Como 'O Senhor dos Anéis' virou um ícone da contracultura
Frodo um dia já foi ícone de uma geração que queria revoluções
Em um tempo de sexo, drogas e rock'n roll – sem falar em protestos contra a Guerra do Vietnã e marchas por direitos civis e das mulheres – quem diria que um grande papel de influência foi desempenhado por um filólogo cristão de Oxford?
Mas nos anos 1960, em um tempo de mudanças sociais aceleradas nos Estados Unidos, os livros "O Hobbit" e "O Senhor dos Anéis", de JRR Tolkien, se tornaram leitura obrigatória para a contracultura que nascia na época. As obras eram devoradas por estudantes, artistas, escritores, roqueiros e outros intelectuais mentores da mudança cultural. Slogans como "Frodo vive" e "Gandalf para Presidente" eram pichados nas estações de metrô de diversas partes do mundo.
A Terra Média – o universo mítico meticulosamente criado por JRR Tolkien – começou a nascer entre as duas grandes guerras mundiais. Professor de línguas em Oxford, Tolkien lecionava anglo-saxão, islandês arcaico e galês medieval.
Sua visão fantasiosa, com a ideia de que o mau está a espreita, ameaçando o bem, surgiu de sua experiência como católico devoto, e também como alguém que perdeu muitos amigos e familiares na Primeira Guerra Mundial.
"Os Pântanos Mortos e a região de Morannon se assemelham ao norte da França, que foi palco da Batalha de Somme", escreveu Tolkien em uma carta nos anos 1960.
A saga de Frodo e Sam para chegar a Mordor é inspirada nos tormentos dos jovens soldados que combateram no front ocidental durante a guerra.
Os livros sempre tiveram uma certa popularidade desde seu surgimento – "O Hobbit" em 1937 e "O Senhor dos Anéis" em 1954 (primeiro volume). Mas eles explodiram em um fenômeno cultural de massa de verdade apenas nos anos 1960.
Hoje em dia, os mágicos, anões e orcs do imaginário de Tolkien parecem coisa de "nerds" aficcionados por histórias em quadrinhos. Mas o primeiro público a realmente cultuar esse universo foi o "hippie". Como isso aconteceu?
Viagem
O consumo de drogas nos livros de Tolkien pode ajudar a explicar a sua popularidade nos anos 1960. Muitos dos personagens da Terra Média usam plantas alucinógenas.
'Frodo vive' foi um slogan da contracultura dos anos 1960
As "pequenas pessoas do Shire" usavam uma erva alucinógena em seus cachimbos. Saruman, o mago perverso, também fica "viciado" em uma folha específica do Shire. Havia até mesmo um boato de que Tolkien escrevera grande parte do livro sob influência de drogas.
Outro fator que sempre teve grande apelo junto a esse público foi uma forma mais simples e medieval de vida, muito diferente do caos urbano e da modernidade. Tolkien exaltava os elementos mais comuns da natureza, como as pedras, a madeira, o ferro, as árvores e o fogo. Esse estilo de vida com menos modernidade e contra a poluição era defendido por muitos vegetarianos que construíam suas próprias casas e roupas e viviam em comunidades.
Um fator muito importante para quem combatia guerras e lutava por direitos civis e das mulheres era o contexto político dos livros. Os heróis de Tolkien eram os hobbits, as pessoas pequenas, que lideravam uma revolução.
O complexo militar industrial da época era parecido com Mordor e sua visão mecanizada de guerra. Ao saber de sua missão para levar o anel para sua destruição em Mordor, Frodo sente uma "vontade irresistível de descansar e ficar em paz em Rivendell". Mas aqueles que lutavam ao seu lado viam o conflito como a chance de travar "a guerra que vai acabar com todas as guerras".
Algumas passagens refletem particularmente o sentimento de muitos na época. Em um trecho, o herói Aragorn pergunta à personagem Lady Éowyn de Rohan – que enfrentava dificuldades impostas pela sociedade patriarcal em que vivia – o que ela mais temia no mundo. Sua resposta: "Uma jaula. Estar aprisionada, até ser consumida pela idade, e que a oportunidade de fazer grandes realizações esteja fora do alcance ou desejo." Esse tipo de pensamento tinha grande ressonância entre as feministas.
Rock
O mundo do rock, que sempre teve uma ligação forte com os movimentos de contracultura, também se inspirou em Tolkien. Nos anos 1960, os Beatles cogitaram fazer uma versão de "O Senhor dos Anéis" – com Paul no papel de Frodo, Ringo como Sam, George como Gandalf e John como Gollum – mas o projeto nunca decolou. A canção "The Gnome", do Pink Floyd, de 1967, descreve um universo muito parecido com o dos hobbits.
JRR Tolkien era religioso e 'careta' para muitos, mas inspirou jovens
O Led Zeppelin fez várias referências aos livros. Na canção "Ramble on", Robert Plant canta sobre sua uma mulher que "conhecera em Mordor" que fora roubada por Gollum. Há referências também em "Misty Mountain Hop" e "The Battle of Evermore".
A canção "The Wizard", do Black Sabbath, é uma ode a Gandalf. A canção "Stagnation", do Genesis, também tem grande influência da Terra Média. Já o Rush compôs "Rivendell", em homenagem a terra dos elvos. A canção "The Necromancer" fala sobre Sauron.
Hoje em dia é difícil ver a obra de Tolkien inspirar tantas pessoas em um movimento de contracultura. O que será que aconteceu? Talvez parte disso se deva a Peter Jackson e as trilogias multimilionários de cinema que lançou.
Hoje em dia, "O Senhor dos Anéis" e "O Hobbit" conquistaram gerações que adoram tecnologia e efeitos especiais de cinema. Possivelmente o próprio Tolkien ficaria horrorizado com toda a indústria comercial que se formou ao redor de sua obra.
Mas para quem ainda quiser ter um pouco do espírito original que foi criado pelo autor, todos os seus livros seguem vendidos em livrarias.
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