quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Dom Casmurro - P2de4 - Machado de Assis


Dom Casmurro - P2de4 - Machado de Assis

Dom Casmurro  - Machado de Assis



Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? 

Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. 


Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros, mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me. Quantos minutos gastamos naquele jogo? Só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve. A eternidade tem as suas pêndulas; nem por não acabar nunca deixa de querer saber a duração das felicidades e dos suplícios. Há de dobrar o gozo aos bem-aventurados do céu conhecer a soma dos tormentos que já terão padecido no inferno os seus inimigos; assim também a quantidade das delícias que terão gozado no céu os seus desafetos aumentará as dores aos condenados do inferno. Este outro suplício escapou ao divino Dane; mas eu não estou aqui para emendar poetas. Estou para contar que, ao cabo de um tempo não marcado, agarrei-me definitivamente aos cabelos de Capitou, mas então com as mãos, e disse-lhe,--para dizer alguma cousa,--que era capaz de os pentear, se quisesse. 

--Você? 

--Eu mesmo. 

--Vai embaraçar-me o cabelo todo, isso sim. 

--Se embaraçar, você desembaraça depois. 

--Vamos ver. 

CAPÍTULO XIXI / O PENTEADO 

E Capitu deu-me as costas, voltando-se para o espelhando. Peguei-lhe dos cabelos, colhi-os todos e 

entrei a alisá-los 
com o
pente, desde a testa até as últimas pontas, que lhe desciam à cintura. Em pé não dava jeito: não 

esquecestes que ela 
era um
nadinha mais alta que eu, mas ainda que fosse da mesma altura. Pedi-lhe que se sentasse. 

--Senta aqui, é melhor. 

Sentou-se. "Vamos ver o grande cabeleireiro", disse-me rindo. Continuei a alisar os cabelos, com muito cuidado, e dividi-os em duas porções iguais, para compor as duas tranças. Não as fiz logo, nem assim depressa, como podem supor os cabeleireiros de ofício, mas devagar, devagarinho, saboreando pelo tacto aqueles fios grossos, que eram parte dela. O


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trabalho era atrapalhado, às vezes por desazo, outras de propósito para desfazer o feito e refazê-lo. Os 

dedos roçavam 
na
nuca da pequena ou nas espáduas vestidas de chita, e a sensação era um deleite. Mas, enfim, os 

cabelos iam 
acabando, por
mais que eu os quisesse intermináveis. Não pedi ao céu que eles fossem tão longos como os da Aurora, 

porque não 
conhecia
ainda esta divindade que os velhos poetas me apresentaram depois; mas, desejei penteá-los por todos 

os séculos dos
séculos, tecer duas tranças que pudessem envolver o infinito por um número inominável de vezes. Se 

isto vos parecer
enfático, desgraçado leitor, é que nunca penteastes uma pequena, nunca pusestes as mãos adolescentes 

na jovem 
cabeça de
uma ninfa... Uma ninfa! Todo eu estou mitológico. Ainda há pouco, falando dos seus olhos de ressaca, 

cheguei a 
escrever
Tétis; risquei Tétis, risquemos ninfa, digamos somente uma criatura amada, palavra que envolve todas 

as potências 
cristãs e
pagãs. Enfim acabei as duas tranças. Onde estava a fita para atar-lhes as pontas Em cima da mesa, um 

triste pedaço 
de fita
enxovalhada. Juntei as pontas das tranças, uni-as por um laço, retoquei a obra, alargando aqui, 

achatando ali, até que
exclamei: 

--Pronto! 

--Estará bom? 

--Veja no espelho. 

Em vez de ir ao espelho, que pensais que fez Capitu? Não vos esqueçais que estava sentada, de costas 

para mim. 
Capitu
derreou a cabeça, a tal ponto que me foi preciso acudir com as mãos e ampará-la; o espaldar da cadeira 

era baixo.
Inclinei-me depois sobre ela rosto a rosto, mas trocados, os olhos de uma na linha da boca do outro. 

Pedi-lhe que 
levantasse
a cabeça, podia ficar tonta, machucar o pescoço. Cheguei a dizer-lhe que estava feia; mas nem esta razão 

a moveu. 

--Levanta, Capitu! 

Não quis, não levantou a cabeça, e ficamos assim a olhar um para o outro, até que ela abrochou os 

lábios, eu desci os 
meus,
e... 

Grande foi a sensação do beijo; Capitu ergueu-se, rápida, eu recuei até à parede com uma espécie de 

vertigem, sem 
fala, os
olhos escuros. Quando eles me clarearam vi que Capitu tinha os seus no chão. Não me atrevi a dizer 

nada; ainda que
quisesse, faltava-me língua. Preso. atordoado, não achava gesto nem ímpeto que me descolasse da 

parede e me 
atirasse a ela
com mil palavras cálidas e mimosas... Não mofes dos meus quinze anos, leitor precoce. Com dezessete, 

Des Grieux (e 
mais
era Des Grieux) não pensava ainda na diferença dos sexos. 

CAPÍTULO XXXIV / SOU HOMEM! 

Ouvimos passos no corredor; era D. Fortunata. Capitu compôs-se depressa, tão depressa que, quando a 

mãe apontou 


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à
porta, ela abanava a cabeça e ria. Nenhum laivo amarelo, nenhuma contração de acanhamento, um riso 

espontâneo 
e claro,
que ela explicou por estas palavras alegres: 

--Mamãe, olhe como este senhor cabeleireiro me penteou; pediu-me para acabar o penteado, e fez isto. 

Veja que 
tranças! 

--Que tem? acudiu a mãe, transbordando de benevolência . Está muito bem, ninguém dirá que é de 

pessoa que não 
sabe
pentear. 

--O que, mamãe? Isto? redargüiu Capitu, desfazendo as tranças. Ora, mamãe! 

E com um enfadamento gracioso e voluntário que às vezes tinha, pegou do pente e alisou os cabelos 

para renovar o
penteado. D. Fortunata chamou-lhe tonta, e disse-me que não fizesse caso, não era nada, maluquices da 

filha. Olhava 
com
ternura para mim e para ela. Depois, parece-me que desconfiou. Vendo-me calado, enfiado, cosido à 

parede, achou 
talvez
que houvera entre nós algo mais que penteado, e sorriu por dissimulação... 

Como eu quisesse falar também para disfarçar o meu estado, chamei algumas palavras cá de dentro, e 

elas acudiram 
de
pronto, mas de atropelo, e encheram-me a boca sem poder sair nenhuma. O beijo de Capitu fechava-me 

os lábios. 
Uma
exclamação, um simples artigo, por mais que investissem com força, não logravam romper de dentro. E 

todas as 
palavras
recolheram-se ao coração, murmurando: "Eis aqui um que não fará grande carreira no mundo, por menos 

que as 
emoções o
dominem..." 

Assim, apanhados pela mãe, éramos dous e contrários, ela encobrindo com a palavra o que eu publicava 

pelo silêncio. 
D.
Fortunata tirou-me daquela hesitação, dizendo que minha mãe me mandara chamar para a lição de latim; 

o Padre 
Cabral
estava à minha espera. Era uma saída; despedi-me e enfiei pelo corredor. Andando, ouvi que a mãe 

censurava as 
maneira da
filha, mas a filha não dizia nada. 

Corri ao meu quarto, peguei dos livros, mas não passei à sala da lição; sentei-me na cama, recordando o 

penteado e o 
resto.
Tinha estremeções, tinha uns esquecimentos em que perdia a consciência de mim e das cousas que me 

rodeavam, 
para viver
não sei onde nem como. E tornava a mim, e via a cama, as paredes, os livros, o chão, ouvia algum som 

de fora, vago,
próximo ou remoto, e logo perdia tudo para sentir somente os beiços de Capitu Sentia-os estirados, 

embaixo dos meus,
igualmente esticados para os dela, e unindo-se uns aos outros. De repente, sem querer, sem pensar, 

saiu-me da boca 
esta
palavra de orgulho: 

--Sou homem! 


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Supus que me tivessem ouvido, porque a palavra saiu em voz alta, e corri à porta da alcova. Não havia 

ninguém fora. 
Voltei
para dentro, e, baixinho, repeti que era homem. Ainda agora tenho o eco aos meus ouvidos. O gosto que 

isto me deu 
foi
enorme. Colombo não o teve maior, descobrindo a América, e perdoai a banalidade em favo; do 

cabimento- com 
efeito, há
em cada adolescente um mundo encoberto, um almirante e um sol de outubro. Fiz outros achados mais 

tarde; nenhum 
me
deslumbrou tanto. A denúncia de José Dias alvoroçara-me, a lição do velho coqueiro também, a vista dos 

nossos 
nomes
aberto por ela no muro do quintal deu-me grande abalo, como vistes; nada disso valeu a sensação do 

beijo. Podiam 
ser
mentira ou ilusão. Sendo verdade, eram os ossos da verdade, não eram a carne e o sangue dela. As 

próprias mãos 
tocadas,
apertadas, como que fundidas, não podiam dizer tudo. 

--Sou homem! 

Quando repeti isto, pela terceira vez, pensei no seminário, mas como se pensa em perigo que passou, 

um mal abortado, 
um
pesadelo extinto; todos os meus nervos me disseram que homens não são padres. O sangue era da 

mesma opinião. 
Outra
vez senti os beiços de Capitu. Talvez abuso um pouco das reminiscências osculares, mas a saudade é 

isto mesmo; é o 
passar
e repassar das memórias antigas Ora, de todas as daquele tempo creio que a mais doce é esta, a mais 

nova, a mais
compreensiva, a que inteiramente me revelou a mim mesmo. Outras tenho, vastas e numerosas, doces 

também, de 
vária
espécie, muitas intelectuais, igualmente intensas. Grande homem que fosse, a recordação era menor que 

esta. 

CAPÍTULO XXXV / O PROTONOTÁRIO APOSTÓLICO 

Enfim, peguei dos livros e corri à lição. Não corri precisamente; a meio caminho parei, advertindo que 

devia ser muito 
tarde,
e podiam ler-me no semblante alguma cousa. Tive idéia de mentir, alegar uma vertigem que me houvesse 

deitado no 
chão,
mas o susto que causaria a minha mãe fez-me rejeitá-la. Pensei em prometer algumas dezenas de 

padre-nossos; tinha, 
porém,
outra promessa em aberto e outro favor pendente... Não, vamos ver; fui andando, ouvi vozes alegres, 

conversavam
ruidosamente. Quando entrei na sala, ninguém ralhou comigo. 

O Padre Cabral recebera na véspera um recado do internúncio; foi ter com ele, e soube que, por decreto 

pontifício, 
acabava
de ser nomeado protonotário apostólico. Esta distinção do papa dera-lhe grande contentamento e a todos 

os nossos. 
Tio
Cosme e prima Justina repetiam o título com admiração- era a primeira vez que ele soava i aos nossos 

ouvidos, 
acostumados
a cônegos, monsenhores, bispos, núncios, e internúncios; mas que era protonotário apostólico? O Padre 

Cabral 
explicou que
não era propriamente o cargo da cúria, mas as honras dele. Tio Cosme viu exalçar-se no parceiro de 

voltarete, e 


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repetia: 

--Protonotário apostólico! 

E voltando-se para mim: 

--Prepara-te, Bentinho, tu podes vir a ser protonotário apostólico Cabral ouvia com gosto a repetição do 

título. Estava 
em
pé, dava alguns passos, sorria ou tamborilava na tampa da boceta. O tamanho do título como que lhe 

dobrava a
magnificência, posto que, para ligá-lo ao nome, era demasiado comprido- esta segunda reflexão foi tio 

Cosme que a 
fez.
Padre Cabral acudiu que não era preciso dizê-lo todo, bastava que lhe chamassem o protonotário Cabral. 
Subentendia-se
apostólico. 

--Protonotário Cabral. 

--Sim, tem razão; protonotário Cabral. 

--Mas, Sr. protonotário, -- acudiu prima Justina para se ir acostumando ao uso do título,--isto o obriga a ir a 

Roma? 

--Não, D. Justina. 

--Não, são só as honras, observou minha mãe. 

--Agora, não impede,--disse Cabral, que continuava a refletir, --não impede que nos casos de maior 

formalidade, atos
públicos, cartas de cerimônia, etc; se empregue o título inteiro: protonotário apostólico. No uso comum, 

basta 
protonotário. 

--Justamente, assentiram todos. 

José Dias, que entrou pouco depois de mim, aplaudia a distinção, e recordou, a propósito, os primeiros 

atos políticos de 
Pio
IX, grandes esperanças da Itália; mas ninguém pegou do assunto; o principal da hora e do lugar era o 

meu velho 
mestre de
latim. Eu, voltando a mim do receio, entendi que devia cumprimentá-lo também, e este aplauso não lhe foi 

menos ao 
coração
que os outros. Bateu-me na bochecha paternalmente, e acabou dando-me férias. Era muita felicidade para 

uma só 
hora. Um
beijo e férias! Creio que o meu rosto disse isto mesmo, porque tio Cosme, sacudindo a barriga, chamou-

me peralta; 
mas
José Dias corrigiu a alegria: 

--Não tem que festejar a vadiação; o latim sempre lhe há de ser preciso, ainda que não venha a ser padre. 

Conheci aqui o meu homem. Era a primeira palavra, a semente lançada à terra, assim de passagem, 

como para 
acostumar os
ouvidos da família. Minha mãe sorriu para mim, cheia de amor e de tristeza, mas respondeu logo: 

--Há de ser padre, e padre bonito. 


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--Não esqueça, mana Glória, e protonotário também. Protonotário apostólico. 

--O protonotário Santiago, acentuou Cabral. 

Se a intenção do meu mestre de latim era ir acostumando ao uso do título com o nome, não sei bem; o 

que sei é que 
quando
ouvi o meu nome ligado a tal título, deu-me vontade de dizer um desaforo. Mas a vontade aqui foi antes 

uma idéia, 
uma idéia
sem língua, que se deixou ficar quieta e muda, tal como daí a pouco outras idéias... Aliás essas pedem 

um Capítulo 
especial.
Rematemos este dizendo que o mestre de latim falou algum tempo da minha ordenação eclesiástica, 

ainda que sem 
grande
interesse. Ele buscava um assunto alheio para se mostrar esquecido da própria glória, mas era esta que 

o deslumbrava 
na
ocasião. Era um velho magro, sereno, dotado de qualidades boas. Alguns defeitos tinha; o mais excelso 

deles era ser 
guloso,
não propriamente glutão; comia pouco, mas estimava o fino e o raro, e a nossa cozinha, se era simples, 

era menos 
pobre que
a dele. Assim, quando minha mãe lhe disse que viesse jantar, a fim de se lhe fazer uma saúde, os olhos 

com que 
aceitou
seriam de protonotário, mas não eram apostólicos. E para agradar a minha mãe novamente pegou em 

mim, 
descrevendo o
meu futuro eclesiástico, e queria saber se ia para o seminário agora, no ano próximo, e oferecia-se a falar 

ao "senhor 
bispo",
tudo marchetado do "protonotário Santiago." 

CAPÍTULO XXXVI / IDÉIA SEM PERNAS E IDÉIA SEM BRAÇOS 

Deixe-os, a pretexto de brincar, e fui-me outra vez a pensar na aventura da manhã. Era o que melhor 

podia fazer, sem 
latim,
e até com latim. Ao cabo de cinco minutos, lembrou-me ir correndo à casa vizinha, agarrar Capitu, 

desfazer-lhe as 
tranças,
refazê-las e concluí Ias daquela maneira particular, boca sobre boca. E isto vamos é isto... Idéia só! idéia 

sem pernas! 
As
outras pernas não queriam correr nem andar. Muito depois é que saíram vagarosamente e levaram-me à 

casa de 
Capitu.
Quando ali cheguei, dei com ela na sala, na mesma sala, sentada na marquesa, almofada no regaço, 

cosendo em paz. 
Não
me olhou de rosto, mas a furto e a medo, ou, se preferes a fraseologia do agregado, oblíqua e 

dissimulada. As mãos
pararam, depois de encravada a agulha no pano. Eu, do lado oposto da mesa, não sabia que fizesse e 

outra vez me 
fugiram
as palavras que trazia Assim gastamos alguns minutos compridos, até que ela deixou inteiramente a 

costura, ergueu-se 
e
esperou-me. Fui ter com ela, e perguntei se a mãe havia dito alguma cousa; respondeu-me que não A 

boca com que
respondeu era tal que cuido haver-me provocado um gesto de aproximação. Certo é que Capitu recuou um 

pouco. 

Era ocasião de pegá-la, puxá-la e beijá-la... Idéia só! idéia sem braços! Os meus ficaram caídos e mortos. 

Não 
conhecia
nada da Escritura. Se conhecesse, é provável que o espírito de Satanás me fizesse dar à língua mística 

do Cântico um 


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sentido
direto e natural. Então obedeceria ao primeiro versículo: "Aplique ele os lábios, dando-me o ósculo da sua 

boca". E 
pelo que
respeita aos braços, que tinha inertes, bastaria cumprir o vers. 6.° do cap. II: "A sua mão esquerda se pôs 

já debaixo da
minha cabeça, e a sua mão direita me abraçará depois". Vedes aí a cronologia dos gestos. Era só 

executá-la; mas 
ainda que
eu conhecesse o texto, as atitudes de Capitu eram agora tão retraídas, que não sei se não continuaria 

parado. Foi ela,
entretanto, que me tirou daquela situação. 

CAPÍTULO XXXVII / A ALMA E CHEIA DE MISTÉRIOS 

-- Padre Cabral estava esperando há muito tempo? 

--Hoje não dei lição; tive férias. 

Expliquei-lhe o motivo das férias. Contei-lhe também que o Padre Cabral falara da minha entrada no 

seminário, 
apoiando a
resolução de minha mãe, e disse dele cousas feias e duras. Capitu refletiu algum tempo, e acabou 

perguntando-me se 
podia ir
cumprimentar o padre, à tarde em minha casa. 

--Pode, mas para quê? 

--Papai naturalmente há de querer ir também, mas é melhor que ele vá à casa do padre, é mais bonito. Eu 

não, que já 
sou
meia moça, concluiu rindo. 

O riso animou-me. As palavras pareciam ser uma troça consigo mesma, uma vez que, desde manhã, era 

mulher, como 
eu era
homem. Achei-lhe graça, e, para dizer tudo, quis provar-lhe que era moça inteira. Peguei-lhe levemente na 

mão direita,
depois na esquerda, e fiquei assim pasmado e trêmulo. Era a idéia com mãos. Quis puxar as de Capitu, 

para obrigá-la 
a vir
atrás delas, mas ainda agora a ação não respondeu à intenção. Contudo, achei-me forte e atrevido. Não 

imitava 
ninguém-
não vivia com rapazes, que me ensinassem anedotas de amor. Não conhecia a violação de Lucrécia. Dos 

romanos 
apenas
sabia que falavam pela artinha do Padre Pereira e eram patrícios de Pôncio Pilatos. Não nego que o final 

do penteado 
da
manhã era um Brande passo no caminho da movimentação amorosa, mas o gesto de então foi justamente 

o contrário 
deste.
De manhã, ela derreou a cabeça, agora fugia-me; nem é só nisso que os lances diferiam; em outro ponto, 

parecendo 
haver
repetição, houve contraste. 

Penso que ameacei puxá-la a mim. Não juro, começava a estar tão alvoroçado, que não pude ter toda a 

consciência 
dos
meus atos; mas concluo que sim, porque ela recuou e quis tirar as mãos das minhas; depois, talvez por 

não poder 
recuar
mais, colocou um dos pés adiante e o outro atrás, e fugiu com o busto. Foi este gesto que me obrigou a 

reter-lhe as 
mãos


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com força. O busto afinal cansou e cedeu, mas a cabeça não quis ceder também, e caída para trás, 

inutilizava todos 
os meus
esforços, porque eu já fazia esforços, leitor amigo. Não conhecendo a lição do Cântico, não me acudiu 

estender a mão
esquerda por baixo da cabeça dela; demais, este gesto supõe um acordo de vontades, e Capitu, que me 

resistia agora,
aproveitaria o gesto para arrancar-se à outra mão e fugir-me inteiramente. Ficamos naquela luta, sem 

estrépito, porque
apesar do ataque e da defesa, não perdíamos a cautela necessária para não sermos ouvidos lá de 

dentro; a alma é 
cheia de
mistérios. Agora sei que a puxava; a cabeça continuou a recuar; até que cansou; mas então foi a vez da 

boca. A boca 
de
Capitu iniciou um movimento inverso, relativamente à minha, indo para um lado, quando eu a buscava do 

outro 
oposto.
Naquele desencontro estivemos, sem que ousasse um pouco mais, e bastaria um pouco mais... 

Nisto ouvimos bater à porta e falar no corredor. Era o pai de Capitu, que voltava da repartição um pouco 

mais cedo, 
como
usava às vezes. "Abre, Nanata! Capitu, abre!" Aparentemente era o mesmo lance da manhã, quando a 

mãe deu 
conosco,
mas só aparentemente verdade, era outro. Considerai que de manhã tudo estava acabado, e o passo de 

D. Fortunata 
foi um
aviso para que nos compuséssemos. Agora lutávamos com as mãos presas, e nada estava sequer 

começado. 

Ouvimos o ferrolho da porta que dava para o corredor interno era a mãe que abria. Eu, uma vez que 

confesso tudo, 
digo
aqui que não tive tempo de soltar as mãos da minha amiga; pensei nisso, cheguei a tentá-lo, mas Capitu, 

antes que o 
pai
acabasse de entrar, fez um gesto inesperado, pousou a boca na minha boca, e deu de vontade o que 

estava a recusar à 
força.
Repito, a alma é cheia de mistérios. 

CAPÍTULO XXXVIII / QUE SUSTO, MEU DEUS! 

Quando Pádua, vindo pelo interior, entrou na sala de visitas, Capitu, em pé, de costas para mim, inclinada 

sobre a 
costura,
como a recolhê-la, perguntava em voz alta: 

--Mas, Bentinho, que é protonotário apostólico? 

--Ora, vivam! exclamou o pai. 

-- Que susto, meu Deus! 

Agora é que o lance é o mesmo; mas se conto aqui, tais quais, ou dous lances de há quarenta anos, é 

para mostrar que
Capitu não se dominava só em presença da mãe, o pai não lhe meteu mais medo No meio de uma 

situação que me 
atava a
língua, usava da palavra com a maior ingenuidade deste mundo. A minha persuasão é que coração não 

lhe batia mais 
nem
menos. Alegou susto, e deu à cara um ar meio enfiado; mas eu, que sabia tudo, vi que era mentira e 

Fiquei com inveja. 
Foi
logo falar ao pai, que apertou a minha mão, e quis saber por que a filha falava em protonotário apostólico. 

Capitu 
repetiu-lhe


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o que ouvira de mim, e opinou logo que o pai devia ir cumprimentar o padre em casa dele; ela iria à 

minha. E coligindo 
os
petrechos da costura, enfiou pelo corredor, bradando infantilmente: 

-- Mamãe, jantar, papai chegou! 

CAPÍTULO XXXIX / A VOCAÇÃO 

Padre Cabral estava naquela primeira hora das honras em que as mínimas congratulações valem por 

odes. Tempo 
chega em
que os dignificados recebem os louvores como um tributo usual, cara morta, sem agradecimentos. O 

alvoroço da 
primeira
hora é melhor, esse estado da alma que vê na inclinação do arbusto, tocado do vento, um parabém da 

flora universal, 
traz
sensações mais íntimas e finas que qualquer outro. Cabral ouviu as palavras de Capitu com infinito 

prazer. 

--Obrigado, Capitu, muito obrigado; estimo que você goste também. Papai está bom? E mamãe? A você 

não se 
pergunta-
essa cara é mesmo de quem vende saúde. E como vamos de rezas? 

A todas as perguntas Capitu ia respondendo prontamente e bem trazia um vestidinho melhor e os sapatos 

de sair. Não 
entrou
com a familiaridade do costume, deteve-se um instante à porta da sala antes de ir beijar a mão a minha 

mãe e ao 
padre.
Como desse a este duas vezes em cinco minutos, o título de protonotário, José Dias para se desforrar da 

concorrência, 
fez
um pequeno discurso em honra "ao coração paternal e augustíssimo de Pio IX." 

--Você é um grande prosa, disse tio Cosme, quando ele acabou José Dias sorriu sem vexame. Padre 

Cabral confirmou 
os
louvores do agregado, sem os seus superlativos; ao que este acrescentou que o Cardeal Mastai 

evidentemente fora 
talhado
para a tiara desde o princípio dos tempos. E, piscando-me o olho, concluiu: 

--A vocação é tudo. O estado eclesiástico é perfeitíssimo, contanto que o sacerdote venha já destinado do 

berço. Não
havendo vocação, falo de vocação sincera e real, um jovem pode muito bem estudar as letras humanas, 

que também 
são
úteis e honradas. 

Padre Cabral retorquia: 

--A vocação é muito, mas o poder de Deus é soberano. Um homem pode não ter gosto à igreja e até 

persegui-la, e um 
dia a
voz de Deus lhe fala, e ele sai apóstolo; veja S. Paulo. 

--Não contesto, mas o que eu digo é outra cousa. O que eu digo é que se pode muito bem servir a Deus 

sem ser padre cá
fora; pode-se ou não se pode? 

--Pode-se. 



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--Pois então? exclamou José Dias triunfalmente, olhando em volta de si. Sem vocação é que não há bom 

padre, e em
qualquer profissão liberal se serve a Deus, como todos devemos. 

--Perfeitamente, mas vocação não é só do berço que se traz. 

--Homem, é a melhor. 

--Um moço sem gosto nenhum à vida eclesiástica pode acabar por ser muito bom padre; tudo é que Deus 

o determine. 
Não
me quero dar por modelo, mas aqui estou eu que nasci com a vocação da medicina- meu padrinho, que 

era coadjutor 
de
Santa Rita, teimou com meu pai para que me metesse no seminário; meu pai cedeu. Pois, senhor, tomei 

tal gosto aos 
estudos
e à companhia dos padres, que acabei ordenando-me. Mas, suponha que não acontecia assim, e que eu 

não mudava 
de
vocação, o que é que acontecia? Tinha estudado no seminário algumas matérias que é bom saber, e são 

sempre 
melhor
ensinadas naquelas casas. 

Prima Justina interveio: 

--Como? Então pode-se entrar para o seminário e não sair padre? 

Padre Cabral respondeu que sim, que se podia, e, voltando-se para mim, falou da minha vocação, que era 

manifesta; 
os
meus brinquedos foram sempre de igreja, e eu adorava os ofícios divinos. A prova não provava; todas as 

crianças do 
meu
tempo eram devotas. Cabral acrescentou que o reitor de S. José, a quem contara ultimamente a promessa 

de minha 
mãe,
tinha o meu nascimento por milagre; ele era da mesma opinião. Capitu, cosida às saias de minha mãe, 

não atendia 
aos olhos
ansiosos que eu lhe mandava; também não parecia escutar a conversação sobre o seminário e suas 

conseqüências, e, 
aliás,
decorou o principal, como vim a saber depois. Duas vezes fui à janela, esperando que ela fosse também, 

e ficássemos 
à
vontade, sozinhos, até acabar o mundo, se acabasse, mas Capitu não me apareceu. Não deixou minha 

mãe, senão 
para ir
embora. Eram ave-marias, despediu-se. 

--Vai com ela, Bentinho, disse minha mãe. 

--Não precisa, não, D. Glória, acudiu ela rindo, eu sei o caminho. Adeus, Sr. protonotário... 

--Adeus, Capitu. 

Tendo dado um passo no sentido de atravessar a sala, é claro que o meu dever, o meu gosto, todos os 

impulsos da 
idade e
da ocasião eram atravessá-la de todo, seguir a vizinha corredor fora, descer à chácara, entrar no quintal, 

dar-lhe 
terceiro
beijo, e despedir-me. Não me importou a recusa, que cuidei simulada, e enfiei pelo corredor; mas, Capitu 

que ia 


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depressa,
estacou e fez-me sinal que voltasse. Não obedeci; cheguei-me a ela. 

--Não venha, não; amanhã falaremos. 

--Mas eu queria dizer a você... 

--Amanhã. 

--Escuta! 

--Fica! 

Falava baixinho; pegou-me na mão, e pôs o dedo na mão. Uma preta, que veio de dentro acender o 

lampião do 
corredor,
vendo-nos naquela atitude, quase às escuras, riu de simpatia e murmurou em tom que ouvíssemos 

alguma cousa que 
não
entendi bem nem mal. Capitu segredou-me que a escrava desconfiara, e ia talvez contar às outras. 

Novamente me 
intimou
que ficasse, e retirou-se; eu deixei-me estar parado, pregado, agarrado ao chão. 

CAPÍTULO XL / UMA ÉGUA 

Ficando só, refleti algum tempo, e tive uma fantasia. Já conheceis as minhas fantasias. Contei-vos a da 

visita imperial;
disse-vos a desta casa de Engenho Novo, reproduzindo a de Mata-cavalos... A imaginação foi a 

companheira de toda 
a
minha existência, viva, rápida, inquieta, alguma vez tímida e amiga de empacar, as mais delas capaz de 

engolir 
campanhas e
campanhas, correndo. Creio haver lido em Tácito que as éguas iberas concebiam pelo vento, se não foi 

nele, foi noutro 
autor
antigo, que entendeu guardar essa crendice nos seus livros. Neste particular, a minha imaginação era 

uma grande égua 
ibera;
a menor brisa lhe dava um potro, que saía logo cavalo de Alexandre; mas deixemos metáforas atrevidas 

e impróprias 
dos
meus quinze anos. Digamos o caso simplesmente. A fantasia daquela hora foi confessar a minha mãe os 

meus amores 
para
lhe dizer que não tinha vocação eclesiástica. A conversa sobre vocação tornava-me agora toda inteira. e, 

ao passo que 
me
assustava, abria-me uma porta de saída. "Sim, é isto, pensei; vou dizer a mamãe que não tenho vocação, 

e confesso o 
nosso
namoro; se ela duvidar, conto-lhe o que se passou outro dia. o penteado e o resto..." 

CAPÍTULO XLI / A AUDIÊNCIA SECRETA 

O resto fez-me ficar mais algum tempo, no corredor, pensando. Vi entrar o Doutor João da Costa, e 

preparou-se logo o
voltarete do costume. Minha mãe saiu da sala, e, dando comigo, perguntou se acompanhara Capitu. 

--Não, senhora, ela foi só. 

E quase investindo para ela: 


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--Mamãe, eu queria dizer-lhe uma cousa. 

--Que é? 

Toda assustada, quis saber o que é que me doía, se a cabeça, se o peito, se o estômago, e apalpava-me 

a testa para ver 
se
tinha febre. 

--Não tenho nada não, senhora. 

-- Mas então que é? 

-- É uma cousa, mamãe... Mas, escute, olhe, é melhor depois do chá; logo... Não é nada mau; mamãe 

assusta-se por 
tudo;
não é cousa de cuidado. 

--Não é moléstia? 

--Não, senhora. 

É, isso é volta de constipação. Disfarças para não tomar suadouro, mas tu estás constipado; conhece-se 

pela voz. 

Tentei rir, para mostrar que não tinha nada. Nem por isso permitiu adiar a confidência, pegou em mim, 

levou-me ao 
quarto
dela, acenda vela, e ordenou-me que lhe dissesse tudo. Então eu perguntei-lhe, para principiar, quando é 

que ia para o
seminário. 

--Agora só para o ano, depois das férias. 

--Vou... para ficar? 

--Como ficar? 

--Não volto para casa? 

--Voltas aos sábados e pelas férias; é melhor. Quando te ordenares padre, vens morar comigo. 

Enxuguei os olhos e o nariz. Ela afagou-me, depois quis repreender-me, mas creio que a voz lhe tremia, e 

pareceu-me 
que
tinha os olhos úmidos. Disse-lhe que também sentia a nossa separação. Negou que fosse separação; era 

só alguma 
ausência,
por causa dos estudos; só os primeiros dias. Em pouco tempo eu me acostumaria aos companheiros e 

aos mestres, e
acabaria gostando de viver com eles. 

--Eu só gosto de mamãe. 

Não houve cálculo nesta palavra, mas estimei dizê-la, por fazer crer que ela era a minha única afeição; 

desviava as 
suspeitas
de cima de Capitu. Quantas intenções viciosas há assim que embarcam, a meio caminho, numa frase 

inocente e pura! 


[Linha 2500 de 7623 - Parte 2 de 4]


Chega
a fazer suspeitar que a mentira é muita vez tão involuntária como a transpiração. Por outro lado, leitor 

amigo, nota 
que eu
queria desviar as suspeitas de cima de Capitu, quando havia chamado minha mãe justamente para 

confirmá-las; mas 
as
contradições são deste mundo. A verdade é que minha mãe era cândida como a primeira aurora, anterior 

ao primeiro
pecado; nem por simples intuição era capaz de deduzir uma cousa de outra, isto é, não concluiria da 

minha repentina
oposição que eu andasse em segredinhos com Capitu, como lhe dissera José Dias. Calou-se durante 

alguns instantes; 
depois
replicou-me sem imposição nem autoridade, o que me veio animando à resistência. Daí o falar-lhe na 

vocação que se
discutira naquela tarde, e que eu confessei não sentir em mim. 

--Mas tu gostavas tanto de ser padre, disse ela; não te lembras que até pedias para ir ver sair os 

seminaristas de S. José,
com as suas batinas? Em casa, quando José Dias te chamava Reverendíssimo, tu rias com tanto gosto! 

Como é que 
agora?...
Não creio, não, Bentinho. E depois... Vocação? Mas a vocação vem com o costume, continuou repetindo 

as reflexões 
que
ouvira ao meu professor de latim. 

Como eu buscasse contestá-la, repreendeu-me sem aspereza, mas com alguma força, e eu tornei ao filho 

submisso que 
era.
Depois, ainda falou gravemente e longamente sobre a promessa que fizera; não me disse as 

circunstâncias nem a 
ocasião,
nem os motivos dela, cousas que só vim a saber mais tarde. Afirmou o principal, isto é, que a havia de 

cumprir, em
pagamento a Deus. 

--Nosso Senhor me acudiu, salvando a tua existência, não lhe hei de mentir nem faltar, Bentinho; são 

cousas que não 
se
fazem sem pecado, e Deus que é grande e poderoso, não me deixaria assirn, não, Bentinho; eu sei que 

seria castigada e 
bem
castigada. Ser padre é bom e santo; você conhece muitos, como o Padre Cabral, que vive tão feliz com a 

irmã; um tio 
meu
também foi padre, e escapou de ser bispo, dizem... Deixa de manha, Bentinho. 

Creio que os olhos que lhe deitei foram tão queixosos que ela emendou logo a palavra; manha, não, não 

podia ser 
manha,
sabia muito bem que eu era amigo dela, e não seria capaz de fingir um sentimento que não tivesse. 

Moleza é o que 
queria
dizer, que me deixas de moleza, que me fizesse homem e obedecesse ao que cumpria, em benefício dela 

e para bem 
da
minha alma. Todas essas cousas e outras foram ditas um pouco atropeladamente, e a voz não lhe saía 

clara, mas 
velada e
esganada. Vi que a emoção dela era outra vez grande, mas não recuava dos seus propósitos, e 

aventurei-me a 
perguntar-lhe: 

--E se mamãe pedisse a Deus que a dispensasse da promessa? 

--Não, não peço. Estás tonto, Bentinho? E como havia de saber que Deus me dispensava? 

--Talvez em sonho; eu sonho às vezes com anjos e santos. 


[Linha 2550 de 7623 - Parte 2 de 4]



--Também eu, meu filho; mas é inútil... Vamos, é tarde; vamos para a sala. Está entendido: no primeiro ou 

no segundo 
mês
do ano que vem, irás para o seminário. O que eu quero é que saibas bem os livros que estás estudando; 

é bonito, não 
para ti, como para o Padre Cabral. No seminário há interesse em conhecer-te, porque o Padre Cabral fala 

de ti com
entusiasmo. 

Caminhou para a porta, saímos ambos. Antes de sair, voltou-se para mim, e quase a vi saltar-me ao colo 

e dizer-me 
que não
seria padre. Este era já o seu desejo íntimo, à proporção que se aproximava o tempo. Quisera um modo 

de pagar a 
dívida
contraída, outra moeda, que valesse tanto ou mais, e não achava nenhuma. 

CAPÍTULO XLII / CAPITU REFLETINDO 

No dia seguinte fui à casa vizinha, logo que pude. Capitu despedia-se de três amigas que tinham ido 

visitá-la, Paula e 
Sancha,
companheiras de colégio, aquela de quinze, esta de dezessete anos" primeira filha de um médico, a 

segunda de um
comerciante de objetos americanos. Estava abatida, trazia um lenço atado na cabeça; a mãe contou-me 

que fora 
excesso de
leitura na véspera, antes e depois do chá, na sala e na cama, até muito depois da meia-noite, e com 

lamparina... 

--Se eu acendesse vela, mamãe zangava-se. Já estou boa. 

E como desatasse o lenço, a mãe disse-lhe timidamente que era melhor atá-lo, mas Capitu respondeu que 

não era 
preciso,
estava boa. 

Ficamos sós na sala; Capitu confirmou a narração da mãe, acrescentando que passara mal por causa do 

que ouvira 
em minha
casa. Também eu lhe contei o que se dera comigo, a entrevista com minha mãe, as minhas súplicas, as 

lágrimas dela, e 
por
fim as últimas respostas decisivas: dentro de dous ou três meses iria para o seminário. Que faríamos 

agora? Capitu 
ouvia-me
com atenção sôfrega, depois sombria; quando acabei, respirava a custo, como prestes a estalar de 

cólera, mas 
conteve-se. 

Há tanto tempo que isto sucedeu que não posso dizer com segurança se chorou deveras, ou se somente 

enxugou os 
olhos;
cuido que os enxugou somente. Vendo-lhe o gesto peguei-lhe na mão para animá-la, mas também eu 

precisava ser 
animado.
Caímos no canapé, e ficamos a olhar para o ar. Minto- ela olhava para o chão. Fiz o mesmo, logo que a vi 

assim... 
Mas eu
creio que Capitu olhava para dentro de si mesma, enquanto que eu fitava deveras o chão, o roído das 

fendas, duas 
moscas
andando e um pé de cadeira lascada. Era pouco, mas distraía-me da aflição. Quando tornei a olhar para 

Capitu, vi 
que não
se mexia, e fiquei com tal medo que a sacudi brandamente. Capitu tornou cá para fora e pediu-me que 

outra vez lhe 
contasse


[Linha 2600 de 7623 - Parte 2 de 4]


o que se passara com minha mãe. Satisfi-la, atenuando o texto desta vez, para não amofiná-la. Não me 

chames 
dissimulado,
chama-me compassivo; é certo que receava perder Capitu, se lhe morressem as esperanças todas, mas 

doía-me vê-la
padecer. Agora, a verdade última, a verdade das verdades, é que já me arrependia de haver falado a 

minha mãe, antes 
de
qualquer trabalho efetivo por parte de José Dias; examinando bem, não quisera ter ouvido um desengano 

que eu 
reputava
certo, ainda que demorado. Capitu refletia, refletia, refletia... 

CAPÍTULO XLIII / VOCÊ TEM MEDO? 

De repente, cessando a reflexão, fitou em mim os olhos de ressaca, e perguntou-me se tinha medo. 

--Medo? 

--Sim, pergunto se você tem medo. 

--Medo de quê? 

--Medo de apanhar, de ser preso, de brigar, de andar, de trabalhar... 

Não entendi. Se ela me tem dito simplesmente: "Vamos embora!" pode ser que eu obedecesse ou não; 

em todo caso,
entenderia. Mas aquela pergunta assim, vaga e solta, não pude atinar o que era. 

--Mas... não entendo. De apanhar? 

--Sim. 

--Apanhar de quem? Quem é que me dá pancada? 

Capitu fez um gesto de impaciência. Os olhos de ressaca não se mexiam e pareciam crescer. Sem saber 

de mim, e, não
querendo interrogá-la novamente, entrei a cogitar donde me viriam pancadas, e por que, e também por 

que é que seria
preso, e quem é que me havia de prender. Valha-me Deus! vi de imaginação o aljube, uma casa escura e 

infecta. 
Também vi
a presiganga, o quartel dos Barbonos e a Casa de Correção. Todas essas belas instituições sociais me 

envolviam no seu
mistério, sem que os olhos de ressaca de Capitu deixassem de crescer para mim, a tal ponto que as 

fizeram esquecer de
todo. O erro de Capitu foi não deixá-los crescer infinitamente, antes diminuir até às dimensões normais, e 

dar-lhe o
movimento do costume. Capitu tornou ao que era, disse-me que estava brincando, não precisava afligir-

me, e, com 
um gesto
cheio de graça, bateu-me na cara, sorrindo, e disse: 

--Medroso! 

--Eu? Mas... 

Não é nada, Bentinho. Pois quem é que há de dar pancada ao prender você? Desculpe que eu hoje estou 

meia maluca;
quero brincar, e... 

--Não, Capitu; você não está brincando; nesta ocasião, nenhum de nós tem vontade de brincar. 



[Linha 2650 de 7623 - Parte 2 de 4]


--Tem razão, foi só maluquice; até logo. 

--Como até logo? 

--Está-me voltando a dor de cabeça; vou botar uma rodela de limão nas fontes. 

Fez o que disse, e atou o lenço outra vez na testa. Em seguida, acompanhou-me ao quintal para se 

despedir de mim; 
mas,
ainda aí nos detivemos por alguns minutos, sentados sobre a borda do poço. Ventava, o céu estava 

coberto. Capitu 
falou
novamente da nossa separação, como de um fato certo e definitivo, por mais que eu. receoso disso 

mesmo, buscasse 
agora
razões para animá-la. Capita, quando não falava, riscava no chão, com um pedaço de taquara, narizes e 

perfis. Desde 
que se
metera a desenhar, era uma das suas diversões; tudo lhe servia de papel e lápis. Como me lembrassem 

os nossos 
nomes
abertos por ela no muro, quis fazer o mesmo no chão, e pedi-lhe a taquara. Não me ouviu ou não me 

atendeu. 

CAPÍTULO XLIV / O PRIMEIRO FILHO 

--Dê cá, deixe escrever uma cousa. 

Capitu olhou para mim, mas de um modo que me fez lembrar a definição de José Dias, oblíquo e 

dissimulado; 
levantou o
olhar, sem levantar os olhos. A voz, um tanto sumida, perguntou-me: 

--Diga-me uma cousa, mas fale verdade, não quero disfarce; há de responder com o coração na mão. 

--Que é? Diga. 

--Se você tivesse de escolher entre mim e sua mãe, a quem é que escolhia? 

-- Eu? 

Fez-me sinal que sim. 

--Eu escolhia... mas para que escolher? Mamãe não é capaz de me perguntar isso. 

--Pois sim, mas eu pergunto. Suponha você que está no seminário e recebe a notícia de que eu vou 

morrer... 

--Não diga isso! 

-- ...Ou que me mato de saudades, se você não vier logo, e sua mãe não quiser que você venha, diga-me, 

você vem? 

--Venho. 

--Contra a ordem de sua mãe? 

--Contra a ordem de mamãe. 



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--Você deixa seminário, deixa sua mãe, deixa tudo, para me ver morrer? 

--Não fale em morrer, Capitu! 

Capitu teve um risinho descorado e incrédulo, e com a taquara escreveu uma palavra no chão, inclinei-me 

e li: 
mentiroso. 

Era tão estranho tudo aquilo, que não achei resposta. Não atinava com a razão do escrito, como não 

atinava com a 
do
falado. Se me acudisse ali uma injúria grande ou pequena, é possível que a escrevesse também, com a 

mesma 
taquara, mas
não me lembrava nada. Tinha a cabeça vazia. Ao mesmo tempo tomei-me de receio de que alguém nos 

pudesse ouvir 
ou ler.
Quem, se éramos sós? D. Fortunata chegara uma vez à porta da casa, mas entrou logo depois. A solidão 

era completa.
Lembra-me que umas andorinhas passaram por cima do quintal e foram para os lados do morro de Santa 

Teresa; 
ninguém
mais. Ao longe, vozes vagas e confusas, na rua um tropel de bestas, do lado da casa o chilrear dos 

passarinhos do 
Pádua.
Nada mais, ou somente este fenômeno curioso, que o nome escrito por ela, não só me espiava do chão 

com gesto
escarninho, mas até me pareceu que repercutia no ar. Tive então uma idéia ruim; disse-lhe que, afinal de 

contas, a vida 
de
padre não era má, e eu podia aceitá-la sem grande pena. Como desforço, era pueril; mas eu sentia a 

secreta esperança 
de
vê-la atirar-se a mim lavada em lágrimas. Capitu limitou-se a arregalar muito os olhos, e acabou por 

dizer: 

--Padre é bom, não há dúvida; melhor que padre só cônego, por causa das meias roxas. O roxo é cor 

muito bonita.
Pensando bem, é melhor cônego. 

--Mas não se pode ser cônego sem ser primeiramente padre, disse-lhe eu mordendo os beiços. 

--Bem; comece pelas meias pretas, depois virão as roxas. O que eu não quero perder é a sua missa 

nova; avise-me a 
tempo
para fazer um vestido à moda saia balão e babados grandes. . . Mas talvez nesse tempo a moda seja 

outra. A igreja há 
de ser
grande, Carmo ou S. Francisco. 

--Ou Candelária. 

--Candelária também. Qualquer serve, contanto que eu ouça a missa nova. Hei de fazer um figurão. Muita 

gente há de
perguntar: "Quem é aquela moça faceira que ali está com um vestido tão bonito?"--"Aquela é D. Capitolina, 

uma 
moça que
morou na Rua de Mata-cavalos... " 

--Que morou? Você vai mudar-se? 

--Quem sabe onde é que há de morar amanhã? disse ela com um tom leve de melancolia; mas tornando 

logo ao 
sarcasmo: E
você no altar, metido na alva, com a capa de ouro por cima, cantando... Pater noster... 

Ah! como eu sinto não ser um poeta romântico para dizer que isto era um duelo de ironias! Contaria os 

meus botes e 


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os dela,
a graça de um e a prontidão de outro, e o sangue correndo, e o furor na alma, até ao meu golpe final que 

foi este: 

--Pois sim, Capitu, você ouvirá a minha missa nova, mas com uma condição. 

Ao que ela respondeu: 

--Vossa Reverendíssima pode falar. 

--Promete uma cousa? 

--Que é? 

--Diga se promete. 

--Não sabendo o que é, não prometo. 

--A falar verdade são duas cousas, continuei eu, por haver-me acudido outra idéia. 

--Duas? Diga quais são. 

--A primeira é que só se há de confessar comigo, para eu lhe dar a penitência e a absolvição. A segunda é 

que... 

--A primeira está prometida, disse ela vendo-me hesitar, e acrescentou que esperava a segunda. 

Palavra que me custou, e antes não me chegasse a sair da boca: não ouviria o que ouvi, e não escreveria 

aqui uma 
cousa que
vai talvez achar incrédulos. 

-- A segunda... sim... é que... Promete-me que seja eu o padre que case você? 

--Que me case? disse ela um tanto comovida. 

Logo depois fez descair os lábios, e abanou a cabeça. 

--Não, Bentinho, disse, seria esperar muito tempo, você não vai ser padre já amanhã, leva muitos anos... 

Olhe, prometo
outra cousa; prometo que há de batizar o meu primeiro filho. 

CAPÍTULO XLV / ABANE A CABEÇA, LEITOR 

Abane a cabeça leitor; faça todos os gestos de incredulidade. Chegue a deitar fora este livro, se o tédio já 

o não obrigou 
a
isso antes tudo é possível. Mas, se o não fez antes e só agora, fio que torne a pegar do livro e que o abra 

na mesma 
página,
sem crer por isso na veracidade do autor. Todavia, não há nada mais exato. Foi assim mesmo que Capitu 

falou, com 
tais
palavras e maneiras. Falou do primeiro filho, como se fosse a primeira boneca. 

Quanto ao meu espanto, se também foi grande, veio de mistura com uma sensação esquisita. 

Percorreu-me um fluido. 
Aquela


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ameaça de um primeiro filho, o primeiro filho de Capitu, o casamento dela com outro, portanto, a 

separação absoluta, 
a
perda, a aniquilação, tudo isso produzia um tal efeito, que não achei palavra nem gesto fiquei estúpido. 

Capitu sorria; 
eu via o
primeiro filho brincando no chão... 

CAPÍTULO XLVI / AS PAZES 

As Pazes fizeram-se como a guerra, depressa. Buscasse eu neste livro a minha glória, e diria que as 

negociações 
partiram de
mim, mas não, foi ela que as iniciou. Alguns instantes depois, como eu estivesse cabisbaixo, ela abaixou 

também a 
cabeça,
mas voltando os olhos para cima a fim de ver os meus. Fiz-me de rogado; depois quis levantar-me para ir 

embora; 
mas nem
me levantei, nem sei se iria. Capitu fitou-me uns olhos tão ternos, e a posição os fazia tão súplices, que 

me deixei ficar,
passei-lhe o braço pela cintura, ela pegou-me na ponta dos dedos, e... 

Outra vez D. Fortunata apareceu à porta da casa; não sei para que, se nem me deixou tempo de puxar o 

braço; 
desapareceu
logo. Podia ser um simples descargo de consciência, uma cerimônia, como as rezas de obrigação, sem 

devoção, que se
dizem de tropel; a não ser que fosse para certificar aos próprios olhos a realidade que o coração lhe 

dizia... 

Fosse o que fosse, o meu braço continuou a apertar a cintura da filha, e foi assim que nos pacificamos. O 

bonito é que 
cada
um de nós queria agora as culpas para si, e pedíamos reciprocamente perdão. Capitu alegava a insônia, 

a dor de 
cabeça, o
abatimento do espírito, e finalmente "os seus calundus." Eu, que era muito chorão por esse tempo, sentia 

os olhos 
molhados...
Era amor puro, era efeito dos padecimentos da amiguinha, era a ternura da reconciliação. 

CAPÍTULO XLVII / "A SENHORA SAIU" 

--Está bom, acabou, disse eu finalmente; mas, explique-me só uma cousa, por que é que você me 

perguntou se eu 
tinha
medo de apanhar? 

--Não foi por nada, respondeu Capitu, depois de alguma hesitação... Para que bulir nisso? 

--Diga sempre. Foi por causa do seminário? 

--Foi; ouvi dizer que lá dão pancada... Não? Eu também não creio. 

A explicação agradou-me; não tinha outra. Se, como penso, Capitu não disse a verdade, força é 

reconhecer que não 
podia
dizê-la, e a mentira é dessas criadas que se dão pressa em responder às visitas que "a senhora saiu", 

quando a senhora 
não
quer falar a ninguém. Há nessa cumplicidade um gosto particular; o pecado em comum iguala por 

instantes a 
condição das
pessoas, não contando o prazer que dá a cara das visitas enganadas, e as costas com que elas 

descem... A verdade não 
saiu,


[Linha 2850 de 7623 - Parte 2 de 4]


ficou em casa, no coração de Capitu, cochilando o seu arrependimento. E eu não desci triste nem 

zangado; achei a 
criada
galante, apetecível. melhor que a ama. 

As andorinhas vinham agora em sentido contrário, ou não seriam as mesmas. Nós é que éramos os 

mesmos; ali 
ficamos
somando as nossas ilusões, os nossos temores, começando já a somar as nossas saudades. 

CAPÍTULO XLVIII / JURAMENTO DO POÇO 

--Não! exclamei de repente. 

--Não quê? 

Tinha havido alguns minutos de silêncio, durante os quais refleti muito e acabei por uma idéia; o tom da 

exclamação, 
porém,
foi tão alto que espantou a minha vizinha. 

--Não há de ser assim, continuei. Dizem que não estamos em idade de casar, que somos crianças, 

criançolas,--já ouvi 
dizer
criançolas. Bem; mas dous ou três anos passam depressa. Você jura uma cousa? lura que só há de casar 

comigo? 

Capitu não hesitou em jurar, e até lhe vi as faces vermelhas de prazer. Jurou duas vezes e uma terceira: 

--Ainda que você case com outra, cumprirei o meu juramento, não casando nunca. 

--Que eu case com outra? 

--Tudo pode ser. Bentinho. Você pode achar outra moça que lhe queira, apaixonar-se por ela e casar. 

Quem sou eu 
para
você lembrar-se de mim nessa ocasião? 

--Mas eu também juro! Juro, Capitu, juro por Deus Nosso Senhor que só me casarei com você. Basta isto? 

--Devia bastar, disse ela; eu não me atrevo a pedir mais. Sim, você jura... Mas juremos por outro modo; 

juremos que 
nos
havemos de casar um com outro, haja o que houver. 

Compreendeis a diferença, era mais que a eleição do cônjuge, era a afirmação do matrimônio. A cabeça 

da minha 
amiga
sabia pensar claro e depressa. Realmente, a fórmula anterior era limitada, apenas exclusiva. Podíamos 

acabar 
solteirões,
como o sol e a lua, sem mentir ao juramento do poço. Esta fórmula era melhor, e tinha? a vantagem de 

me fortalecer 
o
coração contra a investidura eclesiástica. Juramos pela segunda fórmula, e ficamos tão felizes que todo 

receio de 
perigo
desapareceu. Éramos religiosos, tínhamos o céu por testemunha. Eu nem já temia o seminário. 

--Se teimarem muito, irei; mas faço de conta que é um colégio qualquer; não tomo ordens. 



[Linha 2900 de 7623 - Parte 2 de 4]


Capitu temia a nossa separação, mas acabou aceitando este alvitre, que era o melhor. Não afligíamos 

minha mãe, e o 
tempo
correria até o ponto em que o casamento pudesse fazer-se. Ao contrário, qualquer resistência ao 

seminário confirmaria 
a
denúncia de José Dias. Esta reflexão não foi minha, mas dela. 

CAPÍTULO XLIX / UMA VELA AOS SÁBADOS 

Eis aqui como, após tantas canseiras, tocávamos o porto a que nos devíamos ter abrigado logo. Não nos 

censures, 
piloto de
má morte, não se navegam corações como os outros mares deste mundo. Estávamos contentes, 

entramos a falar do 
futuro.
Eu prometia à minha esposa uma vida sossegada e bela, na roça ou fora da cidade. Viríamos aqui uma 

vez por ano. 
Se fosse
em arrabalde, seria longe, onde, ninguém nos fosse aborrecer. A casa, na minha opinião, não devia ser 

grande nem 
pequena,
um meio-termo; plantei-lhe flores, escolhi móveis, uma sege e um oratório. Sim, havíamos de ter um 

oratório bonito, 
alto, de
jacarandá, com a imagem de Nossa Senhora da Conceição. Demorei-me mais nisto que no resto, em parte 

porque 
éramos
religiosos, em parte para compensar a batina que eu ia deitar às urtigas- mas ainda restava uma parte 

que atribuo ao 
intuito
secreto e inconsciente de captar a proteção do céu. Havíamos de acender uma vela aos sábados... 

CAPÍTULO L / UM MEIO-TERMO 

Meses depois fui para o seminário de S. José. Se eu pudesse contar as lágrimas que chorei na véspera e 

na manhã, 
somaria
mais que todas as vertidas desde Adão e Eva. Há nisto alguma exageração; mas é bom ser enfático, uma 

ou outra 
vez, para
compensar este escrúpulo de exatidão que me aflige. Entretanto, se eu me ativer só à lembrança da 

sensação, não fico 
longe
da verdade; aos quinze anos, tudo é infinito. Realmente, por mais preparado que estivesse, padeci muito. 

Minha mãe 
também
padeceu, mas sofria com alma e coração; demais, o Padre Cabral achara um meio-termo, experimentar-

me a 
vocação; se no
fim de dous anos, eu não revelasse vocação eclesiástica, seguiria outra carreira. 

--As promessas devem ser cumpridas conforme Deus quer. Suponha que Nosso Senhor nega disposição 

a seu filho, e 
que o
costume do seminário não lhe dá o gosto que me concedeu a mim, é que a vontade divina é outra. A 

senhora não 
podia pôr
em seu filho, antes de nascido, uma vocação que Nosso Senhor lhe recusou... 

Era uma concessão do padre. Dava a minha mãe um perdão antecipado, fazendo vir do credor a 

relevação da dívida. 
Os
olhos dela brilharam, mas a boca disse que não. José Dias, não tendo alcançado ir comigo para a Europa, 

agarrou-se 
ao
mais próximo, e apoiou o "alvitre do Sr. protonotário"; só lhe parecia que um ano era bastante. 



[Linha 2950 de 7623 - Parte 2 de 4]


--Estou certo, disse ele, piscando-me o olho, que dentro de um ano a vocação eclesiástica do nosso 

Bentinho se 
manifesta
clara e decisiva. Há de ser um padre de mão-cheia. Também, se não vier em um ano... 

E a mim, mais tarde, em particular: 

--Vá por um ano; um ano passa depressa. Se não sentir gosto nenhum, é que Deus não quer, como diz o 

padre, e nesse
caso, meu amiguinho, o melhor remédio é a Europa. 

Capitu deu-me igual conselho, quando minha mãe lhe anunciou a minha ida definitiva para o seminário: 

--Minha filha, você vai perder o seu companheiro de criança... 

Fez-lhe tão bem este tratamento de filha (era a primeira vez que minha mãe lhe dava), que nem teve 

tempo de ficar 
triste;
beijou-lhe a mão, e disse-lhe que já sabia disso por mim mesmo. Em particular animou-me a suportar 

tudo com 
paciência; no
fim de um ano as cousas estariam mudadas, e um ano andava depressa. Não foi ainda a nossa 

despedida; esta fez-se 
na
véspera, por um modo que pede Capítulo especial. O que unicamente digo aqui é que, ao passo que nos 

prendíamos 
um ao
outro, ela ia prendendo minha mãe, fez-se mais assídua e terna, vivia ao pé dela, com os olhos nela. 

Minha mãe era de 
natural
simpático, e igualmente sensível; tanto se doía como se aprazia de qualquer cousa. Entrou a achar em 

Capitu uma 
porção de
graças novas, de dotes finos e raros; deu-lhe um anel dos seus e algumas galanterias. Não consentiu em 

fotografar-se, 
como
a pequena lhe pedia, para lhe dar um retrato; mas tinha uma miniatura, feita aos vinte e cinco anos, e, 

depois de 
algumas
hesitações, resolveu dar-lha. Os olhos de Capitu, quando recebeu o mimo, não se descrevem, não eram 

oblíquos, nem 
de
ressaca, eram direitos, claros, lúcidos. Beijou o retrato com paixão, minha mãe fez-lhe a mesma cousa a 

ela. Tudo isto 
me
lembra a nossa despedida. 

CAPÍTULO LI / ENTRE LUZ E FUSCO 

Entre luz e fusco, tudo há de ser breve como esse instante. Nem durou muito a nossa despedida, foi o 

mais que pôde, 
em
casa dela, na sala de visitas, antes do acender das velas; aí é que nos despedimos de uma vez. Juramos 

novamente 
que
havíamos de casar um com outro, e não foi só o aperto de mão que selou o contrato, como no quintal, foi 

conjunção das
nossas bocas amorosas... Talvez risque isto na impressão, se até lá não pensar de outra maneira; se 

pensar. fica. E 
desde já
fica, porque, em verdade, é a nossa defesa. O que o mandamento divino quer é que não juremos em vão 

pelo santo 
nome de
Deus. Eu não ia mentir ao seminário, uma vez que levava um contrato feito no próprio cartório do céu. 

Quanto ao 
selo, Deus,
como fez as mãos limpas, assim fez os lábios limpos, e a malícia está antes na tua cabeça perversa que 

na daquele 


[Linha 3000 de 7623 - Parte 2 de 4]


casal de
adolescentes... Oh! minha doce companheira da meninice, eu era puro, e puro fiquei, e puro entrei na aula 

de S. José, a
buscar de aparência a investidura sacerdotal, e antes dela a vocação. Mas a vocação eras tu, a 

investidura eras tu. 

CAPÍTULO LII / O VELHO PÁDUA 

Já agora conto também os adeuses do velho Pádua. Logo cedo veio à nossa casa. Minha mãe disse-lhe 

que fosse 
falar-me
ao quarto. 

--Dá licença? perguntou metendo a cabeça pela porta. 

Fui apertar-lhe a mão; ele abraçou-me com ternura. 

--Seja feliz! disse-me. A mim e a toda a minha gente creia que ficam muitas saudades. Todos nós 

estimamos muito ao
senhor, como merece. Se lhe disserem outra cousa, não acredite. São intrigas. Também eu, quando me 

casei, fui vítima 
de
intrigas; desfizeram-se. Deus é grande e descobre a verdade. Se algum dia perder sua mãe e seu tio,--

cousa que eu, por 
esta
luz que me alumia, não desejo, porque são boas pessoas, excelentes pessoas, e eu sou grato às finezas 

recebidas... Não, 
eu
não sou como outros, certos parasitas, vindos de fora para desunião das famílias, aduladores baixos, 

não- eu sou de 
outra
espécie; não vivo papando os jantares nem morando em casa alheia... Enfim, são os mais felizes! 

"Por que falará assim? pensei. Naturalmente sabe que José Dias diz mal dele." 

--Mas, como ia dizendo, se algum dia perder os seus parentes, pode contar com a nossa companhia. Não 

é suficiente 
em
importância, mas a afeição é imensa, creia. Padre que seja, a nossa casa está às suas ordens. Quero só 

que me não 
esqueça;
não esqueça o velho Pádua... 

Suspirou e continuou: 

--Não esqueça o seu velho Pádua, e, se tem algum trapinho que me deixe em lembrança, um caderno 

latino, qualquer 
cousa,
um botão de colete, cousa que já lhe não preste para nada. O valor é a lembrança. Tive um sobressalto. 

Havia 
embrulhado
em um papel um cacho dos meus cabelos, tão grandes e tão bonitos, cortados na véspera. A intenção era 

levá-los a 
Capitu,
ao sair; mas tive idéia de dá-lo ao pai, a filha saberia tomá-lo e guardá-lo. Peguei do embrulho e dei-lho. 

--Aqui está, guarde. 

--Um cachinho dos seus cabelos! exclamou Pádua abrindo e fechando o embrulho. Oh! obrigado! obrigado 

por mim e 
pela
minha gente! Vou dá-lo à velha, para guardá-lo, ou à pequena, que é mais cuidadosa que a mãe. Que 

lindos que são! 
Como
é que se corta uma beleza destas? Dê cá um abraço! outro! mais outro! adeus! 


[Linha 3050 de 7623 - Parte 2 de 4]



Tinha os olhos úmidos deveras; levava a cara dos desenganados, como quem empregou em um só 

bilhete todas as 
suas
economias de esperanças, e vê sair branco o maldito número,--um número tão bonito! 

CAPÍTULO LIII / A CAMINHO! 

Fui para o seminário. Poupa-me as outras despedidas. Minha mãe apertava-me ao peito. Prima Justina 

suspirava. 
Talvez
chorasse mal ou nada. Há pessoas a quem as lágrimas não acodem logo nem nunca, diz-se que 

padecem mais que as 
outras.
Prima Justina disfarçava naturalmente os seus padecimentos íntimos, emendando os descuidos de 

minha mãe, 
fazendo-me
recomendações, dando ordens. Tio Cosme, quando eu lhe beijei a mão em despedida, disse-me rindo: 

--Anda lá, rapaz, volta-me papa! 

José Dias, composto e grave, não dizia nada a princípio; tínhamos falado na véspera, no quarto dele, 

onde fui ver se 
era
ainda possível evitar o seminário. Já não era, mas deu-me esperanças e principalmente animou-me 

muito. Antes de 
um ano
estaríamos a bordo. Como eu achasse muito breve, explicou-se. 

--Dizem que não é bom tempo de atravessar o Atlântico, vou indagar; se não for, iremos em março ou 

abril. 

--Posso estudar medicina aqui mesmo. 

José Dias correu os dedos pelos suspensórios com um gesto de impaciência, apertou os beiços, até que 

formalmente 
rejeitou
o alvitre. 

--Não duvidaria aprovar a idéia, disse ele, se na Escola de Medicina não ensinassem, exclusivamente, a 

podridão 
alopata. A
alopatia é o erro dos séculos, e vai morrer; é o assassinato, é a mentira, é a ilusão. Se lhe disserem que 

pode aprender 
na
Escola de Medicina aquela parte da ciência comum a todos os sistemas, é verdade; a alopatia é erro na 

terapêutica.
Fisiologia, anatomia, patologia, não são alopáticas nem homeopáticas, mas é melhor aprender logo tudo 

de uma vez, 
por
livros e por língua de homens cultores da verdade... 

Assim falara na véspera e no quarto. Agora não dizia nada, ou proferia algum aforismo sobre a religião e 

a família; 
lembro-me
deste: "Dividi-lo com Deus é ainda possuí-lo". Quando minha mãe me deu o último beijo: "Quadro 

amantíssimo!" 
suspirou
ele. Era manhã de um lindo dia. Os moleques cochichavam; as escravas tomam a bênção: "Bênção, nhô 

Bentinho! 
não se
esqueça de sua Joana! Sua Miquelina fica rezando por vosmecê!" Na rua José Dias insistiu nas 

esperanças: 

--Agüente um ano; até lá tudo estará arranjado. 



[Linha 3100 de 7623 - Parte 2 de 4]


CAPÍTULO LIV / PANEGÍRICO DE SANTA MÔNICA 

No Seminário... Ah! não vou contar o seminário, nem me bastaria a isso um Capítulo. Não, senhor meu 

amigo; algum 
dia.
sim, é possível que componha um abreviado do que ali vi e vivi, das pessoas que tratei, dos costumes, 

de todo o resto. 
Esta
sarna de escrever, quando pega aos cinqüenta anos, não despega mais. Na mocidade é possível curar-se 

um homem 
dela; e,
sem ir mais longe, aqui mesmo no seminário tive um companheiro que compôs versos, à maneira dos de 

Junqueira 
Freire,
cujo livro de frade-poeta era recente. Ordenou-se anos depois encontrei-o no coro de S. Pedro e pedi-lhe 

que me 
mostrasse
os versos novos. 

--Que versos? perguntou meio espantado. 

--Os seus. Pois não se lembra que no seminário... 

--Ah! sorriu ele. 

Sorriu, e continuando a procurar num livro aberto a hora em que tinha de cantar no dia seguinte, 

confessou-me que 
não fizera
mais versos depois de ordenado. Foram cócegas da mocidade; coçou-se, passou, estava bom. E falou-me 

em prosa de 
uma
infinidade de cousas do dia. a vida cara, um sermão do padre X..., uma vigairaria mineira... 

Contrário a isso foi um seminarista que não seguiu a carreira. Chamava-se... Não é preciso dizer o nome; 

baste o caso. 
Tinha
composto um Panegírico de Santa Mônica, elogiado por algumas pessoas e então lido entre os 

seminaristas. Alcançou
licença de imprimi-lo, e dedicou-o a Santo Agostinho. Tudo isso é história velha; o que é mais moço é que 

um dia. em 
1882,
indo ver certo negócio em repartição de marinha, ali dei com este meu colega, feito chefe de uma seção 

administrativa.
Deixara seminário, deixara letras, casara e esquecera tudo, menos o Panegírico de Santa Mônica, umas 

vinte e nove 
páginas,
que veio distribuindo pela vida fora. Como eu precisasse de algumas informações, fui pedir-lhas, e seria 

impossível 
achar
melhor nem mais pronta vontade; deu-me tudo, claro, certo, copioso Naturalmente conversamos do 

passado, 
memórias
pessoais, casos de estudo, incidentes de nada, um livro, um verbo, um mote, toda a velha palhada saiu 

cá fora, e rimos
juntos, e suspiramos de companhia. Vivemos algum tempo do nosso velho seminário. Ou porque eram 

dele, ou porque
éramos então moços, as recordações traziam tal poder de felicidade que, se alguma sombra contrária 

houve então, 
não
apareceu agora. Ele confessou-me que perdera de vista todos os companheiros do seminário. 

--Também eu, quase todos; uma vez ordenados, voltaram naturalmente às suas províncias, e os daqui 

tomaram 
vigairarias
fora. 

-- Bom tempo! suspirou ele. 



[Linha 3150 de 7623 - Parte 2 de 4]


E, após alguma reflexão, fitando em mim uns olhos murchos e teimosos, perguntou-me: 

--Conservou o meu Panegírico? 

Não achei que dizer; tentei mover os beiços, mas não tinha palavra, afinal perguntei: 

--Panegírico? Que panegírico? 

--O meu Panegírico de Santa Mônica. 

Não me lembrou logo, mas a explicação devia bastar; e depois de alguns instantes de pesquisa mental, 

respondi que 
por
muito tempo o conservara, mas as mudanças, as viagens... 

--Hei de levar-lhe um exemplar. 

Antes de vinte e quatro horas estava em minha casa, com o folheto, um velho folheto de vinte e seis 

anos, encardido,
manchado do tempo, mas sem lacuna, e com uma dedicatória manuscrita e respeitosa. 

--É o penúltimo exemplar, disse-me; agora só me resta um, que não posso dar a ninguém. 

E como me visse folhear o opúsculo: 

--Veja se lhe lembra algum pedaço, disse-me. 

Vinte e seis anos de intervalo fazem morrer amizades mais estreitas e assíduas, mas era cortesia, era 

quase caridade 
recordar
alguma lauda; li uma delas, acentuando certas frases para lhe dar a impressão de que achavam eco em 

minha 
memória.
Concordou que fossem belas, mas preferia outras, e apontou-as. 

--Recorda-se bem? 

--Perfeitamente. Panegírico de Santa Mônica! Como isto me faz remontar os anos da minha mocidade! 

Nunca me 
esqueceu
o seminário, creia. Os anos passam, os acontecimentos vêm uns sobre outros, e as sensações também, 

e vieram 
amizades
novas que também se foram depois, como é lei da vida... Pois, meu caro colega, nada fez apagar aquele 

tempo da 
nossa
convivência, os padres, as lições, os recreios... os nossos recreios, lembra-se? o Padre Lopes, oh! o 

Padre Lopes... 

Ele, com os olhos no ar, devia estar ouvindo, e naturalmente ouvia, mas só me disse uma palavra, e 

ainda assim 
depois de
algum tempo de silêncio, recolhendo os olhos e um suspiro! 

--Tem agradado muito este meu Panegírico! 

CAPÍTULO LV / UM SONETO 

Dita a palavra, apertou-me as mãos com as forças todas de um vasto agradecimento, despediu-se e saiu. 

Fiquei só 


[Linha 3200 de 7623 - Parte 2 de 4]


com o
Panegírico, e o que as folhas dele me lembraram foi tal que merece um Capítulo ou mais. Antes, porém, e 

porque 
também eu
tive o meu Panegírico, contarei a história de um soneto que nunca fiz: era no tempo do seminário, e o 

primeiro verso é 
o que
ides ler: 

Oh! flor do céu! oh! flor cândida e pura! 

Como e por que me saiu este verso da cabeça, não sei; saiu assim, estando eu na cama como uma 

exclamação solta, 
e, ao
notar que tinha a medida de verso, pensei em compor com ele alguma cousa, um soneto. A insônia, musa 

de olhos
arregalados, não me deixou dormir uma longa hora ou duas; as cócegas pediam-me unhas, e coçava-me 

com alma. 
Não
escolhi logo, logo, o soneto; a princípio cuidei de outra forma, e tanto de rima como de verso solto. r afinal 

ative-me ao
soneto. Era um poema breve e prestadio. Qual à idéia, o primeiro verso não era ainda uma idéia, era uma 

exclamação; 
a
idéia viria depois. Assim na cama, envolvido no lençol. tratei de poetar. Tinha o alvoroço da mãe que 

sente o filho, e o
primeiro filho. Ia ser poeta, ia competir com aquele monge da Bahia pouco antes revelado, e então na 

moda; eu, 
seminarista,
diria em verso as minhas tristezas, como ele dissera as suas no claustro. Decorei bem o verso, e 

repetia-o em voz baixa, 
aos
lençóis; francamente achava-o bonito, e ainda agora não me parece mau: 

Oh! flor do céu! oh! flor cândida e pura! 

Quem era a flor? Capitu, naturalmente; mas podia ser a virtude, a poesia, a religião, qualquer outro 

conceito a que 
coubesse
a metáfora da flor, e flor do céu. Aguardei o resto, recitando sempre verso, e deitado ora sobre o lado 

direito, ora sobre 
o
esquerdo; afinal deixei-me estar de costas, com os olhos no tecto, mas nem assim. vinha mais nada. 

Então adverti que 
os
sonetos mais gabados eram os que concluíam com chave de ouro, isto é, um desses versos capitas no 

sentido e na 
forma.
Pensei em forjar uma de tais chaves, considerando que o verso final, saindo cronologicamente dos treze 

anteriores, 
com
dificuldade traria a perfeição louvada; imaginei que tais chaves eram fundidas antes da fechadura. Assim 

foi que me 
deter
minei a compor o último verso do soneto, e, depois de muito suar, saiu este: 

Perde-se a vida, ganha-se a batalha! 

Sem vaidade, e falando como se fosse de outro, era um verso magnífico. Sonoro, não há dúvida. E tinha 

um 
pensamento, a
vitória ganha à custa da própria vida, pensamento alevantado e nobre. Que não fosse novidade, é 

possível, mas 
também não
era vulgar; e ainda agora não explico por que via misteriosa entrou numa cabeça de tão poucos anos. 

Naquela ocasião
achei-o sublime. Recitei uma e muitas vêzes a chave de ouro, depois repeti os dous versos 

seguidamente, e dispus-me a
ligá-los pelos doze centrais. A idéia agora, à vista do último verso, pareceu-me melhor não ser Capitu; 

seria a justiça. 
Era


[Linha 3250 de 7623 - Parte 2 de 4]


mais próprio dizer que, na pugna pela justiça, perder-se-ia acaso a vida, mas a batalha ficava ganha. 

Também me 
ocorreu
aceitar a batalha, no sentido natural, e fazer dela a luta pela pátria, por exemplo; nesse caso a flor do céu 

seria a 
liberdade.
Esta acepção porém, sendo o poeta um seminarista, podia não caber tanto como a primeira, e gastei 

alguns minutos 
em
escolher uma ou outra. Achei melhor a justiça, mas afinal aceitei definitivamente uma idéia nova a 

caridade, e recitei 
os dous
versos, cada um a seu modo, um languidamente: 

Oh! flor do céu! oh! flor cândida e pura 

e o outro com grande brio: 

Perde-se a vida, ganha-se a batalha! 

A sensação que tive é que ia sair um soneto perfeito. Começar bem e acabar bem não era pouco. Para me 

dar um 
banho de
inspiração, evoquei alguns sonetos célebres, e notei que os mais deles eram facílimos; os versos saíam 

uns dos outros, 
com a
idéia em si, tão naturalmente, que se não acabava de crer se ela é que os fizera, se eles é que a 

suscitavam. Então 
tornava ao
meu soneto, e novamente repetia o primeiro verso e esperava o segundo; o segundo não vinha, nem 

terceiro, nem 
quarto;
não vinha nenhum. Tive alguns ímpetos de raiva, e mais de uma vez pensei em sair da cama e ir ver tinta 

e papel; 
pode ser
que, escrevendo, os versos acudissem, mas... 

Cansado de esperar, lembrou-me alterar o sentido do último verso, com a simples transposição de duas 

palavras, 
assim: 

Ganha-se a vida, perde-se a batalha! 

O sentido vinha a ser justamente o contrário; mas talvez isso mesmo trouxesse a inspiração. Neste caso, 

era uma 
ironia: não
exercendo a caridade, pode-se ganhar a vida, mas perde-se a batalha do céu. Criei forças novas e 

esperei. Não tinha 
janela;
se tivesse, é possível que fosse pedir uma idéia à noite. E quem sabe se os vagalumes luzindo cá 

embaixo, não seriam 
para
mim como rimas das estrelas, e esta viva metáfora não me daria os versos esquivos, com os seus 

consoantes e sentidos
próprios? 

Trabalhei em vão, busquei, catei, esperei, não vieram os versos. Pelo tempo adiante escrevi algumas 

páginas em prosa, 
e
agora estou compondo esta narração, não achando maior dificuldade que escrever, bem ou mal. Pois, 

senhores, nada 
me
consola daquele soneto que não fiz. Mas, como eu creio que os sonetos existem feitos, como as odes e 

os dramas, e as
demais obras de arte, por uma razão de ordem metafísica, dou esses dous versos ao primeiro 

desocupado que os 
quiser. Ao
domingo, ou se estiver chovendo, ou na roça, em qualquer ocasião de lazer, pode tentar ver se o soneto 

sai. Tudo é 


[Linha 3300 de 7623 - Parte 2 de 4]


dar-lhe
uma idéia e encher o centro que falta. 

CAPÍTULO LVI / UM SEMINARISTA 

Tudo meia repetindo o diabo do opúsculo, com as suas letras velhas e citações latinas. Vi sair daquelas 

folhas muitos 
perfis
de seminaristas, os irmãos Albuquerques, por exemplo, um dos quais é cônego na Bahia, enquanto o 

outro seguiu 
medicina e
dizem haver descoberto um específico contra a febre amarela. Vi o Bastos, um magricela, que está de 

vigário em
Meia-Ponte, se não morreu já; Luís Borges, apesar de padre, fez-se político, e acabou senador do 

império... Quantas 
outras
caras me fitavam das páginas frias do Panegírico! Não, não eram frias; traziam o calor da juventude 

nascente, o calor 
do
passado, o meu próprio calor. Queria lê-las outra vez, e lograva entender algum texto, tão recente como 

no primeiro 
dia.
ainda que mais breve. Era um encanto ir por ele; às vezes, inconscientemente, dobrava a folha como se 

estivesse lendo 
de
verdade; creio que era quando os olhos me caíam na palavra do fim da página, e a mão, acostumada a 

ajudá-los, 
fazia o seu
ofício... 

Eis aqui outro seminarista. Chamava-se Ezequiel de Sousa Escobar era um rapaz esbelto, olhos claros, 

um pouco 
fugitivos,
como as mãos, como os pés, como a fala, como tudo. Quem não estivesse acostumado com ele podia 

acaso sentir-se 
mal,
não sabendo por onde lhe pegasse. Não fitava de rosto, não falava claro nem seguido as mãos não 

apertavam as 
outras, nem
se deixavam apertar delas, por que os dedos, sendo delgados e curtos, quando a gente cuidava tê-los 

entre os seus, já 
não
tinha nada. O mesmo digo dos pés, que lia depressa estavam aqui como lá. Esta dificuldade em pousar 

foi a maior 
obstáculo
que achou para tomar os costumes do seminário. O sorriso era instantâneo, mas também ria folgado e 

largo. Uma 
cousa não
seria tão fugitiva, como o resto, a reflexão; íamos dar com ele, muita vez, olhos enfiados em si, 

cogitando. 
Respondia-nos
sempre que meditava algum ponto espiritual, ou então que recordava a lição da véspera. Quando ele 

entrou na minha
intimidade pedia-me freqüentemente explicações e repetições miúdas, e tinha memória para guardá-las 

todas, até as 
palavras.
Talvez esta faculdade prejudicasse alguma outra. 

Era mais velho que eu três anos, filho de um advogado de Curitiba, aparentado com um comerciante do 

Rio de 
Janeiro, que
servia de correspondente ao pai. Este era homem de fortes sentimentos católicos. Escobar tinha uma 

irmã, que era um 
anjo,
dizia ele. 

--Não é só na beleza que é um anjo, mas também na bondade. Não imagina que boa criatura que ela é. 

Escreve-me 
muita
vez, hei de mostrar-lhe as cartas dela. 


[Linha 3350 de 7623 - Parte 2 de 4]



De fato, eram simples e afetuosas, cheias de carícias e conselhos. Escobar contava-me histórias dela, 

interessantes, 
todas as
quais vinham a dar na bondade e no espírito daquela criatura; tais eram que me fariam capaz de acabar 

casando com 
ela se
não fosse Capitu. Morreu pouco depois. Eu, seduzido pelas palavras dele, estive quase a contar-lhe logo, 

logo, a minha
história. A princípio, fui tímido, mas ele fez-se entrado na minha confiança. Aqueles modos fugitivos, 

cessavam 
quando ele
queria, e o meio e o tempo os fizeram mais pousados. Escobar veio abrindo a alma toda, desde a porta 

da rua até o 
fundo
do quintal. A alma da gente, como sabes, é uma casa assim disposta, não raro com janelas para todos os 

lados, muita 
luz e ar
puro. Também as há fechadas e escuras, sem janelas ou com poucas e gradeadas, à semelhança de 

conventos e 
prisões.
Outrossim, capelas e bazares, simples alpendres ou paços suntuosos. 

Não sei o que era a minha. Eu não era ainda casmurro, nem dom casmurro; o receio é que me tolhia a 

franqueza, mas 
como
as portas não tinham chaves nem fechaduras, bastava empurrá-las, e Escobar empurrou-as e entrou. Cá o 

achei 
dentro, cá
ficou, até que... 

CAPÍTULO LVII / DE PREPARAÇÃO 

Ah! Mas não eram só os seminaristas que me iam saindo daquelas folhas velhas do Panegírico. Elas me 

trouxeram 
também
sensações passadas, tais e tantas que eu não poderia dizê-las todas, sem tirar espaço ao resto. Uma 

dessas, e das 
primeiras
quisera contá-la aqui em latim. Não é que a matéria não ache termos honestos em nossa língua, que é 

casta para os 
castos,
como pode ser torpe para os torpes. Sim, leitora castíssima, como diria o meu finado José Dias podeis ler 

o Capítulo 
até ao
fim, sem susto nem vexame. 

Já agora meto a história em outro Capítulo. Por mais composto que este me saia, há sempre no assunto 

alguma cousa 
menos
austera, que pede umas linhas de repouso e preparação. Sirva este de preparação. E isto é muito, leitor 

meu amigo; o
coração, quando examina a possibilidade do que há de vir, as proporções dos acontecimentos e a cópia 

deles, fica 
robusto e
disposto, e o mal é menor mal. Também, se não fica então, não fica nunca. E aqui verás tal ou qual 

esperteza minha;
porquanto, ao ler o que vais ler, é provável que o aches menos cru do que esperavas. 

CAPÍTULO LVIII / O TRATADO 

Foi o caso que, uma segunda-feira, voltando eu para o seminário, vi cair na rua uma senhora. O meu 

primeiro gesto, 
em tal
caso, devia ser de pena ou de riso; não foi uma nem outra cousa, porquanto (e é isto que eu quisera dizer 

em latim),
porquanto a senhora tinha as meias mui lavadas, e não as sujou, levava ligas de seda, e não as perdeu. 

Várias pessoas
acudiram, mas não tiveram tempo de a levantar; ela ergueu-se muito vexada, sacudiu-se, agradeceu, e 

enfiou pela rua
próxima. 


[Linha 3400 de 7623 - Parte 2 de 4]



--Este gosto de imitar as francesas da Rua do Ouvidor, dizia-me José Dias andando e comentando a 

queda, é 
evidentemente
um erro. As nossas moças devem andar como sempre andaram, com seu vagar e paciência, e não este 

tique-tique
afrancesado... 

Eu mal podia ouvi-lo. As meias e as ligas da senhora branqueavam e enroscavam-se diante de mim, e 

andavam, 
caíam,
erguiam-se e iam-se embora. Quando chegamos à esquina, olhei para a outra rua, e vi, a distancia, a 

nossa desastrada, 
que ia
no mesmo passo, tique-tique, tique-tique... 

--Parece que não se machucou, disse eu. 

--Tanto melhor para ela, mas é impossível que não tenha arranhado os joelhos; aquela presteza é 

manha... 

Creio que foi "manha" que ele disse; eu fiquei "nos joelhos arranhados". Dali em diante, até o seminário, 

não vi mulher 
na rua,
a quem não desejasse uma queda, a algumas adivinhei que traziam as meias esticadas e as ligas 

justas... Tal haveria 
que nem
levasse meias... Mas eu as via com elas... Ou então... Também é possível... 

Vou esgarçando isto com reticências para dar uma idéia das minhas idéias, que eram assim difusas e 

confusas; com 
certeza
não dou nada. A cabeça ia-me quente, e o andar não era seguro. No seminário, a primeira hora foi 

insuportável. As 
batinas
traziam ar de saias, e lembravam-me a queda da senhora. Já não era uma só que eu via cair; todas as 

que eu 
encontrara na
rua, mostravam-me agora de relance as ligas azuis; eram azuis. De noite, sonhei com elas. Uma multidão 

de 
abomináveis
criaturas veio andar à roda de mim, tique-tique... Eram belas, umas finas, outras grossas, todas ágeis 

como o diabo. 
Acordei,
busquei afugentá-las com esconderijos e outros métodos, mas tão depressa dormi como tornaram, e, com 

as mãos 
presas
em volta de mim, faziam um vasto círculo de saias ou, trepadas no ar, choviam pés e pernas sobre a 

minha cabeça. 
Assim fui
até madrugada. Não dormi mais; rezei padre-nossos, ave-marias, e credos, e sendo este livro a verdade 

pura, é força
confessar que tive de interromper mais de uma vez as minhas orações para acompanhar no escuro uma 

figura ao 
longe,
tique-tique, tique-tique... Pegava depressa na oração, sempre no meio para concertá-la bem, como se não 

tivesse 
havido
interrupção, mas certamente não unia a frase nova à antiga. 

Vindo o mal pela manhã adiante, tentei vencê-lo, mas por um modo que o não perdesse de todo. Sábios 

da Escritura,
adivinhai o que podia ser. Foi isto. Não podendo rejeitar de mim aqueles quadros, recorri a um tratado 

entre a minha
consciência e a minha imaginação. As visões feminis seriam de ora avante consideradas como simples 

encarnações 
dos
vícios, e por isso mesmo contempláveis, como o melhor modo de temperar o caráter e aguerri-lo para os 

combates 
ásperos
da vida. Não formulei isto por palavras, nem foi preciso; o contrato fez-se tacitamente, com alguma 

repugnância, mas 


[Linha 3450 de 7623 - Parte 2 de 4]


fez-se.
E por alguns dias, era eu mesmo que evocava as visões para fortalecer-me, e não as rejeitava, senão 

quando elas 
mesmo de
cansadas, se iam embora. 

CAPÍTULO LIX / CONVIVAS DE BOA MEMÓRIA 

Há dessas reminiscências que não descansam antes que a pena ou a língua as publique. Um antigo dizia 

arrenegar de 
conviva
que tem boa memória. A vida é cheia de tais convivas, e eu sou acaso um deles, conquanto a prova de ter 

a memória 
fraca
seja exatamente não me acudir agora o nome de tal antigo; mas era um antigo, e basta. 

Não, não, a minha memória não é boa. Ao contrário, é comparável a alguém que tivesse vivido por 

hospedarias, sem 
guardar
delas nem caras nem nomes, e somente raras circunstancias. A quem passe a vida na mesma casa de 

família, com os 
seus
eternos móveis e costumes, pessoas e afeições, é que se lhe grava tudo pela continuidade e repetição. 

Como eu invejo 
os
que não esqueceram a cor das primeiras calças que vestiram! Eu não atino com a das que enfiei ontem 

Juro só que 
não eram
amarelas porque execro essa cor; mas isso mesmo pode ser olvido e confusão. 

E antes seja olvido que confusão; explico-me. Nada se emenda bem nos livros confusos, mas tudo se 

pode meter nos 
livros
omissos. Eu, quando leio algum desta outra casta, não me aflijo nunca. O que faço, em chegando ao fim, 

é cerrar os 
olhos e
evocar todas as cousas que não achei nele. Quantas idéias finas me acodem então! Que de reflexões 

profundas! Os 
rios, as
montanhas, as igrejas que não vi nas folhas lidas, todos me aparecem agora com as suas águas, as 

suas árvores, os 
seus
altares, e os generais sacam das espadas que tinham ficado na bainha, e os clarins soltam as notas que 

dormiam no 
metal, e
tudo marcha com uma alma imprevista que tudo se acha fora de um livro falho, leitor amigo. Assim 

preencho as 
lacunas
alheias; assim podes também preencher as minhas. 

CAPÍTULO LX / QUERIDO OPÚSCULO 

Assim fiz eu ao Panegírico de Santa Mônica, e fiz mais: pus-lhe não só o que faltava da santa, mas ainda 

cousas que 
não
eram dela. Viste o soneto, as meias, as ligas, o seminarista Escobar e vários outros. Vais agora ver o 

mais que naquele 
dia
me foi saindo das páginas amarelas do opúsculo. 

Querido opúsculo, tu não prestavas para nada, mas que mais presta um velho par de chinelas? 

Entretanto, há muita 
vez no
casal de chinelas um como aroma e calor de dous pés. Gastas e rotas, não deixam de lembrar que uma 

pessoa as 
calçava de
manhã, ao erguer da cama, ou as descalçava à noite, ao entrar ela. E se a comparação não vale, porque 

as chinelas 


[Linha 3500 de 7623 - Parte 2 de 4]


são ainda
uma parte da pessoa e tiveram o contacto dos pés, aqui estão outras lembranças, como a pedra da rua, a 

porta da 
casa, um
assobio particular, um pregão de quitanda, como aquele das cocadas que contei no cap. XVIII. 

Justamente, quando 
contei o
pregão das cocadas, fiquei tão curtido de saudades que me lembrou fazê-lo escrever por um amigo, 

mestre de música, 
e
grudá-lo às pernas do Capítulo. Se depois jarretei o Capítulo, foi porque outro músico, a quem o mostrei, 

me confessou
ingenuamente não achar no trecho escrito nada que lhe acordasse saudades. Para que não aconteça o 

mesmo aos 
outros
profissionais que porventura me lerem, melhor é poupar ao editor do livro o trabalho e a despesa da 

gravura. Vês que 
não
pus nada, nem ponho. Já agora creio que não basta que os pregões de rua, como os opúsculos de 

seminário, encerrem
casos, pessoas e sensações; é preciso que a gente os tenha conhecido e padecido no tempo, sem o que 

tudo é calado e
incolor. 

Mas, vamos ao mais que me foi saindo das páginas amarelas. 

CAPÍTULO LXI / A VACA DE HOMERO 

O mais foi muito. Vi saírem os primeiros dias da separação, duros e opacos, sem embargo das palavras 

de conforto 
que me
deram os padres e os seminaristas, e as de minha mãe e tio Cosme, trazidas por José Dias ao 

seminário. 

--Todos estão saudosos, disse-me este, mas a maior saudade está naturalmente no maior dos corações; 

e qual é ele?
perguntou escrevendo a resposta nos olhos. 

--Mamãe, acudi eu. 

José Dias apertou-me as mãos com alvoroço, e logo pintou a tristeza de minha mãe, que falava de mim 

todos os dias, 
quase
a todas as horas. Como a aprovasse sempre, e acrescentasse alguma palavra relativamente aos dotes 

que Deus lhe 
dera, o
desvanecimento de minha mãe nessas ocasiões era indescritível; e contava-me tudo isso cheio de uma 

admiração 
lacrimosa.
Tio Cosme também se enternecia muito. 

--Ontem até se deu um caso interessante. Tendo eu dito à Excelentíssima que Deus lhe dera, não um 

filho, mas um 
anjo do
céu e doutor ficou tão comovido que não achou outro modo de vencer o choro senão fazendo-me um 

daqueles elogios 
de
galhofa que só ele sabe. Não é preciso dizer que D. Glória enxugou furtivamente uma lágrima. Ou ela não 

fosse mãe! 
Que
coração amantíssimo! 

-- Mas, Sr. José Dias, e a minha saída daqui? 

-- Isso é negócio meu. A viagem à Europa é o que é preciso, mas pode fazer-se daqui a um ou dous anos, 

em 1859 ou
1860. 



[Linha 3550 de 7623 - Parte 2 de 4]


--Tão tarde! 

--Era melhor que fosse este mesmo ano, mas demos tempo em tempo. Tenha paciência, vá estudando, 

não se perde 
nada
em ir sabendo já daqui alguma cousa; e, demais, ainda não acabando padre a vida do seminário é útil, e 

vale sempre 
entrar
no mundo ungido com os santos óleos da teologia... 

Neste ponto,--lembra-me como se fosse hoje,--os olhos de José Dias fulguraram tão intensamente que me 

encheram de
espanto As pálpebras caíram depois, e assim ficaram por alguns instantes, até que novamente se 

ergueram, e os olhos
fixaram-se na parede do pátio, como que embebidos em alguma cousa, se não era em si mesmos, depois 
despegaram-se da
parede e entraram a vagar pelo pátio todo. Podia compará-lo aqui à vaca de Homero; andava e gemia em 

volta da 
cria que
acabava de parir. Não lhe perguntei o que é que tinha, já por acanhamento, já porque dous lentes, um 

deles de 
teologia,
vinham caminhando na nossa direção. Ao passarem por nós, o agregado, que os conhecia, cortejou-os 

com as 
deferências
devidas, e pediu-lhes notícias minhas. 

--Por ora nada se pode afiançar, disse um deles, mas parece que dará conta da mão. 

--O que eu lhe dizia agora mesmo, acudiu José Dias. Conto ouvir-lhe a missa nova; mas ainda que não 

chegue a 
ordenar-se,
no pode ter melhores estudos que os que fizer aqui. Para a viagem da existência, concluiu demorando 

mais as 
palavras, irá
ungido com os santos óleos da teologia... 

Desta vez a fulguração dos olhos foi menor, as pálpebras não lhe caíram nem as pupilas fizeram os 

movimentos 
anteriores.
Ao contrário, todo ele era atenção e interrogação; quando muito, um sorriso claro e amigo lhe errava nos 

lábios. O 
lente de
teologia gostou da metáfora, e disse-lho; ele agradeceu, explicando que eram idéias que lhe escapavam 

no correr da
conversação; não escrevia nem orava. Eu é que não gostei nada; e logo que os lentes se foram, sacudi a 

cabeça: 

--Não quero saber dos santos óleos da teologia; desejo sair daqui o mais cedo que puder, ou já... 

--Já, meu anjo, não pode ser; mas pode suceder que muito antes do que imaginamos. Quem sabe se este 

mesmo ano 
de 58?
Tenho um plano feito, e penso já nas palavras com que hei de expô-lo a D. Glória; estou certo que ela 

cederá e irá 
conosco. 

--Duvido que mamãe embarque. 

--Veremos. Mãe é capaz de tudo; mas, com ela ou sem ela, tenho por certa a nossa ida, e não haverá 

esforço que eu 
não
empregue, deixe estar. Paciência é que é preciso. E não faça aqui nada que dê lugar a censuras ou 

queixas; muita 
docilidade
e toda a aparente satisfação. Não ouviu o elogio do lente? É que você tem-se portado bem. Pois continue. 



[Linha 3600 de 7623 - Parte 2 de 4]


--Mas, 1859 ou 1860 é muito tarde. 

--Será este ano, replicou José Dias. 

--Daqui a três meses? 

--Ou seis. 

--Não; três meses. 

--Pois sim. Tenho agora um plano, que me parece melhor que outro qualquer. É combinar a ausência de 

vocação 
eclesiástica
e a necessidade de mudar de ares. Você por que não tosse? 

--Por que não tusso? 

--Já, já, não, mas eu hei de avisar você para tossir, quando for preciso, aos poucos, uma tossezinha 

seca, e algum 
fastio; eu
irei preparando a Excelentíssima... Oh! tudo isto é em benefício dela. Uma vez que o filho não pode servir 

a Igreja, 
como
deve ser servida, o melhor modo de cumprir a vontade de Deus é dedicá-lo a outra cousa. O mundo 

também é igreja 
para os
bons... 

Pareceu-me outra vez a vaca de Homero, como se este "mundo também é igreja para os bons", fosse 

outro bezerro, 
irmão
dos "santos óleos da teologia." Mas não dei tempo à ternura materna, e repliquei: 

--Ah! entendo! mostrar que estou doente para embarcar, não é? 

José Dias hesitou um pouco, depois explicou-se: 

--Mostrar a verdade, porque, francamente, Bentinho, eu há meses que desconfio do seu peito. Você não 

anda bom do 
peito.
Em pequeno, teve umas febres e uma ronqueira... Passou tudo, mas há dias em que está mais 

descorado. Não digo que 
seria o mal, mas o mal pode vir depressa. Numa hora cai a casa. Por isso, se aquela santa senhora não 

quiser ir
conosco,--ou para que vá mais depressa, acho que uma boa tosse... Se a tosse há de vir de verdade, 

melhor é 
apressá-la...
Deixe estar, eu aviso... 

--Bem, mas em saindo daqui não há de ser para embarcar logo; saio primeiro, depois cuidaremos do 

embarque; o 
embarque
é que pode ficar para o ano. Não dizem que o melhor tempo é abril ou Maio? Pois seja maio. Primeiro 

deixo o 
seminário
daqui a dous meses... 

E porque a palavra me estivesse a pigarrear na garganta, dei uma volta rápida, e perguntei-lhe à queima-

roupa: 

--Capitu como vai? 


[Linha 3650 de 7623 - Parte 2 de 4]



CAPÍTULO LXII / UMA PONTA DE IAGO 

A pergunta era imprudente, na ocasião em que eu cuidava de transferir o embarque. Equivalia a confessar 

que o 
motivo
principal ou único da minha repulsa ao seminário era Capitu, e fazer crer Improvável a viagem. 

Compreendi isto 
depois que
falei; quis emendar-me, mas nem soube como, nem ele me deu tempo. 

--Tem andado alegre, como sempre; é uma tontinha. Aquilo enquanto não pegar algum peralta da 

vizinhança, que 
case com
ela... 

Estou que empalideci; pelo menos, senti correr um frio pelo corpo todo. A notícia de que ela vivia alegre, 

quando eu 
chorava
todas as noites, produziu-me aquele efeito, acompanhado de um bater de coração, tão violento, que ainda 

agora cuido
ouvi-lo. Há alguma exageração nisto; mas o discurso humano é assim mesmo, um composto de partes 

excessivas e 
partes
diminutas, que se compensam, ajustando-se. Por outro lado, se entendermos que a audiência aqui não é 

das orelhas, 
senão
da memória, chegaremos à exata verdade. A minha memória ouve ainda agora as pancadas do coração 

naquele 
instante.
Não esqueças que era a emoção do primeiro amor. Estive quase a perguntar a José Dias que me 

explicasse a alegria de
Capitu, o que é que ela fazia, se vivia rindo, cantando ou pulando, mas retive-me a tempo, e depois outra 

idéia... 

Outra idéia, não,--um sentimento cruel e desconhecido, o pulo ciúme, leitor das minhas entranhas. Tal foi 

o que me 
mordeu,
ao repetir comigo as palavras de José Dias: "Algum peralta da vizinhança." Em verdade, nunca pensara 

em tal 
desastre. Vivia
tão nela, dela e para ela, que a intervenção de um peralta era como uma noção sem realidade; nunca me 

acudiu que 
havia
peraltas na vizinhança, vária idade e feitio, grandes passeadores das tardes. Agora lembrava-me que 

alguns olhavam 
para
Capitu,--e tão senhor me sentia dela que era como se olhassem para mim, um simples dever de 

admiração e de inveja.
Separados um do outro pelo espaço e pelo destino, o mal aparecia-me agora, não só possível mas certo. 

E a alegria de
Capitu confirmava a suspeita; se ela vivia alegre é que já namorava a outro, acompanhá-lo-ia com os 

olhos na rua,
falar-lhe-ia à janela, às ave-marias, trocariam flores e... 

E... quê? Sabes o que é que trocariam mais- se o não achas por ti mesmo, escusado é ler o resto do 

Capítulo e do livro, 
não
acharás mais nada, ainda que eu o diga com todas as letras da etimologia. Mas se o achaste, 

compreenderás que eu, 
depois
de estremecer, tivesse um ímpeto de atirar-me pelo portão fora, descer o resto dai ladeira, correr, chegar 

à casa do 
Pádua,
agarrar Capitu e intimar-lhe que me confessasse quantos, quantos, quantos já lhe dera o peralta da 

vizinhança. Não 
fiz nada.
Os mesmos sonhos que ora conto não tiveram, naqueles três ou quatro minutos, esta lógica de 

movimentos e 
pensamentos.
Eram soltos, emendados e mal emendados, com o desenho truncado e torto, uma confusão, um turbilhão, 

que me 
cegava e


[Linha 3700 de 7623 - Parte 2 de 4]


ensurdecia. Quando tornei a mim, José Dias concluía uma frase, cujo princípio não ouvi, e o mesmo fim 

era vago: "A 
conta
que dará de si." Que conta e quem? Cuidei naturalmente que falava ainda de Capitu, e quis perguntar-lho, 

mas a 
vontade
morreu ao nascer, como tantas outras gerações delas. Limitei-me a inquirir do agregado quando é que iria 

a casa ver 
minha
mãe. 

-- Estou com saudades de mamãe. Posso ir já esta semana? 

--Vai sábado. 

--Vai sábado. 

--Sábado? Ah! sim! sim! Peça a mamãe que me mande buscar sábado! Sábado! Este sábado, não? Que 

me mande 
buscar,
sem falta. 

CAPÍTULO LXIII / METADES DE UM SONHO 

Fiquei ansioso pelo sábado. Até lá os sonhos perseguiam-me, ainda acordado, e não os digo aqui para 

não alongar esta
parte do livro. Um só ponho, e no menor número de palavras, ou antes porei dous, porque um nasceu de 

outro, a não 
ser
que ambos formem duas metades de um só. Tudo isto é obscuro, dona leitora, mas a culpa é do vosso 

sexo, que 
perturbava
assim a adolescência de um pobre seminarista. Não fosse ele, e este livro seria talvez uma simples 

prática paroquial, se 
eu
fosse padre, ou uma pastoral, se bispo, ou uma encíclica, se papa, como me recomendara tio Cosme: 

"Anda lá, meu 
rapaz,
volta-me papa!" Ah! por que não cumpri esse desejo? Depois de Napoleão, tenente e imperador, todos os 

destinos 
estão
neste século. 

Quanto ao sonho foi isto. Como estivesse a espiar os peraltas da vizinhança, vi um destes que 

conversava com a 
minha amiga
ao pé da janela. Corri ao lugar, ele fugiu; avancei para Capitu, mas não estava só tinha o pai ao pé de si, 

enxugando 
os olhos
e mirando um triste bilhete de loteria. Não me parecendo isto claro, ia pedir a explicação, quando ele de 

si mesmo a 
deu; o
peralta fora levar-lhe a lista dos prêmios da loteria, e o bilhete saíra branco. Tinha o número 4004. 

Disse-me que esta
simetria de algarismos era misteriosa e bela, e provavelmente a roda andara mal; era impossível que 

não devesse ter a 
sorte
grande. Enquanto ele falava, Capitu dava-me com os olhos todas as sortes grandes e pequenas. A maior 

destas devia 
ser
dada com a boca. E aqui entra a segunda parte do sonho. Pádua desapareceu, como as suas esperanças 

do bilhete, 
Capitu
inclinou-se para fora, eu relancei os olhos pela rua, estava deserta. Peguei-lhe nas mãos, resmunguei 

não sei que 
palavras, e
acordei sozinho no dormitório. 



[Linha 3750 de 7623 - Parte 2 de 4]


O interesse do que acabas de ler não está na matéria do sonho, mas nos esforços que fiz para ver se 

dormia 
novamente e
pegava nele outra vez. Nunca dos nuncas poderás saber a energia e obstinação que empreguei em 

fechar os olhos, 
apertá-los
bem, esquecer tudo para dormir, mas não dormia. Esse mesmo trabalho fez-me perder o sono até à 

madrugada. Sobre 
a
madrugada, consegui conciliá-lo, mas então nem peraltas, nem bilhetes de loterias, nem sortes grandes 

ou 
pequenas,--nada
dos nadas veio ter comigo. Não sonhei mais aquela noite, e dei mal as lições daquele dia. 

CAPÍTULO LXIV / UMA IDÉIA E UM ESCRÚPULO 

Relendo o Capítulo passado, acode-me uma idéia e um escrúpulo. O escrúpulo é justamente de escrever 

a idéia, não a
havendo mais banal na terra, posto que daquela banalidade do sol e da lua, que o céu nos dá todos os 

dias e todos os 
meses.
Deixei o manuscrito, e olhei para as paredes. Sabes que esta casa do Engenho Novo, nas dimensões, 

disposições e 
pinturas,
é reprodução da minha antiga casa de Mata-cavalos. Outrossim, como te disse no Capítulo II, o meu fim 

em imitar a 
outra foi
ligar as duas pontas da vida, o que aliás na alcancei. Pois o mesmo sucedeu àquele sonho do seminário, 

por mais que
tentasse dormir e dormisse. Donde concluo que um dos oficiais do homem é fechar e apertar muito os 

olhos a ver se 
continua
pela noite velha o sonho truncado da noite moça. Tal é a idéia banal e nova que eu não quisera pôr aqui e 

só 
provisoriamente
a escrevo. 

Antes de concluir este Capítulo, fui à janela indagar da noite por que razão os sonhos hão de ser assim 

tão tênues que 
se
esgarçam ao menor abrir de olhos ou voltar de corpo, e não continuam mais A noite não me respondeu 

logo. Estava
deliciosamente bela, os morros palejavam de luar e o espaço morria de silêncio. Como eu insistisse, 

declarou-me que os
sonhos já não pertencem à sua jurisdição Quando eles moravam na ilha que Luciano lhes deu, onde ela 

tinha o seu 
palácio, e
donde os fazia sair com as suas caras de vária feição, dar-me-ia explicações possíveis. Mas os tempos 

mudaram tudo. 
Os
sonhos antigos foram aposentados, e os modernos moram no cérebro da pessoa. Estes, ainda que 

quisessem imitar os
outros, não poderiam fazê-lo; a ilha dos sonhos, como a dos amores, como todas as ilhas de todos os 

mares, são agora
objeto da ambição e da rivalidade da Europa e dos Estados Unidos. 

Era uma alusão às Filipinas. Pois que não amo a política, e ainda menos a política internacional, fechei a 

janela e vim 
acabar
este capítulo para ir dormir. Não peço agora os sonhos de Luciano, nem outros, filhos da memória ou da 

digestão; 
basta-me
um sono quieto e apagado. De manhã, com a fresca, irei dizendo o mais da minha história e suas 

pessoas. 

CAPÍTULO LXV / A DISSIMULAÇÃO 

Chegou Sábado, chegaram outros sábados, e eu acabei afeiçoando me à vida nova. Ia alternando a casa 

e o 
seminário. Os
padres gostavam de mim, os rapazes também, e Escobar mais que os rapazes e os padres. No fim de 

cinco semanas 
estive


[Linha 3800 de 7623 - Parte 2 de 4]


quase a contar a este as minhas penas e esperanças; Capitu refreou-me. 

--Escobar é muito meu amigo, Capitu! 

--Mas não é meu amigo. 

--Pode vir a ser; ele já me disse que há de vir cá para conhecer mamãe. 

--Não importa; você não tem direito de contar um segredo que não é só seu, mas também meu, e eu não 

lhe dou 
licença de
dizer nada a pessoa nenhuma. 

Era justo, calei-me e obedeci. Outra cousa em que obedeci às suas reflexões foi, logo no primeiro 

sábado, quando eu... 


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