor, transformado em juiz e ostentando as feições do 
falecido Vasconcelos, inquiria-o com asperezas de senhor; mas as suas perguntas, em vez de 
concernirem às matérias do ato, só se referiam a Amélia.
      - Por que matou você a  pobre menina?! Bramia o pai cravando-lhe olhares de fogo: - 
Responda, seu canalha! Responda! Ah! Pensa que ainda não sei de que você, para melhor a 
seduzir, lhe havia prometido casamento e jurado olhar sempre para ela, seu cachorro?!
      O Coqueiro ,lá do canto, sacudia a cabeça afirmativamente e enviava a Amâncio caretas 
de vingança. Ao lado deste, o cadáver de Amélia fazia-se todo vermelho com o sangue que lhe 
gotejava golpeava de golpejava de um dos seios rasgados de alto a baixo
      O réu queria responder, justificar-se, expor a verdade; eram, porém, baldados os seus 
esforços: não consegui articular uma palavra; gelatinava-se-lhe a voz. na garganta 
,empacando-lhe a fala.
      - Bem! Gritou o velho Vasconcelos à meia dúzia de soldados que escoltavam Amâncio. - 
Conduzam esse miserável ao cepo e cortem-lhe a cabeça!
      O estudante atirou-se de joelhos, com as mãos postas, chorando, suplicando que o não 
matassem. mas os soldados apoderaram-se dele com violência e ataram-lhe os braços. O Juiz, 
Coqueiro, Simões, o Paiva, sumiram-se de repente, soltando gargalhadas. Amâncio foi 
conduzido por um corredor muito escuro e apertado; os soldados, quando o percebiam vacilar, 
batiam-lhe no ombro com a coronha das espingardas. Chegou a um pátio lajeado e úmido, onde 
milhares de homens armados formavam alas; no centro, sobre um toro de madeira conspurcada 
de sangue, reluzia um machado à sua espera; e, de joelhos, abraçado a um crucifixo, um padre 
velho, de longos cabelos brancos, engrolava latins
      Fizeram silêncio.
      No meio das respirações abafadas, só se ouviam os passos trôpegos e o aflitivo 
resfolegar do condenado que, à ponta de baioneta, subia os degraus do cadafalso.
      Veio o carrasco, despiu-lhe a camisa, tosou-lhe os cabelos, e empunhou o ferro.
      Amâncio não se resolvia a entregar o pescoço, mas o velho Vasconcelos, que surgira por 
detrás dele, atirou-lhe um murro à nuca e fê-lo cair de bruços contra o cepo.
      Então, para lhe abafar os gemidos, romperam todos os soldados num rufo estridente de 


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tambores.
      Amâncio sentiu o aço frio entrar-lhe na carne do toutiço, espipar o sangue, e o corpo, de 
um salto, arrojar-se às lajes.
      
      * * *
      
      Havia saltado, com efeito, mas da cama. E o despertador , que ficara de véspera com 
toda a corda para as seis da manhã, continuava o rufo penetrante dos tambores.
      O estudante abriu os olhos e passou em sobressalto a mão pela testa; os dedos voltaram 
ensopados de suor.
      Com a perceptibilidade das coisas foi aos poucos saindo daquele estado de excitação, 
mas voltando lentamente à taciturna agonia da véspera.
      Vestiu-se quase sem consciência do que fazia; esqueceu-se até de escovar os dentes, 
porque, mal voltou a si, correu aos livros, sem aliás, conseguir firmar a atenção sobre coisa 
alguma.
      E Amâncio tremia todo só com a idéia de sua inabilidade. À medida que as horas se 
esgotavam e o momento fatal se lhe antepunha, um langor covarde e mulheril crescia dentro 
dele, produzindo-lhe arrepios que principiavam na ponta dos pés e iam-se estendendo pela 
espinha dorsal, até lhe interessar a cabeça, depois de percorrer as regiões abdominais.
      Mas embaixo, na varanda, em presença de Amélia e Mme. Brizard, fazia-se forte, a 
despeito da palidez que lhe alterava as feições. Nem de leve falou nos sonhos dessa noite, e o 
Coqueiro, a título de metê-lo em brios, contou várias anedotas de examinandos ridículos.
      Os dois tomaram café e por fim saíram. O trajeto de casa à escola foi um martírio para 
Amâncio, afigurava-se-lhe, como no sonho, que se dirigia ao patíbulo.
      Chegou às dez horas. Alguns companheiros de ato já lá estacionavam em magotes de 
quatro e cinco pelos corredores ou à porta da secretaria; fumavam-se cigarros consecutivos, 
discreteavam-se os assuntos da ocasião.  Amâncio cumprimentou os conhecidos, parando aqui 
e ali falando sobre os pontos do exame; - qual preferia que saísse, em qual se presumia menos 
fraco e capaz de fazer figura.
      Agora, sim, estava mais animado; a presença dos colegas o robustecia com um vago 
espírito de coletividade. Sentia-se maios forte e resoluto ao lado dos companheiros de perigo, 
como se a vitória dependesse do número de combatentes.
      Entretanto, faziam-se horas. Os examinadores estavam já reunidos na sala de exames, 
em torno da sua mesa forrada de pano verde. Amâncio lobrigava-os pela frincha da porta 
entreaberta e ouvia-lhes o murmurar descuidoso da conversa, intercaladas de risotas e baforadas 
de charuto
      À vista daqueles homens resfriaram-lhe de novo as mãos e voltaram-lhe os calafrios do 
terror, algum resto de confiança, que ainda teria em si, evaporou-se de todo.
      E, para não sucumbir, procurava acreditar na eficácia dos empenhos que arranjara; seu 
espírito, como o náufrago que braceja nas agonias da morte, já não escolhia os pontos a que se 
agarrava; tudo ser ia naqueles apuros, tudo era pretexto de esperança; mas a consciência da 
verdadeira situação vinha meter-se-lhe de permeio, arrancando, uma por uma, todas as tábuas 
de salvação.
      E Amâncio arquejava, desorientado, perdido.
      - Que diabo viera fazer ali?! Para que se apresentara? por que não se guardou para o ano 
seguinte ou, quando menos para março? Antes não tivesse pago a Segunda matrícula! Oh! se o 
arrependimento salvasse!...
      E, `proporção que se avizinhava o momento supremo, mais e mais imprudente lhe parecia 
a sua temeridade. 
      - Naquela ocasião, pensava ele, -  bem podia estar na província, à testa dos seus 


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negócios, ao lado de sua querida mãe, passeando, rindo, gozando, como nos outros 
tempos!...Era rico, era já tão estimado antes da academia, para que então sofrer semelhantes 
torturas, passar por aqueles maus quartos de hora, que ali estava curtindo?...
      E vinham-lhe venetas de fugir, abandonar tudo aquilo, sem dar satisfações a ninguém, 
correr à casa do Campos, encher-se de dinheiro e arribar para a Europa, para o inferno! 
Contanto que se livrasse da obrigação de expor uma ciência que não tinha, escrever idéias de 
que não dispunha!
      Mas o bedel havia surgido e principiava a "chamada", e, a cada nome, recitado 
pausadamente, o seu olhar mórbido, de funcionário público no cumprimento de um velho dever 
enfadonho, consultava a multidão de estudantes, que em sussurros se apinhava pelo 
esvazamento das portas, empurrando-se uns aos outros, impacientes, curiosos, o pescoço 
espichado, a boca aberta, o calcanhar suspenso.
      - Amâncio da Silva Bastos e Vasconcelos, disse aquele arrastando a voz.
      Amâncio sentiu uma pontada no coração e tartamudeou:
       - Presente.
      Os companheiros, que lhe ficavam por diante, arredaram-se logo, dando-lhe passagem, e 
ele foi ocupar uma das banquinhas que havia na sala.
      A chamada ainda durou algum tempo, porque Amâncio era dos primeiros; afinal, o bedel 
mastigou o último nome; fecho-se a porta da sala;  e um silêncio formalista espalhou-se entre a 
turma dos estudantes e o grupo dos examinadores.
      O presidente da mesa tomou a  lista dos examinandos, arranjou  os óculos, tossicou e, 
com um bocejo, chamou pelo que estava em primeiro lugar.
      Um rapazote louro, de buço, ergueu-se e foi ter com ele. O presidente, com um segundo 
bocejo e um gesto de cabeça, ordenou-lhe que tomasse um dos pontos da urna.
      Amâncio ofegava. - Ia decretar-se o ponto!
      - Qual seria?...    E se, por caiporismo, fosse justamente um dos mais crus? 
      E o sangue trepava-lhe à cabeças, pondo-lhe latejos nas fontes. 
      O rapazote louro meteu enfim a mão na urna e tirou com a ponta dos dedos trêmulos 
uma pequena torcida de papel, que passou ao presidente
      Este desenrolou-a e leu: "Hidrogênio".
      Amâncio respirou: o ponto não podia ser melhor para ele do que era! Talvez fosse até 
entre todos o menos mal sabido; ainda essa manhã lhe passara uma vista de olhos. Contudo, 
uma vez imposto o Hidrogênio, quis lhe parecer vagamente que havia outros pontos preferíveis..
      Estava mais tranqüilo, que era o principal; já quase nada lhe tremia a mão ao receber das 
do bedel uma folhas de papel almaço, rubricada pelos lentes, das   que ia aquele distribuindo 
por todas  banquinhas dos examinandos.
      - Ali, naqueles miseráveis dois vinténs der papel, tinha ele de determinar o seu futuro, a 
sua posição na sociedade, talvez a própria vida de sua mãe, dizendo o que sabia a respeito do tal 
Hidrogênio!...
      Experimentou a pena, endireitou-se na cadeira, e escreveu, caprichando na letra e 
procurando obter estilo.
      A  areia da ampulheta esgotava-se defronte da calva e dos bocejos do senhor 
presidente. Correu meia hora; Amâncio ergueu-se afinal, entregou a sua prova e saiu das sala, a 
esfregar, muito preocupado, os dedos das mão direita contra a palma da esquerda.
      À porta, mal acendera sofregamente o cigarro, contava já aos seus amigos o que havia 
exposto pouco mais ou menos. - Ah! com certeza pilhava uma  - nota boa! - Não era por querer 
falar, mas a sua prova saíra limpa. "Assim não fosse o ponto tão ingrato!..."
      E ficaria a prosar sobre o caso, se o Coqueiro, aguilhoado pela ausência do almoço, não o 
arrancasse dali.
      


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      * * *
      
      A nota foi boa, efetivamente.
      Soube-o Amâncio no dia seguinte, logo que correu à secretaria. Não contava, porém 
ficar tranqüilo, senão depois do resultado de sua provas oral.
      Novos sobressaltos foram se agravando durante os dias que era preciso esperar. 
Votavam-lhe as aflições; no fim de algum tempo já não podia comer, não podia ligar duas idéias 
sobre qualquer coisa e não conseguia repousar duas horas seguidas. Ficou ainda mais 
desnorteado que da primeira vez.
      Amelinha, então, o estimulava com as suas garrulices e pomba que já fez ninho. Puxava 
por ele, tentando arrancá-lo daquele estado, mas não conseguia lhe despertar um só dos antigos 
momentos de bom humor, nem lhe merecer uma de suas primitivas caricias
      O rapaz andava tonto, cheio de pressentimentos e de sustos. Tornou-se até supersticioso. 
- Não podia ver entrar no quarto uma borboleta de cor mais escura; não podia suportar o grunhir 
dos cães, nem queria que a amante prognosticasse "um bom resultado nos exames"
      - É melhor não falar!...dizia ele, muito esmalmado.
      
      Mas que prazer o seu ao voltar pronto da escola! Jamais tivera um contentamento tão 
agudo. Ria sem motivo, sentia ímpetos de abraçar a toda gente, pulava, cantava, parecia doido..
      Soubera do resultado no mesmo dia da prova oral, por intermédio de um dos 
professores. - Saíra aprovado plenamente.
      Vencera!
      Colegas o acompanharam até a casa. Lá ia o Paiva, sempre com o seu olhinho irrequieto 
e mexeriqueiro, o seu todo enfrenesiado e farto "desta porcaria de mundo". Lá ia o triste 
Salustiano Simões, encasmurrado no seu ar incrédulo e bamba, a mascar o cigarro, a aba do 
chapéu encostada à gola sebosa do fraque
      Abriram-se garrafas de champanha; fizeram-se brindes. João Coqueiro desmanchava-se 
em sorrisos, como se partilhasse diretamente de todas aquelas manifestações.
      Foi muito elogiado o exame de Amâncio, tocaram-se os copos, entre fervorosas palavras 
de animação; falou-se em "filhos diletos da ciência", em "liberdade". Em "geração nova", em 
"mineiros do progresso".
      Todavia, Amâncio, em ar feliz e pretensioso, confessava o pouco que estudara e 
gabava-se de sua fortuna. - Podia dar a palavra de honra em como mal havia tocado nos livros 
durante o ano. - O Coqueiro e a família estavam ali, que dissessem!...
      E basofiava a respeito de sua presença de espírito particularizando circunstâncias 
comprobativas de uma sagacidade a toda prova.
      -  Cá o menino não se aperta! Dizia ele, muito satisfeito consigo.
      Expediu-se um telegrama para o Maranhão, dando noticia  do grande "acontecimento". 
O Simões e o  Paiva ficaram para jantar. Já estavam todos à mesa, quando apareceu o copeiro 
com uma carta que um portuguesito acabava de trazer.
      Era do Campos. O bom negociante queria festejar o êxito feliz do -  jovem acadêmico -  
com "uma pequena reunião familiar. Pena era que o Dr. Amâncio estivesse de luto".
      "Não há festa", explanava a carta, "apenas se reúnem  alguns amigos para lhe beber à 
saúde; e o  doutor bem pode trazer em sua companhia mais alguns".
      Amâncio declarou logo que não dispensava o Simões e o Paiva Rocha e exigiu que o 
Coqueiro levasse consigo a família.
      Pois iriam, iriam todos, até o César. Mas o festejado teve de franquear o seu 
guarda-roupa àqueles dois colegas que não queriam apresentar-se mal amanhados em uma casa, 
onde entravam pela primeira vez.
      O Coqueiro, em particular, exprobrou-lhe essa franqueza: 


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      -  Foge da boêmia!... disse-lhe, no seu diapasão de homem sério. -  Foge da boêmia, 
rapaz! Esses tipos não merecem que se lhes faça a menor coisa!... metem os pés -  sempre! Já os 
conheço; não seria eu quem os convidara para a casa de ninguém! É gentinha que só está 
habituada  a cafés e botequins, não respeitam família! Para eles as mulheres são todas iguais!...
      Amâncio sorriu.
      -  Ora Deus queira que não tenhamos de nos arrepender!... acrescentou  o  outro.-  E, 
àquela roupa, podes rezar-lhe por alma... o ali cai, fica!
      O provinciano afastou-se sem responder e lamentando interiormente que, logo nessa 
tarde, não estivesse em casa o eloqüente Dr. Tavares, que seria uma excelente perna dos brindes 
da sobremesa.
      Mandaram-se vir dois carros. Num iria o Coqueiro mais a família e no outro Amâncio 
com os dois amigos.
      Partiram às oito horas, alegremente, num alvoroço gárrulo de festa. Mme Brizard dera 
toda  força  à sua elegância: atirou-se ao decote, pôs a pedraria ainda do tempo do primeiro 
marido,  e exibiu aquele rico pescoço, "que ela não trocava pelo de ninguém"!
      Amelinha estreou um belo vestido de escumilha azul que lhe dera o amante. No seu colo, 
cor de camélia fanada, assentavam muito bem as pérolas e os rubis; seus braços, levemente 
dourados de penugem, sabiam, no meio da confusão caprichosa das rendas valencianas, fazer 
tilintar com graça os braceletes que se enroscavam nas compridas e transparentes luvas de retrós.
      A cunhada, ao vê-la sair do quarto, dissera: 
      -  Não parece uma brasileira!... Tão linda está! 
      
      * * *
      
      Foram recebidos com transportes  de júbilo por toda a família do negociante. Campos 
entregou a casa ao festejado, "que a este competia, naquela noite, obsequiar às pessoas 
presentes; fazer as honras da copa e da mesa; promover quadrilhas e prender as moças até pela 
manhã. Era o dono da festa, que se arranjasse!"
      Amâncio tomou posse do cargo, sem caber em si de contente. Muito o sensibilizava tudo 
aquilo que, de qualquer modo, lhe pudesse  afagar o amor-próprio.
      E em suas mãos a festa tomou um caráter assustador: o pianista não tinha tempo para 
fumar um cigarro; os convidados eram constrangidos a beber nos intervalos da dança e a dançar 
nos intervalos das libações. Paiva Rocha e o Salustiano, a despeito de todas as suas garantias de 
filósofos, intransigentes e péssimos dançadores, tiveram de  entrar, por mais de uma vez, nas 
intermináveis contradanças.
      Ao inverso do que pressagiara o Coqueiro a respeito destes dois, tanto um como o  
outro se houveram admiravelmente. Ninguém melhor que eles para respeitar senhoras; um 
espesso acanhamento os encascava e tolhia, que nem a concha ao molusco. Salustiano, 
principalmente, estava mais tenro e inofensivo que uma criança; na quadrilha, mal ousava erguer 
os olhos para sua dama e, querendo ser muito delicado, apenas lograva, com os exageros da 
cortesia, trair a sua nenhuma freqüência nas salas.
      Para os intimidar bastava as cerimoniosa presença de senhoras de boa sociedade. 
Aqueles dois pândegos, tão céticos em teoria a respeito da mulher, ali, governados pelo meio, 
eram  os homens mais tolerantes deste mundo; seriam capazes de defender a existência de 
Deus ou do diabo, se elas o entendessem. Fato é que o dono da casa gostou deles em extremo e 
pediu-lhes que aparecessem aos domingos, uma vez por outra, para jantar.
      A festa correu sempre animada até as três horas da manhã, quando Amâncio convidou 
as senhoras a tomar lugar na mesa. Ao desrolhar do champanha, ergueu-se este resolutamente e 
exigiu que o acompanhassem num brinde.
      Abstiveram-se da bulha, e o estudante grupou em torno do nome inteiro do Campos 


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todo o velho arsenal de  retórica aplicável à situação. Em substância nada afirmou, mas a sua 
palavra sonora e cheia; as frases gorgolhavam-lhe dos lábios com essa verbosidade oca e 
retumbante que se observa nos filhos do Norte do Brasil, e que, aliás, tem valido a muitos 
posição eminente na política. Aquela voz, estalada e aberta, ferindo as vogais, tinha um sabor 
muito picante de ironia, vibrava no ar como uma flecha selvagem e feria os tímpanos como um 
insulto inverso.
      As damas interessaram-se pelo discurso e alguns homens o ouviram sem pestanejar. E 
todos eram de acordo que Amâncio estava talhado para o Direito e que havia de fazer "uma 
brilhante figura", quer  na advocacia, quer na política, se por acaso abraçasse uma dessas 
carreiras.
      -  É rapaz de talento!... diziam já as senhoras cochichando.
      -  A mim comoveu tanto o demônio do moço, que chorei!... segredou uma quarentona 
de chinó, que passava entre os conhecidos por mulher de maus bofes.
      E principiaram a olhar com uma certa submissão para o esperançoso Amâncio.
      E, com efeito o seu tipo nervoso e moreno de nortista, o seu modo sem-cerimônia de 
abrir muito a boca, mostrando num gesto de pasmo a dentadura, o desembaraço de sua 
gesticulação, sempre que entornava para dentro um pouco mais de vinho, e principalmente o 
metal daquela voz enfática e encrespada pelo tal sotaque da província; tudo isso, sem dúvida 
alguma agradava depois de uma boa ceia, quando cada um não exige de ninguém senão que lhe 
deixem tomar me paz o seu café e lhe permita acender o seu charuto.
      O caso é que Amâncio se converteu numa espécie de presidente da mesa. Era a ele que 
se dirigiam os que propunham novos brindes; era para ele que mais se voltavam durante o 
discurso, e, tal e qual no jantar de seu pai por ocasião do célebre exame de primeiras letras, 
ainda era ele o alvo das melhores felicitações; com a diferença de que, neste agora, em vez de 
consultar de instante a instante o famoso relógio alcançado naquele dia, o que Amâncio 
consultava eram os olhos de Hortênsia, nele igualmente presos mas por uma cadeia doutra 
espécie.
      E, ainda como na primeira festa, o estudante abusou um pouco dos licores; mas, agora, 
em vez de pegar no sono, deu-lhe a bebedeira para abrir às francas com a dona da casa, logo que 
a pilhou  sozinha no terraço, ao fundo do segundo andar.
      Hortênsia não se  indignou com isso, mas também não se mostrou satisfeita; não repeliu 
com energia as palavras do sedutor, mas não se pode dizer que as acolhesse de boa cara; não lhe 
deu enfim, os beijos que ele pedia, mas por outro lado não retirou a mão que o rapaz agarrara 
entre as suas.
      - Eu te adoro, meu amor, minha vida! dizia-lhe o  velhaco, cheirando-lhe  os grossos 
braços revestidos de filó. - Não to disse há mais tempo por falta de coragem, juro-te, porém, que 
é verdade! Amo-te, minha Hortênsia, amo-te com todo o entusiasmo, com toda a paixão de que 
sou capaz!
      Ela o ouvia em silêncio, a pensar, os olhos ferrados a um ponto, o ar todo caído e 
acabrunhado como por uma  espécie de desgosto; não se mexia, apenas, quando Amâncio 
teimava muito em querer beijá-la, desviava o corpo, sem voltar a cabeça.
      - Mas, então?...perguntou ele.
      - Então, o quê?...fez a outra como interrompendo um longo pensamento.
      - Não aceita o meu amor?..
      - Não, decerto, não posso aceitar semelhante coisa!
      - Por que, minha santa?...
      - Não tenho esse direito; conheço os meus deveres e a minha responsabilidade .O mais 
que lhe posso dar é uma afeição de irmã, de amiga, uma afeição sagrada e pura !
      Amâncio declarou que pensava desse modo justamente, mas agora queria um beijo, um 
só! O primeiro e último! - nada mais sagrado e puro do que um beijo!...


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      - Nunca! Disse ela, fugindo com o rosto.
      Ele a tomou à força e a senhora ficou ressentida, chegou a ter um gesto de impaciência e 
teria fugido, se o estudante não a segurasse pela cintura.
      - Solte-me!
      - Perdoa, perdoa, meu amor! Segredava ele, quase ajoelhado .- Bem quisera ser para 
contigo o mais respeitoso dos homens, mas não me  pude   dominar...Perdoa!
      - E jura que , de hoje em diante, não  cairá noutra?...
      - Juro! Juro! Mas não te revoltes contra mim!
      - E que nunca mais me faltará ao respeito?...
      Amâncio  fez um gesto afirmativo, em o qual seus olhos , agora mais estrábicos sob a 
influência do vinho e do desejo, luziam suplicantes, como os olhos de um cão que tem fome.
      - Pois bem, murmurou ela, meio compadecida. - vá lá por esta vez! Está perdoado, mas 
fique prevenido de que, se repetir a graça não,  respondo pelas conseqüências
      Amâncio ia fazer novos protestos , quando sentiu que alguém se aproximava; 
ergueram-se ambos, instintivamente, e ,fugindo ao rumor, seguiram de braço dado  para a sala.
      Tocava-se uma valsa. Ele , sem consultar Hortênsia, enlaçou-lhe a cintura, e puseram-se 
os dois a rodar, a rodar, tão certos e tão leves, que prendiam a atenção de quantos lá s achavam. 
E o Coqueiro, encostado à ombreiras de uma porta, acompanhava-os com um sorriso de 
felicidade, no qual havia alguma coisa de orgulho de pai que se revê num filho prodigioso.
      Mas o querido estudante, para o fim da festa, já não pareci o mesmo: as bebidas e o 
cansaço  davam-lhe um ar grosseiro e desalinhado; já se lhe não via o colarinho, nem os punhos; 
a roupa empastava-se-lhe com o suor e a cabeleira desguedelhava-se sobre a testa. E vinham-lhe 
então pilhérias de mau gosto; tratava Amelinha quase licenciosamente e regamboleava as pernas 
e os braços no meio da quadrilha, como se estivesse num baile público. Já não dava excelência a 
ninguém e queria, por força ,que o Simões e o Paiva, depois da festa, o acompanhassem a um 
passeio ao alto  da Tijuca.
      - Que diabo! Rosnava ele, cuspilhando para os lados. - Ou bem que a gente se mete na 
pândega ou bem que se não mete!
      Só se retiraram ao despontar da aurora. César, que adormecera desde as onze horas da 
noite, ficou para passar o dia com a família do Campos. Amâncio pôs um carro à disposição do 
Paiva e do Simões e seguiu no outro com as duas senhoras e o Coqueiro.
       Este toscanejava durante a viagem, ao lado da mulher que se sumia na abundância de 
uma formidável capa de lã; enquanto que Amâncio, a charutar derreado para um canto da 
carruagem, adormecia com a mão direita esquecida entre as de Amélia
      
      
      XVII
      
   R
      
      ecebeu  no dia seguinte uma carta de Ângela; era a segunda que ela escrevia ao filho     
depois da morte do marido.
      Já na primeira lhe suplicava que a fosse ver, logo ao entrar das férias, pois agora estava 
muito só e acabrunhada de desgostos; além disso, os seus padecimentos se agravavam.  
Amâncio  que se não demorasse; a infeliz tinha para si que a presença do filho substituiria com  
vantagem todos os remédios da botica.
      Na segunda carta ainda  se mostrava mais impaciente e mais aflita pelo rapaz. Falava até 
no receio de morrer sem abraçá-lo, caso Amâncio não se apressasse a ir em seu socorro.-  A 
presença dele tornava-se precisa , mesmo com referências aos interesses do inventário; por 
quanto D. Angela começava a desconfiar do Silveira, que não fazia outra coisa senão lhe pedir 


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dinheiro e mais dinheiro para as tais custas. -  Enfim, por todos os motivos, era urgente que 
Amâncio desse, quanto antes, um pulo ao Maranhão.
      Amelinha, que já não ficara muito tranqüila com a primeira carta, assustou-se deveras 
quando o amante lhe mostrou a segunda .
      -  Eu não consinto nesta viagem! Disse-lhe terminantemente.
      - Mas não vês que se trata de um caso urgente, que se trata de defender meus interesses, 
que se trata de salvar a vida de minha mãe?...Ou queres tu que eu a mate, hein?...
      - Amélia não tinha nada quer ver com isso!...A sua questão resumia-se no seguinte: 
"Dera-se a um homem, porque o amava e porque se supunha amada por ele; esse homem a 
possuiu como bem quis, gozou-a como muito bem entendeu, e, um belo dia, talvez por já estar 
farto, resolvia meter-lhe os pés e pôr-se ao fresco!..." Boas! Não havia de ser com ela! Amâncio 
que não caísse em semelhante asneira, porque então veria o bom e o bonito! Quem o afiançava 
era "a Amelinha dos camarões"!
      - Mas , filha, que queres tu que eu faça?...Bem vês que esta viagem ao Norte é 
inevitável!
      - Pois então vamos juntos...Casa-te primeiro comigo!
      A idéia foi tão intempestiva que o estudante respondeu com uma gargalhada. Mas o 
demônio da rapariga, tornando às boas de repente, saltou-lhe ao pescoço e disse-lhe, entre 
beijos:
      - E por que não ?...Por que não te casa logo comigo, meu amor?...
      - Porque era impossível!...explicava ele. "Casar não é casaca" Era muito cedo para cuidar 
nisso!...Primeiro tinha de formar-se, praticar algum tempo em Paris, e depois então...sim senhor, 
não dizia o contrário e havia de ser o mais empenhado em que a coisa se realizasse! Mas por 
ora..."Deus nos acuda!" era até loucura pensar em semelhante história!...
      Amélia fez-se  logo de mau humor; vieram os remoques e o s reviretes do costume, 
houve palavras duras de parte a parte e, afinal, como estabelecido imposto de reconciliação, 
ficou assentado que Amâncio arranjaria mobília nova para o chalezinho das Laranjeiras.
      E o rapaz lá foi comprar os trastes.
      Dois dias depois, realizava-se a terceira mudança. O Dr. Tavares, o último hóspede da 
famigerada Mme. Brizard, pagou a sua última conta e recebeu da francesa um abraço de 
despedida.
      - Ah! suspirou elas. - Até que enfim se podia descansar um pouco! Já não era sem 
tempo!
      O chalezinho de Amélia ficou muito catita; parecia um ninho de noivos. Estava a pedir 
lua-de-mel!
      A cachorra da pequena tinha gosto.  Exigiu tapetes, espelhos, cortinas de chita indiana 
para a sala de jantar, cortinas de renda para a salas d visitas; quis moldura dourada nos quadros, 
estatuetas pelas paredes; não  dispensou nos aparadores e nos consolos jarras de porcelana das 
mais à moda; jardineiras aqui e ali, vasos caprichosos com begônias e tinhorões sobre a mesa de 
jantar; cestinhas artísticas, com para sitas, para dependurar nas janelas; e ainda fez substituir na 
cozinha, nos arranjos da comida e no arranjo dos quartos, tudo aquilo que lhe parecia em 
condições de reformas.
      E só com essas coisas e só com a satisfação de tanta exigência é que Amâncio conseguia 
paliar as revoltas da amante. O desgraçado já não tinha ânimo de contrariá-la, porque bem 
conhecia o preço das rezingas e, sem achar meio de reagir, via claramente que as reconciliações 
se tornavam mais caras de dia para dia.
      
      * * *
      
      Entretanto, depois da mudança, o amor dos dois tomou um caráter mais digno e 


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decente. Já não era necessário que a rapariga andasse à noite em ponta de pés pela casa, 
tateando a escuridão para ir ter com o seu homem. agora dormiam à vontade, com as portas bem 
fechadas por dentro.
      E só se despregavam do lado um do outro, quando tinham que abandonar o quarto. 
Então, cada um se servia da porta competente: Amélia tomava a da varanda e Amâncio a da 
sala de visitas!
      Não podiam desejar melhor!
      Melhor, bem certo para o descanso do corpo e repouso do espírito; não, porém, para 
garantia do amor, essa estranha função psicológica que só alimenta asa suas raízes nos 
sobressaltos e no perigo. Tamanha segurança e tamanha liberdade de ação deviam fatalmente 
levantar a pontas do tédio, cujo novelo existe, mais ou menos escondido, no fundo de todas as 
coisas.
      Não vinha longe a saciedade; Amâncio já lhe ouvia o bocejar. Iam-se-lhe pouco a pouco 
amornecendo os primitivos arrebatamentos do desejo; os  dois tinham-se já frouxamente, sem 
lumes de entusiasmo, sem os esforçadores auxílios da imaginação. Assuntos práticos, positivos, 
agora se lhes intercalavam nas carícias, puxando-os grosseiramente à calma realidade da vida.
      Amelinha já lhe não surgia no quarto com aquele trêfego ruçar-se de pomba assustada, o 
que lhe enchia as feições e os movimentos de uma graça tão maliciosa e provocadora; agora se 
apresentava com um ar muito tranqüilo, de casada, a arrastar os chinelos, o roupão desabotoado 
e solto, num farto abandono de alcova.
      Despia-se defronte de Amâncio, coçando negligentemente as partes do corpo que 
estiveram comprimidas durante o dia, como a cinta, o lugar das ligas e dos canos das botinas. 
Despenteava-se ali mesmo, alado da cama do rapaz, sacudindo o cabelo com ambas as mãos, 
num movimento de braços erguidos que lhe mostrava a grenha das axilas; ele, também, parecia 
não dar por isso, eras todo do livro que lia à luz de uma vela pousada no criado-mudo.
      E os assuntos de suas conversas materializavam-se completamente. Já só discutiam 
interesses práticos, arranjos de vida e conveniências domésticas: "Era preciso arranjar um 
jardineiro, que viesse uma vez por semana cuidar das plantas e limpar os tanques. - Era preciso 
chamar o homem do gás para consertar tal candeeiro que não dava boa luz. - Era conveniente 
alugar uma criada que soubesse lavar; porque a ladra da lavadeira trocava as camisas e encardia 
a roupa, que fazia lástima!"
      E, à vezes, na intimidade dessas conversas, criticavam os atos de Mme. Brizard e do 
Coqueiro; censuravam-lhes umas tantas coisas, como, por exemplo: a negligência destes para 
com o César. "O pequeno ia por um tal caminho, que, se não abrissem os olhos, havia de 
amargar mais tarde! - Que diabo custava ao Janjão arranjá-lo aí em qualquer casa de comércio 
ou, pelo menos, fazê-lo aprender um ofício?...Em casa mesmo já lhe podiam ter metido nas 
unhas a carta do ABC e já lhe podiam ter ensinado alguma coisa...Mas Loló não  se queria 
incomodar! E senão, vissem o que se passava a respeito de Nini; outra fosse a boa da mãe, que 
as pobre rapariga não levaria semanas e semanas lá na casa de saúde, sem ter uma pessoa que 
olhasse por ela."
      Eram sempre deste teor os motivos de sua conversa. Amélia, não obstante, fazia-se 
muito ligada aos menores interesses do amigo: queria saber o que ele gastava por fora, com 
quem estivera; reprovava-lhe certas relações, certas companhias "que não punham ninguém pra 
diante", e aconselhava-o a que se não descuidasse de outras que lhe podiam ainda vir a servir; 
pregava-lhe sermões a respeito de economias. "O mundo estava cheio de espertos: ele que 
desconfiasse de todos; cada um só procurava chamar a brasa para a sua sardinha!" Queria estar 
a par de como iam os negócios do amante na província. "Se o dinheiro ficara em boas mãos; se 
não  havia risco de uma quebra ou de alguma ladroeira". E muito egoísta, muito mulher, muito 
agarrada ao que lhe pertencia, desde Amâncio até ao pó de suas gavetas, fazia justamente como 
fazem os sócios comerciais que parecendo tratar dos interesses abstratos de uma firma, estão 


[Linha 6500 de 8244 - Parte 4 de 5]


mas é tratando dos próprios interesses.
      Outras vezes boquejavam sobre os conhecidos, sobre as pessoas de amizade. Uma noite, 
em que , durante o serão da varanda, se conversou muito a respeito de Hortênsia, Amélia, já no 
quarto, em fralda, com um joelho dobrado em cima da cama, enquanto tirava grampos da 
cabeça e os arremessava para o velador, disse, como se continuasse um pensamento:
      - Ela, fim de contas, não passa de uma mulher como as outras!...Loló e Janjão. É que, 
quando gostam de uma pessoa tiram tudo dos outros para enfeitá-la!
      - Quem? D. Maria Hortênsia? Perguntou Amâncio, procurando num livro o lugar em que 
na véspera deixara a leitura. E, depois de um movimento afirmativo da rapariga:
      - Não, o Coqueiro tem razão - a mulher do Campos é uma excelente senhora. Muito 
honesta!
      - Ora! É uma mulher como as outras...sustentou Amélia, galgando a cama por cima do 
amante, para se aninhar ao lado da parede.
      - Como as outras, como? Em que sentido?
      - Não é lá essas purezas que a querem fazer! Não é nenhuma santa!
      - Estás enganada, filha! A Hortênsia é uma mulher muito séria!...
      - Quando não se ri...
      - Pelo menos até aqui, que me conste, ninguém ainda se animou a dizer nada de sua 
conduta!
      Amélia, então, possuída de um rancor instintivo de classe, de uma surda antipatia de 
mulher suspeita por mulher honesta, desencadeou os seus argumentos e as suas razões. Trouxe a 
lume conversas inteiras, que bispara na tal noite do exame. "Amâncio via caras e não via 
corações!...Aquele -  meu bem pra cá, meu bem pra lá, - que todos notavam entre o Campos e a 
mulher, era só dos dentes para fora! No íntimo, Hortênsia detestava o marido! Achava-o muito 
bom homem, é verdade, muito generoso, não podia se queixar de que lhe faltasse nada, -  boa 
mesa, boa casa, criados pra servir, teatros, bailes, seu bom carro, seu vestido de preço, - sim 
senhor! Mas só ! Quanto a carinhos -  nicles! A respeito de certos confortos de que uma mulher 
precisas, - era uma miséria! Às vezes, passavam-se meses e meses sem que o marido a 
procurasse! O pobre homem andava lá  com os seus negócios, coitado! E a doida, em lugar de 
conformar-se com a sorte, punha a boca no mundo e eram queixas e mais queixas pra frente! 
Que ela, Amélia, não soubera de tudo isso, por parte deste ou daquele  - escutara com seus 
próprios ouvidos!"
      - Pois bem, ainda me ajudas!...volveu Amâncio, tomando extremo interesse pela 
conversa, - ainda me ajudas, porque, se é como dizes, o bom comportamento de D. Hortênsia 
torna-se muito mais digno de admiração!...
      - Sim!...Retrucou a rapariga ironicamente. - Também acho bom, mas moro longe! - De 
um, quando mais não seja, sei eu, por quem o tal "anjo de pureza" seria capaz de dar uma perna 
ao diabo! E olha que, se ainda não a deu, foi porque ainda não teve ocasião para isso! Vontade 
não lhe falta! Ele que se apresentasse e veríamos!
      Amâncio quis logo saber quem era o sujeito.
      - Um tipo! Não o conheces. 
      - Mas como se chama?
      Amélia, depois de alguma hesitação, confessou. - Era o Sousa Antunes...Aí tinha!
      - Que Antunes? Interrogou Amâncio, já mordido.
      - O Antunes, homem! Aquele sujeito da Câmara. Alto, de cavanhaque, aquele de castor 
branco, que uma vez encontramos nas regatas, em Botafogo.
      - Ah!...Já sei, já sei...
      E Amâncio procurou disfarçar a sua contrariedade, fingindo que se abismava na leitura. 
E parecia muito preso à página, enquanto aliás o seu pensamento buscava descobrir no tipo de 
Sousa Antunes os atrativos que cativaram a mulher do Campos. - Impossível! O tal Antunes era 


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um viúvo talvez de quarenta anos, pai de filhos, e vulgar, sem talento de espécie alguma, 
vivendo de um ordenado oficial de secretaria, nem tendo, ao menos, qualidades físicas que 
inspirassem paixão a qualquer mulher, quanto mais àquela! aquela que não pôs dúvida em lhe 
atirar com uma recusa pelas ventas!...
      - Não! Isso deve ser história!...considerou ele em voz alta.
      - Qual história, o quê! Retorquiu logo Amélia. - É louca por ele! Quando o avista, fica 
tonta! Eu vi! ( e arregalou um dos olhos com o dedo. ) Ainda outro dia, no São Pedro-  que 
escândalo! Não lhe tirava o binóculo de cima! O que a cegou, sei eu...
      - Mas como viste tu a saber disto?...
      - Ora! Loló é toda das Fonsecas, que estão agora de cama e mesa com a Hortênsia!...
      - Fonsecas?...
      - Aquelas moças esquisitas, aquelas que foram à soirée!... Lembras-te?...Ó homem! as 
Fonsecas...as de Catumbi!...
      A Amâncio pouco lhe importavam as Fonsecas, o quer ele desejava eram mais algumas 
informações a respeito do escândalo. Não podia suportar a idéia de que Hortênsia, a mesma 
Hortênsia que lhe repelira os beijos, tivesse um fraco pelo Antunes, o Antunes do cavanhaque! -  
Que horror!
      
      * * *
      
      E, depois dessa conversa, principiou a freqüentar a casa do Campos com mais 
assiduidade. Aparecia regularmente duas vezes por semana e quase sempre se demorava até as 
horas do chá.
      - Mas Hortênsia - qual! Não atava, nem desatava. Era sempre a mesma criatura 
incompreensível; sempre aquela mesma ambigüidade, a mesma dúvida, o mesmo querer e não 
querer! Hoje - Um sorriso de esperanças; amanhã - uma frieza esmagadora; depois - ora muito 
coloridos de ternura, ora lulados de orgulho; tão depressa altiva e sobranceira, como suplicante e 
humilde; tão depressa risonha como triste, generosa como sovina, dando com uma das mãos 
para tomar logo com a outra.
      O rapaz impacientava-se: - Fossem lá compreender semelhante mulher! Um dia - toda 
condescendência, toda interesse por ele, no outro - gestos desabridos, ameaças, palavras duras . 
- Sebo! - Já  passava a debique! No fim de contas não valia a pena!
      Mas o ladrão da mulher tinha uns olhos tão doces, uns decentes tão brancos, uma pele 
tão viçosa!..."Não senhor! Era preciso acabar com aquilo! Ele estava fazendo um papel 
ridículo!..."
      E deliberava não pensar mais  na mulher do Campos. "Que diabo! Se se  queria  
divertir, comprasse um boneco de engonços!..." Quando , porém , dava por si no dia imediato, 
já os passos o tinham conduzido para a casa do negociante.
      Entraria, mas lá dentro havia de ser forte, inabalável! E trepava pelas escadas, 
imaginando o improvisar um namoro com a Carlotinha, estudando os assuntos de que teria de 
usar na conversa, calculando os efeitos que a sua afetada indiferença devia produzir no espírito 
da caprichosa. Bastava, porém, um sorriso de Hortênsia,, uma palavra mais terna, um gesto mais 
amoroso, para o fazer ficar caído, desarmado, seguro como nunca.
      - Era o diabo!
      Voltava para casa furioso, atirando com as portas, respondendo de má vontade às 
perguntas que lhe dirigiam.
      Amélia o estranhava, sem dar contudo, a perceber coisa alguma. Apenas lhe perguntava, 




CONTINUE A LEITURA:

Casa de Pensão - Parte 5 de 5 - Aluísio Azevedo:




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