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sexta-feira, 25 de julho de 2025

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Cápsula do tempo achada nos EUA manda recado a psiquiatras do futuro


Cápsula do tempo achada nos EUA manda recado a psiquiatras do futuro


Uma descoberta extraordinária aconteceu nas instalações de um antigo hospital psiquiátrico de Indianápolis, nos EUA. Trata-se de uma inacreditável cápsula do tempo, enterrada há quase seis décadas. 

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Louco, Eu?

LOUCO, EU?



David Rosenhan resolveu fingir-se de louco. Em 1972, ele se dirigiu a um hospital psiquiátrico americano alegando escutar vozes que lhe diziam as palavras "oco" "vazio" e o som "tum-tum". Essa foi a única mentira que contou. De resto, comportou-se de maneira calma e respondeu a perguntas sobre sua vida e seus relacionamentos sem mentir uma única vez sequer. Outros oito voluntários sãos fizeram a mesma coisa, em instituições diferentes. Todos, exceto um, foram diagnosticados com esquizofrenia e internados.

Assim que foram admitidos, os pacientes passaram a agir normalmente. Observavam a tudo e faziam anotações em suas cadernetas. No começo, as anotações eram feitas longe do olhar dos funcionários, mas logo eles perceberam que não havia necessidade de discrição. Médicos e enfermeiros passavam pouquíssimo tempo com os pacientes e nem ao menos respondiam às perguntas mais simples. "Apesar de seu show público de sanidade, nenhum deles foi reconhecido", escreveu Rosenhan no artigo On Being Sane in Insane Places ("Sobre Ser São em Locais Insanos"), publicado na conceituada revista Science, em janeiro de 1973. Ironicamente, os pacientes reais duvidavam com freqüência da condição dos novos colegas. "Você não é louco. Você é um jornalista ou um professor checando o hospital", disseram diversas vezes.

Os pacientes estavam certos. Rosenhan era mesmo um acadêmico e sua internação, assim como a dos outros voluntários, era parte de um estudo pioneiro para avaliar a capacidade médica de diagnosticar distúrbios mentais. Hoje, ele é professor emérito das Faculdades de Psicologia e Direito da Universidade de Stanford.

Os falsos pacientes foram mantidos nos hospitais por períodos que variaram de 7 a 52 dias. Foram medicados (assim como boa parte dos internados reais, eles escondiam as pílulas sob a língua e as jogavam fora quando já não estavam mais na presença dos funcionários) e liberados com o diagnóstico de "esquizofrenia em remissão", uma expressão médica usada para dizer que o paciente está livre dos sintomas.

Já de volta à sua identidade real, os pesquisadores requisitaram os arquivos sobre suas estadas nos hospitais. Em nenhum dos documentos havia qualquer menção à desconfiança de que estivessem mentindo ou que aparentassem não ser esquizofrênicos. A conclusão que David Rosenhan escreveu para o estudo desconcertou a psiquiatria americana. "Agora sabemos que somos incapazes de distinguir a insanidade da sanidade."



LOUCURA EXISTE!

A conclusão de Rosenhan não era de todo uma novidade para a comunidade médica. Desde a Segunda Guerra Mundial, quando a porcentagem de homens liberados pelo exército por razões psicológicas variava de 20% a 60% entre estados, os americanos começaram a desconfiar de que seus diagnósticos tinham a precisão científica de uma cartomante. Para piorar, pesquisas começaram a mostrar que os Estados Unidos estavam diagnosticando um número muito maior de esquizofrênicos do que a Inglaterra. Seria o chá das cinco um remédio tão eficiente contra distúrbios mentais?

O estudo de Rosenhan deixava claro que o problema não eram as mentes dos ingleses e sim a maneira pouco eficiente de se fazer diagnósticos nos Estados Unidos. O instrumento usado por médicos e psiquiatras nessa tarefa era (e continua sendo) o Manual de Diagnóstico e Estatística dos Distúrbios Mentais (DSM, na sigla em inglês). O manual é reconhecido pela Associação Americana de Psiquiatria como a lista oficial de doenças mentais e é usado em hospitais e consultórios psiquiátricos do mundo inteiro.

Mas em 1973, o DSM ainda estava em sua segunda versão e os diagnósticos dados usando o livro de cem páginas variavam de forma absurda. Um mesmo paciente poderia ser descrito como histérico ou hipocondríaco, dependendo apenas de quem o avaliasse. E essa era uma das questões centrais do estudo de Rosenhan. "Será que as características que levam alguém a ser tachado de louco estão mesmo no paciente ou estão no ambiente e contexto em que o observador está inserido?", escreveu ele em On Being Sane....

Essa pergunta faz ainda mais sentido quando comparamos os diferentes conceitos de loucura ao longo da história. Homens cujo estado de espírito difere drasticamente da média dos demais existem desde as épocas mais remotas - assim como tratamentos para curá-los. No entanto, por séculos, acreditava-se que a loucura era causada pela vontade dos deuses sendo, portanto, parte do destino de alguns. Fosse para punir ou até mesmo para recompensar - o Alcorão conta como Maomé achava veneráveis os loucos, já que tinham sido abençoados com loucura por Alá, que lhes tirava o juízo para que não pecassem - fato é que a loucura estava associada com a idéia de destino e participava da vida social assim como outras formas de percepção da realidade. "A definição de loucura em termos de ‘doença’ é uma operação recente na história da civilização ocidental", escreveu João Frayze-Pereira, no livro O que é a loucura.

E mesmo vista como doença mental, a relação que se desenvolve com ela pode variar muito de cultura para cultura. Na Malásia, é comum mulheres mais velhas apresentarem um quadro psíquico conhecido como latah. É uma condição que faz com que a pessoa fique completamente alterada por um bom tempo, gritando e falando palavrões. Mas, no lugar de serem excluídas socialmente, essas pessoas são celebradas e costumam animar reuniões sociais com seu pequeno show de excentricidades.

Os próprios exemplos do que configura um estado alterado de consciência mudam radicalmente de acordo com o lugar, o tempo ou a cultura. Só para citar um exemplo, em 1958, um jovem negro americano foi levado a um hospital psiquiátrico depois de se inscrever para a Universidade do Mississippi. Qualquer negro que pensasse que pudesse estudar ali estava, obviamente, louco.

Ora, se a loucura - suas razões, interpretações e definições - pode mudar tão drasticamente diante de conceitos como geografia e tempo, como é possível afirmar que a loucura seja um distúrbio da mente e não apenas um desvio social? Será que Thomas Szars, um dos líderes do movimento antipsiquiatria no mundo, está certo quando diz que a psiquiatria não passa de uma polícia moral disposta a impedir pensamentos e condutas que não são agradáveis à sociedade?



A CIÊNCIA FALA

Hoje, a ciência faz uma distinção clara entre loucura e doenças mentais. "Talvez pareça desconcertante, mas os psiquiatras não se utilizam de termos como louco ou loucura e nenhuma das atuais classificações dos distúrbios psiquiátricos os inclui", diz Sérgio Bettarello, do Instituto de Psiquiatria da USP. Os absurdos classificatórios de alguns anos atrás, como chamar uma mulher que se apaixona por um homem mais novo de louca, minguaram. "A loucura como estado de ampliação da existência é positiva. Você costuma sair enriquecido depois de uma experiência dessas. Já as doenças mentais são o oposto disso. No lugar de liberdade, elas te dão uma restrição da autonomia", diz Bettarello.

A loucura que a psiquiatria trata é chamada de psicose, uma distorção do pensamento e do senso de realidade, que pode prejudicar drasticamente a vida do paciente. De fato, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, cinco entre as dez maiores causas de incapacidade no mundo são problemas mentais. O ranking é feito levando em conta dois quesitos: número de anos de vida e número de anos produtivos que a doença rouba do paciente. E, no caso das doenças mentais, há pouca concorrência em relação ao segundo quesito. "Seja pelo estigma que carrega, seja pelos transtornos que traz à rotina da pessoa, distúrbios mentais podem levar a péssima qualidade de vida", diz o psiquiatra Roberto Tynakori. Qualquer pessoa com depressão crônica ou com um parente próximo que sofra de esquizofrenia sabe bem disso.

Quando surgiu, no século 18, a psiquiatria era vista como uma prática menor, sem a objetividade necessária às coisas tratadas pela ciência. Se a própria definição de seu objeto de estudo era nebulosa, como seria possível propor diagnósticos e tratamentos confiáveis? A busca desesperada por explicações lógicas e maneiras científicas de tratar os males da mente produziu algumas das práticas mais macabras na história da ciência (veja quadros abaixo) e não teve muito sucesso até a metade do século 20. Somente quando o neurocientista português Egas Moniz ganhou o Prêmio Nobel de Medicina pela invenção da lobotomia - uma cirurgia de danificação dos lobos frontais que é vista hoje como um dos exemplos mais bem-acabados da crueldade enfrentada em hospitais psiquiátricos - é que a psiquiatria viu-se, finalmente, aceita entre os homens da ciência. "Pode-se dizer que uma nova psiquiatria nasceu em 1935 quando Moniz deu o primeiro passo corajoso em direção ao campo da psicocirurgia", escreveram os editores do New England Journal of Medicine em 1949. A psiquiatria havia, finalmente conquistado a credencial necessária para vestir o jaleco da medicina.

A segunda revolução nos tratamentos veio algum tempo depois, com a criação dos remédios antipsicóticos. Agora era possível tratar pacientes mentais dispensando a internação - uma condição fundamental para a revolução que teria início na década de 1960: o fim dos manicômios. A invenção facilitou a vida de muitos pacientes, piorou a de outros (os efeitos colaterais costumam ser graves) e trouxe muito dinheiro para a indústria farmacêutica (só para citar um exemplo, o antipsicótico olanzapine é o terceiro remédio mais vendido do mundo).

Mas o avanço nos tratamentos não resolvia a questão mais fundamental no processo: a precisão do diagnóstico. Há casos muito claros de perturbação mental, mas há outros em que é quase impossível determinar a linha que separa a simples imaginação humana da falta de lucidez restritiva típica das manias ou psicoses. David Rosenhan é uma prova disso.

Quando seu artigo foi publicado, Rosenhan recebeu críticas duras de diversos psiquiatras. Muitos o acusaram de não ser suficientemente científico, afinal era impossível provar como os pacientes realmente haviam se comportado (Rosenhan nunca divulgou o nome das instituições em que foram internados já que, dizia, não era sua intenção atacar pessoalmente esse ou aquele hospital). Um dos grandes críticos do trabalho dele foi Robert Spitzer, que na época trabalhava no Centro de Pesquisa e Treinamento Psicanalíticos da Universidade Columbia, nos Estados Unidos. Spitzer acredita que o fato de terem sido liberados com o diagnóstico de esquizofrenia em remissão é uma prova de que os funcionários do hospital conseguiram sim distinguir a sanidade da insanidade. Ainda assim, Spitzer resolveu revisar o Manual de Diagnóstico vigente e logo percebeu que havia pouquíssimas provas científicas embasando os diagnósticos. Ele montou grupos de pesquisadores e foi atrás de pesquisas e evidências. Em 1974, lançou a terceira edição do DSM, um calhamaço de 480 páginas e quase 300 diagnósticos catalogados.



OS LOUCOS FALAM

Durante sua temporada no hospital psiquiátrico, David Rosenhan percebeu que "uma vez marcado como esquizofrênico, não há nada que o paciente possa fazer para superar essa etiqueta. A etiqueta muda completamente a percepção que os outros têm dele e de seu comportamento". Características normais, relatadas pelos pseudopacientes, foram interpretadas pelos enfermeiros como sinais da doença. A aproximação de um dos pais durante a adolescência, por exemplo, transformou-se em "ausência de estabilidade emocional" no relatório médico. E a irritação dos pacientes com a falta de atenção dos funcionários era vista como mais um sintoma da doença e não como reação aos maus tratos.

Ao lutar por seu lugar entre as práticas da ciência, a psiquiatria moderna havia instituído uma relação com os doentes que ficou famosa na definição do filósofo francês Michel Foucault: o monólogo da razão sobre a loucura. A idéia de que pacientes mentais eram desprovidos de razão e, portanto, não tinham direito a opinar sobre sua vida e tratamento legitimou vários abusos da medicina. Esterilização forçada e proibição de casar são só dois exemplos do que era visto como verdade incontestável quando o assunto era a vida dos doentes mentais. Um dos jornais mais respeitados do mundo, The New York Times, escreveu em seu editorial, em 1923, que "é uma certeza que o casamento entre dois doentes mentais tem de ser proibido".

A obra de Foucault transformou-se em inspiração para os movimentos que começavam a tomar corpo na década de 1960: a luta antimanicomial e a antipsiquiatria. Em todo o mundo, ex-pacientes de hospitais psiquiátricos começaram a se organizar contra os abusos da razão sobre a loucura. O objetivo era um só: dar "ao indivíduo a tarefa e o direito de realizar sua loucura", como escreveu Foucault.

Mas até que ponto vai a liberdade do indivíduo de realizar sua loucura? Para a maior parte dos governos, o limite é o risco de morte. Foi exatamente por isso que Rosenhan e seus companheiros foram internados. Naquela época, acreditava-se que ouvir uma voz dizendo palavras como "oco" e "vazio" era um sinal de que, inconscientemente, aquela pessoa acreditava que sua vida era oca, que não valia a pena. Dali para o suicídio, seria um pulo, acreditavam os médicos. Mas nem todo mundo concorda que o tratamento deve ser obrigatório quando há risco de morte. "Qualquer tratamento forçado é ilegal", diz David Oaks, ex-paciente de hospitais psiquiátricos e fundador da organização Mind Freedom, uma organização que tem como um de seus lemas "psiquiatria cura discórdia, não doença".

O fato de o tratamento ser imperativo quando existe risco de morte impede que, para algumas doenças, estudos sejam feitos usando dois grupos de pacientes: um medicado e outro não medicado. Sem provas de que o medicamento funciona melhor do que nenhum tratamento, a psiquiatria vira alvo de diversas críticas, principalmente no que diz respeito aos efeitos colaterais de seus medicamentos. "O que se espera da psiquiatria é que ela seja 100% eficaz e que não tenha nenhum efeito colateral. Obviamente, ela não atinge esse objetivo", diz Bettarello. Mas nem todo mundo diz esperar 100% de eficácia. "No topo da minha lista de desejos está um simples pedido de honestidade", escreveu o jornalista médico Robert Whitaker no livro Mad in America ("Louco na América", sem edição em português). O livro faz um balanço das pesquisas sobre tratamentos psiquiátricos nos últimos anos e mostra como não existem evidências concretas para a maior parte das declarações de eficácia feitas pela indústria farmacêutica e, conseqüentemente, dentro dos consultórios psiquiátricos.

Honestidade também é o que pedem os participantes do Mad Pride (Orgulho Louco), um movimento de combate ao preconceito contra pacientes psiquiátricos e de celebração da cultura Louca (com L maiúsculo mesmo). Uma das ações do movimento é a passeata anual de loucos, inspirada nas paradas gays que já existem em diversas cidades do mundo. A idéia é desestigmatizar os doentes mentais e mostrar que existe sim vida normal entre eles.

No Brasil, o movimento da luta antimanicomial cresceu nos anos 80 e, inspirado em projetos bem-sucedidos dos Estados Unidos e Europa, idealizou centros de apoio a pacientes mentais organizados e administrados pelos próprios usuários, em conjunto com médicos e seus familiares. "A inserção não é algo que você concede a alguém. Ela precisa ser conquistada. O doente faz parte da sociedade e a relação que ele tem com sua doença é a mesma que a sociedade propõe", diz o psiquiatra Tykanori, um dos expoentes do movimento no Brasil. A luta antimanicomial transformou o atendimento público de saúde mental com a criação dos Caps, Centros de Apoio Psicossocial, e abriu caminho para a aprovação, em 2001, da lei que prevê a extinção progressiva dos manicômios no Brasil. E incluiu efetivamente os pacientes em sua batalha. "Nós entendemos que podemos colaborar na construção teórica de um saber e nas práticas de reabilitação psicossocial", escreveu a usuária Graça Fernandes no artigo "O avesso da vida. Como pode a assistência se transformar?". Os pacientes, finalmente, rompiam o monólogo da razão e estabeleciam um diálogo sobre sua própria condição. "A sociedade percebeu que a participação dos doentes mentais enriquece-nos muito mais que o seu isolamento", diz Tykanori.



O QUE É NORMAL?

Com os avanços da ciência, a baixa popularidade dos manicômios e a força dos movimentos organizados contra abusos psiquiátricos, é de se pensar que, se o experimento de Rosenhan fosse realizado nos dias de hoje, ele teria um resultado bem diferente do que o internamento imediato dos anos 70. Certo? Era isso que a psicóloga americana Lauren Slater queria descobrir quando decidiu procurar, em janeiro de 2004, oito prontos-socorros de saúde mental e afirmar que vinha ouvindo o som "tum-tum". Ela conta que, exatamente como Rosenhan e seus colegas, a voz foi o único sintoma falso que apresentou.

Slater não foi tachada de esquizofrênica nem internada. No entanto, nos oito hospitais em que esteve, foi diagnosticada com depressão e recebeu pílulas de risperidone, um antipsicótico bem popular que, na época, era tido como um remédio leve (seis meses depois da experiência, o fabricante divulgou uma nota confessando ter minimizado os riscos do uso do medicamento nos materiais promocionais enviados a médicos). "Eu acredito que a ânsia de prescrever remédios dirige hoje o diagnóstico da mesma forma que a necessidade de enquadrar o paciente como doente fazia nos anos 70", escreveu Lauren no artigo Into the cuckoo´s nest ("Dentro do ninho do louco" uma referência a One Flew Over the Cuckoos’s Nest, o título em inglês do filme "Um Estranho no Ninho"), publicado no jornal britânico The Guardian e, mais tarde, no livro Mente e Cérebro, que acaba de ser lançado no Brasil.

O médico Spitzer soube, pela própria Slater, do resultado do experimento. "Acho que médicos simplesmente não gostam de dizer eu não sei", disse a ela pelo telefone, depois de um longo silêncio. A recusa em confessar ignorância não é uma particularidade da psiquiatria. "O problema é que o objeto dessa ciência somos nós mesmos e nossa normalidade. Ou seja, nossa natureza básica", escreveu Lawrence Osbourne, no livro American normal: the hidden world of Asperger syndrome ("Normalidade americana: o mundo secreto da síndrome de Asperger", não lançado no Brasil), que reúne informações sobre Asperger, uma doença cada vez mais comum nos Estados Unidos.

A síndrome de Asperger foi incluída no DSM-IV - a edição mais recente do manual, de 1994, com 884 páginas e 365 diagnósticos. Como o manual descreve os distúrbios a partir de seus sintomas, lista uma variedade imensa de emoções humanas, condutas e regras de relacionamento como desvios patológicos. Sentir-se angustiado depois do fim de um relacionamento, comer muito, comer pouco ou comportar-se mal na sala de aula são alguns exemplos de ações que aparecem na lista. É quase impossível não se reconhecer ali e se perguntar: mas, afinal, o que é normal?

Das duas uma: ou estamos mesmo ficando menos equilibrados - o que poderia ser explicado pelo ritmo e modos de vida do mundo moderno - ou nos viciamos em diagnósticos psiquiátricos. "Estamos transformando todo comportamento humano em patologia. Fazendo isso, criamos um sistema verdadeiramente louco, em que todos estão doentes", diz o psiquiatra Mel Levine, diretor do Centro Clínico de Estudos sobre Desenvolvimento e Aprendizado, da Univerdade da Carolina do Norte. Nos Estados Unidos, o uso de medicamentos psiquiátricos está atingindo níveis altíssimos. Crianças de 2 anos recebem prescrição de remédios cujos efeitos a longo prazo são completamente desconhecidos. "É muito mais fácil encaixar a criança difícil em uma categoria e medicá-la, do que deixar que ela desenvolva naturalmente suas habilidades sociais", diz Levine.
E, como quase tudo na vida, o mais fácil nem sempre é o melhor. "Mais do que tudo, o aumento de diagnósticos psiquiátricos representa um aumento gradual do preconceito em nossa cultura", diz o psicólogo Richard DeGrandpre. Talvez seja a hora de começarmos a lidar melhor com as nossas próprias neuroses, manias e loucuras. E, sobretudo, aceitarmos nossas diferenças.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Bizarrices no Divã - Psiquiatria

BIZARRICES NO DIVÃ - Psiquiatria



Poucos casos vistos por Jon Carlson haviam tido um desfecho tão insólito quanto o de Trina, uma mulher com distúrbios afetivos causados pelo convívio com uma família desequilibrada. Nas sessões com o psiquiatra, Trina falava de uma tia doente - a única pessoa sensata na família - com quem queria reatar os laços. Mas os parentes não deixavam que as duas se encontrassem. O que estavam ocultando? Depois de semanas discutindo o problema,Trina procurou a polícia. Foi então que o mistério se desfez: a tia estava morta e "vivia" embalsamada junto à família.

Esse é só um dos casos psiquiátricos reunidos no livro The Mummy at the Dining Room Table ("A Múmia à Mesa de Jantar", inédito no Brasil), dos americanos Jeffrey Kottler e Jon Carlson. O trabalho reúne os casos mais curiosos de alguns dos psiquiatras mais famosos do mundo e se tornou um verdadeiro painel de esquisitices da alma humana.

Kottler e Carlson são adeptos de tratamentos bem menos ortodoxos do que aqueles usados no século 19, quando Freud desenvolveu a psicanálise. Freud usava um método conhecido como livre associação de idéias: o paciente senta-se no divã por dias, meses ou anos falando sobre suas neuroses e tudo o que, possivelmente, tenha a ver com elas. Dos sonhos às palavras ditas sem querer (o ato falho), tudo deve ser analisado.

Mas o tratamento de doenças mentais se adaptou aos tempos modernos. Novas terapias - que focam um só problema (sem gastar tempo com temas periféricos) - estão em voga. As técnicas atuais vão desde trocar o divã pela pista de corrida até eleger uma prostituta como mediadora de problemas conjugais. Os psiquiatras também não estão se levando tão a sério. Já não se importam em desenvolver amizade com os pacientes (coisa que Freud abominaria) ou usar técnicas tidas como charlatanices, como a hipnose. Os casos e soluções relatados em The Mummy... são um reflexo do mundo prático em que vivemos. E uma prova de que o homem segue sendo um bicho muito esquisito.

Titia é uma múmia
A família de Trina (no livro, todos os nomes de pacientes foram trocados) não era muito convencional. Sua cunhada, por exemplo, resolveu apresentar o namorado à família por meio de uma foto em que o rapaz aparecia de calças arriadas, exibindo o membro sexual ereto. Não foi um expediente muito ortodoxo para gerar boa impressão, mas, por incrível que pareça, funcionou. Numa família como essa, faz um pouco mais de sentido que um marido com remorso resolvesse mumificar a esposa morta.

Quando a tia de Trina começou a apresentar uma série de problemas de saúde que não respondiam à medicina tradicional, o marido passou a tratá-la com ervas caseiras e suco de limão. O tratamento acabou se revelando tóxico e matou a pobre mulher. Remoído pelo remorso e decidido a não ficar sem a presença da esposa, o tio decidiu mumuficá-la com a ajuda de um amigo dentista. Durante sete anos, a tia mumificada sentou-se à mesa durante as refeições da família e dormiu na cama, ao lado do marido.

Resultado do caso: Quem realmente conseguiu solucionar o problema foi a polícia, que descobriu o paradeiro da tia. Jon Carlson nunca mais ouviu falar da paciente e não se importou em confessar que isso o deixou chateado. "Às vezes as pessoas nos deixam antes que desejássemos ser deixados", escreveu. Já do tio da moça não faltaram notícias: depois de enterrar a esposa, ele passou nos testes psicológicos do Estado e manteve a guarda dos filhos. Algum tempo depois surpreendeu a todos novamente e assumiu seu relacionamento com o dentista embalsamador.

Prostituta de 82
O psiquiatra Jay Hailey é adepto da teoria "quanto mais gente melhor". Ele é um dos médicos pioneiros em terapia familiar e sempre achou que a roupa suja dos pacientes devia ser lavada pelo máximo de pessoas envolvidas nos casos. Foi por isso que insistiu para que o casal que ele estava atendendo trouxesse a mãe do rapaz - motivo da discórdia familiar - para as sessões. Aparentemente, os hábitos da senhora de 82 anos deixavam o filho estressado e ele acabava descontando todo o mau humor na esposa. O casal a princípio não gostou da sugestão, mas não discutiu com o médico. Na sessão seguinte, quando a mãe apareceu, o doutor Hailey entendeu o porquê de tanta resistência. Aos 82 anos, ela ainda trabalhava como prostituta, atendendo a uma clientela que combinava a velha guarda com garotões interessados em experiências diferentes. E tudo isso dentro de casa.

Resultado do caso: Apesar dos pesares, o casal tinha um grande respeito pela octogenária. Em poucas sessões conjuntas, Jay Hailey elevou a senhora a mediadora nas brigas do casal, intervindo em favor da nora. O filho, por sua vez, conseguiu que a velha prostituta abrisse mão de um costume antigo: nunca mais atendeu seus clientes nos horários em que os netos iam visitá-la.

Exterminador do futuro
Jason, um garoto de 19 anos, estava sendo treinado por sua comunidade religiosa para atuar como missionário no Terceiro Mundo. O programa preparatório era marcado por muita pressão e, quando ele se viu forçado a aprender uma língua estrangeira em oito semanas, surtou e começou a ter delírios. Ficou paranóico. Isso motivou sua internação numa clínica, da qual insistia em fugir. "Meu nome é Terminator. Minha missão é libertar John Connor", disse ao se apresentar a Scott Miller, seu médico. A primeira tarefa do psiquiatra foi convencer Jason de que ele não era o Exterminador do Futuro. A solução encontrada foi engenhosa. Depois de algumas visitas ao rapaz, Scott Miller surpreendeu-o. "Eu sei quem você realmente é. Seu nome é Arnold Schwarzenegger." A frase apanhou o garoto desprevenido. "Como você sabe quem eu sou?" O psiquiatra, sem se intimidar, continuou na ofensiva. "Como você prefere ser chamado?" "Arnold", respondeu Jason. "Arnold, você é obviamente um grande ator, mas precisa de um papel que o desafie", argumentou Miller de forma persuasiva. Jason se inflou de orgulho. "Eu sei disso. O problema é que os picaretas de Hollywood sempre me dão o mesmo tipo de papel." "Bem, eu tenho um papel mais difícil para você", continuou o doutor. "É o papel de um paciente de um hospital psiquiátrico. Você vai ter de participar das atividades com os outros pacientes e falar dos seus problemas. E o mais importante: nada de tentar escapar".

Resultado do caso: Aos poucos, com auxílio de medicação pesada, Arnold, o ator, voltou a ser Jason, o quase missionário. Com a supervisão de Scott Miller, retornou ao convívio na comunidade a que pertencia. Os religiosos, no entanto, temendo um novo surto psicótico, aposentaram o rapaz.

Na cama com papai
A primeira coisa que o psiquiatra sul-africano Arnold Lazarus notou quando a nova paciente entrou no consultório foi sua ansiedade. E ela não levou mais de uma sessão para revelar o problema que a atormentava: estava tendo um caso com o pai. Abandonada por ele na infância, resolveu procurá-lo depois de 30 anos. A paciente, na faixa dos 40, era casada e tinha filhos. O pai, com mais de 70, estava no quarto casamento. A química sexual entre ambos foi instantânea. "O melhor sexo da minha vida", disse a mulher sobre o pai setentão. Nunca antes tivera tantos orgasmos múltiplos. Além disso, o velho homem era infatigável e os encontros se tornavam cada vez mais comuns. A paciente resolveu procurar o médico quando o complexo de culpa se tornou insuportável. Lazarus fez uma recomendação que muitos de seus colegas, mais tarde, consideraram extravagante e inapropriada. "Ele pode ser seu pai biológico, mas não representa uma figura paterna", disse Lazarus para tranqüilizar a paciente.

Resultado do caso: A absolvição psicológica atenuou o drama de consciência da paciente. "Uma conduta que provoca desaprovação social não faz de ninguém um ser desprezível", diria depois o médico. Sem culpas, ela passou a exigir presentes caros do amante, entre eles um automóvel de luxo. Depois, deu-lhe um pé na bunda. "Foi uma forma de puni-lo pelo abandono", explicou Lazarus. E como ela explicou ao marido a procedência dos presentes? "É o tipo de coisa que pais culpados fazem", disse.

Adorável vaquinha
Quando era um médico da saúde pública em início de carreira, durante os anos 70, Jeffrey Kottler recebeu um pedido estranho de Manny, um jovem trabalhador rural do estado de Ohio, nos Estados Unidos. "Doutor, eu quero que o senhor corte fora o meu nariz", disse. Ao investigar o porquê do pedido, Kottler descobriu que seu paciente sentia cheiro de estrume por toda a parte. "O senhor não está sentindo?" Mas não havia cheiro nenhum. Sabendo que o problema não estava no nariz do paciente, Kottler começou a interrogá-lo sobre sua vida pessoal e descobriu que o rapaz não tinha tido muita sorte com as mulheres durante a vida. Desiludido, acabou se tornando muito afeiçoado a Mertel, uma vaca da fazenda em que trabalhava. Mas muito afeiçoado mesmo! E, na hora de praticar seu amor, Manny costumava usar a escada de consertar cercas da fazenda para escalar a vaquinha. O problema é que o contato tão íntimo com a quadrúpede fazia com que Manny sentisse cheio de estrume todo o tempo, por toda a parte.

Resultado do caso: Kottler não teve que fazer esforço algum para dissuadir Manny da idéia de cortar o nariz. Depois de três sessões, o paciente contou que havia chegado a uma solução para o problema: ele começou a usar uma colônia bem forte, que encobria o odor de estrume. Largou o tratamento e é bem provável que ainda seja feliz ao lado de Mertel.

Detetives da memória
Descobrir o paradeiro de objetos desaparecidos costuma ser trabalho de detetives, não de terapeutas. A menos que eles sejam peritos em hipnose. No início dos anos 80, o médico Ernest Rossi teve que ajudar Mary, uma velha senhora com problemas de memória, a lembrar onde escondera os ingressos da família para um show do Michael Jackson. Bastou uma sessão de hipnose para descobrir que os ingressos tinham sido colocados por Mary detrás dos jogos de lençóis, no armário, seu "esconderijo sagrado" na casa.

Já a terapeuta Pat Love ajudou Marvin, um adolescente, a recuperar seu emprego numa lanchonete. Ele havia sido acusado de desviar dinheiro do caixa. No transe, o garoto conseguiu lembrar em detalhes vívidos tudo o que tinha acontecido enquanto ele atendia o caixa no seu turno. De repente, Marvin viu a si mesmo se afastando do caixa para colocar no forno alguns pães de hambúrguer e pedindo a Carl, seu colega de trabalho, que atendesse um cliente. O que não tinha sido registrado conscientemente apareceu de forma cristalina no transe: na hora de dar o troco, Carl aproveitou para colocar um punhado de dólares no bolso.

Patricinha de luxo
O psiquiatra William Glasser, de Los Angeles, estava acostumado a atender patricinhas de Beverly Hills, a maioria delas com problemas de anorexia. Mas sua nova paciente não se enquadrava no estereótipo. Em primeiro lugar, ela comia bem. O único problema estava no cardápio: ela gostava de comer lixo. O que mais lhe divertia era revirar as latas de lixo do bairro chique em que morava e encontrar restos que pudessem lhe servir de almoço ou um simples lanchinho. Glasser não precisou de muito tempo para constatar que o paladar pouco usual era fruto da vontade da jovem de chocar a mãe, uma fanática por limpeza. Glasser - que nos anos 70 escreveu um livro chamado Vício Positivo, no qual advoga a tese de que um vício ruim pode ser curado pela adoção de um vício bom - resolveu aplicar sua teoria na garota. Assim, concordou em atendê-la, mas não no seu consultório. Duas vezes por semana eles se encontravam na pista de corrida onde ele praticava o seu jogging matinal. A sessão acontecia durante a corrida.
Resultado do caso: Aos poucos, ela deixou de manifestar sua compulsão por lixeiras. Em lugar disso, transformou-se numa maníaca por fitness.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A Felicidade reinventada - Prozac

A FELICIDADE REINVENTADA - Prozac



Lançado na década de 80 pelo laboratório Eli Lilly, o Prozac revolucionou o tratamento contra a depressão. O mérito da chamada "pílula da felicidade" foi reduzir os efeitos colaterais que, até então, eram muito acentuados nos outros remédios antidepressivos, trazendo uma sensação de bem-estar para o paciente. Com o Prozac, diminuiu a ocorrência de efeitos como prisão de ventre, queda da pressão sangüínea, distúrbios cardíacos, ganho de peso e tontura. Estima-se que mais de 40 milhões de pessoas no mundo já tenham usado o medicamento desde o seu surgimento, em 1986.

O princípio ativo do Prozac é o cloridrato de fluoxetina. Ele faz parte de um grupo de medicamentos chamados de "inibidores seletivos da recaptura da serotonina". A serotonina é um dos neurotransmissores do cérebro e atua na comunicação entre as células nervosas - os neurônios. Inibindo a sua recaptura pelas células nervosas, o Prozac aumenta o nível de serotonina disponível no cérebro. Isso facilita a transmissão da informação entre os neurônios e alivia os sintomas da depressão. Os antidepressivos mais antigos influenciam vários neurotransmissores ao mesmo tempo e, por isso, podem trazer mais efeitos indesejáveis. Já o Prozac atua de forma específica na serotonina.

O Prozac também tem sido usado para o combate de outras desordens, como a síndrome do pânico, a bulimia e o distúrbio obsessivo compulsivo (DOC). Críticos alertam para o uso indiscriminado do medicamento, às vezes utilizado para resolver problemas como timidez, ansiedade e tristeza, que não deveriam ser tratados com remédios. Os efeitos colaterais conhecidos do Prozac são agitação, insônia, dor de cabeça, náusea e secura na boca. A aparente ausência de efeitos perigosos transformou o Prozac num remédio fácil de ser receitado por médicos.

Nos últimos anos, no entanto, alguns advogados de presos acusados de assassinato nos Estados Unidos começaram a alegar que seus clientes cometeram o crime sob a influência do medicamento. Houve também uma série de acusações de que o antidepressivo provocaria obsessões suicidas. Alguns pacientes chegaram a entrar com processo na Justiça contra a Eli Lilly. Os defensores do Prozac argumentam que as taxas de suicídio são mais altas entre pessoas que estão deprimidas e que a incidência de suicídio entre os que tomam Prozac não é maior do que entre os que tomam outros medicamentos antidepressivos.
Após o sucesso do Prozac, outros "inibidores da recaptura da serotonina", como Zoloft, Paxol e Nuvoz, apareceram no mercado. Nos últimos anos, foram lançadas também versões genéricas do medicamento, pois a patente expirou e laboratórios concorrentes puderam comercializar produtos com o mesmo princípio ativo do Prozac.

O impacto da descoberta
O Prozac revolucionou o tratamento contra a depressão ao reduzir os efeitos colaterais em relação a outros remédios antidepressivos. Seu sucesso estimulou o surgimento de drogas semelhantes no mercado

Virou estrela
Verdadeira febre nos Estados Unidos, o Prozac se tornou famoso no mundo inteiro por ser consumido por celebridades como o magnata do ramo imobiliário Donald Trump. Graças ao seu sucesso, o antidepressivo virou ele mesmo uma celebridade. Foi capa de inúmeras revistas e tema de diversos programas de rádio e de televisão. Apareceu até em uma citação do ator e diretor Woody Allen no filme Um Misterioso Assassinato em Manhattan (1993): "Não há nada de errado com você que não possa ser curado com um pouco de Prozac e um taco de pólo", diz seu cômico personagem. Mais recentemente, o medicamento foi tema do filme Amor, Curiosidade, Prozac e Dúvidas (2001), do diretor Miguel Santesmases, que adaptou um romance homônimo da espanhola Lucía Etxebarría, best seller na Europa. No mesmo ano foi lançado Nação Prozac, do diretor Erik Skjoldaejrg. Estrelado pelas atrizes Christina Ricci e Jessica Lange, o filme é baseado no romance autobiográfico de Elizabeth Wurtzels, ex-crítica de música da revista New Yorker. O livro conta a história de uma garota que passa por crises agudas de depressão e chega a tentar o suicídio, antes de ser tratada com Prozac.