quinta-feira, 24 de junho de 2010

Arquivos revelam que pornô ‘Garganta profunda’ foi investigado pelo FBI

19/06/09 - 18h14 - Atualizado em 19/06/09 - 19h13

Arquivos revelam que pornô ‘Garganta profunda’ foi investigado pelo FBI
Agência federal dos EUA investigou filme pornográfico de 1972.
Arquivo do diretor Gerard Damiano no FBI tem 4.800 páginas.




Foto: Divulgação O cartaz original de 'Garganta profunda'. (Foto: Divulgação)Arquivos do FBI recém-revelados mostram que agentes em todos os Estados Unidos e no maior nível da agência investigaram “Garganta profunda” – o filme pornô de 1972, chamado de “Deep throat” em inglês – em uma tentativa vã de acabar com o que se transformou em uma mudança cultural em direção a um entretenimento mais permissivo.

Os documentos analisados pela Associated Press mostram a extensão das investigações dos agentes sobre o filme: apreensão de cópias do longa, análises de negativos em laboratórios e entrevistas com todo mundo, de atores e produtores aos mensageiros que entregavam os rolos de filme no cinema.

A estratégia falhou na tentativa de impedir que o filme se espalhasse, no que alguns viram como a vitória de uma revolução cultural e sexual e outros apenas enxergaram como decadente.

“Hoje não conseguimos imaginar autoridades de qualquer nível do governo – local, estadual ou federal – envolvidas com este tipo de perseguição a obscenidades” , diz Mark Weiner, professor de direito constitucional e historiador da Rutgers-Newark School of Law. “A história de ‘Garganta profunda’ é a história do último esforço de entidades alinhadas contra a revolução cultural e sexual e também é o advento da pornografia no mainstream”.

Mais de 4.000 páginas
Os documentos consistem em 498 páginas do arquivo do FBI sobre Gerard Damiano, que dirigiu o filme e morreu em outubro de 2008. Liberados neste mês em função de um pedido de Liberdade de Informação requisitado pela AP, são apenas uma pequena parte do arquivo original de Damiano, que tem em torno de 4.800 páginas no total. Mas de 1.000 páginas foram retidas por duplicarem outros materiais, o resumo final do arquivo ainda não foi revisado e liberado.

Várias partes dos arquivos liberados foram suprimidas, e alguns dos objetivos do FBI são imprecisos, mas a seriedade com que a agência tratou a investigação é inquestionável.

Várias autoridades disseram que o filme foi feito com dinheiro da máfia – e o próprio FBI ligou a máfia com a pornografia por anos – mas o arquivo não inclui nenhuma menção às supostas ligações.

O documento inclui memorandos trocados entre os diretores do FBI – L. Patrick Gray, William Ruckelshaus e Clarence Kelley, que sucederam, em ordem, J. Edgar Hoover – e tantos agentes de campo que parece que quase todas as grandes cidades dos EUA estavam envolvidas.

Enquanto boa parte das investigações centravam-se em Nova York, onde a maioria dos participantes do filme viviam, e Miami, onde ele foi produzido, agentes de Honolulu a Detroit se envolveram.

Nixon
Em várias páginas do documento, um checklist com os principais funcionários do FBI aparece no topo direito, com iniciais ao lado de alguns nomes. Um dos listados é W. Mark Felt, o segundo em comando do FBI cujo pseudônimo “Garganta profunda”, usado como informante no caso Watergate, veio do nome do filme. Apesar disso, nenhuma das marcações indica que ele tenha lido algum dos materiais sobre o filme que virou sinônimo do seu papel na queda da presidência de Richard Nixon.

Felt recebeu o apelido de duplo sentido porque vazou informações cruciais sobre a corrupção na administração de Nixon das “profundezas dos bastidores” para o repórter do Washington Post Bob Woodward. Sua identidade permaneceu secreta até 2005 – ele morreu em dezembro de 2008.

Além de registros investigativos a respeito de intimações, entrevistas, exibições e distribuição do filme, o arquivo de Damiano inclui vários relatórios de agentes do FBI descrevendo o filme cena a cena, e o papel específico de Damiano na investigação da agência.

O FBI nota que Damiano foi “razoavelmente cooperativo” com as investigações. Os memorandos não especificam o crime de que o diretor foi acusado, apensar de ser mencionada ao longo dos documentos a acusação de transporte interestadual de material obsceno.

Linda Lovalace
Entre as áreas do caso que foram suprimidas está uma entrevista com a estrela do filme, que na época atendia pelo pseudônimo de Linda Lovalace.

“Garganta profunda” atingiu uma fama acima de qualquer outro filme pornográfico na história e se tornou o filme adulto mais conhecido a chegar ao grande público. Foi imensamente lucrativo – custou US$ 25 mil e teve uma renda de milhões de dólares – e se transformou em expressão cultural.

Agentes de todos os níveis de governo tentaram parar as exibições e julgamentos sobre obscenidade seguiram por anos. Mas ao fim, dizem os especialistas, marca o fim da era em que o governo tentou frear as mudanças culturais.

Eugene Volokh, professor de direito na UCLA, diz que o estranhamento que se pode ter sobre a investigação feita a respeito de “Garganta profunda” é reflexo de tempos diferentes.

“Certamente hoje, com nossa atitude menos restritiva à maioria da pornografia e ao sexo nos faz pensar que é muito estranho que o governo tenha dedicados tantos esforços em fazer algo assim”, diz. “Mas as atitudes na época eram muito diferentes”.

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