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sábado, 6 de abril de 2024

Animal considerado extinto durante anos é avistado na Austrália

Animal considerado extinto durante anos é avistado na Austrália

Dois exemplares de uma espécie rara de mamífero foram flagrados por câmeras no nordeste do país.

domingo, 12 de julho de 2020

Nova extinção em massa da vida selvagem está acontecendo em tempo recorde

Nova extinção em massa da vida selvagem está acontecendo em tempo recorde


Há cinco anos, um estudo liderado pelo biólogo Paul Ehrlich, da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, indicava que a sexta extinção em massa da vida selvagem mundial já estava em andamento. 

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Depois da tempestade vem a vida - Natureza

DEPOIS DA TEMPESTADE VEM A VIDA - Natureza


Um universo fascinante, povoado por pequenos e estranhos seres, reúne-se nas áreas alagadiças depois das chuvas. São milhares de espécies de insetos, moluscos, anfíbios, aves e alguns mamíferos especialmente adaptados à luta pela sobrevivência em um ecossistema extremamente frágil e fugaz. 

Acervo de 'pai' da teoria da evolução junto com Darwin é aberto na web


Acervo de 'pai' da teoria da evolução junto com Darwin é aberto na web


Ilustração de pássaro que consta no acervo de Alfred Wallace, cientista britânico 'pai' da evolução junto com Darwin (Foto: Reprodução/Wallace Online Project)

Site reúne mais de 28 mil documentos do pesquisador Alfred Wallace.
Cientista britânico esteve em expedição na Amazônia entre 1848 e 1852.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Cerco ao Campo - Parque Nacional das Emas


CERCO AO CAMPO - Parque Nacional das Emas



O Parque Nacional das Emas, a maior área de cerrados do país e principal reduto de sua fauna, corre perigo: as piores ameaças são os periódicos incêndios e os agrotóxicos nas fazendas próximas.

Vista do alto, a paisagem lembra as savanas africanas. E, embora não existam ali animais de grande porte, como elefantes, girafas e rinocerontes, o Parque Nacional das Emas acolhe a mais diversificada fauna dos cerrados brasileiros - o valioso ecossistema que na época do Descobrimento ocupava nada menos de 1 quarto de todo o território nacional e hoje, reduzido a 1 décimo de 1 por cento da área primitiva, não conta sequer com proteção formal específica na nova Constituição. Criado em 1961, na divisa de Mato Grosso e Goiás. recebeu o nome por abrigar grande número de emas. a maior ave brasileira (30 quilos de peso e 1.40 metro de altura).
Apesar da semelhança com a savana, a ausência de mamíferos de grande porte no cerrado é explicada por ocorrências de milhões de anos atrás, quando a América do Sul e a África formavam um só continente. Depois da separação, os ancestrais da fauna atual brasileira e africana evoluíram segundo as pressões dos respectivos ambientes, do que resultou uma acentuada diversificação das espécies. Pelas características da vegetação, o cerrado permite avistar facilmente a sua fauna, desde aves até mamíferos. Essa formação vegetal serve de habitat para uma infinidade de animais, como o lobo-guará, o veado-campeiro, o cervo do-pantanal, a suçuarana, o tamanduá, as araras, os tucanos, os tatus, as queixadas, os cupins, além de grande número de aves de rapina.
Embora algumas dessas espécies também sejam encontradas no Pantanal e na Floresta Amazônica, outras só existem nessa reserva, o que aumenta a importância de sua preservação. Os cerrados do Parque das Emas apresentam quatro tipos de vegetação: os campos limpos, dominados por plantas rasteiras e gramíneas; os campos sujos, com alguns arbustos dispersos na paisagem; o cerrado propriamente dito, com vegetação arbustiva não muito densa; e o cerradão, quase um bosque. As árvores típicas, de casca e folhas grossas, têm aparência retorcida, com 5 a 6 metros de altura. Devido à freqüente exposição ao fogo e ao ataque de insetos e doenças. essa vegetação desenvolveu grande resistência às ameaças físicas e biológicas do próprio meio. Ao todo são cerca de 770 espécies de arbustos e árvores, 205 delas também encontradas na Mata Atlântica e duzentas na Floresta Amazônica.
Nas áreas de campos limpos sobressaem cerca de 25 milhões de cupinzeiros, alguns com 2,5 metros de altura. Sua coloração varia do acinzentado ao avermelhado, conforme o tipo de solo com que foram construídos, o que gera um efeito paisagístico bastante interessante. Curioso mesmo, porém, é o seu aspecto nas noites de primavera. Durante esse período as colônias de cupins apresentam o maior fenômeno de bioluminescência - emissão de luz produzida por seres vivos - registrado no mundo. No inicio da estação das chuvas, ao anoitecer, milhares de larvas de uma espécie de vaga-lume (Elaterídeo) emitem intensa luz esverdeada, salpicando a paisagem com uma miríade de pontos luminosos.
Tudo começa quando a fêmea da espécie, depois de ser fecundada, deposita os ovos no pé dos cupinzeiros. Ali se transformam em larvas e cavam buraquinhos nas paredes do próprio cupinzeiro, onde farão suas casas. À noite acendem suas "luzes", para infelicidade dos insetos. Atraídos pela claridade muitos deles descobrem tarde demais que se trata de uma armadilha de caça montada pela voraz larva predadora Mariposas, cupins e formigas aladas são as principais vítimas dessa adaptação biológica. Mas nem tudo é maravilha para as larvas de vaga-lumes. As grandes queimadas que acontecem com freqüência na área do parque tendem a diminuir a população daquele inseto tornando o espetáculo luminoso menos intenso ano a ano.
A rigidez dos cupinzeiros. por outro lado, não é garantia absoluta de invulnerabilidade. Existem no cerrado muitos devoradores de insetos. que perturbam a vida dessa habitação comunitária, como o tamanduá-bandeira, o tamanduá-mirim, os tatus-canastras, pebas e galinhas e ainda um pequeno roedor (Oximyterus). Os tamanduás e os tatus possuem as patas dianteiras muito bem adaptadas para quebrar ou escavar o cupinzeiro, abrindo caminho até os cupins. Apesar da péssima visão que o impede de enxergar mesmo esses enormes cupinzeiros, o tamanduá, para compensar, tem excelente olfato. (Por isso. aliás, é possível chegar bem perto desse animal quando se caminha contra o vento.)
Alguns dos animais que povoam o parque estão com os nomes em listas oficiais de espécies ameaçadas de extinção. Entre eles o lobo-guará, que se alimenta de pequenos vertebrados, mas, principalmente, da fruta-do-lobo, um arbusto com frutos arredondados e folhas muito espinhosas. Existem também na região outros cães selvagens, como o cachorro-do-mato e a raposa-do-campo. A ave mais freqüente, a ema, já foi vista em bandos de mais de oitenta espécimes, entre machos e fêmeas. A vegetação aberta do cerrado também é um prato cheio para as aves de rapina. como as corujas, os gaviões e os urubus, todas dotadas de excelente visão. O urubu-rei, uma das espécies em vias de extinção, é um bom representante desse grupo de aves caçadoras, com 1,80 metro de envergadura (distância de asa a asa) e cerca de 30 quilos de peso.
Já o diminuto falcão quiriquiri, uma das menores aves de rapina do mundo (com 25 centímetros de altura), representa o outro extremo. Alimentando-se de lagartixas, gafanhotos e insetos grandes. As margens dos rios da região são cobertas por uma formação vegetal denominada mata ciliar que se acredita ser uma "invasão" da Floresta Amazônica no ecossistema do cerrado. É constituída por árvores mais altas, apresentando-se como uma formação de bosques densos ao longo dos rios. Serve de habitat e refúgio a uma série de animais. O maior mamífero da América do Sul, a anta, que pode ultrapassar os 200 quilos, assim como a capivara, o maior roedor do mundo ainda são encontradas com freqüência nas proximidades dos cursos de água.
Diversos predadores buscam esse ambiente atrás de caças como a capivara. A suçuarana ou puma, um felino com cerca de 60 quilos, se alimenta de roedores e de grandes mamíferos como o veado. Em suas investidas, costuma esconder o que sobrou para comer mais tarde cobrindo os restos de sua presa com folhas e ramos. As estações do ano ali são bastante definidas. No inverno, a estação seca, os dias são muito quentes, com a temperatura acima de 30 graus, e as noites muito frias, abaixo de 10. É nessa época que a vegetação já esturricada se transforma em excelente combustível para os incêndios. "A situação se agrava depois das geadas, que costumam acontecer de três em três anos", observa o técnico agrícola Antonio Malheiros, que vive no parque há 28 anos e o dirige há dezessete. No verão, a estação das águas, desabam chuvas torrenciais. Nesse período do ano a vegetação é mais exuberante e os chamados herbívoros gastadores, como o veado-campeiro e o cervo-do-pantanal aproveitam para criar seus filhotes.
Essas chuvas alcançam a Amazônia pelas nascentes do rio Araguaia, que por sinal já fizeram parte da área do parque. Na década de 70, em pleno regime militar, um decreto do então presidente Emílio Médici tomou do parque 50 mil quilômetros quadrados, que acabaram transformados em propriedades particulares. Nelas, o desmatamento para a formação de pastagens e cultivo descaracterizaram a região, favorecendo a erosão do terreno e a formação de enormes voçorocas (desmoronamentos por erosão subterrânea), destruindo assim a beleza natural daquelas nascentes. A área das Emas ainda engloba a maioria das nascentes do Rio Formoso e da margem direita do Rio Jacuba, ambos de águas cristalinas. Nos meandros do Formoso é possível enxergar o leito do rio em locais com até 3 metros de profundidade. Um mergulho nesses rios revela um pequeno "bosque subaquático", que se forma pela facilidade com que os raios solares penetram na água.
Como o parque está ilhado em meio a um mar de soja, as características desses rios começam a se alterar. O solo, que boa parte do ano fica totalmente exposto sem cultivo algum, é facilmente carregado pelas chuvas em direção aos rios, principalmente para o Jacuba, parte de cujas nascentes fica fora do parque. Esses sedimentos turvam a água, prejudicando o crescimento de plantas e algas e, conseqüentemente, afetam os invertebrados e peixes que dela se nutrem, interferindo em toda a cadeia alimentar aquática. Isso sem contar o dano à beleza natural das águas. Com o passar dos anos, o excesso de sedimentos irá assorear, ou seja fará subir o leito do rio, deixando-o cada vez mais raso.
Mais grave ainda são as toneladas de agrotóxicos despejados por aviões nas plantações vizinhas, que também acabam carregados pelas chuvas para as águas do parque, alterando sua qualidade, comprometendo a vida aquática e a de todos os animais que dela se utilizam. O parque é todo delimitado por uma cerca de arame de oito fios. Mas isso não impede que as espertas emas cruzem a fronteira à procura dos grãos de soja, abundantes na época da colheita. Nesse período, temendo a praga das lagartas, o agricultor combate-as com pesticidas. Comendo o grão ou as lagartas, a ema ingere assim grandes quantidades desses produtos químicos. Se fosse respeitada a legislação que obriga a existência de um cinturão verde de 20 por cento das fazendas ao redor das áreas preservadas, a situação poderia ser minimizada. Problemas desse tipo acumulam-se de modo a ameaçar o maior refúgio de fauna de cerrado do país, patrimônio genético de importância incalculável. 

A fauna paga o preço maior

Quando a vegetação tropical pega fogo não é difícil descobrir como tudo começou. Os incêndios de origem natural, geralmente conseqüência de um relâmpago, não chegam a atingir grandes proporções, pois as descargas elétricas são logo seguidas de fortes chuvas. Identificam-se ainda pelo formato circular da queimada e tendem a ocorrer nos meses de junho a setembro, tempo seco na região Centro-Oeste do país. Mas como se sabe, o principal causador de incêndios na mata é o homem. No Parque das Emas, incêndios criminosos traduzem a ambição dos fazendeiros vizinhos de estender suas plantações de soja. O incêndio de julho de 1988, que destruiu 80 por cento de sua área - algo como 1 000 quilômetros quadrados, o equivalente a 70 por cento do município de São Paulo -, foi o quarto de grandes proporções desde a sua criação, há quase trinta anos.
O fogo trouxe prejuízos cumulativos à fauna da região, principalmente a algumas aves, como a perdiz e a ema, que fazem os ninhos no solo na época da seca. Entre os mamíferos a vítima por excelência é o tamanduá-bandeira: por causa da péssima visão e do andar muito lento, lhe é muitas vezes impossível escapar das chamas. Mas nem sempre a rapidez assegura a sobrevivência: veados-campeiros quebram o pescoço na tentativa desesperada de pular a cerca dos limites do parque. Uma técnica simples e eficiente de reduzir o alcance dos incêndios consiste em criar aceiros - faixas de 20 a 60 metros de largura onde se deve manter a vegetação rasa ou já queimada - para isolar a área destruída. Se a planejada rede de aceiros no Parque das Emas tivesse ficado pronta a tempo o fogo de 1988 não teria sido tão devastador.
Os efeitos locais de uma queimada variam conforme a cobertura vegetal que houver sobre o solo e o ambiente da região. Como a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica são formações vegetais mais densas e com maior biomassa, a temperatura se eleva mais, causando danos imediatos aos seres vivos e à composição dos nutrientes do solo. Já no cerrado a temperatura da chama sobre o solo às vezes não chega a ultrapassar o calor da simples exposição ao sol diário. Em solos pobres em matéria orgânica, como o do cerrado, o fogo acelera a longo prazo a reciclagem de minerais, o que favorece o crescimento das plantas. Nesse ambiente bastante suscetível a incêndios, as plantas desenvolveram ao longo de milhares de anos adaptações que lhes favoreceram a sobrevivência. Elas possuem cascas grossas para se proteger do fogo e produzem sementes resistentes a altas temperaturas. Algumas delas florescem logo após as queimadas. Isso permite a um inseto localizar facilmente uma flor num mar negro de carvão e recolher o pólen necessário à fecundação de outra flor, restabelecendo assim o ciclo da vida.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

As quatro estaçoes dos Ursos - Natureza


AS QUATRO ESTAÇÕES DOS URSOS - Natureza



São mesmo uns bichos curiosos: na primavera, cuidam da boa forma; no verão, são namorados fiéis; no outono, se empanturram; e no inverno dormem, mas não hibernam .

Despertada pelo sol da primavera, após mais de três meses de sono, a fêmea pela primeira vez olha a cria com atenção. O urso, um dos mais bizarros animais da face da Terra, nasce assim de uma mãe sonolenta, cujo corpo lhe serve de felpudo cobertor no início da vida, quando apenas dorme e mama. Os bichos adultos nem sequer sentem necessidade de se alimentar enquanto dura o frio e a família não sai da toca por nada. Isso porque, no inverno, o metabolismo dos ursos faz maravilhas, reciclando as substâncias do organismo, sem perder muita coisa. Mas um urso pode de repente ficar completamente alerta por causa de um ruído e até lutar com quem o despertou.
Daí seu comportamento nos meses frios ser considerado uma falsa hibernação, o que o torna um animal ainda mais peculiar. O urso não entra para o seleto clube dos hibernantes, do qual fazem parte o esquilo e o morcego, por razões que só os fisiologistas compreendem bem. Apesar de poupar energia refugiando-se em um longo sono, sua temperatura, por exemplo, não cai suficientemente para se falar em hibernação - um estado em que o organismo está fisiologicamente à beira da morte. Assim, enquanto um esquilo quase se congela ao hibernar, os termômetros marcam apenas 9 graus abaixo do normal no corpo de um urso adormecido.
Esse  singular metabolismo  chega a interessar cientistas que imaginam descobrir aí novas terapias para doenças humanas. É verdade que nem todo urso dorme dessa maneira. O urso-polar não imita a hibernação como seus primos de outras latitudes, pois, além de estar acostumado ao clima invariavelmente gelado dos pólos, tampouco tem problemas de abastecimento : seu prato predileto, a foca, está ao alcance das patas o ano inteiro. De fato, há ursos e ursos, cada qual com suas manias. Ocorre que a família dos ursídeos, os últimos carnívoros que surgiram na evolução das espécies, há cerca de 6 milhões de anos, se espalhou da Eurásia para todo o globo, com exceção do continente africano.
Conforme o ambiente em que se desenvolveu, o bicho adotou hábitos apropriados e até se transformou morfologicamente, o que deu origem a várias espécies. Muitos outros animais, por serem fisicamente parecidos, são confundidos com membros da família. É o caso, principalmente, do panda, que não é ursídeo mas ailuropódeo. Certamente, o pai de toda a legítima família é o Ursus spelaeus, o extinto urso das cavernas, um feroz parente dos cães. Ao se adaptar a determinados ambientes escassos em caça, porém, certos ursos perderam os caninos afiados do ancestral. Hoje se considera que os ursos são capazes de devorar um variado cardápio: de castanhas a raízes e frutas, de peixes a pequenos roedores, de mel a insetos.
Embora cada espécie tenha suas preferências, com fome qualquer urso traça o que vier. Ou seja, é um animal carnívoro, como dizem os biólogos. No entanto, é bom que se esclareça os ursos parecem não apreciar a carne humana e só atacam o homem com patadas fatais quando se sentem ameaçados. No outono, eles se tornam verdadeiros glutões e passam vinte horas por dia mastigando o que encontram pela frente. Cada adulto começa a consumir cerca de 20 mil calorias diárias, cinco vezes mais do que o habitual. "A gula, no caso, é uma excelente tática de sobrevivência", justifica o zoólogo Rogério Ribeiro da Universidade de São Paulo, que estuda ursos entre tantos outros bichos.
No final da estação, o urso já formou uma camada de gordura de aproximadamente 15 centímetros. "O tecido gorduroso não serve apenas como reserva de energia para o período em que o animal dormirá", explica Ribeiro, "mas também é um isolante térmico, o segredo da manutenção de calor no corpo". Obeso após tanta comilança, o urso procura um lugar para a temporada de inverno, que nem sempre é a tradicional toca. Os zoólogos observam que parece existir um gosto individual, de forma que alguns ursos insistem em determinada escolha ano após ano, mesmo sem ser a ideal.
Desse modo, é comum um urso-pardo, na América do Norte, perambular até encontrar um canto qualquer que lhe agrade e construir ali uma espécie de ninho a céu aberto. O animal às vezes termina coberto por um lençol branco de neve, mas isso não incomoda o extravagante dorminhoco. Quando os ursos despertam com o calor da primavera, a primeira providência é recuperar a boa forma para um namoro de verão, a época do acasalamento. Na  família dos ursídeos , seja qual for a espécie, os machos têm fama de amantes fiéis, capazes eventualmente de perseguir, com a ajuda do faro apuradíssimo, a fêmea com que se acasalaram em anos anteriores. Para conferir até onde ia, literalmente, o romantismo da fera, pesquisadores espanhóis vestiram um exemplar de urso-pardo com uma coleira dotada de emissores de radar, para acompanhar seus passos. Salsero (intrometido), como foi apelidado o bicho, começou a seguir a fêmea por quem se sentiu atraído.
Esta, por charme ou impulso da natureza, correu mais de 100 quilômetros até se deixar alcançar. A história de amor teria tido logo um final feliz se não aparecesse um rival. A briga de machos por uma fêmea, no caso dos ursos, lembra cenas de filmes pastelão. Os rivais passam rasteiras, batem as palmas das patas feito inimigos desajeitados. A real intenção dos contendores não é machucar o outro, mas vencê-lo pelo cansaço. Como ganhador da luta, Salsero recebeu de prêmio os carinhos da fêmea. Mas, para surpresa dos pesquisadores, o vencido não saiu de cena. Afastado, aguardou pacientemente o dia seguinte, sabendo que teria direito às mesmas atenções, só que depois de um campeão. Pois, para as fêmeas dos ursos, as paixões parecem eternas apenas enquanto duram.
Os filhotes, normalmente um ou dois, nascem após sete meses, já em pleno inverno. Mesmo em espécies como o urso-pardo, em que o adulto chega a pesar mais de 200 quilos, as crias são pequenas e frágeis, não ultrapassando 400 gramas na balança - daí o encanto que esses bichinhos provocam. A mãe, uma exímia professora, passa dois anos e meio ensinando os filhotes a buscar comida e a se defender. O treinamento inclui várias técnicas de caça e pesca. O estilo do acasalamento e a persistência da mãe são traços comuns a todos os ursos, como também o gosto por amplos territórios. O urso-pardo, por exemplo, se irrita quando tem companhia em seu pedaço - um espaço de 200 metros quadrados.
As espécies, porém, evoluíram com temperamentos muito diferentes. Talvez em resposta a tais diferenças, os sentimentos do homem em relação a esses animais gorduchos também variam conforme o lugar. Na América do Norte, por exemplo, a relação entre ursos e homens sempre foi das mais amistosas. Os índios americanos venderam o urso como um animal sagrado, o qual, aliás, aparece desenhado em totens e amuletos. Uma lenda indígena conta que certa vez um castor, cansado de roer os cedros dos bosques, começou a devorar a lua, até a noite ficar em completa escuridão. A grande Mãe pediu então a um corvo para capturar outra lua, colocada sobre a sua casa. A partir daí o urso ficou incumbido de cuidar que ninguém roube a lua da noite. Certas tribos americanas também acreditam que os homens são descendentes dos ursos. Os europeus, por sua vez, preferem tradicionalmente o urso na mira de uma espingarda. Os antigos romanos o descrevem como uma fera, que matava ou quebrava os braços dos soldados.
Na Suíça, uma lenda atribui a fundação da cidade de Berna - depois de Zurique a segunda mais populosa do país -, em 1191, a um duque alemão que decidiu dar-lhe o nome do primeiro animal que matou na região: um urso, é claro, ou bär, em sua língua. É também o famoso símbolo de Berlim. A primeira descrição completa do mamífero, porém, surgiu em um livro de caça escrito em meados do século XIV a pedido do rei Afonso XI, de Castilha e León. Emblema de força e resistência, o urso aparece em muitos brasões europeus. Isso não impediu que até recentemente os espanhóis incluíssem ursos nas touradas - prática afinal proibida em 1973. É possível que o costume tenha sido herdado da França, pois os parisienses, até o século passado, apostavam em brigas de ursos e cachorros. O pretexto para tudo isso era a crença de que o urso-pardo, a única espécie européia fora do círculo polar, é sempre um bicho feroz.
Na verdade, o urso-pardo ou Ursus arctos, com seus 2 metros de altura, agride homens apenas quando provocado. Suas duas centenas de quilos são mantidas habitualmente com uma singela dieta à base de morangos, amoras, groselhas, raízes e, claro, mel. No entanto, em épocas menos fartas, esse animal de pelugem que varia do preto ao marrom-escuro e acobreado não hesita em atacar criações de gado. Até a Idade Média, podia ser visto em todo o território europeu. Hoje, as populações de ursos-pardos se concentram nas áreas selvagens de montanhas, sobretudo na União Soviética - quem não se lembra do ursinho Micha, mascote das Olimpíadas de Moscou em 1980? 
Já na América do Norte existem três espécies de ursos, das quais a dos grizzly ou Ursus horribilis tem mais de oitenta subespécies catalogadas. Com seus 3 metros de altura e quase 800 quilos, o acizentado grizzly é sem dúvida o maior carnívoro terrestre. Bem mais forte do que um leão ou um tigre, um grizzly esfomeado ataca pequenos roedores ou resolve pescar salmões. Isso mesmo: essa é uma espécie de exímios pescadores que, sobre pedras nas corredeiras, tiram os peixes da água com ágeis patadas.
O célebre urso-polar branco ou Tharlarctos maritimus habita todo o círculo polar ártico, sobre blocos flutuantes de gelo. "É incrível como se adaptou a um meio tão hostil, tornando-se diferente do resto da família", comenta o zoólogo Rogério Ribeiro, da Universidade de São Paulo. De fato, o urso-polar se transformou tanto, mas tanto, que mal pode ser considerado um animal terrestre, pois passa mais de dois terços da vida dentro das águas geladas. As patas e o peito são mais largos que os de seus primos de terra firme, o que lhe facilita a natação. "Além disso", nota o zoólogo, "é o único urso cujas plantas das patas são peludas; com isso, desliza sobre o gelo como se calçasse esquis."
Na Ásia, a família também passou por modificações morfológicas importantes. Ali, os ursos-preguiças, por exemplo, também chamados Ursus ursinus, têm um beiço semelhante ao do tamanduá para abocanhar alimentos que, na Índia, onde vivem, podem encontrar com facilidade: formigas e cupins. Suas garras também são mais afiadas e compridas pelo mesmo bom motivo, pois dessa maneira os preguiças conseguem cavar a terra. O nome preguiça desse urso de pêlo curto e crespo surgiu por causa de seu modo na infância: o filhote se agarra aos ombros da mãe e dali só sai quando, com cerca de 6 meses de idade e 10 quilos, é expulso do colo pela exausta genitora.
O mais curioso dos ursos, cujos hábitos os cientistas conhecem muito pouco e cuja população nem é estimada, é o urso-de-óculos ou Tremarctos ornatus. Trata-se do único membro da família ursídea que vive na América do Sul, nos bosques que contornam a cordilheira andina e nas montanhas com mais de mil metros de altitude na região noroeste da floresta amazônica, onde o Brasil faz fronteira com o Peru. O nome desse bicho essencialmente herbívoro é devido às manchas brancas nos olhos, que causam a impressão de que está de óculos.
Desde 1973, um  acordo internacional proíbe a caça aos ursos; só podem ser abatidos em legítima defesa. A medida faz sentido. Afinal, não existem mais de 10 mil ursos-pardos na Europa. O número pode não parecer alarmante, mas é. Pois esses animais, que vivem até 30 anos, começam a se reproduzir tarde. As fêmeas geram no máximo um par de filhotes e só então se acasalam novamente. Se não houver cuidado, o urso pode engrossar a já extensa lista de animais em extinção.

Imitando o sono dos ursos

Para sobreviver, um organismo quebra moléculas. O que sobra dessa operação é a uréia, uma substância que, ao se acumular no sangue, leva à morte. Mas, durante o inverno, os ursos produzem tão pouca uréia que os rins nem têm de filtrá-la como de costume. Cientistas americanos querem saber como eles conseguem a proeza. Parece que um dos segredos dos animais é obter energia exclusivamente da gordura acumulada no corpo roliço, graças à mesma substância que os faz dormir no inverno. Queimada a gordura, sobram apenas água e gás carbônico, ou seja, nenhuma uréia. 
Para imitar os ursos, setenta pacientes de insuficiência renal seguiram uma dieta à base de gordura e assim dispensaram por dez dias a hemodiálise - filtração artificial do sangue que costuma ser aplicada três vezes por semana. Agora os pesquisadores querem isolar o hormônio do sono dos ursos, capaz de fazer o organismo transformar todo alimento em gordura e daí obter energia, o que reduz a produção de uréia. Com isso poderá surgir um remédio para seres humanos, os quais, dispensando o trabalho dos rins, como os ursos durante o sono, conseguirão aguardar por mais tempo o inevitável transplante.

Parecem, mas não são

Afinal, o que faz de um urso um urso? Segundo o zoólogo Ladislaw Deutsch, de São Paulo, o essencial é um pré-molar pontiagudo pronto para dilacerar em vez de mastigar, o que faz dos ursos típicos carnívoros, como cães e felinos. Alguns animais, por exemplo certas focas, não têm nem essa outra característica dos ursos e, no entanto, recebem o seu nome. Mas há casos, como o do panda, em que até a presença de pré-molares engana. 
A ficha dos falsos ursos:
Urso-panda - É tão parecido com um urso de verdade que, durante muito tempo, os próprios zoólogos o consideravam da mesma família. Estudos minuciosos provaram porém que, embora também seja carnívoro, não tem ancestrais com os ursos.

Urso-gato - Bem menor que o panda, pertence na verdade à mesma família ailuropódeo.

Urso-lavador - Também conhecido como mapache, pertence à família dos procionídeos, que talvez tenham sido aparentados com os ursos no início da evolução.

Ursos-marinhos - Por esse nome são chamadas oito espécies de focas que têm uma pelugem nas costas. Essa característica teria criado a confusão com os ursos.

Retrato de família
As principais espécies    

Nome popular : grizzly    
Nome científico: Ursus horribilis    
Aparência: o pêlo varia do acinzentado ao marrom; 
é feroz quando provocado    
Quanto mede:2,5 a 3 metros    
cerca de 780 quilos    
O que come: mel, insetos, roedores e frutas    
Onde vive: em toda a América do Norte, especialmente na fronteira do Canadá e Estados Unidos    
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Nome popular: polar     
Nome científico: Tharlarctos maritimus    
Aparência: o pêlo branco ou muito claro chega a cobrir as plantas das patas    
Quanto mede: cerca de 1,5 metro     
Quanto pesa: cerca de 400 quilos    
O que come: peixes e focas
Onde vive: sobre blocos flutuantes de gelo, em todo o círculo polar ártico    
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Nome popular: preto
Nome científico: Enarctos americanus    
Aparência: pêlo negro, corpo roliço, é o mais brincalhão de todos    
Quanto mede: cerca de 1,5 metro     
Quanto pesa: de 250 a 300 quilos    
O que come: raízes, mel e frutas    
Onde vive: na América do Norte, dos bosques californianos ao estreito de Bering    
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Nome popular: tibetano    
Nome científico: Selenarctos thibetanus    
Aparência: apresenta um mancha branca em forma de meia-lua; por isso é conhecido também como urso-de-lua    
Quanto mede: 1,2 a 1,5 metro    
Quanto pesa: de 100 a 125 quilos    
O que come: prefere pequenos roedores, mas costuma atacar gado e comer carniça    
Onde vive: na Ásia, do Irã às ilhas setentrionais do Japão, sempre em regiões altas.    
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Nome popular: preguiça    
Nome científico: Ursus ursinus    
Aparência: o focinho é mais comprido que o de outras espécies, daí também ser chamado de urso-beiçudo    
Quanto mede: de 1,5 a 1,8 metro     
Quanto pesa: cerca de 150 quilos    
O que come: predileção por formigas e cupins    
Onde vive: na Índia e no Sri Lanka    
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Nome popular: malaio    
Nome científico: Helarctos malayanus    
Aparência: pêlo escuro com uma mancha dourada no peito, devido à qual é chamado urso-sol;
é o menor de todos     no Quanto mede: máximo 1 metro    
Quanto pesa: cerca de 45 quilos    
O que come: mel e pequenos roedores    
Onde vive: no Sudeste da Ásia e na Oceania    
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Nome popular: urso-de-óculos    
Nome científico: Tremarchos ornatus    
Aparência: preto, com manchas brancas nos olhos    
Quanto mede: de 1 a 1,5 metro    
Quanto pesa: cerca de 140 quilos    
O que come: raízes e folhas, especialmente as de palmeira    
Onde vive: nas selvas que contornam a cordilheira dos Andes e na região noroeste da floresta amazônica    

Nome popular: pardo    
Nome científico: Ursus arctos    
Aparência: o pêlo varia do marrom ao acobreado    
Quanto mede: 2 metros    
Quanto pesa: cerca de 200 quilos     
O que come: frutas, mel, insetos e roedores    
Onde vive: nas montanhas européias    


quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Um Santuário para os Rinocerontes - Natureza



UM SANTUÁRIO PARA OS RINOCERONTES - Natureza



Os governos de países africanos patrocinam operações de salvamento para manter fora da mira dos caçadores de chifres os sobreviventes das chacinas que quase extinguiram duas espécies desses animais.

Depois de milhões de anos de existência relativamente pacífica, este século tem sido uma calamidade para um bicho sonolento e solitário, míope e vegetariano, de casca grossa e humor imprevisível, que mede mais de 3 metros do focinho ao rabo e pesa um bom par de toneladas - o poderoso rinoceronte. Para sua desgraça, o homem cismou de acreditar que o par de chifres que ele carrega acima do nariz, o maior com uns 60 centímetros, tem extraordinárias propriedades medicinais quando reduzido a pó: analgésico, antiespasmódico, antiinflamatório, diurético e, ainda por cima, afrodisíaco.
Ao que tudo indica, os primeiros a acreditar nessa lenda foram os chineses. Outros povos do Oriente, igualmente desinformados, aderiram ao mito, apesar dos desmentidos zangados dos médicos e da negativa igualmente cabal de sucessivos testes de laboratório, o mais recente deles realizado na Suíça em 1982. Resultado: o pó de chifre de rinoceronte é vendido a peso de ouro e o animal paga por isso com a vida. Trata-se, para piorar as coisas, de um produto em alta, cujo preço multiplicou-se por cem - isso mesmo, cem - nos últimos cinco anos. Nos mercados semiclandestinos de Cingapura, Formosa e Hong Kong, o quilo de chifre transformado em pó alcança milhares de dólares, batendo folgadamente o ouro.
Além disso, no Iêmen do Norte, no Oriente Médio, um cabo de adaga esculpido do mesmo material chega a ser negociado por mais de 10 mil dólares. A caça a esse remanescente da Pré-história equivale a um verdadeiro genocídio. De fato, se no fim do século passado, como se supõe, as cinco espécies de rinocerontes existentes no mundo (duas na África e três na Ásia) somavam 1 milhão de indivíduos, hoje o total é estimado em 10 mil. A maior espécie asiática (Rhinoceros unicornis) sobrevive no Nepal e no noroeste da Índia, com mil indivíduos. Outras se extinguem nas ilhas de Java e Sunda e nas Florestas da Birmânia e Malásia. Nas savanas da África, o alvo predileto dos caçadores é o chamado rinoceronte-preto (Diceros bicornis).
No Zimbábue, país do Sudeste africano até há pouco tido como um dos derradeiros lugares seguros para essa espécie, em média um rinoceronte é abatido todos os dias a tiros de fuzil de grosso calibre. Há duas décadas, ainda existiam 60 mil rinocerontes-pretos livres, fora de reservas e parques zoológicos. Atualmente, não devem restar mais de 3 mil, cerca de quinhentos dos quais no Zimbábue, a antiga Rodésia, que considera esse bicho um símbolo nacional. O rinoceronte-preto pesa entre 1700 quilos e poucos mais de 2 toneladas, perdendo em tamanho e peso para a outra espécie de rinocerontes africanos, a dos brancos (Ceratotherium simmum), que chega a pesar 4 toneladas. 
Pretos e brancos, na realidade, têm a mesma cor de lama acinzentado-escura - os nomes são conseqüência de um mal-entendido. Os exploradores ingleses achavam que wodje - palavra de língua africana significando "grande" - queria dizer white, "branco"; a outra espécie acabou sendo conhecida como preta, por simples oposição. Apesar do tamanho e da blindagem que os reveste, ao pegar embalo os rinocerontes africanos são capazes de correr a 50 quilômetros por hora - um desempenho terrível quando eles investem contra outros bichos em rompantes de fúria, mas definitivamente insuficiente para escapar aos caçadores profissionais de armas azeitadas e mira excelente.
O rinoceronte é diferente de outros animais chifrudos: seus tão valorizados cornos têm uma composição peculiar, pois nada mais são do que um compacto de finíssimos fios de cabelo unidos pela proteína queratina, substância dura que forma também as unhas. Na Ásia está cada dia mais difícil comprar chifre de rinoceronte - não tanto por causa da vigilância dos governos, mas pela escassez de animais. Por isso, os caçadores de rinocerontes, capazes de arrancar seus chifres em menos de 45 segundos, depois de abater o animal, partiram rumo à África nesta última década. O Zimbábue, porque sempre tratou de proibir a atividade desses invasores, foi o último país procurado pelos comerciantes de chifres.
Mesmo assim, desde 1985, quando o governo decretou o estado de emergência para impedir a carnificina, os guardas-florestais já encontraram aproximadamente quinhentos rinocerontes mortos. O número verdadeiro, imagina-se, deve ser até maior. O governo acabou autorizando que guardas-florestais fossem treinados como guerrilheiros com ordens de atirar para matar, instalados em vários postos de vigia ao longo dos 200 quilômetros da margem direita do rio Zambeze, na fronteira norte com Zâmbia - a porta de entrada da maioria dos caçadores. Além disso, foi iniciado um programa salvador destinado a deslocar animais do vale do Zambeze até os santuários de rinocerontes - verdadeiros esconderijos sob proteção oficial, cuja localização exata é mantida o quanto possível em segredo. Já existem seis desses refúgios, cada um com 26 mil hectares.
Para garantir a sobrevivência dos rinocerontes-pretos ainda existentes em seu território, o Zimbábue precisa ter outras dez áreas como essas. Como o país é pobre e as operações de salvamento são caras, apenas dois ou três animais são transferidos por dia. Mesmo com tais limitações os números demonstram que o projeto vale a pena: dois anos após seu início, já se conseguiu tirar nada menos de trezentos animais da mira dos caçadores. Toda a operação transcorre em ritmo de aventura. Para resgatar um rinoceronte-preto são necessários mais de cinquenta homens. Ao se avistar o animal, ele é alvejado por um projétil disparado de um fuzil que contém uma dose de tranquilizante. Esta deve ser a menor possível, pois se sabe que os rinocerontes são bastante sensíveis à droga.
Atordoado, o animal nem chega a tombar: fica parado, como se tivesse perdido a vontade ou a força para se movimentar. Nas vezes em que isso não acontece imediatamente, o rinoceronte ainda corre alguns quilômetros até o remédio produzir total efeito. Para que ele não escape, o helicóptero de onde toda a operação é coordenada indica pelo rádio o lugar em que o animal se encontra. Então, deslocam-se para ali caminhões e dezenas de homens a pé. Estes, por sinal, costumam ser os primeiros a chegar, por causa da precariedade das estradas naquelas lonjuras. Há ocasiões em que os veículos só chegam ao rinoceronte depois de quatro horas de viagem, quando o bicho já foi amarrado e deitado de lado, para evitar que sufoque, como pode acontecer caso o anestésico o faça desmoronar.
Para colocar o animal no caminhão, o ideal seria um equipamento mecânico. À falta deste, é preciso a força de quarenta homens e o serviço não dura menos de meia hora. Já no acampamento do Parque Nacional do Zimbábue, o rinoceronte é deixado numa jaula a céu aberto. Ali, um veterinário examina o seu sangue e a sua resistência motora. Em seguida, o bicho é numerado. A rotina do acampamento gira em torno das refeições desses hóspedes temporários, que parecem fazer questão de manter todo o seu espantoso peso: sempre comendo, são capazes de ingerir até 100 quilos de alimentos por dia. Por isso, é necessária uma equipe para colher galhos e mais galhos, oferecidos sem cessar aos animais.
Nem todos os rinocerontes-pretos, contudo, vão para os refúgios. Alguns são exportados para criar novas populações em outros países. O Quênia, na África Oriental, valeu-se desse recurso depois que seus rinocerontes estiveram à beira da extinção há dez anos. O Quênia, por sinal, é uma prova de que uma política inteligente de preservação da vida animal dá resultados. No começo do ano, o governo de Nairóbi anunciou orgulhosamente que o número de rinocerontes-pretos em suas quatro reservas especiais tinha superado a casa de seiscentos, um ganho de uma centena em relação aos dados estimados em 1988.
Ao chegar ao parque, o rinoceronte não é libertado de imediato. O problema é que esse animal imenso, com fama de ranzinza e capaz de reações violentas quando não está acostumado ao contato com humanos, é na realidade um grande medroso. Com o choque da captura ainda presente na memória, se fosse libertado na hora da chegada aproveitaria a oportunidade sem pestanejar: sairia feito um fugitivo em desabalada carreira, até perder o fôlego, algo extremamente perigoso para uma espécie cujo sistema respiratório é frágil em situações de sobrecarga física. Ainda enjaulado, o rinoceronte permanece observado pelos veterinários e recebe um tratamento de primeira classe, que inclui refrescantes chuveiradas todos os dias. Depois de algum tempo, quando se percebe que o rinoceronte se acostumou ao novo ambiente, é solto, enfim, para viver em paz, longe dos caçadores como seus ancestrais.

BICHO DE FARO FINO, DADO A ACESSOS DE IRA

Há 55 milhões de anos, a família dos Rhinocerotidae era formada por espécies que circulavam também em amplas regiões da Europa. Fósseis congelados mostram que na Sibéria havia uma espécie de rinoceronte cujo corpo era coberto por espessa camada de lã. As cinco espécies que sobreviveram até os tempos atuais têm, ao contrário, um couro pelado, embora muito resistente. Enxergando como um míope sem óculos, o rinoceronte se guia por um apurado faro, graças ao qual localiza o alvo de suas chifradas. Quem o observa, aliás, tem a falsa impressão de que ele vive afiando sua arma natural, pela maneira como esfrega nos galhos das árvores os dois chifres (o rinoceronte da Índia e o de Java só possuem um).
De qualquer modo, seus acessos de fúria não parecem ter motivo claro para os zoólogos. Afinal, com a imponência de seu tamanho, o rinoceronte adulto desconhece o que é ter inimigos - qual leão se atreveria a lançar seus 200 quilos contra as 2 ou 3 toneladas desse brutamontes? O rinoceronte, além de forte, é antes de tudo um solitário. É cada um por si, a não ser nas épocas de acasalamento. Essas não são freqüentes - um fato natural que também contribui para manter relativamente baixo o crescimento demográfico dos rinocerontes. As fêmeas preferem intervalos de até quatro anos entre uma gestação e outra. Compreende-se: a gestação dura dezenove meses. Para dificultar ainda mais a sobrevivência da espécie, tende a nascer só um filhote por gravidez - e este levará oito anos até se tornar sexualmente maduro

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Crocodilo-do-nilo - Nascido para matar


CROCODILO-DO-NILO: NASCIDO PARA MATAR



Nas águas barrentas do Rio Mara, no Quênia, os crocodilos se preparam para o maior banquete anual. Eles aguardam pacientemente a chegada de milhões de gnus - antílope africano com cabeça e chifre semelhantes aos do búfalo -, que migram todos os anos em busca de pastagens verdes no país. Num turbilhão apressado, os gnus se espremem em uma massa compacta e entram na água. É quase um ato suicida. Em questão de segundos, o crocodilo-do-nilo abocanha uma das pernas de um dos antílopes. Os dois animais travam uma verdadeira batalha, mas, exausto, o gnu se rende.

O crocodilo é um dos predadores mais perfeitos que já passaram pela Terra. Prova disso é que ele existe há mais de 200 milhões de anos - foi contemporâneo do dinossauro, seu parente direto, que acabou extinto 65 milhões de anos atrás. A longevidade do crocodilo se deve, em grande parte, às suas habilidades predatórias. Mas suas virtudes anatômicas e biológicas também permitiram que esses répteis gigantes sobrevivessem e evoluíssem de tal forma que é possível contar nos dedos seus verdadeiros inimigos naturais - nos dedos de uma mão apenas.

O robusto crocodilo-do-nilo (a segunda maior e mais forte das 23 espécies do réptil - a primeira é o crocodilo-marinho) reina soberano nas águas de todo o continente africano. Medindo até 6,2 metros e pesando quase 1 tonelada, ele não escolhe suas presas: ataca qualquer corpo que se mova à sua frente. Tomando seu banho de sol na ribeira, ou navegando pelo Nilo ou outros cursos d’água, ele está sempre atento e disposto a fazer novas vítimas. Mesmo que elas sejam humanas.

O crocodilo-do-nilo é, de longe, a espécie que mais mata homens no mundo. Para as diversas populações africanas que habitam as áreas próximas do Rio Nilo e nele lavam suas roupas, tomam banho ou mesmo brincam em suas águas, a presença dos crocodilos é fatal. O número de pessoas mortas pode ultrapassar o de uma centena todos os anos.

Mas o cardápio do réptil é muito mais amplo. Ao lado do crocodilo-marinho (a maior espécie), ele é o único capaz de caçar grandes mamíferos. Antílopes, zebras e javalis não têm chances contra o rei do Nilo. Até mesmo leões, hipopótamos e girafas podem tornar-se presas fáceis quando invadem seu território. A facilidade na hora de abocanhar suas vítimas é o resultado de 66 dentes afiados e uma força descomunal dos músculos da mandíbula, com potência que chega a até 2 toneladas por centímetro quadrado.

Hábil caçador, o crocodilo sabe muito bem como montar uma cilada. Submerso com apenas seus olhos, ouvidos e focinho fora d’água, é silencioso e paciente. Ele pode ficar mais de uma hora debaixo d’água esperando sua caça. E isso só é possível graças a duas importantes características: um baixo metabolismo e um coração adaptado. "Como é um animal de sangue frio, o crocodilo tem um metabolismo lento. Ele usa o oxigênio em menor quantidade e consegue ‘segurar’ a respiração por muito mais tempo. Além disso, seu coração adaptado tem um vaso sanguíneo que permite que o sangue seja parcialmente desviado dos pulmões enquanto ele está submerso, uma válvula que ajuda nesse mesmo processo, e, finalmente, outros tecidos moles que desviam o fluxo do sangue", afirma Mason Meers, professor de biologia e anatomia evolutiva da Universidade de Tampa, na Flórida, Estados Unidos.

Mas os artifícios de caça do crocodilo não param por aí. Seus ouvidos são interligados e ele consegue manter o equilíbrio quando desliza submerso pelo Nilo - ao contrário de nós, que podemos ficar zonzos quando estamos boiando. Isso quer dizer que ele permanece camuflado como um tronco de madeira e faz manobras debaixo d’água tão suaves que é praticamente impossível percebê-lo. Uma vez perto de sua presa, seu bote é rápido - em menos de uma fração de segundo, o crocodilo tem sua caça na boca. Astuto, sabe que se sua presa for maior e mais pesada que ele, o mais prudente a fazer é trazê-la para água e afogá-la. Se não, ele a desmembra imediatamente em terra firme, segurando-a pela mandíbula e a girando rapidamente na superfície da água, até que ela se despedace.

Com o banquete à mesa, o crocodilo divide sua iguaria com outros animais da mesma espécie: o sistema hierárquico entre eles é bem definido e, se o caçador for menor, ele terá que esperar outros companheiros maiores se juntarem para comer. Mas o crocodilo só é sociável no momento da partilha. Ele raramente caça em bando: prefere sair sozinho, mesmo correndo o risco de encontrar outro indivíduo maior e mais forte - que certamente irá atacá-lo se estiver com fome. Sim, há canibalismo entre eles, principalmente quando um réptil grande e faminto se depara com um menos corpulento.

Uma questão polêmica, que ainda intriga os pesquisadores, é sobre uma velha lenda que dá conta que o crocodilo se alimenta apenas uma vez por ano. Embora não seja totalmente verdadeira, ela também não é completamente falsa. "Essa história não é uma verdade absoluta. O que acontece é que ele pode ficar um ano sem se alimentar, sem problema. Mas o que se observou é que com isso o crocodilo emagrece demais e torna-se presa fácil para outros crocodilos", afirma Adam Britton, pesquisador sênior da Wildlife Management International, instituto de pesquisa sobre crocodilos da Austrália.

Muita gente acredita que, por causa de seu aspecto monstruoso, ele come apenas presas grandes - outro mito. "Uma presa grande pode sustentar um crocodilo por meses, mas a maioria deles, principalmente os maiores, se alimenta de presas pequenas freqüentemente, já que a maior parte de sua dieta é constituída por peixes, aves, serpentes e o que puder ser encontrado no Nilo", diz Adam.

O que se sabe de verdade é que o crocodilo tem um estômago de pedra. Literalmente. Apesar de seus fortes músculos da mandíbula, o réptil não mastiga - por isso, tem ou que desmembrar sua presa e separá-la em partes (como faz com girafas, zebras e hipopótamos) ou engolir ela inteira, caso de filhotes de antílope. Seja como for, sua refeição inclui ossos, chifres e o que mais vier com a caça. Para digerir todo esse cardápio, no estômago do crocodilo existem pequenas pedras para ajudar na trituração dos pedaços mais duros.

Os instintos predatórios do crocodilo caminham lado a lado com seus instintos de preservação da espécie. Basta observar o zelo materno que uma mamãe crocodilo tem com seu ninho e, mais tarde, com seus filhotes - dedicação rara entre os répteis, que geralmente abandonam seus ovos logo após colocá-los. A fêmea crocodilo sabe como ninguém manter suas crias fora de perigo e é extremamente cuidadosa. Pouco antes dos pequenos répteis nascerem, emitem sons como forma de pedir ajuda. A mãe crocodilo auxilia os filhotes a sair dos ovos quebrando-os com sua boca e depois os leva para a água. O cuidado com suas crias vai além: a proteção pode se prolongar até os 3 anos de idade.

Outra característica preservativa do crocodilo é sua noção de perigo e cooperação. Por meio de um avançado sistema de comunicação, ele consegue intimidar animais como elefantes, hipopótamos e até leões com vibrações subsônicas. O mesmo sistema é usado para a comunicação entre eles. "Grandes animais podem ser ouvidos a longas distâncias. O interessante sobre esses sons é que nós, humanos, não somos capazes de ouvir, já que são subsônicos, ou mais conhecidos como ‘infra-som’. Eles, no entanto, se comunicam através desse sistema, que permite, entre outras coisas, que possam debandar das áreas de grande periculosidade", afirma Meers.
Outro importante fator de preservação do crocodilo está em seu sangue. Apesar de lutarem muito entre si - e acabarem com grandes feridas -, os animais quase nunca desenvolvem infecções. As pesquisas levam a crer que existe um antibiótico natural no sangue do réptil que mata bactérias e outros microrganismos. "Estudos indicam que é por causa de uma substância presente no sangue. Mas ninguém demonstrou exatamente a origem dessas propriedades", diz o pesquisador Pablo Siroski, do projeto Yacaré, que estuda crocodilianos na Argentina. Está aí um dos grandes mistérios do animal que segue à risca a teoria de seleção natural de Darwin: apenas os mais fortes sobrevivem.


Derrotando exércitos


Um dos maiores ataques de crocodilos-do-nilo ao homem ocorreu nos tempos de Alexandre, o Grande. Perdiccas, um dos generais de Alexandre, almejando o poder, resolveu invadir as terras de seu inimigo Ptolomeu e tomar Tebas, no Egito, em 321 a.C. Sabendo de suas intenções, Ptolomeu protegeu a região e obrigou o rival a mudar a rota para o delta do Nilo, na época infestada de crocodilos. À medida que cavalos e homens eram atacados pelos répteis, os soldados sobreviventes perceberam a fria na qual tinham entrado. Depois de mais de mil terem sido devorados, as tropas, desesperadas, deram meia-volta. Indignado com a "covardia", Perdiccas ordenou que eles voltassem ao rio e cumprissem sua missão. Os soldados, porém, preferiram enfrentar Perdiccas: fizeram um motim e acabaram, mais tarde, assassinando o general.


Fatos selvagens




Nome vulgar

Crocodilo-do-nilo



Nome científico

Crocodylus niloticus



Dimensões

6,2 metros, do focinho à cauda



Peso

Até 900 kg



Principais armas

A mandíbula, que pode dar uma mordida de mais de 1 tonelada



Comportamento social

Sociável, vive em grandes grupos. Mas existe canibalismo na espécie



Ataques a humanos

Não há estatísticas oficiais, mas supõe-se que centenas de ataques ocorram anualmente



Quanto come

Em cativeiro, até 65 kg de carne por semana (no inverno, não comem)



Expectativa de vida

45 anos em hábitat natural e 80 em cativeiro



Dieta

Antílopes, zebras, javalis e até leões e girafas



Principais inimigos

Os hipopótamos são os únicos animais que apresentam algum perigo



Se você encontrar um
Se você navegar em um rio cheio deles, não aproxime os braços da superfície. Em terra são lentos, mas bons saltadores. Mantenha uma distância segura


Para saber mais




Na livraria

Snap! A Book About Alligators and Crocodiles - Melvin Berger e Gilda Berger, Scholastic, EUA 2002

Alligators & Crocodiles - John L. Behler e Deborah A. Behler, Voyageur Press, EUA, 1998



Na internet
http://www.flmnh.ufl.edu/natsci/herpetology/crocs.htm - Site de uma organização que estuda os crocodilianos


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Onça-pintada - A dona da América


ONÇA-PINTADA: A DONA DA AMÉRICA



Ela é o maior felino das Américas. Tem também outro troféu de dar medo: o da mordida mais poderosa entre todos os grandes gatos, incluindo o leão e o tigre. A onça-pintada é capaz de partir com seus caninos mesmo os maiores ossos, como o crânio de uma anta, ou até cascos de tartaruga. Pode abater uma enorme variedade de presas - e as abate, pois quase nenhum animal escapa à sua voracidade. Fazem parte do menu mais de 80 espécies - há quem afirme que o número chega a 150. Ela se alimenta de jacarés, queixadas, capivaras, pacas, tatus - cutias também -, macacos, catetos, veados, aves, peixes, antas e até touros e búfalos. É uma exímia nadadora, capaz de atravessar até 1 quilômetro de rio atrás de comida ou de companheiros para reprodução, e consegue subir com destreza em árvores. Mas, devido ao porte encorpado e às pernas relativamente curtas, não é uma boa corredora - e prefere a emboscada.

"A onça-pintada é evolutivamente adaptada para encontrar, atacar, matar e se alimentar de sua presa de forma extremamente eficiente", afirma Fernando Azevedo, biólogo da Associação Pró-Carnívoros. "Para isso, ela precisa ter três sentidos bastante aguçados: a visão, a audição e o olfato. Em conjunto, são os responsáveis por seu sucesso em procurar e achar uma potencial presa." Apesar disso, o índice de bom êxito de uma caçada não passa de 10%.

Também conhecida como jaguar - nome de origem tupi mais popular no exterior do que aqui -, a onça costuma estar mais ativa à tarde ou à noite, o que dificulta o trabalho dos pesquisadores em observá-la caçando. "Sua atividade diária é solitária. As únicas fases de sua vida que são compartilhadas com outras onças são o período de acasalamento e a fase em que a mãe cria os filhotes", diz Fernando.

Os bebês ficam com as mães até completarem aproximadamente 2 anos. Durante esse período, a maior lição que aprendem é como caçar de forma eficiente. O aprendizado inicia já bem cedo - com 3 ou 4 meses de idade, as oncinhas acompanham a mãe durante as caçadas. No começo ficam só olhando, para depois começarem a ajudar de verdade. "Os felinos, em geral, têm infância bem maior que os outros animais", afirma Carlos C. Alberts, especialista em felinos da Unesp de Assis. "É durante esse período que eles aprendem as técnicas básicas de predação: escolher a presa, pegá-la, matá-la e prepará-la para ser consumida. A preparação é necessária porque as onças não comem pêlos nem penas. Se o filhote não for criado com a mãe, não saberá caçar." Quase adultos, a mãe os força a procurar o próprio território e achar o jantar sozinhos.

Peter Crawshaw, analista ambiental do Ibama e especialista em onças, teve duas oportunidades de assistir a uma mãe ensinando seus filhotes a caçar. "Em uma das vezes, eles haviam matado três queixadas, cujas carcaças estavam uma ao lado da outra", diz. Na outra, viu um filhotão de quase 1 ano correndo ao lado de um touro, acompanhado da mãe e de outro filhote. "Acredito que ela estava ensinando os filhotes o que não caçar, porque um touro é um animal perigoso", afirma.

Há dois tipos de predadores na natureza: os especialistas e os oportunistas. Os primeiros são aqueles que, como o nome diz, se especializam em determinado tipo de caça - caso dos guepardos, que perseguem quase exclusivamente duas espécies de gazela africana. Já o predador oportunista aproveita toda ocasião que surja para capturar qualquer animal que possa subjugar. "A pintada é um pouco dos dois tipos", afirma Crawshaw. "É oportunista por se alimentar de uma gama variada de presas, de tatus e primatas a sucuris e lagartos. E pode ser considerada especialista porque criou técnicas especiais para caçar determinados animais." No Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, por exemplo, as pintadas predavam mais queixadas do que seria esperado, em relação à densidade do animal no parque. "Isso indica uma preferência por essa espécie."

As onças passam a maior parte da vida em busca de comida. Ingerir entre 5% e 10% de seu peso é uma batalha diária - ou quase, porque, quando comem presas muito grandes, elas podem ficar alguns dias sem se alimentar. "Boa parte do tempo de uma onça é gasto no deslocamento dentro de seu território, no intuito de demarcá-lo, achar comida ou parceiros para reprodução", diz Fernando Azevedo. O território do macho normalmente é maior e tem pontos em comum com o de várias fêmeas - ele pode chegar a 200 quilômetros quadrados.

É dentro de sua área que a onça caça, se alimenta, se acasala. E a defende com unhas e dentes. Literalmente. "Por serem animais de uma constituição física muito forte, as onças evitam o contato físico com outras onças no caso de defesa do território. Uma briga entre elas pode acarretar danos físicos muito graves ou até mesmo a morte", diz Fernando. Isso porque os músculos da mandíbula do animal são muito desenvolvidos e ela tem uma mordida de potência bastante grande - mais ainda que a do tigre ou do leão.

Por causa da força na mandíbula, a onça costuma matar suas presas quebrando o pescoço delas. "Ela insere os caninos, que podem ter até 5 centímetros, entre a primeira e a segunda vértebra da presa. Assim, rompe sua medula espinhal. A morte é instantânea", diz Peter Crawshaw. Em outras ocasiões, ela morde o crânio da presa para matá-la. A forma como a onça agarra as vítimas varia bastante - pode ser pelo focinho, pelas costas, pela garganta ou pela cabeça. Em presas maiores, morde na garganta e mata por asfixia ou golpeia de forma que elas caiam no chão com o peso do corpo sobre o pescoço, quebrando-o.
Normalmente, a onça só come o animal que abateu. Não é comum ela se alimentar de bichos que morreram de causas naturais. "A pintada não precisa se preocupar em defender a carcaça de sua presa, porque não há nenhum outro competidor com ela em seu hábitat", diz Carlos C. Alberts. Vem daí a famosa expressão popular que diz respeito a seu hálito. O felino nem sempre tem um bafo de onça, mas, quando caça animais grandes, pode se alimentar da carcaça por dias. Acontece que a carne em florestas tropicais apodrece logo por causa da umidade. Assim, não tem quem agüente o odor exalado pela boca do felino. Nem quem é amigo da onça.


Dopada, mas não morta


Nem mesmo sedada uma onça perde seu instinto. Em julho de 1991, o biólogo Peter Crawshaw capturou e anestesiou uma onça-pintada no Parque do Iguaçu (PR), para colocar um rádio-transmissor. O processo foi acompanhado por um casal de turistas estrangeiros, que passeava pelo local. No final da tarde, a onça já se recuperava - mas ainda estava tonta - quando o casal resolveu tirar uma foto. O felino se assustou com o flash e arrancou na direção da mulher. Peter, num impulso, se colocou entre as duas. "Felizmente, as pessoas tiveram a presença de espírito de entrarem nos veículos", diz ele - que, depois de momentos angustiantes, fez o mesmo. Por sorte, o biólogo acabou apenas com ferimentos leves. Culpa da imprudência humana.


Fatos selvagens




Nome vulgar

Onça-pintada



Nome científico

Panthera onca



Dimensões

Até 2,60 metros do focinho à ponta da cauda



Peso

Até 160 quilos



Principais armas

A poderosa audição e caninos de até 5 centímetros



Comportamento social

É solitária, exceto na época de reprodução, e tem hábitos noturnos



Ataques a humanos

São raríssimos (o último registrado foi em 2004, na Argentina)



Quanto come

Até 16 quilos por dia



Expectativa de vida

Na natureza, 15 anos



Dieta

Queixadas, capivaras, tartarugas



Principais inimigos

Jacarés e cobras



Se você encontrar uma
Não corra. Olhe-a nos olhos para ela perceber que você a viu - a onça ataca de surpresa


Para saber mais




Na internet
www.savethejaguar.com - Site da Wildlife Conservation Society com informações sobre onças e um link para "adotar" financeiramente animais


Leão - Majestade por Mérito


LEÃO: MAJESTADE POR MÉRITO



A leoa corre em câmera lenta, pêlo dourado sob o sol da savana, em direção a um animal listrado de branco e preto. Ela dá um salto certeiro. O corpo dos dois se encontra e a zebra é levada ao solo. A leoa, vitoriosa, se prepara para saborear mais uma refeição. Não é à toa que, aos olhos humanos, leão e leoa carregam cetro e manto no reino animal. Ela, pela caçada implacável. Ele, pelo porte altivo, pela juba espessa e pelo rugido que, com um volume de 116 decibéis, pode ser ouvido a até 8 quilômetros de distância. Entretanto, apesar de todo o carisma do animal caçador, um reino não se mantém graças a um só indivíduo. Os leões são felinos com uma peculiaridade importante: podem caçar sozinhos, mas têm uma eficiente organização grupal, em que cada um tem sua função na luta por proteção e alimento para o bando. Apesar de outros animais também poderem se organizar para caçar em situações específicas, o leão é um estrategista particularmente eficaz nas matanças em grupo.

"O leão, como outros felinos, é um caçador oportunista", diz o biólogo Carlos C. Alberts, da Unesp de Assis, interior de São Paulo. Isso quer dizer que sua caça não é especializada em apenas um tipo de presa. "Além disso, eles muitas vezes podem comer o que estiver disponível, sejam presas levemente incapacitadas - doentes, velhos, muito jovens -, sejam carcaças de animais abatidos por outros predadores", afirma o pesquisador. A eficiência do leão na caça não é muito alta - ele captura a presa em cerca de 30% das tentativas, enquanto outros felinos, como guepardos, que caçam sozinhos, têm mais de 50% de sucesso. Mas é significativamente maior que a taxa de eficiência dos tigres, por exemplo, de apenas 10%. O grupo é que faz a diferença.

Quando se trata de presas grandes, a caça coletiva é uma cuidadosa organização de um bando de leoas. Elas se aproximam de uma manada de zebras, por exemplo, que pastam calmamente. A manada já está disposta de forma específica: os animais que estão nas bordas do grupo são os mais fracos - velhos, filhotes, doentes -, enquanto os indivíduos mais fortes ficam protegidos no centro da manada.

Para se posicionarem ao redor das presas, as leoas precisam calcular diversas variáveis. O reconhecimento do terreno é importante para que as presas fiquem encurraladas - se a vegetação e o relevo formarem uma espécie de funil, melhor. Depois disso, todas as leoas, menos uma, dispõem-se a favor do vento. Dessa maneira, as presas, que sentem o cheiro das predadoras, sabem que não podem ir para aquele lado se não quiserem morrer. Mas, ao mesmo tempo, a leoa que sobrou se esconde do lado oposto, contra o vento. A emboscada está armada.

Todas as leoas precisam estar atentas não só à manada mas também às outras felinas. Manchas localizadas na parte posterior de suas orelhas dão indicações da posição de cada caçadora. Quando estão bem posicionadas, as que estavam a favor do vento se movem em direção à manada, espantando as zebras para a direção oposta - que vão, assim, ao encontro da leoa que estava na tocaia. Ela permaneceu todo o tempo à mais curta distância possível, porque sabe que, se não vencer a presa em pouco tempo, ficará cansada e perderá a caça, que geralmente tem mais resistência para correr longas distâncias.

A predadora dá um pique e corre para pegar a zebra. Ao derrubá-la com a força de seu corpo, patas e garras, prefere morder a presa pela garganta, de modo a asfixiá-la. Abatido o animal, é necessário dividi-lo entre os membros do grupo. Até nesse momento há uma ordem precisa: o leão macho, líder do grupo, é o primeiro a comer. Depois, nessa ordem, as fêmeas mais fortes, as mais fracas e os filhotes. Não se pode dizer que não há agressividade na hora de dividir a comida - as leoas chegam a lutar entre si pelo direito de comer primeiro. Um leão pode consumir até 40 kg de carne em uma refeição, mas depois disso ele não precisa caçar por vários dias. E, findo o banquete, é hora do descanso. Com a barriga cheia, o animal pode ficar até 18 horas dormindo, enquanto o estômago digere a carne.

Cada grupo de leões é composto de cerca de 15 adultos. Desses, de dez a 12 são fêmeas e de três a cinco são machos. Entre as leoas, somente algumas caçam. Outras cuidam dos próprios filhotes e dos filhotes alheios - elas têm a cria na mesma época do ano. A proteção do grupo é uma das grandes preocupações do leão, já que ele costuma se deparar com bandos menores, compostos de machos, que lutam com o líder para demovê-lo de sua posição. "Quando outro leão vence, os filhotes do grupo antigo são mortos, e o novo líder cruza com as fêmeas para começar a sua linhagem. Se o leão não defender seu bando, o investimento na reprodução vai por água abaixo", conta Carlos Alberts. Outra preocupação é assegurar o território de caça - que pode ser um pedaço de terra fixo ou então uma manada de presas que o bando segue savana afora.

Essa divisão de trabalho é, provavelmente, um dos motivos pelos quais somente as fêmeas caçam, na maior parte dos haréns. Enquanto elas têm as funções de conseguir a refeição e atender à prole, os machos são incumbidos de proteger o grupo. Outra evidência das vantagens de as fêmeas caçarem é a diferença física entre os sexos: a juba. Grande e pesada, ela atrapalharia os movimentos necessariamente ágeis durante a caça, além de aumentar a temperatura corporal. Os chamados leões-tsavo, que vivem perto do Rio Tsavo, no Quênia, não têm juba - e caçam junto com as leoas. (Aliás, outra função interessante da juba é revelar a idade do macho. Conforme o tempo passa, a juba vai ficando mais escura. E, se o leão entrar numa briga, ela cai e cresce de novo mais clara. Um leão de juba escura, portanto, é um vencedor. É um bom partido e será um bom pai.)

Estratégias leoninas para matar outros animais servem não somente para conseguir alimentos mas também para executar competidores. Hienas, por exemplo, alimentam-se de carniça e, como andam em bandos de até 70 membros, podem afastar um grupo de leoas que abateu uma caça e minar o esforço dos felinos. O grupo de hienas, no entanto, tem uma hierarquia matriarcal - uma fêmea lidera o bando e esse poder é passado de mãe para filha. Por isso, os leões antevêem a desestruturação do grupo e matam a líder. Se sua filha não tiver atingido a idade adulta, haverá uma luta pelo poder que desmembrará o grupo - e ele não será mais tão perigoso para os leões.

Cachorros-selvagens africanos são outros animais que competem com leões pelas presas. Diferentemente das hienas, porém, esses bandos não são prejudicados somente pela morte do líder, já que a hierarquia se restabelece rapidamente. É preciso que os leões matem o maior número possível de competidores. Ao se depararem com os cachorros, chegam a matar quase 20 de uma só vez.

Leões encontram inimigos até dentro da própria família dos Felidae: os ágeis guepardos, de alta eficiência de caça, podem ganhar dos leões na competição por uma presa, além de suportarem temperaturas mais altas e poderem caçar com o sol a pino. "Para evitar que, no futuro, o guepardo torne-se um competidor, o leão elimina-o enquanto filhote", diz Carlos Alberts. "É uma estratégia em longo prazo que mostra alta capacidade cognitiva."

Apesar das lutas com todos esses animais, o maior problema do leão tem sido a expansão populacional humana, que rouba seus territórios. Há cerca de 2 mil anos, os felinos habitavam a Europa, África e Ásia. Os leões europeus sumiram. Há menos de 200 anos, habitavam ainda quase toda a África, com exceção do Deserto do Saara e da bacia do Rio Congo, e o oeste da Ásia. Hoje em dia, foram reduzidos a algumas pequenas populações espalhadas pela África subsaariana, e há cerca de 250 leões da subespécie P. leo persica, o leão-asiático, no parque de Gir, na região de Goa, Índia. A caça de leões e a expansão territorial do ser humano vêm causando o declínio da população desses animais. O leão é considerado uma espécie vulnerável pela IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza).
"Se olharmos um mapa com a distribuição atual do leão, veremos uma mancha grande", diz o biólogo Laurence Frank, da Universidade da Califórnia em Berkeley. "Mas devemos ressaltar que, na maior parte dessa área, não há realmente leões. Eles se encontram em pequenas populações aqui e ali, confinados a áreas de preservação ambiental." Segundo Frank, somente Tanzânia e Botsuana ainda contam de verdade com uma grande população de leões. Aquela cena típica de documentário de televisão, de uma leoa abatendo uma presa, que descrevemos no início, está se tornando mais rara. O leão mostra por que é visto como rei - da caçada em grupo à eliminação de concorrentes, tanto atuais quanto potenciais. Mas é possível que o rei e as rainhas fiquem sem reino.


Caçadores de homens


Eles hoje estão empalhados no Field Museum, em Chicago, nos Estados Unidos. Mas, há mais de um século, já foram o terror de muitos homens. Em 1898, durante a construção de uma ponte ferroviária sobre o Rio Tsavo, no Quênia, África, dois leões mataram quase 140 operários de uma empresa da Inglaterra, responsável pela obra. Apesar de os homens tentarem se proteger com cercas e fogueiras, os ataques continuavam. Muitos deixaram o local. Só voltaram quando, finalmente, os leões foram mortos. Dois fatores podem ter contribuído para que os leões buscassem presas humanas. O primeiro seria uma epidemia que havia matado naquela década milhões de zebras e gazelas, diminuindo a oferta de comida. O outro, as covas precárias em que eram enterrados operários que morriam de acidentes ou doenças - ao comerem os cadáveres, os leões podem ter começado a buscar humanos como suas presas. Após alguns anos, a pele dos leões foi vendida para o museu, onde permanece até hoje em exposicão. As aventuras do engenheiro John Henry Patterson, que matou os leões a tiros, foram retratadas no filme A Sombra e a Escuridão, de 1996.


Como caça a leoa




1. Ardil

Todas as leoas, menos uma, avançam para as zebras na direção do vento



2. Fuga inútil

As zebras sentem o odor das leoas e correm na direção oposta



3. Surpresa

A leoa remanescente já esperava a presa e ataca



4. Golpe fatal
Uma zebra foi morta pela leoa, mas quem come antes é o macho


Fatos selvagens




Nome vulgar

Leão



Nome científico

Panthera leo



Dimensões

3 metros do focinho ao fim da cauda



Peso

Até 200 quilos



Principais armas

Velocidade, força, garras, dentes



Comportamento social

Sociável, quase sempre vive em grupo. As leoas caçam para o bando e os leões o protegem



Ataques a humanos

Mais de 700 ataques em 15 anos, na Tanzânia



Expectativa de vida

10 anos na natureza; 25 anos em cativeiro



Quanto come

Em cativeiro, 13 quilos de carne por dia



Dieta

Zebras, gnus, antílopes, búfalos, girafas



Inimigos

Hienas, guepardos, cachorros-selvagens



Se você encontrar um
Afaste-se calmamente, sem dar as costas para o animal


Para saber mais




Na livraria

Serengeti Lion - A Study of Predator-Prey Relations - George Schaller, University of Chicago Press, EUA, 1976



Na internet

www.african-lion.org - Site de uma organização sul-africana com informações e notícias sobre os animais



Nas bancas - DVD
Território Selvagem - Leão - Documentário produzido pela BBC e lançado no Brasil pela Super


quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Amazônia - recanto selvagem

AMAZÔNIA - recanto selvagem



Embora o planeta inteiro fique de olho na Amazônia, andar no meio dela é desafio para poucos. Além da beleza, da magnitude e do exotismo, a floresta impõe a força de seu aspecto selvagem não só pelo tamanho, mas pelas mudanças bruscas de luminosidade, quantidade de sons bizarros em diversos momentos do dia, visibilidade complicada, perigos. Por dentro é um mundo aparentemente homogêneo, uma massa de verde que se altera com a escuridão das sombras. As árvores estão muito próximas, observa-se só o que está perto, não é como andar num campo ou numa praia. Um quati pode pular na sua frente, um bando de porcos selvagens virem em bando. Galhos caem, insetos aparecem. Faz um calor de até 40º C. Chove muito. Aventura incrível para alguns, ambiente inóspito para outros, a Amazônia é um santuário complexo, exuberante e necessário para a vida de todos.

Ocupa mais da metade da área do Brasil, que possui 67% da Amazônia em seu território. O bioma alarga-se pelos estados do Acre, Amazonas, Rondônia, Amapá, Pará, Roraima, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso. O restante está em vários países: Peru, Colômbia, Venezuela, Bolívia, Guiana, Suriname, Guiana Francesa e Equador. A América do Sul é a região mais rica da terra em biodiversidade só por causa da Amazônia.

Vista de cima, a paisagem é completamente irregular. A vegetação vai de pedaços de cerrados a verdadeiras savanas, passando até por pedaços de pequenas praias de rios e circundando cachoeiras inesperadas. Em linhas gerais, a floresta divide-se em terra firme e alagada e tem o aspecto de um composto de ilhas separadas entre si por grandes ou pequenos rios. Cada um desses pedacinhos ainda pode ser cortado por igarapés - riachos menores, alguns têm quase a largura de uma canoa. Na floresta de terra firme, as árvores de até 50 metros de altura lembram a paisagem da mata Atlântica. Mais abaixo da altura dessas árvores há palmeiras e cipós.

É mais fácil andar numa floresta conservada do que numa regenerada. Nas florestas secundárias, revividas de um desmatamento, é mais difícil penetrar porque arbustos e emaranhados de galhos novos impedem a passagem. Na floresta antiga, basta caminhar com um facão na mão para cortar os cipós pela frente. Aliás, até os cipós, tipo de planta que começa a vida na terra e se apóia em suportes para chegar a grandes alturas, viraram objeto de estudo. Para as áreas de extração de madeira, são considerados pragas. Mas ajudam os macacos e preguiças a se locomover entre as árvores, produzem flores bonitas e têm função medicinal. Pena que não é fácil ver macacos pendurados em cipó. Na verdade, é fantasia imaginar na Amazônia um festival de bichos à mercê dos olhares de quem chega por ali. Há momento e lugares certos para observar a fauna.

Nas terras alagadas, por exemplo, ninguém vai encontrar muitos macacos. Essa parte da Amazônia sofre enchentes entre março e setembro, quando os capins se destacam do solo e bóiam na superfície d’água, com as vitórias-régias. Os mamíferos mais presentes nessas áreas são as antas e as capivaras, ótimos nadadores. As águas dos rios também são diferentes entre si. Turistas lotam os barcos para ver o fenômeno de encontro das águas escuras do rio Negro com a água turva do Solimões.

Os macacos estão aos montes na terra firme. Não necessariamente em terra. No chão é mais fácil encontrar sapos, pererecas e formigas gigantes. Animal considerado um dos principais símbolos da Amazônia, há mais de 100 espécies de macaco. Para vê-los, é melhor esticar o pescoço. De comportamento arisco, dificultam a aproximação dos pesquisadores, escondendo-se e pulando entre os galhos das árvores de 30 a 50 metros de altura. Dividem o espaço com papagaios, tucanos, pica-paus, pavões etc. Sempre a dezenas de metros de altura do chão, onde está a grande diversidade animal, para tristeza dos curiosos.

Um dos espetáculos mais incríveis da vivência na floresta Amazônica, porém, pode ser apreciado de olhos fechados: o barulho dos bichos que sobressai aos sons do vento nas folhas e o estalar dos galhos. Os sons da noite são diferentes dos do dia, e as aves são os bichos mais barulhentos. As diurnas mostram mais tipos de canto, caóticos e ritmados, a partir das 5 da manhã, depois de os bichos da noite se calarem. Aves noturnas são, entre outras, corujas e bacuraus, de canto mais simples e agudo, que aparecem ao cair da tarde. O pico da barulheira é por volta das 9 da manhã. Desse horário em diante, a temperatura esquenta e, de repente, um intrigante silêncio invade a mata, durando mais de três horas. Provavelmente, os bichos fogem do calor, para se alimentar e cuidar de suas crias.

A despeito da dificuldade em lidar com a mata e o pesadelo do desmatamento, a população sobrevive em pequenas cidades ou conglomerados na beira dos rios. O ribeirinho usa a canoa para movimentar-se, vive de caça e pesca e mantém viva uma cultura cabocla de folclores religiosos e pagãos.

Índios geralmente habitam aldeias ao longo dos rios e abrem trilhas que seus pés descalços percorrem com facilidade. Algumas comunidades entraram em contato com a sociedade nacional (estudiosos preferem chamar assim os "não-índios"), mas felizmente se estima dezenas de comunidades ainda selvagens. Ou, como no caso dos zo’és, indígenas que são protegidos pela Funai e vivem em estado praticamente isolado (à custa de muito trabalho por parte dos indigenistas). Esses índios, como ocorre com muitas tribos amazônicas, andavam vestidos e trabalhavam para o governo. A Funai lhes ajudou a retomar na medida do possível os hábitos genuínos da tribo, que nunca viu televisão e pouco sabe do que se passa além dos limites da mata. Quando os colonizadores europeus chegaram na região, nos idos do século 16, milhões de índios viviam lá. Até o fim da década de 40, quatro séculos depois, não houve interferência humana na paisagem vegetal. Depois dessa data, muito foi destruído, até mesmo as tribos. Sobraram poucos dos selvagens moradores mais respeitosos da Amazônia.



Área total - 6 683 926 km²

Área intacta - 80%
Área protegida - 8,3%


Conservação e ameaça


Infelizmente, o jeito com que as pessoas mais olham a Amazônia não é de cima ou de baixo: mas de fora. As ameaças a esse santuário são tão grandes quanto seu tamanho. O desmatamento continua sendo a pior delas. Em 2003, foi registrado o segundo maior da história da Amazônia: 23750 quilômetros quadrados. Na parte brasileira. Já foram desmatados nada menos que 652908 quilômetros quadrados dentro do país. É uma situação bastante grave. Empresas de alto porte investem pesado milhões de dólares para comprar milhões de hectares com o objetivo de sempre: extrair madeira. As reservas minerais também atraem exploradores de cobre, chumbo, ouro, estanho e outros. O Brasil pouco conseguiu proteger de forma adequada a região dos Carajás. A caça de animais silvestres e a pesca também são motivo de alerta, tanto pelo prejuízo da fauna quanto da flora. Um dos principais grupos envolvidos na prevenção da destruição de algumas regiões da floresta são os índios, que cuidam de 397 reservas indígenas, 24,4% da Amazônia brasileira. Os kayapós são os mais engajados. O governo brasileiro, depois que recebeu a notícia do crescimento de 40% do desmatamento, criou um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), que propõe medidas de redução do desmatamento. É uma união de esforços da Presidência da República com os ministérios do Meio Ambiente, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Ciência e Tecnologia, da Defesa, do Desenvolvimento Agrário, da Justiça, da Indústria e do Comércio Exterior, da Integração Nacional, das Minas e Energia, dos Transportes e do Trabalho. Ainda existem grandes oportunidades de conservação nesse bioma que deveriam ser aproveitadas ao máximo pelas autoridades.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Langsdorff: No coração do Brasil

LANGSDORFF: NO CORAÇÃO DO BRASIL



Um tempo de viagens clássicas. Assim pode ser definido o início do século 19. No Brasil, que mal começava a ocupar o território longe do litoral, um barão alemão que passara um quarto de século em expedições científicas pelo mundo - e trabalhava como cônsul da Rússia no Rio de Janeiro - se transformaria no mais importante explorador daquelas terras vastas e desconhecidas. Ele se chamava Jorge Henrique Langsdorff e seu sobrenome batizou a expedição russa que, de 1821 a 1829, revelaria aspectos totalmente ignorados da fauna, flora, geologia e geografia de nosso país.

Nos primeiros cinco anos, esse naturalista, etnógrafo e diplomata conheceu como poucos o interior das Minas Gerais, o Rio de Janeiro e o litoral de São Paulo. Nesta reportagem, você vai acompanhar a segunda (e mais importante) parte da Expedição Langsdorff: o percurso feito entre 1826 e 1828, de Porto Feliz, no interior paulista, a Santarém, no Pará. Foi, ao mesmo tempo, uma verdadeira aventura pelo coração do Brasil e a mais cuidadosa e bem preparada expedição que jamais cruzou o território nacional. Estudiosos e artistas puderam fazer contato com as populações locais, coletar plantas e bichos e retratar, em desenhos e pinturas, tudo o que se via pelo caminho. Descobertas que, logo nos primeiros anos, ajudariam a fixar, no exterior, a imagem de nosso país em seus primeiros anos de existência independente. Mas que em seguida seriam esquecidas, pois todos os registros acabariam perdidos nos arquivos da Academia de Ciências de Leningrado (hoje São Petersburgo), na Rússia - para ser reencontrados quase um século depois, em 1930.

Na hora da partida, em Porto Feliz, a equipe contava com 39 homens. Além de escravos, remadores e guias, havia astrônomo, botânico, cartógrafo, médico, zoólogo e três artistas: Johann Moritz Rugendas, Adrian Taunay (tio do futuro Visconde de Taunay) e Hércules Florence. Rugendas ficou com o grupo por uns poucos meses. Taunay morreu em janeiro de 1828, quando se afogou no Rio Guaporé, em Vila Bela (onde hoje é Rondônia). Florence, um francês de 22 anos, chegara ao Brasil dois anos antes. Naquele 22 de junho de 1826, todos partiram em duas grandes canoas cavadas em troncos grossos, três batelões e outras três embarcações menores. O destino: subir o rio Tietê até seu encontro com o Paraná, de lá seguir pelo Pardo, o Cuiabá, o Arinos e o Tapajós, para chegar a Santarém (veja no mapa da página 60 o percurso percorrido pela Expedição Langsdorff). "É difícil descrever essa maravilha da natureza, a rapidez com que aquela água se transforma em espuma branca e poeira. Junto às rochas, a terra treme. Nossos artistas, o senhor Taunay e o senhor Florence, fizeram alguns croquis. Mas a cena é muito grande e extensa; seriam necessárias várias semanas de estudo para representar todo o espetáculo num único retrato", escreveu o comandante em seu diário logo nos primeiros dias da viagem.

Em seus relatos, a emoção muitas vezes se sobrepõe aos objetivos científicos. Além de anotar informações como nomes de lugares, plantas, sementes e bichos, o barão reveria vários de seus pré-conceitos sobre os indígenas - e passaria a questionar e criticar o que via e sentia. A rotina era bastante simples: navegar, tomar notas, descer do barco para coletar materiais, caçar e explorar aquelas terras virgens. Acima de tudo, Langsdorff considerava que o mais importante era estreitar laços de amizade com a população. Foi assim que ele e sua equipe entraram em contato com inúmeras tribos indígenas. Acredita-se que a expedição foi a única a encontrar-se com os apiacás quando eles ainda eram numerosos.

Os últimos quilômetros até Cuiabá eram só descida. Primeiro, o rio Coxim, depois o Taquari e, enfim, uma cachoeira antes da cidade. No diário, Langsdorff relatou a festa que os tripulantes fizeram ao passar pelo local, "com uma salva de espingardas, danças e cantos". Era meados de dezembro quando a caravana entrou no rio Paraguai. Depois de um susto com os índios guaicurus, que atearam fogo na mata, o grupo foi para a outra margem, onde havia uma comunidade de negros, caburés, mestiços e índios. Logo depois do Natal, os expedicionários chegaram a Dourados. "No dia 26 de dezembro, ouvimos o latido de cães e o cantar dos galos. Que alegria!", comemorou Langsdorff. Em seguida apareceram canoas cheias de índios guatós, com quem todos conviveram algum tempo, antes de partir novamente. "Sem dúvida alguma é (o brasileiro) muito mais hospitaleiro do que qualquer outro da Europa. O viajante sabe que, em qualquer parte em que houver um morador, há de ser por ele acolhido e tratado." Graças a esses relatos costuma-se dizer que a expedição revelou um outro Brasil para o mundo.

Doença e morte

Logo após o encontro com os parecis, perto de Cuiabá, um dos integrantes da equipe voltou ao Rio de Janeiro, levando caixotes com bichos e plantas, relatórios e manuscritos, cartas e um maço de desenhos. Langsdorff, então, resolveu dividir o grupo em dois. Um, chefiado por ele, se embrenharia rumo ao norte por caminhos pouco conhecidos. O outro tentaria atingir o Amazonas descendo os rios Guaporé, Madeira e Mamoré. O ponto de encontro seria o Forte de São José, na barra do rio Negro (onde hoje é Manaus). Em janeiro, depois de visitar Casalvasco, na fronteira da Bolívia, Taunay chegou ao rio Guaporé sob forte chuva. Mesmo assim, resolveu atravessá-lo a nado, desaparecendo para sempre nas águas.

Percalços desse tipo eram comuns na época. Dos 39 integrantes que partiram de São Paulo, só 12 chegaram ao Pará. Doenças e desavenças fizeram com que vários ficassem pelo caminho - e outros tantos morressem. O próprio barão foi acometido de febre amarela e malária. Perdeu a memória em maio de 1828, às margens do rio Juruena. No dia 26 de março do ano seguinte, os sobreviventes da Expedição Langsdorff chegaram ao Rio de Janeiro no navio Dom Pedro I. Traziam o chefe, já em estado de loucura. Jorge Henrique de Langsdorff voltou para a Europa em 1830. Depois de mais 22 longos anos de agonia, morreu.
O percurso, que em sua versão original consumiu quase três anos, seria refeito por uma equipe de documentaristas, durante um mês em 1999. Nesse grupo estava Adriana Florence, tataraneta de Hércules - que também é artista plástica e teve a chance de desenhar alguns dos mesmos lugares em que seu antepassado francês havia estado. A paisagem acima mostra essa viagem no tempo. As outras imagens que ilustram estas páginas retratam esses dois momentos do Brasil. Terminada a viagem de barco, Adriana foi à Rússia ver os manuscritos de seu tataravô. "O que senti ao abrir o diário é inexplicável", escreveu ela no livro No Caminho da Expedição Langsdorff. "As folhas envelhecidas pelo tempo e o frescor de cada palavra, cada descrição minuciosa do que viveu. Reconheço os lugares enquanto leio sua narrativa precisa. Posso estar lá novamente. Vou me lembrando de cada passagem. Naquele momento somos um só."

Um país redescoberto

1. PORTO FELIZ

A expedição partiu de Porto Feliz, em junho de 1826, pelo rio Tietê. No caminho até Mato Grosso, cachoeiras e fazendas. Os índios apareciam nas tribos ou no meio da mata

2. CAMAPUÃ

Essa foi uma das fazendas que serviram de pouso. Todos tiveram contato com a pobreza, o trabalho escravo, as doenças e o descaso das autoridades com a população. Langsdorff doou várias sementes para hortas individuais e cuidou dos doentes

3. CUIABÁ

A chegada a Cuiabá, em janeiro de 1827, foi uma das grandes alegrias. A cidade ganhou muito espaço nos diários e nos desenhos dos artistas. Ao final da estadia, o grupo foi dividido em dois, para se reencontrar na barra do rio Negro

4. SANTARÉM
Aqui terminou a expedição, depois de mais de 13 mil quilômetros por cinco estados. Langsdorff, com malária, já não tinha mais como continuar o trabalho. Ficaram os relatos e desenhos de quase três anos de viagem

Índios e mais índios

Os xavantes, que Langsdorff cruzou quando descia o rio Tietê até Cuiabá, vivem hoje na serra do Roncador e em vales de rios no leste de Mato Grosso. Os caiapós habitam aldeias dispersas ao longo dos rios Iriri, Bacajá, Fresco e outros afluentes do Xingu, na mesma região em que a equipe de Langsdorff os encontrou. Considerados extintos por 40 anos, os guatós foram reencontrados no Pantanal Mato-Grossense, perto do município de Corumbá (MS). Os parecis viviam no planalto de Mato Grosso e eram freqüentemente escravizados pelos bandeirantes, no século 19. Um desses povos, os halítis, vive no oeste de Mato Grosso. Na língua nativa, "pátio da aldeia". Os índios dessa etnia, que ocupavam uma grande região de cerrado do Brasil Central, se limitam hoje a Mato Grosso. Conhecidos como guerreiros, os apiacás só perderam a língua e o modo de vida tradicional após dois séculos de contato com os não-índios. Hoje vivem em Mato Grosso e no Pará. Povo de tradição guerreira, os mundurucus dominavam culturalmente o vale do Tapajós. Hoje, luta para garantir a integridade de seu território.

Paixão pelo Brasil...

Grigory Ivanovitch von Langsdorff nasceu em abril de 1774 na Alemanha. Médico e naturalista, foi botânico da primeira expedição russa ao redor do planeta. Ao passar pelo Brasil, em 1804, encantou-se pelo país. Mudou de nome para Jorge Henrique em abril de 1813, ao assumir como cônsul-geral da Rússia no Rio de Janeiro. Hércules Florence nasceu em 1804 na França. Conhecedor das artes e da ciência e encantado pelos desafios das viagens, veio ao Brasil em 1824. Também se apaixonou à primeira vista. O grande encontro entre os dois se deu porque Langsdorff publicou um anúncio para contratar um desenhista disposto a participar de sua viagem fluvial pelo interior do país. Florence leu o anúncio, se candidatou e ficou com a vaga. A bordo, viraram grandes amigos. Ao final da expedição, porém, tiveram de se separar. Langsdorff, doente, voltou à Alemanha. Aposentado, foi viver em Freiburg, no sul daquele país, onde morreu em 1852. Florence, por sua vez, ficou no Brasil. Escolheu Campinas para viver o resto de sua vida. Em 1830, publicou, como resultado de suas observações durante a viagem, um estudo sobre o som produzido pelos animais, que chamou de Zoophonia. Nessa época também realizou experiências com fotografia, técnica da qual é reconhecido como um dos pioneiros. Morreu em 27 de março de 1879.