O QUE É QUE A CABALA TEM?
Conta a Torá que, após ter libertado os judeus da escravidão, Moisés gozava de grande prestígio não só entre seu povo, mas também na mais alta esfera divina. Deus lhe fazia diversas aparições e, em uma das visitas, teria lhe apresentado as leis que disciplinariam a vida dos judeus. Seguindo a orientação do Senhor, Moisés compilou-as na Torá, a Bíblia dos judeus. No entanto, o que muitos não desconfiavam é que, mais do que um calhamaço de leis, a Torá guardava informações valiosíssimas. Nas entrelinhas das 613 normas descritas no livro, estavam codificados os mistérios da criação do mundo.
Milhares de anos depois das conversas entre Deus e Moisés, seu conteúdo está conquistando cada vez mais adeptos, incluindo aí gente da nata de Hollywood. A cantora Madonna, por exemplo, já cansou de dizer que a cabala mudou sua vida. "Ela ensina que seu verdadeiro potencial não tem a ver com vender discos ou ser famosa. Tem a ver com o que você faz para tornar o mundo melhor", disse a cantora ao jornal inglês The Sunday Times, em 2004. Mas o que na cabala fez Madonna perceber que sua sina não era ser uma material girl? Quais são os ensinamentos por trás dessa sabedoria milenar? E por que eles estão se tornando pop?
Origens e influências
A história de que Moisés recebeu do Senhor os ensinamentos da cabala é apenas uma das muitas versões sobre sua origem. Há quem diga que Adão foi o primeiro a ter acesso a essa sabedoria e depois a transmitiu aos homens do patriarcado hebreu (Noé, Abraão, Moisés). Outros acreditam que um anjo a teria revelado ao misterioso sacerdote Melquisedec, que a repassou a Abraão. Todas essas lendas ajudaram a obscurecer os fatos sobre a verdadeira origem desse conhecimento místico.
Alguns estudiosos - entre eles o historiador Gershom Scholem, uma das maiores autoridades no assunto no mundo - concordam que o gnosticismo, movimento esotérico-religioso surgido nos primeiros séculos da nossa era, foi um de seus pontos de partida centrais. Os gnósticos eram pessoas que se dedicavam a refletir sobre questões que sempre intrigaram a humanidade: "quem somos?", "de onde viemos?", "para onde vamos?". Os judeus simpatizantes do pensamento gnóstico se basearam nas escrituras judaicas para criar um sistema de informações e interpretações secretas sobre a origem do Universo, visando justamente responder a essas perguntas. Era o prenúncio da cabala (a palavra deriva da raiz hebraica kibel, que significa "receber", já que os ensinamentos eram recebidos oralmente).
Ao longo dos séculos, esse sistema teria sofrido influências de elementos místicos de diversas religiões e filosofias. Do hinduísmo, por exemplo, herdou a crença de que as almas reencarnam. Dos povos da Caldéia, assimilou os conhecimentos de astrologia. Dos povos babilônios, a crença em anjos e demônios. Mas, de todas as vertentes do saber ocidental e oriental, foi o neoplatonismo, doutrina filosófica criada pelo egípcio Plotino no século 3, que exerceu a maior influência sobre o sistema que seria conhecido como cabala.
Plotino acreditava que Deus está além da compreensão humana e não possui qualquer representação. Essa idéia casou perfeitamente com a tradição legalista do judaísmo, que enxerga Deus sob uma perspectiva altamente sobre-humana e nem se atreve a nomeá-lo. O rabino Laibl Wolf, em seu livro Cabala Prática, de 2003, compara a luz (entenda-se aqui "energia") de Deus a uma lâmpada de brilho tão intenso que, se acendê-la, você corre o risco de ficar cego. Para ele, mesmo cobrindo-a com um pano translúcido, ela ainda será forte a ponto de ferir suas vistas. Somente depois de colocar diversos panos é que se torna possível enxergá-la e compreendê-la. Essa metáfora explica bem a constituição do símbolo máximo do conhecimento cabalístico, a Árvore da Vida (veja na página ao lado).
Ganhando o mundo
A cabala permaneceu restrita ao círculo judaico, tratada como um saber secreto e de elite, durante centenas de anos. Seus ensinamentos só poderiam ser recebidos por aqueles que atingissem o quarto nível de interpretação da Torá. O primeiro estágio (Peshat) era moleza. Todos os judeus tinham de passar por ele e aprender as leis que disciplinam seu comportamento social, ético e religioso. O segundo (Remez) mostrava o que havia por trás do significado literal. No terceiro nível (Derush), o iniciado descobria que as informações sobre a criação do mundo estavam escondidas sob metáforas e analogias. E só então estava habilitado a entender o quarto e último nível (Sod). Todo esse preparo levava muito tempo e, por isso, o seleto grupo de iniciados costumava ser formado por homens com mais de 40 anos.
No século 13, um grupo de cabalistas espanhóis começou a se preocupar com o risco de a tradição se perder e decidiu registrá-la. A publicação do Zohar - O Livro do Esplendor (ainda hoje a obra mais importante da cabala) sinalizava, pela primeira vez, uma tentativa concreta de popularizar esse saber. Nessa época, o clima na Espanha era favorável ao florescimento da mística judaica. Apesar de boa parte da Europa estar sob o jugo da Igreja, a Península Ibérica estava sob o domínio dos árabes desde o século 8. "Muçulmanos instalados na atual Espanha conviviam bem com outras culturas e religiões", conta o professor José Alves de Freitas Neto, do Departamento de História da Unicamp. Graças a essa tolerância, a cabala encontrou um campo fértil para se difundir.
Mas ainda se passariam 300 anos para que ela começasse a se popularizar. Em 1492, a paz na Península Ibérica foi quebrada e os reis da Espanha expulsaram do país todos que não estivessem dispostos a colaborar com a consolidação de um Estado cristão (entenda-se aqui tornar-se católicos da noite para o dia). Essa nova diáspora reacendeu o risco de não somente a mística, mas toda a tradição judaica se perder com a dispersão do seu povo pelo mundo. Na tentativa de garantir a continuidade da sabedoria, os cabalistas se estabeleceram em um novo centro, na cidade de Safed, em Israel. Lá surgiu uma das figuras mais importantes da cabala moderna: Isaac Luria.
Inspirado no Zohar, Luria fez uma releitura da sabedoria místico-judaica, criando a cabala luriânica, cujos ensinamentos continuam muito atuais. Seus seguidores acreditam que algumas das descobertas da ciência no século 20 já tinham sido reveladas por Luria 400 anos antes. "Ele já afirmava, no século 16, que o Universo nasceu a partir de um único ponto de luz, que se fragmentou. Apesar da diferença de denominação - os físicos chamam esse ponto de luz de matéria ou energia - é uma explicação bastante semelhante à teoria de criação do Universo conhecida como big-bang", escreveu o rabino Yehuda Berg, do Kabbalah Centre, de Los Angeles (o centro onde Madonna estuda).
Para ele, a cabala também encontrou, antes da psicanálise, a resposta para uma das maiores indagações da humanidade: a razão do sofrimento. De acordo com a sabedoria mística judaica, a dor e a tristeza impedem que o nosso ego cresça a ponto de nem a gente conseguir se suportar. "Neste momento, você deixa de praticar atitudes que possam ajudar a melhorar o mundo e passa a ter preocupações mesquinhas, como comprar um carro mais legal do que seu vizinho", diz Berg. Pelo comentário de Madonna no começo desta reportagem, dá para ver que ela estuda bem suas lições.
Para os cabalistas, esses conhecimentos já existiam na Torá, só que codificados. Tudo o que eles fizeram foi interpretá-los da maneira certa. "Como o olho físico, que manda uma imagem invertida ao cérebro, a Torá mostra suas histórias de cabeça para baixo. Somente a cabala pode reverter a imagem e nos apresentar a verdadeira compreensão e o verdadeiro significado espiritual", escreveu Rav Berg, irmão de Yehuda, no texto "A Torá Segundo a Cabala". Uma passagem da escritura judaica, contando que Deus ordenou a morte dos habitantes da nação inimiga Amalek, seria um exemplo de como os ensinamentos precisam de decodificação. "É uma instrução controversa à luz do mandamento ‘não matarás’. A cabala explica essa contradição. O Zohar mostra que a palavra Amalek tem o mesmo valor numérico que a palavra em hebraico para incerteza", escreveu Rav Berg. Ou seja, para ele, a mensagem de Deus é para que matemos as nossas próprias incertezas.
Cabala moderna
Mesmo depois dos ensinamentos cabalísticos terem sido passados para o papel, seu estudo ainda era restrito. "Formou-se um sistema filosófico e místico tão complexo que já não se tornava necessário cuidar para que poucos o penetrassem, pois só poucos estariam mesmo capacitados para isso", diz o verbete "cabala" do Dicionário Histórico das Religiões.
Hoje já não é mais assim. Alguns cabalistas têm se esforçado em traduzir para uma linguagem bem simples os ensinamentos místicos judaicos. O irmãos Berg são expoentes dessa turma, que busca mostrar aplicações práticas dessa sabedoria para pessoas comuns enfrentarem os desafios da vida. No livro Os 72 Nomes de Deus, Yehuda Berg ensina a usar determinadas combinações de letras hebraicas, que formam os chamados 72 nomes de Deus, para nos ajudar a solucionar desde o temido mau-olhado até casos complexos como infertilidade.
Essa tradução dos ensinamentos foi um fator decisivo na popularização da cabala nas últimas décadas. Mas, para os cabalistas, ela já estava prevista. "O Zohar já dizia que ‘as portas do conhecimento se abririam’, ou seja, que a sabedoria da cabala se expandiria", diz o rabino Nathan Silberstein, de São Paulo.
Mas a cabala não foi a única sabedoria mística a se popularizar no século 21. Para Leandro Karnal, chefe do Departamento de História da Unicamp e mestre em Ciências da Religião, diversos movimentos místicos emergiram nos últimos anos como fruto da insatisfação do homem com a religião, que institucionalizou a fé. "O padre, rabino ou qualquer outro chefe de uma instituição religiosa passa a ser o intermediário entre o homem e Deus. Aquela comunicação direta descrita nas escrituras sagradas desaparece", diz ele. Em meio à debandada de fiéis, a mística tem desempenhado papel fundamental: ela aproxima o homem de Deus, de forma menos dogmática e severa.
Mas nem todo mundo vê com bons olhos a maneira como alguns pregam essa popularização. "É preciso tomar cuidado. Uma coisa é você querer que as pessoas tenham acesso à informação e ensinar a elas como fazer isso. Outra é você simplificar esse conhecimento a ponto de gerar interpretações deturpadas ou errôneas", diz o rabino Nathan.
Seja porque estava escrito, seja porque os ensinamentos foram simplificados, seja porque ela exprime "as verdadeiras aspirações psicológicas do povo" (como disse o historiador Gershom Scholem), o fato é que a cabala está crescendo. Num mundo de poucas certezas e muitas promessas de fórmulas mágicas, para algumas pessoas ela tem sido uma espécie de bússola. Confiar ou não na direção apontada é uma escolha individual.
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quarta-feira, 28 de setembro de 2011
História - Por que morrem as civilizações???
HISTÓRIA - POR QUE MORREM AS CIVILIZAÇÕES?
Era um domingo de Páscoa, em 1722, quando o explorador holandês Jacob Roggeveen avistou de seu galeão um pedaço de terra perdido na vastidão do sul do oceano Pacífico. De longe, o lugar não era nada atrativo. Ao contrário da maioria das outras ilhas daquela parte do mundo, o terreno não tinha grandes árvores e a grama era tão seca que, a distância, parecia areia. Recebido por uma comitiva de nativos em canoas frágeis e cheias de remendos, Roggeveen resolveu desembarcar e surpreendeu-se com as gigantescas figuras de pedra, esculpidas na forma de rostos humanos, espalhadas ao longo do litoral. "Ficamos muito espantados, pois não compreendíamos como essas pessoas, que não dispunham de cordas fortes ou madeira adequada para construir máquinas, conseguiram erguer aquelas imagens com mais de 10 metros de altura", escreveu em seu diário de bordo.
No interior da ilha, dentro da cratera de um vulcão extinto onde as estátuas costumavam ser esculpidas, o ambiente era fantasmagórico. As ferramentas utilizadas pelos escultores espalhadas pelo chão, estátuas inacabadas e outras deixadas para trás nas estradas que levavam ao litoral davam a impressão de que o lugar havia sido abandonado.
Quase 300 anos depois, o mesmo mistério que intrigava o capitão holandês ainda paira no pensamento de quem desembarca no aeroporto de Mataveri e depara com os enormes moais, as colossais estátuas de pedra que resistem há séculos na ilha de Páscoa. Entre esses visitantes está o biólogo americano Jared Diamond. Professor da faculdade de medicina da Universidade da Califórnia, Diamond é autor do livro Collapse ("Colapso", previsto para sair em agosto no Brasil), que investiga os motivos pelos quais as sociedades desaparecem. A trágica história dos construtores de moais se repetiu em diferentes épocas com civilizações pequenas ou grandes, poderosas ou minúsculas. E o que Diamond percebeu é que elas desapareceram por motivos semelhantes - na verdade, com apenas 5 fatores é possível explicar o desaparecimento de todas as civilizações da história. Até a civilização em que vivemos hoje - cheia de maravilhas tecnológicas e com dezenas de países interligados - poderia sofrer esse mesmo fim. Conheça esses perigos - e a história das sociedades que se expuseram a eles.
Destruindo o ambiente
A chave para entender o misterioso desaparecimento dos construtores de moais está em uma ilha muito diferente da terra infértil e desmatada que Roggeveen encontrou. Analisando o pólen conservado por milhares de anos no fundo de pântanos na ilha de Páscoa, cientistas descobriram que, quando os primeiros polinésios chegaram lá, provavelmente há cerca de 1 400 anos, encontraram um pequeno paraíso. Eram 166 quilômetros quadrados cobertos por uma densa floresta subtropical que crescia sobre o solo fértil de origem vulcânica do qual a ilha é formada. Entre a vasta vegetação nativa, a planta mais comum era uma espécie de palmeira alta e robusta que só existia ali. Além de ter uma madeira forte o bastante para a construção de embarcações e para ajudar a transportar os moais, a palmeira fornecia nozes para a alimentação dos moradores.
A riqueza da fauna também se refletia nas panelas da ilha. Carne de golfinho, de focas e de 25 tipos de pássaros selvagens compunham o banquete - tudo cozinhado no fogo da lenha retirada da floresta. Também, haja comida. Pelos cálculos da arqueóloga Jo Anne Van Tilburg, da Universidade da Califórnia, cerca de 25% dos alimentos produzidos na ilha eram consumidos na intensa produção e transporte de estátuas. Estima-se que eram necessárias até 500 pessoas, utilizando cordas e uma espécie de trenó feito de grandes toras de palmeiras, para arrastar os moais por 14 quilômetros até o litoral.
A partir do ano 1200, a produção de estátuas entrou num ritmo mais acelerado, que durou por cerca de 300 anos. Era preciso cada vez mais madeira, cordas e alimentos para sustentar a crescente disputa entre os clãs que dominavam a ilha, que competiam para ver quem erguia as maiores estátuas. A competição, no entanto, acabou sem vencedores. Pouco depois de 1400, a floresta já não existia e a última palmeira foi cortada, extinta juntamente com outras 21 espécies de plantas nativas. Com a floresta, foram-se as fibras que eram transformadas em cordas, utilizadas em conjunto com as toras no transporte dos moais. Sem troncos fortes para construir canoas resistentes, capazes de ir até alto-mar, a pesca diminuiu muito e a carne de golfinho virou raridade nas refeições. As colheitas também foram prejudicadas pelo desmatamento, já que não havia mais vegetação para proteger o solo da erosão causada pelos ventos e pela chuva. Com seu habitat devastado, todas as espécies de pássaros que voavam pela ilha foram finalmente extintas.
Sem ter o que comer, o número de habitantes foi reduzido a um décimo dos 20 mil que chegaram a viver na ilha no auge do culto aos moais. Os moradores, famintos, finalmente cederam ao canibalismo. Em vez de ossos de pássaros ou golfinhos, arqueólogos passaram a encontrar ossos humanos em escavações de moradias datadas desse período. Muitos deles foram quebrados para se extrair o tutano. Até hoje, um dos maiores insultos que se pode dizer a um inimigo na ilha da Páscoa é algo como "tenho a carne da sua mãe presa entre meus dentes". Não sobrou madeira nem pra palito.
O nome do crime cometido pelos nativos da ilha de Páscoa é ecocídio. Explore demais os recursos naturais de uma área e ela estará sujeita a um desequilíbrio que pode levar ecossistemas inteiros ao desaparecimento. Como todo ser humano depende desses recursos, um ecocídio acaba levando ao fim de civilizações inteiras. Às vezes, nem é preciso muito esforço: a própria natureza cuida de mudar todo o ambiente.
Que o digam os vikings. No ano 982, eles estabeleceram uma de suas comunidades em um fiorde na Groenlândia. O clima ali não era tão extremo e o lugar tinha pastos onde criavam ovelhas, cabras e gado. Além disso, os vikings completavam a alimentação caçando focas e caribus e trocando mercadorias com o continente. Só que, por volta do ano 1400, o tempo fechou. Foi a chegada da "pequena era glacial", uma mudança climática que esfriou o planeta por quase 500 anos. Os verões ficaram mais curtos, o que dificultou a criação de gado. As focas e os caribus fugiram para outras regiões. Enormes blocos de gelo atrapalharam a navegação e impediram o comércio com o continente. A única comida que sobrou foram os peixes, que os vikings não comiam por motivos religiosos. Já os esquimós, que habitavam a vizinhança, não tinham nenhum problema quanto aos frutos do mar e conseguiram se manter, para a infelicidade dos conquistadores nórdicos. É que as relações entre as duas tribos nunca foram das mais amigáveis, o que pode ser visto em um relato viking do século 15 sobre os vizinhos: "quando eles recebem uma punhalada superficial, ficam com uma ferida branca, que não sangra. Mas quando são feridos mortalmente, sangram sem parar". Com a chegada do frio, os poucos nórdicos que restaram foram exterminados pelos esquimós.
Disputas entre homens
Não se pode culpar só a natureza pelo fim das civilizações. Como qualquer economista diria, crises comerciais podem ser tão destruidoras quanto a pior das catástrofes ambientais. Foi o que aconteceu, por exemplo, em outras duas ilhas do Pacífico Sul. Pitcairn possuía ótimas fontes de minério para a produção de ferramentas e Henderson, a 150 km dali, concentrava o maior número de pássaros da região. As 2 dependiam de uma terceira ilha, Mangareva, para conseguir árvores próprias para fazer canoas e ostras que eram transformadas em anzóis para pescaria. A partir de 1400, surgiu então uma intensa rota de comércio entre as 3 ilhas. Enquanto isso, a população de Mangareva aumentava à medida que a ilha prosperava. O problema é que o número de habitantes cresceu tanto que os recursos - antes abundantes - começaram a ficar escassos. As florestas foram derrubadas e o solo não resistiu e acabou erodindo. Os alimentos já não eram mais suficientes nem para os moradores de Mangareva, quanto mais para as exportações das quais dependiam os vizinhos de Pitcairn e Henderson. Mangareva entrou em guerra civil e as matérias-primas pararam de chegar às outras 2 ilhas, que se viram isoladas. Definharam até que o último habitante deixou cada uma delas ou morreu.
Você já deve ter percebido a esta hora que aquela história de que uma tragédia nunca vem sozinha faz sentido. Não contentes em sofrer com problemas naturais e comerciais, muitas sociedades acabam entrando em guerra pelos poucos recursos que sobram. E esse fator só acelera o colapso da civilização. Os maias, instalados na península de Yucatán, no México, eram uma das civilizações mais avançadas da América pré-colombiana. Tinham calendário e escrita próprios, desenvolveram conhecimentos relativamente sofisticados em arquitetura e astronomia, mas, mesmo assim, falharam em resolver os problemas que levaram sua civilização à ruína. Com uma população que ultrapassava os 5 milhões, plantações tomaram o lugar de florestas inteiras na tentativa de alimentar todo mundo. Mas a devastação resultou em erosão, empobrecimento do solo e aumento das secas. Mais gente e menos comida, no fim das contas. As constantes guerras se intensificaram e acabaram se tornando batalhas por terras e alimentos. Os reis maias preferiram se isolar a tentar resolver os problemas que dizimavam seus súditos. "Eles apenas foram os últimos a morrer de fome", afirma Diamond.
Vamos sobreviver?
O estopim para que uma sociedade vire poeira está, para Diamond, na combinação destes 4 fatores: destruição do meio ambiente, alterações climáticas, crises nas relações comerciais e guerras. Só que é preciso um quinto fator - o mais importante de todos - para liquidar de vez um povo: a estupidez. Qualquer problema minúsculo pode acabar com um povo se ele for incapaz de se adaptar. Por outro lado, alguns povos atravessaram catástrofes terríveis e continuaram vivos por muitos séculos.
A grande preocupação de Diamond é que, hoje, as grandes potências estão incorrendo nesses erros - e, para piorar, não dão sinais de que vão se adaptar ou corrigir a situação tão cedo. Olhando em retrospectiva, fica claro que as sociedades antigas cometeram erros óbvios. Destruir a floresta da qual depende sua sobrevivência, como fizeram os polinésios da ilha de Páscoa, além de burrice, significa cometer suicídio. "Hoje temos mais de 6 bilhões de pessoas, equipadas com máquinas pesadas e energia nuclear, enquanto os nativos da ilha de Páscoa não passavam dos 20 mil habitantes com ferramentas de pedra e a força dos próprios músculos. Mesmo assim, eles conseguiram devastar o ambiente e levar sua sociedade ao colapso", diz Diamond.
Segundo o biólogo, nossa maior vantagem é a possibilidade de aprender com os erros de nossos antepassados. "É uma questão de transformar conhecimento em ações concretas. Apesar de sabermos das conseqüências, não agimos o bastante", diz Eric Neumayer, especialista em desenvolvimento sustentável da Escola de Economia de Londres, Reino Unido. Ele cita como exemplo o Protocolo de Kyoto, acordo internacional em que 141 nações se comprometem a reduzir a emissão de poluentes que contribuem para o aquecimento global. Mesmo sabendo das possíveis conseqüências de uma mudança climática, os EUA - os maiores responsáveis pela emissão de dióxido de carbono na atmosfera - preferiram não participar do tratado. "Não adianta se isolar. As partes ricas do mundo precisam descobrir como viver sem arruinar a atmosfera para o resto do planeta", diz John Mutter, vice-diretor do Instituto Terra, da Universidade de Columbia, em Nova York. "Os países africanos, por exemplo, vão ficar mais pobres. Haverá mais conflitos e mais mortes. Se não fizermos nada, a situação não vai se estabilizar. Apenas vai ficar pior, pior e pior", diz. Mas, na opinião dos cientistas, não há motivos para perder a esperança. "Nossas sociedades precisam produzir e consumir causando muito menos impacto ambiental do que hoje. Chegar lá não é fácil, mas é possível", afirma Neumayer. Difícil mesmo é saber o que estava pensando o lenhador quando cortou a última palmeira da ilha de Páscoa. O que quer que fosse, tomara que não precisemos passar pela mesma experiência.
Era um domingo de Páscoa, em 1722, quando o explorador holandês Jacob Roggeveen avistou de seu galeão um pedaço de terra perdido na vastidão do sul do oceano Pacífico. De longe, o lugar não era nada atrativo. Ao contrário da maioria das outras ilhas daquela parte do mundo, o terreno não tinha grandes árvores e a grama era tão seca que, a distância, parecia areia. Recebido por uma comitiva de nativos em canoas frágeis e cheias de remendos, Roggeveen resolveu desembarcar e surpreendeu-se com as gigantescas figuras de pedra, esculpidas na forma de rostos humanos, espalhadas ao longo do litoral. "Ficamos muito espantados, pois não compreendíamos como essas pessoas, que não dispunham de cordas fortes ou madeira adequada para construir máquinas, conseguiram erguer aquelas imagens com mais de 10 metros de altura", escreveu em seu diário de bordo.
No interior da ilha, dentro da cratera de um vulcão extinto onde as estátuas costumavam ser esculpidas, o ambiente era fantasmagórico. As ferramentas utilizadas pelos escultores espalhadas pelo chão, estátuas inacabadas e outras deixadas para trás nas estradas que levavam ao litoral davam a impressão de que o lugar havia sido abandonado.
Quase 300 anos depois, o mesmo mistério que intrigava o capitão holandês ainda paira no pensamento de quem desembarca no aeroporto de Mataveri e depara com os enormes moais, as colossais estátuas de pedra que resistem há séculos na ilha de Páscoa. Entre esses visitantes está o biólogo americano Jared Diamond. Professor da faculdade de medicina da Universidade da Califórnia, Diamond é autor do livro Collapse ("Colapso", previsto para sair em agosto no Brasil), que investiga os motivos pelos quais as sociedades desaparecem. A trágica história dos construtores de moais se repetiu em diferentes épocas com civilizações pequenas ou grandes, poderosas ou minúsculas. E o que Diamond percebeu é que elas desapareceram por motivos semelhantes - na verdade, com apenas 5 fatores é possível explicar o desaparecimento de todas as civilizações da história. Até a civilização em que vivemos hoje - cheia de maravilhas tecnológicas e com dezenas de países interligados - poderia sofrer esse mesmo fim. Conheça esses perigos - e a história das sociedades que se expuseram a eles.
Destruindo o ambiente
A chave para entender o misterioso desaparecimento dos construtores de moais está em uma ilha muito diferente da terra infértil e desmatada que Roggeveen encontrou. Analisando o pólen conservado por milhares de anos no fundo de pântanos na ilha de Páscoa, cientistas descobriram que, quando os primeiros polinésios chegaram lá, provavelmente há cerca de 1 400 anos, encontraram um pequeno paraíso. Eram 166 quilômetros quadrados cobertos por uma densa floresta subtropical que crescia sobre o solo fértil de origem vulcânica do qual a ilha é formada. Entre a vasta vegetação nativa, a planta mais comum era uma espécie de palmeira alta e robusta que só existia ali. Além de ter uma madeira forte o bastante para a construção de embarcações e para ajudar a transportar os moais, a palmeira fornecia nozes para a alimentação dos moradores.
A riqueza da fauna também se refletia nas panelas da ilha. Carne de golfinho, de focas e de 25 tipos de pássaros selvagens compunham o banquete - tudo cozinhado no fogo da lenha retirada da floresta. Também, haja comida. Pelos cálculos da arqueóloga Jo Anne Van Tilburg, da Universidade da Califórnia, cerca de 25% dos alimentos produzidos na ilha eram consumidos na intensa produção e transporte de estátuas. Estima-se que eram necessárias até 500 pessoas, utilizando cordas e uma espécie de trenó feito de grandes toras de palmeiras, para arrastar os moais por 14 quilômetros até o litoral.
A partir do ano 1200, a produção de estátuas entrou num ritmo mais acelerado, que durou por cerca de 300 anos. Era preciso cada vez mais madeira, cordas e alimentos para sustentar a crescente disputa entre os clãs que dominavam a ilha, que competiam para ver quem erguia as maiores estátuas. A competição, no entanto, acabou sem vencedores. Pouco depois de 1400, a floresta já não existia e a última palmeira foi cortada, extinta juntamente com outras 21 espécies de plantas nativas. Com a floresta, foram-se as fibras que eram transformadas em cordas, utilizadas em conjunto com as toras no transporte dos moais. Sem troncos fortes para construir canoas resistentes, capazes de ir até alto-mar, a pesca diminuiu muito e a carne de golfinho virou raridade nas refeições. As colheitas também foram prejudicadas pelo desmatamento, já que não havia mais vegetação para proteger o solo da erosão causada pelos ventos e pela chuva. Com seu habitat devastado, todas as espécies de pássaros que voavam pela ilha foram finalmente extintas.
Sem ter o que comer, o número de habitantes foi reduzido a um décimo dos 20 mil que chegaram a viver na ilha no auge do culto aos moais. Os moradores, famintos, finalmente cederam ao canibalismo. Em vez de ossos de pássaros ou golfinhos, arqueólogos passaram a encontrar ossos humanos em escavações de moradias datadas desse período. Muitos deles foram quebrados para se extrair o tutano. Até hoje, um dos maiores insultos que se pode dizer a um inimigo na ilha da Páscoa é algo como "tenho a carne da sua mãe presa entre meus dentes". Não sobrou madeira nem pra palito.
O nome do crime cometido pelos nativos da ilha de Páscoa é ecocídio. Explore demais os recursos naturais de uma área e ela estará sujeita a um desequilíbrio que pode levar ecossistemas inteiros ao desaparecimento. Como todo ser humano depende desses recursos, um ecocídio acaba levando ao fim de civilizações inteiras. Às vezes, nem é preciso muito esforço: a própria natureza cuida de mudar todo o ambiente.
Que o digam os vikings. No ano 982, eles estabeleceram uma de suas comunidades em um fiorde na Groenlândia. O clima ali não era tão extremo e o lugar tinha pastos onde criavam ovelhas, cabras e gado. Além disso, os vikings completavam a alimentação caçando focas e caribus e trocando mercadorias com o continente. Só que, por volta do ano 1400, o tempo fechou. Foi a chegada da "pequena era glacial", uma mudança climática que esfriou o planeta por quase 500 anos. Os verões ficaram mais curtos, o que dificultou a criação de gado. As focas e os caribus fugiram para outras regiões. Enormes blocos de gelo atrapalharam a navegação e impediram o comércio com o continente. A única comida que sobrou foram os peixes, que os vikings não comiam por motivos religiosos. Já os esquimós, que habitavam a vizinhança, não tinham nenhum problema quanto aos frutos do mar e conseguiram se manter, para a infelicidade dos conquistadores nórdicos. É que as relações entre as duas tribos nunca foram das mais amigáveis, o que pode ser visto em um relato viking do século 15 sobre os vizinhos: "quando eles recebem uma punhalada superficial, ficam com uma ferida branca, que não sangra. Mas quando são feridos mortalmente, sangram sem parar". Com a chegada do frio, os poucos nórdicos que restaram foram exterminados pelos esquimós.
Disputas entre homens
Não se pode culpar só a natureza pelo fim das civilizações. Como qualquer economista diria, crises comerciais podem ser tão destruidoras quanto a pior das catástrofes ambientais. Foi o que aconteceu, por exemplo, em outras duas ilhas do Pacífico Sul. Pitcairn possuía ótimas fontes de minério para a produção de ferramentas e Henderson, a 150 km dali, concentrava o maior número de pássaros da região. As 2 dependiam de uma terceira ilha, Mangareva, para conseguir árvores próprias para fazer canoas e ostras que eram transformadas em anzóis para pescaria. A partir de 1400, surgiu então uma intensa rota de comércio entre as 3 ilhas. Enquanto isso, a população de Mangareva aumentava à medida que a ilha prosperava. O problema é que o número de habitantes cresceu tanto que os recursos - antes abundantes - começaram a ficar escassos. As florestas foram derrubadas e o solo não resistiu e acabou erodindo. Os alimentos já não eram mais suficientes nem para os moradores de Mangareva, quanto mais para as exportações das quais dependiam os vizinhos de Pitcairn e Henderson. Mangareva entrou em guerra civil e as matérias-primas pararam de chegar às outras 2 ilhas, que se viram isoladas. Definharam até que o último habitante deixou cada uma delas ou morreu.
Você já deve ter percebido a esta hora que aquela história de que uma tragédia nunca vem sozinha faz sentido. Não contentes em sofrer com problemas naturais e comerciais, muitas sociedades acabam entrando em guerra pelos poucos recursos que sobram. E esse fator só acelera o colapso da civilização. Os maias, instalados na península de Yucatán, no México, eram uma das civilizações mais avançadas da América pré-colombiana. Tinham calendário e escrita próprios, desenvolveram conhecimentos relativamente sofisticados em arquitetura e astronomia, mas, mesmo assim, falharam em resolver os problemas que levaram sua civilização à ruína. Com uma população que ultrapassava os 5 milhões, plantações tomaram o lugar de florestas inteiras na tentativa de alimentar todo mundo. Mas a devastação resultou em erosão, empobrecimento do solo e aumento das secas. Mais gente e menos comida, no fim das contas. As constantes guerras se intensificaram e acabaram se tornando batalhas por terras e alimentos. Os reis maias preferiram se isolar a tentar resolver os problemas que dizimavam seus súditos. "Eles apenas foram os últimos a morrer de fome", afirma Diamond.
Vamos sobreviver?
O estopim para que uma sociedade vire poeira está, para Diamond, na combinação destes 4 fatores: destruição do meio ambiente, alterações climáticas, crises nas relações comerciais e guerras. Só que é preciso um quinto fator - o mais importante de todos - para liquidar de vez um povo: a estupidez. Qualquer problema minúsculo pode acabar com um povo se ele for incapaz de se adaptar. Por outro lado, alguns povos atravessaram catástrofes terríveis e continuaram vivos por muitos séculos.
A grande preocupação de Diamond é que, hoje, as grandes potências estão incorrendo nesses erros - e, para piorar, não dão sinais de que vão se adaptar ou corrigir a situação tão cedo. Olhando em retrospectiva, fica claro que as sociedades antigas cometeram erros óbvios. Destruir a floresta da qual depende sua sobrevivência, como fizeram os polinésios da ilha de Páscoa, além de burrice, significa cometer suicídio. "Hoje temos mais de 6 bilhões de pessoas, equipadas com máquinas pesadas e energia nuclear, enquanto os nativos da ilha de Páscoa não passavam dos 20 mil habitantes com ferramentas de pedra e a força dos próprios músculos. Mesmo assim, eles conseguiram devastar o ambiente e levar sua sociedade ao colapso", diz Diamond.
Segundo o biólogo, nossa maior vantagem é a possibilidade de aprender com os erros de nossos antepassados. "É uma questão de transformar conhecimento em ações concretas. Apesar de sabermos das conseqüências, não agimos o bastante", diz Eric Neumayer, especialista em desenvolvimento sustentável da Escola de Economia de Londres, Reino Unido. Ele cita como exemplo o Protocolo de Kyoto, acordo internacional em que 141 nações se comprometem a reduzir a emissão de poluentes que contribuem para o aquecimento global. Mesmo sabendo das possíveis conseqüências de uma mudança climática, os EUA - os maiores responsáveis pela emissão de dióxido de carbono na atmosfera - preferiram não participar do tratado. "Não adianta se isolar. As partes ricas do mundo precisam descobrir como viver sem arruinar a atmosfera para o resto do planeta", diz John Mutter, vice-diretor do Instituto Terra, da Universidade de Columbia, em Nova York. "Os países africanos, por exemplo, vão ficar mais pobres. Haverá mais conflitos e mais mortes. Se não fizermos nada, a situação não vai se estabilizar. Apenas vai ficar pior, pior e pior", diz. Mas, na opinião dos cientistas, não há motivos para perder a esperança. "Nossas sociedades precisam produzir e consumir causando muito menos impacto ambiental do que hoje. Chegar lá não é fácil, mas é possível", afirma Neumayer. Difícil mesmo é saber o que estava pensando o lenhador quando cortou a última palmeira da ilha de Páscoa. O que quer que fosse, tomara que não precisemos passar pela mesma experiência.
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segunda-feira, 26 de setembro de 2011
Globo - A voz do Brasil
A VOZ DO BRASIL
Era o Cid Moreira de sempre. Terno impecável, topete no cabelo grisalho como em todo Jornal Nacional. Ele olhou para a câmera e disse: "Tudo na Globo é tendencioso e manipulado. Não reconheço à Globo autoridade em matéria de liberdade de imprensa, e basta para isso olhar a sua longa e cordial convivência com os regimes autoritários e com a ditadura de 20 anos que dominou o nosso país."
A fala histórica foi ao ar ao vivo, na noite de 15 de março de 1994. Não era um pedido público de demissão. O apresentador transmitia um direito de resposta concedido pela Justiça ao ex-governador Leonel Brizola, que redigiu o texto após ser a acusado, no Jornal Nacional, de "declínio da saúde mental" e "deprimente inaptidão administrativa" por tentar proibir a transmissão do Carnaval. Naquele dia, milhares de brasileiros devem ter se deliciado com o texto de Brizola, lido no programa jornalístico que com média de 68% dos televisores ligados é, proporcionalmente, o mais assistido do mundo. Pessoas que como eu, e talvez você, cresceram fazendo lição-de-casa diante da Sessão da Tarde, jantando com a novela das 7 e indo dormir depois dos dramas de Regina Duarte na novela das 8. Após 40 anos como líder da televisão no Brasil, a Globo se tornou uma paixão nacional - mas uma paixão tão grande quanto a de falar mal dela.
Todos os anos, cada brasileiro passa em média 700 horas assistindo à Globo. Sem William Bonner, Xuxa ou Sinhozinho Malta, nossas roupas, jeito de falar, famílias e a imagem que temos do lugar em que vivemos seriam diferentes. "Tire a televisão de dentro do Brasil e o país desaparece", diz Eugênio Bucci, presidente da Radiobrás, co-autor do livro Videologias e ex-diretor de redação da SUPER. Exagero? Nas páginas seguintes, você verá como a Globo inventou o Brasil.
O Brasil sem a Globo
Na década de 1950, quando a televisão começou por aqui, o país escutava Tonico e Tinoco, ria de Mazzaropi e tinha 70% das pessoas morando no campo. Na cidade, ter um televisor era mais chique que home theater nos dias de hoje. As famílias deixavam de ir à ópera para assistir ao "teleteatro" em casa - e depois ligavam para o camarim cumprimentando os atores. E como não existiam satélites, cada cidade tinha sua programação, com celebridades, piadas e notícias locais.
Nos anos 1960, esse Brasil rural passou por um banho de loja cultural. Até o início dos anos 1970, o número de livros impressos passaria de 43 milhões para 191 milhões, a venda de discos cresceria 800% e a televisão viraria profissional, com antenas mais potentes, tecnologia para gravar programas e um aumento de 500 mil casas com televisores por ano. Percebendo a reviravolta, um grupo de comunicação resolveu se modernizar para virar empresa. Em 1963, contratou quase 100 funcionários num só dia - entre eles Chico Anysio e Gianfrancesco Guarnieri - e começou a fazer novelas diárias. Não, essa empresa não era a Globo. Era a TV Excelsior.
A Excelsior tinha tudo para dar certo, menos um item - isenção política. Com o golpe militar de 1964, foi boicotada pelos militares. Seu proprietário, Wallace Simonsen, que usava abertamente a televisão para apoiar o presidente João Goulart, sofreu retaliações financeiras. A emissora fechou em 1969. A outra grande TV da época, a Tupi, do magnata Assis Chateaubriand, dado a negociatas e ameaças políticas, entrou em declínio até falir em 1979. O trono estava vago para uma nova dinastia. "Os militares queriam uma empresa com visão moderna e que fosse parceira da expansão da televisão pelo país", afirma a psicanalista e estudiosa de televisão Maria Rita Kehl. É aí que entra Roberto Marinho.
Em 26 de abril de 1965, 3 anos após ganhar a concessão do então presidente Goulart, o dono do jornal O Globo levou ao ar o canal 4 do Rio de Janeiro. Em poucos meses deu para ver as novidades. A grade de atrações era conhecida do público e não mudava de repente, como na Tupi, na Excelsior ou na Record. Outra inovação: os anúncios publicitários, que apareciam ao longo do dia todo, mas em breves intervalos. Em resumo, igualzinho ao que assistimos hoje. Foi a Globo que implantou esse formato no Brasil.
Por trás do arrojo da Globo estava quem mais entendia de televisão na época: o grupo Time-Life, dos EUA. Um contrato assinado em 1962 previa que a Globo desse aos americanos 30% de seus lucros em troca de dinheiro para investimentos e experiência. O acordo virou escândalo nacional. A lei proibia que grupos estrangeiros fossem sócios de empresas de comunicação. Uma CPI foi instalada para apurar o caso e o governo podia até ordenar o fechamento da emissora - mas como uma legítima CPI brasileira, tudo terminou em pizza. Em 1969, insatisfeita com a rentabilidade do negócio, a Time-Life desistiu do contrato.
A Globo é o Brasil
Em 1969, uma casualidade mudou os rumos da TV Globo. Um incêndio destruiu a sede da emissora em São Paulo e, com os estúdios destruídos, a cidade teve de assistir à programação que ia ao ar do Rio. Surpreendentemente, a audiência na cidade não caiu. O que começou como estratégia de emergência, virou a maior vantagem da Globo, que se tornou a primeira emissora nacional do país. E uma rede que alcançasse o país inteiro era tudo o que os militares queriam. "Acreditava-se na época que o território nacional só estaria livre da ameaça estrangeira se as fronteiras estivessem em contato com o centro", diz o jornalista Gabriel Priolli, da PUC-SP e autor do livro A Deusa Ferida. Essa mentalidade fez nascer megaprojetos, como a estrada Transamazônica e a instalação de um sistema nacional de torres de televisão. Em muitos países, esse investimento foi feito pela iniciativa privada. Aqui, o estado bancou tudo. E ainda abriu linhas de crédito para qualquer pessoa comprar um televisor sem juros. O resultado foi um país unificado na tela da televisão.
Você já parou para pensar o que um descendente de alemães do interior gaúcho, um paulistano e um ribeirinho da Amazônia têm em comum? Eles falam português, ainda que um português bem diferente, descansam nos mesmos feriados e têm uma carteira de identidade que diz: brasileiro. Até 1969, era só isso. Mas depois que a Globo se tornou uma rede nacional, todos passaram a ter um enorme universo em comum. O mesmo sonho de conhecer o Rio, os mesmos bordões como "Não, Pedro Bó", o mesmo desejo de comer pizza com guaraná. "A televisão igualou o imaginário de um país cuja realidade é constituída de enormes contrastes, conflitos e contradições", afirma Eugênio Bucci.
Um estudo do pesquisador Luiz Augusto Milanesi, da USP, sobre a chegada da televisão a Ibitinga, interior de São Paulo, deixa claro os efeitos desse fenômeno. Assistindo a atores e jornalistas, os moradores descobriram que palavras como "compreto" e "frauta" estavam erradas. Mas, sem certeza do quanto já tinham se enganado, acabaram também trocando as letras em palavras corretas - "freira" virou "fleira". E se "paia" virou "palha", "meia" passou a ser "melha".
A Globo governa
Ok, a política de integração nacional deu ao país uma cara moderna e uma rede de telecomunicações de primeiro mundo. Mas o avanço também serviu como espaço de propaganda política. O programa Amaral Neto, o Repórter, por exemplo, se dedicava a noticiar os feitos milicos. No resto da programação, a censura encrencava com a roupa das chacretes e investigava até se Tom & Jerry tinha mensagens revolucionárias subliminares.
Além disso, a televisão rendeu cartadas no jogo de poder. Um estudo da pesquisadora Susy dos Santos, da Universidade Federal da Bahia, mostrou que pelo menos 40 afiliadas da Globo pertencem a políticos locais, todos ex-aliados dos militares. Os Magalhães, na Bahia, os Sarney, no Maranhão, os Collor, em Alagoas. O clima de paz e amor com o governo era tanto que, em 1972, o presidente Médici chegou a dizer: "Fico feliz todas as noites quando assisto ao noticiário. Porque, no noticiário da Globo, o mundo está um caos, mas o Brasil está em paz".
Mesmo após 1976, com o fim da censura prévia, o noticiário da Globo continuou sem farpas contra os militares. "Quando o país começou a se democratizar, a resistência da Globo às mudanças ficou clara", diz Valério Brittos, professor da pós-graduação em ciências da comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul. Foi assim durante as greves do ABC, entre 1978 e 1980, que mal foram mencionadas pela emissora, e na campanha pelas eleições diretas em 1984 (leia quadro na página 57). Esse comportamento fez surgir nos muros e passeatas o lema "O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo". "Na prática do jornalismo, como em qualquer outra atividade, erros podem acontecer", diz Luis Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação. "O importante é ter humildade para corrigir rumos e agir com transparência."
Nos últimos anos da ditadura, o poder de Roberto Marinho era de espantar mesmo. Para tentar diminuir sua força, o governo abriu concorrência para novas concessões de TV, em 1980. O Jornal do Brasil e a Editora Abril, que edita a SUPER, estavam no páreo, mas a disputa acabou ganha por Adolpho Bloch, que fez a Manchete, e Silvio Santos, do SBT. Enquanto esses canais engatinhavam, Roberto Marinho decidia os rumos do país. "Eu brigo com o papa, com a Igreja Católica, com o PMDB. Só não brigo com o doutor Roberto", disse o presidente eleito Tancredo Neves, em 1985, a Ulysses Guimarães, que estava indignado com a indicação de Antonio Carlos Magalhães para o Ministério das Comunicações. ACM não foi o único ministro que Roberto Marinho nomeou ou demitiu nessa época (leia quadro ao lado).
Revolução dos costumes
Para muitas pessoas, a história da Globo acaba aqui. A emissora só chegou aonde chegou graças a barganhas políticas e ponto final. É aí que esses críticos quebram a cara. A Globo não se fez apenas apoiando militares e jogos. "Estamos diante de um caso de talento artístico. Nenhuma emissora do mundo domina tão bem a produção técnica em vídeo quanto a Globo. Melhor que ela, só a produção em película de Hollywood", diz Gabriel Priolli. Hoje, não é só líder no Brasil: é a maior produtora de televisão do mundo. "Em 2004, produzimos 2 546 horas de programação, o que equivale a mais de 1 000 longas-metragens", afirma Erlanger, da Globo. Neste momento, 62 países estão assistindo a programas que você viu meses atrás.
Foi combinando alcance nacional e capacidade técnica acima da média mundial que a Globo protagonizou a construção da identidade brasileira. E esse talento se concentrou principalmente nas novelas. Para escrevê-las, foram chamados os melhores dramaturgos. Muitos deles vieram de jornais e grupos de teatro de esquerda da década de 1960, como Benedito Ruy Barbosa, Dias Gomes e Aguinaldo Silva. "Os autores disseminaram em cadeia nacional novos estilos de vida", diz o pesquisador Cláudio Paiva, da Universidade Federal da Paraíba. Em vez das velhas histórias da moça virgem que tinha um pai carrancudo e fora enganada por um homem, trama típica do dramalhão latino-americano, aparecem os adolescentes que transam sem culpa, o homem que chora, a mulher separada, o gay. "O Brasil tem costumes mais modernos que o restante da América Latina também porque nossas novelas são mais realistas que as mexicanas", diz Priolli.
Em 1994, a pesquisadora Anamaria Fadul, da Universidade Metodista de São Paulo, montou a árvore genealógica de 33 novelas da Globo produzidas entre os anos 1970 e 1990. Apenas duas mostravam famílias com mais de 2 filhos. "Não se pode fazer uma relação de causa e efeito, mas ficou claro que as novelas da Globo anteciparam o modelo da família atual em 2 décadas", diz Anamaria. "Há quase 30 anos a Rede Globo promove o reexame das relações homem e mulher", afirma o filósofo Renato Janine Ribeiro, autor do livro O Afeto Autoritário. "Os movimentos feministas iniciaram esse questionamento, mas a rede Globo assumiu a causa e não a abandonou." 2 produções dessa linha marcaram época:
- Dancin’ Days (1978), que mostrava a vida de Júlia (Sônia Braga), ex-presidiária que luta para retomar a vida ao lado da filha, criada pela irmã milionária.
- Malu Mulher (1979), em que Malu (Regina Duarte) é uma socióloga que decide se separar depois de ser traída pelo marido. A minissérie questionava tabus como aborto e virgindade, narrando os dramas da mulher madura que passa a ter de sustentar a filha. Malu Mulher foi sucesso na Inglaterra e na Holanda - e censurada em países da América Latina.
No caldo sem-gracinha do melodrama, também entraram pitadas de sátira, que parodiavam a política brasileira. "O Jornal Nacional mostrava políticos, em geral nordestinos, que depois de servir a todos os ditadores haviam se reciclado com a volta da democracia. Apareciam como grandes homens da República. Meia hora depois, a principal novela da mesma Globo expunha clones deles como emblemas do que há de pior em nossa sociedade", diz Renato Janine. Você deve se lembrar de algumas dessas novelas:
- Roque Santeiro (1985), que tinha 36 capítulos gravados quando foi censurada pela ditadura, em 1975. Regravada 10 anos depois, mostrava como protagonista Sinhozinho Malta (Lima Duarte), um típico coronel nordestino.
- Que Rei Sou Eu? (1989), passada no reino de Avilan, país imaginário da Europa do século 18 que vivia crises comuns às do Brasil de 1989: inflação, planos econômicos furados, moedas que mudavam de nome. Sem falar nas falcatruas e negociatas políticas.
- O Bem-Amado (1973), onde a cidade fictícia de Sucupira era palco de diversos tipos brasileiros - não exatamente os melhores. Exemplo de como a novela transformada em minissérie retratou o país é a fala do general Golbery do Couto e Silva, braço-direito do presidente Geisel, que ao deixar o cargo de chefe da Casa Civil disse aos repórteres: "Não me perguntem nada. Acabo de deixar Sucupira".
A vida começa aos 40
E hoje? E o futuro? É difícil que, daqui pra frente, um canal de TV tenha tanta importância para o imaginário de Sucupira, ops!, do Brasil. "É uma tendência mundial as grandes televisões perderem audiência para outros canais ou tipos de mídia", diz o professor Valério Brittos. "Mas, dentro dessa segmentação, a Globo vai seguir como uma das principais produtoras do mundo."
O maior baque de perda de público aconteceu na década de 1990. A audiência média de 49% dos televisores ligados, em 1979, baixou para 37% em 1997. Record e SBT aproveitaram o barateamento da tecnologia de produção e lançaram programas populares. Também apareceu o controle remoto, arquiinimigo das líderes de audiência. Mas o susto passou rápido: a novela Terra Nostra, de 1999, recuperou antigos índices de audiência e provou que o modelo "sanduíche" de um jornal entre novelas, marca da Globo instituída em 1968, não estava acabado. Até programas típicos de emissoras B no resto do mundo, como o Big Brother, viraram atração global. "A capacidade de inovar e adaptar que a Globo tem é incomum em empresas tradicionais", diz Valério Brittos.
Essa inovação, porém, foi um tiro pela culatra no que se refere à televisão a cabo. Quando partiu para a transmissão por assinatura, a Globo teve, desta vez, de tirar do próprio bolso os custos de instalação da rede. O grupo que controla a emissora fez uma dívida que, com a crise do real, em 1999, virou uma bolha de 1,3 bilhão de reais. "A empresa pode até sanear essa dívida, mas terá dificuldades se precisar fazer mais investimentos em novas tecnologias", diz Brittos.
A tecnologia mais nova do pedaço, a TV digital, pode mudar todo o jeito de ver TV hoje. Se a transmissão de dados por computador se popularizar, em poucos anos você poderá escolher entre ler seu e-mail, escutar música ou assistir aos Simpsons enquanto espera o ônibus (pois é, os ônibus devem continuar os mesmos). Especialistas dizem que a tecnologia pode tornar obsoleto o sistema de concessões de canais usado hoje em dia.
Isso significa o fim da Globo? Será que a televisão generalista, que todos vêem ao mesmo tempo, é coisa do passado? A interatividade da internet fez de qualquer pessoa uma potencial emissora de conteúdo - e mudanças como essa, que cindem a idéia de uma sociedade uniforme, tem força para inaugurar uma nova idade histórica. Por isso, é difícil prever o futuro da emissora que deu uma cara ao Brasil - "aguarde e confie", diria Didi Mocó. Já é possível, no entanto, julgar seu papel nos últimos 40 anos. Sim, em muitos momentos a Globo foi mesmo porta-voz dos militares. Mas também não faltam motivos para tratá-la como agente modernizante e um orgulho do talento nacional. A Rede Globo tem uma grande dívida com o Brasil. Mas o Brasil também deve muito à Rede Globo.
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Era o Cid Moreira de sempre. Terno impecável, topete no cabelo grisalho como em todo Jornal Nacional. Ele olhou para a câmera e disse: "Tudo na Globo é tendencioso e manipulado. Não reconheço à Globo autoridade em matéria de liberdade de imprensa, e basta para isso olhar a sua longa e cordial convivência com os regimes autoritários e com a ditadura de 20 anos que dominou o nosso país."
A fala histórica foi ao ar ao vivo, na noite de 15 de março de 1994. Não era um pedido público de demissão. O apresentador transmitia um direito de resposta concedido pela Justiça ao ex-governador Leonel Brizola, que redigiu o texto após ser a acusado, no Jornal Nacional, de "declínio da saúde mental" e "deprimente inaptidão administrativa" por tentar proibir a transmissão do Carnaval. Naquele dia, milhares de brasileiros devem ter se deliciado com o texto de Brizola, lido no programa jornalístico que com média de 68% dos televisores ligados é, proporcionalmente, o mais assistido do mundo. Pessoas que como eu, e talvez você, cresceram fazendo lição-de-casa diante da Sessão da Tarde, jantando com a novela das 7 e indo dormir depois dos dramas de Regina Duarte na novela das 8. Após 40 anos como líder da televisão no Brasil, a Globo se tornou uma paixão nacional - mas uma paixão tão grande quanto a de falar mal dela.
Todos os anos, cada brasileiro passa em média 700 horas assistindo à Globo. Sem William Bonner, Xuxa ou Sinhozinho Malta, nossas roupas, jeito de falar, famílias e a imagem que temos do lugar em que vivemos seriam diferentes. "Tire a televisão de dentro do Brasil e o país desaparece", diz Eugênio Bucci, presidente da Radiobrás, co-autor do livro Videologias e ex-diretor de redação da SUPER. Exagero? Nas páginas seguintes, você verá como a Globo inventou o Brasil.
O Brasil sem a Globo
Na década de 1950, quando a televisão começou por aqui, o país escutava Tonico e Tinoco, ria de Mazzaropi e tinha 70% das pessoas morando no campo. Na cidade, ter um televisor era mais chique que home theater nos dias de hoje. As famílias deixavam de ir à ópera para assistir ao "teleteatro" em casa - e depois ligavam para o camarim cumprimentando os atores. E como não existiam satélites, cada cidade tinha sua programação, com celebridades, piadas e notícias locais.
Nos anos 1960, esse Brasil rural passou por um banho de loja cultural. Até o início dos anos 1970, o número de livros impressos passaria de 43 milhões para 191 milhões, a venda de discos cresceria 800% e a televisão viraria profissional, com antenas mais potentes, tecnologia para gravar programas e um aumento de 500 mil casas com televisores por ano. Percebendo a reviravolta, um grupo de comunicação resolveu se modernizar para virar empresa. Em 1963, contratou quase 100 funcionários num só dia - entre eles Chico Anysio e Gianfrancesco Guarnieri - e começou a fazer novelas diárias. Não, essa empresa não era a Globo. Era a TV Excelsior.
A Excelsior tinha tudo para dar certo, menos um item - isenção política. Com o golpe militar de 1964, foi boicotada pelos militares. Seu proprietário, Wallace Simonsen, que usava abertamente a televisão para apoiar o presidente João Goulart, sofreu retaliações financeiras. A emissora fechou em 1969. A outra grande TV da época, a Tupi, do magnata Assis Chateaubriand, dado a negociatas e ameaças políticas, entrou em declínio até falir em 1979. O trono estava vago para uma nova dinastia. "Os militares queriam uma empresa com visão moderna e que fosse parceira da expansão da televisão pelo país", afirma a psicanalista e estudiosa de televisão Maria Rita Kehl. É aí que entra Roberto Marinho.
Em 26 de abril de 1965, 3 anos após ganhar a concessão do então presidente Goulart, o dono do jornal O Globo levou ao ar o canal 4 do Rio de Janeiro. Em poucos meses deu para ver as novidades. A grade de atrações era conhecida do público e não mudava de repente, como na Tupi, na Excelsior ou na Record. Outra inovação: os anúncios publicitários, que apareciam ao longo do dia todo, mas em breves intervalos. Em resumo, igualzinho ao que assistimos hoje. Foi a Globo que implantou esse formato no Brasil.
Por trás do arrojo da Globo estava quem mais entendia de televisão na época: o grupo Time-Life, dos EUA. Um contrato assinado em 1962 previa que a Globo desse aos americanos 30% de seus lucros em troca de dinheiro para investimentos e experiência. O acordo virou escândalo nacional. A lei proibia que grupos estrangeiros fossem sócios de empresas de comunicação. Uma CPI foi instalada para apurar o caso e o governo podia até ordenar o fechamento da emissora - mas como uma legítima CPI brasileira, tudo terminou em pizza. Em 1969, insatisfeita com a rentabilidade do negócio, a Time-Life desistiu do contrato.
A Globo é o Brasil
Em 1969, uma casualidade mudou os rumos da TV Globo. Um incêndio destruiu a sede da emissora em São Paulo e, com os estúdios destruídos, a cidade teve de assistir à programação que ia ao ar do Rio. Surpreendentemente, a audiência na cidade não caiu. O que começou como estratégia de emergência, virou a maior vantagem da Globo, que se tornou a primeira emissora nacional do país. E uma rede que alcançasse o país inteiro era tudo o que os militares queriam. "Acreditava-se na época que o território nacional só estaria livre da ameaça estrangeira se as fronteiras estivessem em contato com o centro", diz o jornalista Gabriel Priolli, da PUC-SP e autor do livro A Deusa Ferida. Essa mentalidade fez nascer megaprojetos, como a estrada Transamazônica e a instalação de um sistema nacional de torres de televisão. Em muitos países, esse investimento foi feito pela iniciativa privada. Aqui, o estado bancou tudo. E ainda abriu linhas de crédito para qualquer pessoa comprar um televisor sem juros. O resultado foi um país unificado na tela da televisão.
Você já parou para pensar o que um descendente de alemães do interior gaúcho, um paulistano e um ribeirinho da Amazônia têm em comum? Eles falam português, ainda que um português bem diferente, descansam nos mesmos feriados e têm uma carteira de identidade que diz: brasileiro. Até 1969, era só isso. Mas depois que a Globo se tornou uma rede nacional, todos passaram a ter um enorme universo em comum. O mesmo sonho de conhecer o Rio, os mesmos bordões como "Não, Pedro Bó", o mesmo desejo de comer pizza com guaraná. "A televisão igualou o imaginário de um país cuja realidade é constituída de enormes contrastes, conflitos e contradições", afirma Eugênio Bucci.
Um estudo do pesquisador Luiz Augusto Milanesi, da USP, sobre a chegada da televisão a Ibitinga, interior de São Paulo, deixa claro os efeitos desse fenômeno. Assistindo a atores e jornalistas, os moradores descobriram que palavras como "compreto" e "frauta" estavam erradas. Mas, sem certeza do quanto já tinham se enganado, acabaram também trocando as letras em palavras corretas - "freira" virou "fleira". E se "paia" virou "palha", "meia" passou a ser "melha".
A Globo governa
Ok, a política de integração nacional deu ao país uma cara moderna e uma rede de telecomunicações de primeiro mundo. Mas o avanço também serviu como espaço de propaganda política. O programa Amaral Neto, o Repórter, por exemplo, se dedicava a noticiar os feitos milicos. No resto da programação, a censura encrencava com a roupa das chacretes e investigava até se Tom & Jerry tinha mensagens revolucionárias subliminares.
Além disso, a televisão rendeu cartadas no jogo de poder. Um estudo da pesquisadora Susy dos Santos, da Universidade Federal da Bahia, mostrou que pelo menos 40 afiliadas da Globo pertencem a políticos locais, todos ex-aliados dos militares. Os Magalhães, na Bahia, os Sarney, no Maranhão, os Collor, em Alagoas. O clima de paz e amor com o governo era tanto que, em 1972, o presidente Médici chegou a dizer: "Fico feliz todas as noites quando assisto ao noticiário. Porque, no noticiário da Globo, o mundo está um caos, mas o Brasil está em paz".
Mesmo após 1976, com o fim da censura prévia, o noticiário da Globo continuou sem farpas contra os militares. "Quando o país começou a se democratizar, a resistência da Globo às mudanças ficou clara", diz Valério Brittos, professor da pós-graduação em ciências da comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul. Foi assim durante as greves do ABC, entre 1978 e 1980, que mal foram mencionadas pela emissora, e na campanha pelas eleições diretas em 1984 (leia quadro na página 57). Esse comportamento fez surgir nos muros e passeatas o lema "O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo". "Na prática do jornalismo, como em qualquer outra atividade, erros podem acontecer", diz Luis Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação. "O importante é ter humildade para corrigir rumos e agir com transparência."
Nos últimos anos da ditadura, o poder de Roberto Marinho era de espantar mesmo. Para tentar diminuir sua força, o governo abriu concorrência para novas concessões de TV, em 1980. O Jornal do Brasil e a Editora Abril, que edita a SUPER, estavam no páreo, mas a disputa acabou ganha por Adolpho Bloch, que fez a Manchete, e Silvio Santos, do SBT. Enquanto esses canais engatinhavam, Roberto Marinho decidia os rumos do país. "Eu brigo com o papa, com a Igreja Católica, com o PMDB. Só não brigo com o doutor Roberto", disse o presidente eleito Tancredo Neves, em 1985, a Ulysses Guimarães, que estava indignado com a indicação de Antonio Carlos Magalhães para o Ministério das Comunicações. ACM não foi o único ministro que Roberto Marinho nomeou ou demitiu nessa época (leia quadro ao lado).
Revolução dos costumes
Para muitas pessoas, a história da Globo acaba aqui. A emissora só chegou aonde chegou graças a barganhas políticas e ponto final. É aí que esses críticos quebram a cara. A Globo não se fez apenas apoiando militares e jogos. "Estamos diante de um caso de talento artístico. Nenhuma emissora do mundo domina tão bem a produção técnica em vídeo quanto a Globo. Melhor que ela, só a produção em película de Hollywood", diz Gabriel Priolli. Hoje, não é só líder no Brasil: é a maior produtora de televisão do mundo. "Em 2004, produzimos 2 546 horas de programação, o que equivale a mais de 1 000 longas-metragens", afirma Erlanger, da Globo. Neste momento, 62 países estão assistindo a programas que você viu meses atrás.
Foi combinando alcance nacional e capacidade técnica acima da média mundial que a Globo protagonizou a construção da identidade brasileira. E esse talento se concentrou principalmente nas novelas. Para escrevê-las, foram chamados os melhores dramaturgos. Muitos deles vieram de jornais e grupos de teatro de esquerda da década de 1960, como Benedito Ruy Barbosa, Dias Gomes e Aguinaldo Silva. "Os autores disseminaram em cadeia nacional novos estilos de vida", diz o pesquisador Cláudio Paiva, da Universidade Federal da Paraíba. Em vez das velhas histórias da moça virgem que tinha um pai carrancudo e fora enganada por um homem, trama típica do dramalhão latino-americano, aparecem os adolescentes que transam sem culpa, o homem que chora, a mulher separada, o gay. "O Brasil tem costumes mais modernos que o restante da América Latina também porque nossas novelas são mais realistas que as mexicanas", diz Priolli.
Em 1994, a pesquisadora Anamaria Fadul, da Universidade Metodista de São Paulo, montou a árvore genealógica de 33 novelas da Globo produzidas entre os anos 1970 e 1990. Apenas duas mostravam famílias com mais de 2 filhos. "Não se pode fazer uma relação de causa e efeito, mas ficou claro que as novelas da Globo anteciparam o modelo da família atual em 2 décadas", diz Anamaria. "Há quase 30 anos a Rede Globo promove o reexame das relações homem e mulher", afirma o filósofo Renato Janine Ribeiro, autor do livro O Afeto Autoritário. "Os movimentos feministas iniciaram esse questionamento, mas a rede Globo assumiu a causa e não a abandonou." 2 produções dessa linha marcaram época:
- Dancin’ Days (1978), que mostrava a vida de Júlia (Sônia Braga), ex-presidiária que luta para retomar a vida ao lado da filha, criada pela irmã milionária.
- Malu Mulher (1979), em que Malu (Regina Duarte) é uma socióloga que decide se separar depois de ser traída pelo marido. A minissérie questionava tabus como aborto e virgindade, narrando os dramas da mulher madura que passa a ter de sustentar a filha. Malu Mulher foi sucesso na Inglaterra e na Holanda - e censurada em países da América Latina.
No caldo sem-gracinha do melodrama, também entraram pitadas de sátira, que parodiavam a política brasileira. "O Jornal Nacional mostrava políticos, em geral nordestinos, que depois de servir a todos os ditadores haviam se reciclado com a volta da democracia. Apareciam como grandes homens da República. Meia hora depois, a principal novela da mesma Globo expunha clones deles como emblemas do que há de pior em nossa sociedade", diz Renato Janine. Você deve se lembrar de algumas dessas novelas:
- Roque Santeiro (1985), que tinha 36 capítulos gravados quando foi censurada pela ditadura, em 1975. Regravada 10 anos depois, mostrava como protagonista Sinhozinho Malta (Lima Duarte), um típico coronel nordestino.
- Que Rei Sou Eu? (1989), passada no reino de Avilan, país imaginário da Europa do século 18 que vivia crises comuns às do Brasil de 1989: inflação, planos econômicos furados, moedas que mudavam de nome. Sem falar nas falcatruas e negociatas políticas.
- O Bem-Amado (1973), onde a cidade fictícia de Sucupira era palco de diversos tipos brasileiros - não exatamente os melhores. Exemplo de como a novela transformada em minissérie retratou o país é a fala do general Golbery do Couto e Silva, braço-direito do presidente Geisel, que ao deixar o cargo de chefe da Casa Civil disse aos repórteres: "Não me perguntem nada. Acabo de deixar Sucupira".
A vida começa aos 40
E hoje? E o futuro? É difícil que, daqui pra frente, um canal de TV tenha tanta importância para o imaginário de Sucupira, ops!, do Brasil. "É uma tendência mundial as grandes televisões perderem audiência para outros canais ou tipos de mídia", diz o professor Valério Brittos. "Mas, dentro dessa segmentação, a Globo vai seguir como uma das principais produtoras do mundo."
O maior baque de perda de público aconteceu na década de 1990. A audiência média de 49% dos televisores ligados, em 1979, baixou para 37% em 1997. Record e SBT aproveitaram o barateamento da tecnologia de produção e lançaram programas populares. Também apareceu o controle remoto, arquiinimigo das líderes de audiência. Mas o susto passou rápido: a novela Terra Nostra, de 1999, recuperou antigos índices de audiência e provou que o modelo "sanduíche" de um jornal entre novelas, marca da Globo instituída em 1968, não estava acabado. Até programas típicos de emissoras B no resto do mundo, como o Big Brother, viraram atração global. "A capacidade de inovar e adaptar que a Globo tem é incomum em empresas tradicionais", diz Valério Brittos.
Essa inovação, porém, foi um tiro pela culatra no que se refere à televisão a cabo. Quando partiu para a transmissão por assinatura, a Globo teve, desta vez, de tirar do próprio bolso os custos de instalação da rede. O grupo que controla a emissora fez uma dívida que, com a crise do real, em 1999, virou uma bolha de 1,3 bilhão de reais. "A empresa pode até sanear essa dívida, mas terá dificuldades se precisar fazer mais investimentos em novas tecnologias", diz Brittos.
A tecnologia mais nova do pedaço, a TV digital, pode mudar todo o jeito de ver TV hoje. Se a transmissão de dados por computador se popularizar, em poucos anos você poderá escolher entre ler seu e-mail, escutar música ou assistir aos Simpsons enquanto espera o ônibus (pois é, os ônibus devem continuar os mesmos). Especialistas dizem que a tecnologia pode tornar obsoleto o sistema de concessões de canais usado hoje em dia.
Isso significa o fim da Globo? Será que a televisão generalista, que todos vêem ao mesmo tempo, é coisa do passado? A interatividade da internet fez de qualquer pessoa uma potencial emissora de conteúdo - e mudanças como essa, que cindem a idéia de uma sociedade uniforme, tem força para inaugurar uma nova idade histórica. Por isso, é difícil prever o futuro da emissora que deu uma cara ao Brasil - "aguarde e confie", diria Didi Mocó. Já é possível, no entanto, julgar seu papel nos últimos 40 anos. Sim, em muitos momentos a Globo foi mesmo porta-voz dos militares. Mas também não faltam motivos para tratá-la como agente modernizante e um orgulho do talento nacional. A Rede Globo tem uma grande dívida com o Brasil. Mas o Brasil também deve muito à Rede Globo.
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Vozes do além - Os mortos querem falar.
VOZES DO ALÉM: OS MORTOS QUEREM FALAR
Durante 20 anos, Konstantine Raudive gravou 72 mil vozes em fitas magnéticas. Não, ele não trabalhava num estúdio ou numa produtora de áudio. Dizem que os sons registrados por esse psicólogo e filósofo letão vinham do além. Ele era especialista em EVP (abreviatura em inglês de "fenômeno da voz eletrônica"), uma das principais manifestações da transcomunicação instrumental - o contato entre mortos e vivos por meio de objetos inanimados. Raudive gostava tanto da sua coleção de frases e recados de espíritos que, até hoje, continua ajudando os estudiosos do assunto. O macabro dessa história é que ele morreu em 1987. A americana Sarah Estep, autora do livro Voices of Eternity ("Vozes da Eternidade", inédito no Brasil), afirma que volta e meia Raudive aparece nas ondas do rádio de algum colega ainda em atividade na Terra, enviando mensagens em prol da divulgação do fenômeno.
Febre na década de 70, o EVP voltou recentemente das trevas graças ao filme Vozes do Além (de Geoffrey Sax, 2005). Ele conta a história de um arquiteto (vivido por Michael Keaton) que começa a receber declarações de sua finada esposa em gravações caseiras. No início ele é cético quanto à autenticidade das vozes, mas, aos poucos, fica obcecado com a idéia de conversar com a amada que partiu.
Nos anos 20, o americano Thomas Edison - o mesmo que inventou a lâmpada elétrica - previu que, um dia, o homem seria capaz de construir uma máquina para falar com os mortos. Ele nem chegou perto de patentear tal equipamento, mas despertou o interesse de cientistas e religiosos, principalmente os ligados ao espiritismo. Nas décadas de 30 a 50, ganhou força a tese de que os espíritos poderiam enviar mensagens por meio de rádios, vitrolas e outros equipamentos eletrônicos.
"Sou eu mesmo"
Em 1952, o frade franciscano Agostino Ernetti e o monge beneditino Pellegrino Gemelli copiavam cantos gregorianos num gravador de rolo. De repente, a fita arrebentou. Gemelli olhou para o céu e, em tom de brincadeira, pediu ajuda a seu pai. Mais tarde, no meio das músicas, escutaram a voz do pai de Gemelli dizendo: "Certo, vou ajudá-lo. Estou sempre com você". Chocados, eles repetiram o experimento, e a mesma voz disse: "Zucchini, é claro, você não sabe que sou eu?". Zucchini era o apelido de criança de Gemelli e ninguém, além dele próprio e do pai, sabia. Os dois contaram a história ao papa Pio XII, mas o caso só veio à tona em 1994, pouco antes de Ernetti morrer.
O acaso também pegou o produtor ucraniano Friedrich Jürgenson. Em 1959, ele gravava sons de pássaros para um filme, quando captou o que acreditou ser a voz de sua falecida mãe: "Friedrich, você está sendo observado. Friedel, meu pequeno Friedel, você pode me ouvir?". Impressionado, nos quatro anos seguintes, Jürgenson se aprofundou no estudo do EVP e registrou centenas deles, tornando-se um dos pioneiros da área.
Rádios fora de sintonia, com aquele angustiante barulho de estática, e o silêncio dos cemitérios são os lugares preferidos do pessoal ligado em EVP. Como estamos cada vez mais rodeados de eletrônicos, podemos supor que aumentou muito a chance de encontrar um morto desesperado para trocar umas idéias com os vivos. No século 21, televisão, computador, videocassete, CD e DVD, fax e telefone celular podem conter uma mensagem do além com a mesma eficiência das fitas das primeiras experiências. Os espíritas são grandes incentivadores do estudo do fenômeno, por acreditarem na interação entre os mundos de cá e lá. Na falta de uma pessoa com poderes mediúnicos, os espíritos se manifestariam por meio das máquinas domésticas. Assim, o home theater da sua casa serviria de médium entre mortos e vivos. O que pensam os céticos disso tudo? "Hoje, parapsicólogos sérios não se interessam por EVP, e a literatura moderna da parapsicologia não mostra qualquer evidência de paranormalidade nessas gravações", escreve o psicólogo americano James Alcock, integrante do Comitê de Investigação Científica das Alegações de Paranormalidade. As pretensas vozes seriam resultado da interferência de emissoras de rádio ou modulações cruzadas, quando os aparelhos eletrônicos captam acidentalmente transmissões em outras freqüências. O EVP também surgiria de ataques de pareidolia e apofenia, mecanismos perceptivos que levam as pessoas a ver imagens e ouvir sons que não existem. Os cientistas batem pesado no fato de que as gravações mostram geralmente frases isoladas, como "alô?", "você está aí?" ou "não estamos sozinhos". É só isso que os mortos têm para nos revelar?
A polêmica entre defensores e detratores é tamanha que sobrou até para o padre católico Roberto Landell de Moura, o primeiro brasileiro a fazer uma transmissão experimental de rádio, em 1894, no alto da Avenida Paulista, em São Paulo. Os estudiosos da transcomunicação instrumental dizem que, paralelamente ao rádio, ele teria trabalhado numa máquina para falar com os mortos - inclusive, teria obtido sucesso na empreitada. Já os céticos afirmam que, como o homem era um católico convicto, dificilmente teria tentado se comunicar com o além, um assunto que, certamente, desagradaria o Vaticano.
Moura era visto andando com um pacote embaixo do braço, no qual guardava as peças do seu primeiro transmissor. Ele queria provar que era possível conversar com uma pessoa a quilômetros de distância sem o uso de fios. Hoje, a comunicação sem cabos chega a ser banal, mas no final do século 19 soava a bruxaria. Tanto que alguns paroquianos descontentes destruíram a oficina do padre-inventor. Outros contaram que escutaram bate-papos estranhos do padre com uma caixinha de madeira. Mentes despreparadas para a revolução do rádio teriam concluído que Moura se comunicava com o além? Ou ele realmente tentou montar a sonhada máquina de Thomas Edison? Esse é mais um capítulo da eterna batalha entre a razão e a fé, na qual os fantasmas parecem ser os únicos que se divertem.
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Durante 20 anos, Konstantine Raudive gravou 72 mil vozes em fitas magnéticas. Não, ele não trabalhava num estúdio ou numa produtora de áudio. Dizem que os sons registrados por esse psicólogo e filósofo letão vinham do além. Ele era especialista em EVP (abreviatura em inglês de "fenômeno da voz eletrônica"), uma das principais manifestações da transcomunicação instrumental - o contato entre mortos e vivos por meio de objetos inanimados. Raudive gostava tanto da sua coleção de frases e recados de espíritos que, até hoje, continua ajudando os estudiosos do assunto. O macabro dessa história é que ele morreu em 1987. A americana Sarah Estep, autora do livro Voices of Eternity ("Vozes da Eternidade", inédito no Brasil), afirma que volta e meia Raudive aparece nas ondas do rádio de algum colega ainda em atividade na Terra, enviando mensagens em prol da divulgação do fenômeno.
Febre na década de 70, o EVP voltou recentemente das trevas graças ao filme Vozes do Além (de Geoffrey Sax, 2005). Ele conta a história de um arquiteto (vivido por Michael Keaton) que começa a receber declarações de sua finada esposa em gravações caseiras. No início ele é cético quanto à autenticidade das vozes, mas, aos poucos, fica obcecado com a idéia de conversar com a amada que partiu.
Nos anos 20, o americano Thomas Edison - o mesmo que inventou a lâmpada elétrica - previu que, um dia, o homem seria capaz de construir uma máquina para falar com os mortos. Ele nem chegou perto de patentear tal equipamento, mas despertou o interesse de cientistas e religiosos, principalmente os ligados ao espiritismo. Nas décadas de 30 a 50, ganhou força a tese de que os espíritos poderiam enviar mensagens por meio de rádios, vitrolas e outros equipamentos eletrônicos.
"Sou eu mesmo"
Em 1952, o frade franciscano Agostino Ernetti e o monge beneditino Pellegrino Gemelli copiavam cantos gregorianos num gravador de rolo. De repente, a fita arrebentou. Gemelli olhou para o céu e, em tom de brincadeira, pediu ajuda a seu pai. Mais tarde, no meio das músicas, escutaram a voz do pai de Gemelli dizendo: "Certo, vou ajudá-lo. Estou sempre com você". Chocados, eles repetiram o experimento, e a mesma voz disse: "Zucchini, é claro, você não sabe que sou eu?". Zucchini era o apelido de criança de Gemelli e ninguém, além dele próprio e do pai, sabia. Os dois contaram a história ao papa Pio XII, mas o caso só veio à tona em 1994, pouco antes de Ernetti morrer.
O acaso também pegou o produtor ucraniano Friedrich Jürgenson. Em 1959, ele gravava sons de pássaros para um filme, quando captou o que acreditou ser a voz de sua falecida mãe: "Friedrich, você está sendo observado. Friedel, meu pequeno Friedel, você pode me ouvir?". Impressionado, nos quatro anos seguintes, Jürgenson se aprofundou no estudo do EVP e registrou centenas deles, tornando-se um dos pioneiros da área.
Rádios fora de sintonia, com aquele angustiante barulho de estática, e o silêncio dos cemitérios são os lugares preferidos do pessoal ligado em EVP. Como estamos cada vez mais rodeados de eletrônicos, podemos supor que aumentou muito a chance de encontrar um morto desesperado para trocar umas idéias com os vivos. No século 21, televisão, computador, videocassete, CD e DVD, fax e telefone celular podem conter uma mensagem do além com a mesma eficiência das fitas das primeiras experiências. Os espíritas são grandes incentivadores do estudo do fenômeno, por acreditarem na interação entre os mundos de cá e lá. Na falta de uma pessoa com poderes mediúnicos, os espíritos se manifestariam por meio das máquinas domésticas. Assim, o home theater da sua casa serviria de médium entre mortos e vivos. O que pensam os céticos disso tudo? "Hoje, parapsicólogos sérios não se interessam por EVP, e a literatura moderna da parapsicologia não mostra qualquer evidência de paranormalidade nessas gravações", escreve o psicólogo americano James Alcock, integrante do Comitê de Investigação Científica das Alegações de Paranormalidade. As pretensas vozes seriam resultado da interferência de emissoras de rádio ou modulações cruzadas, quando os aparelhos eletrônicos captam acidentalmente transmissões em outras freqüências. O EVP também surgiria de ataques de pareidolia e apofenia, mecanismos perceptivos que levam as pessoas a ver imagens e ouvir sons que não existem. Os cientistas batem pesado no fato de que as gravações mostram geralmente frases isoladas, como "alô?", "você está aí?" ou "não estamos sozinhos". É só isso que os mortos têm para nos revelar?
A polêmica entre defensores e detratores é tamanha que sobrou até para o padre católico Roberto Landell de Moura, o primeiro brasileiro a fazer uma transmissão experimental de rádio, em 1894, no alto da Avenida Paulista, em São Paulo. Os estudiosos da transcomunicação instrumental dizem que, paralelamente ao rádio, ele teria trabalhado numa máquina para falar com os mortos - inclusive, teria obtido sucesso na empreitada. Já os céticos afirmam que, como o homem era um católico convicto, dificilmente teria tentado se comunicar com o além, um assunto que, certamente, desagradaria o Vaticano.
Moura era visto andando com um pacote embaixo do braço, no qual guardava as peças do seu primeiro transmissor. Ele queria provar que era possível conversar com uma pessoa a quilômetros de distância sem o uso de fios. Hoje, a comunicação sem cabos chega a ser banal, mas no final do século 19 soava a bruxaria. Tanto que alguns paroquianos descontentes destruíram a oficina do padre-inventor. Outros contaram que escutaram bate-papos estranhos do padre com uma caixinha de madeira. Mentes despreparadas para a revolução do rádio teriam concluído que Moura se comunicava com o além? Ou ele realmente tentou montar a sonhada máquina de Thomas Edison? Esse é mais um capítulo da eterna batalha entre a razão e a fé, na qual os fantasmas parecem ser os únicos que se divertem.
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Invisibilidade - Chá de sumiço.
INVISIBILIDADE: CHÁ DE SUMIÇO
Num dia qualquer de 1987, Peter, um homem de 37 anos que morava na cidade de Gloucestershire, na Inglaterra, estava numa festa com a namorada e um grupo de amigos. Em certo momento, ele subiu para o segundo andar da casa para ir ao banheiro. Uma mulher o seguiu com a mesma intenção, mas deixou que Peter entrasse primeiro e ficou esperando sua vez junto à porta do toalete. O homem fez lá o que tinha de fazer e saiu, fechando a porta. Desceu as escadas e foi ao encontro de alguns amigos na festa. Começou a conversar com eles, mas, estranhamente, ninguém lhe deu bola. Dirigiu-se então à namorada e pediu um cigarro. Mais uma vez, foi completamente ignorado.
Peter começou a ficar irritado. Achava que todos haviam combinado uma brincadeira - que, aliás, estava indo longe demais. Decidiu subir novamente para o segundo andar e encontrou ali a tal mulher, ainda à porta do banheiro. Quando o viu, ela fez uma cara de surpresa. "Ela pensava que eu ainda estava no banheiro", relatou mais tarde. Peter desceu de novo as escadas e tudo parecia ter voltado ao normal: os amigos e a namorada conversaram com ele como se nada tivesse acontecido. Ele perguntou aos acompanhantes por que o haviam ignorado. Todos juraram que não o haviam visto nem ouvido minutos atrás.
Incrível? Não é o que a pesquisadora americana Donna Higbee acha. Ela teve seu primeiro contato com um relato do que chama de "invisibilidade humana involuntária e espontânea" em 1994. Conversou com colegas parapsicólogos e descobriu que muitos deles já haviam ouvido falar sobre o fenômeno. Publicou um anúncio em jornais pedindo a pessoas que tivessem vivenciado uma situação semelhante que escrevessem para ela. Desde então, coleciona cartas e e-mails de pessoas do mundo todo (inclusive do Brasil) que afirmam: ficaram, sim, invisíveis. E sem querer.
Os casos têm alguns pontos em comum, além do fato de serem involuntários. As pessoas com a capacidade de sumirem estariam, na verdade, sempre presentes fisicamente, embora não sejam vistas nem ouvidas. Do ponto de vista dos invisíveis, tudo parece normal. Tanto que eles geralmente experimentam uma sensação estranha de estarem sendo ignorados. O fenômeno dura apenas alguns segundos. Depois, tudo volta ao normal.
Mas o que acontece? Donna ainda não achou uma explicação razoável para o fenômeno. Ela até tentou estabelecer uma ligação com uma possível abdução das "vítimas" por extraterrestres - mas não conseguiu. Outra explicação, que Donna pegou emprestada do manual de uma fraternidade esotérica, é que, quando a essência do espírito se concentra em muitos minúsculos pontos de energia elétrica, sob determinadas condições, ela consegue se materializar em elétrons. Uma nuvem de elétrons livres é capaz de absorver toda a luz que entra nela - a luz não reflete nem sofre refração. Assim, os olhos do observador não conseguem ver a pessoa envolta por essa nuvem de elétrons. Simples assim.
O parapsicólogo brasileiro Oscar Gonzalez-Quevedo, presidente do Centro Latino-Americano de Parapsicologia (Clap), tem outra explicação. Para ele, o fenômeno pode ser uma quase experiência de bilocação - como o nome diz, estar em dois lugares ao mesmo tempo. "A pessoa pode emanar ectoplasma e formar uma espécie de fantasma de si mesma", diz Quevedo. Ectoplasma, para quem não sabe, é nossa energia corporal, transformada e exteriorizada, de forma que é visível para os outros. No caso da invisibilidade humana, o ectoplasma pode ter-se formado, mas não ficado completamente visível. O observador então não enxerga a pessoa - que, na verdade, não está lá, mas sim a pelo menos 50 metros do local do fenômeno.
O parapsicólogo Paul Rogers, pesquisador da Universidade de Central Lancashire, no Reino Unido, não acredita que a invisibilidade seja possível. "Até onde sabemos, a invisibilidade espontânea vai contra todas as leis da física. Claro que há alguns ilusionistas que desaparecem, mas é simplesmente truque", diz Rogers. Então, quem afirma já ter passado por um caso de invisibilidade está mentindo, com a conivência de quem assistiu (ou melhor, não assistiu) ao fato? "Não. Tenho certeza de que há pessoas que realmente acreditam nisso, e também pessoas que têm certeza de ter testemunhado o fato. Mas, para isso, há simples explicações que nada têm de paranormais. São simplesmente psicológicas ou mágicas, no sentido literal da palavra."
Num dia qualquer de 1987, Peter, um homem de 37 anos que morava na cidade de Gloucestershire, na Inglaterra, estava numa festa com a namorada e um grupo de amigos. Em certo momento, ele subiu para o segundo andar da casa para ir ao banheiro. Uma mulher o seguiu com a mesma intenção, mas deixou que Peter entrasse primeiro e ficou esperando sua vez junto à porta do toalete. O homem fez lá o que tinha de fazer e saiu, fechando a porta. Desceu as escadas e foi ao encontro de alguns amigos na festa. Começou a conversar com eles, mas, estranhamente, ninguém lhe deu bola. Dirigiu-se então à namorada e pediu um cigarro. Mais uma vez, foi completamente ignorado.
Peter começou a ficar irritado. Achava que todos haviam combinado uma brincadeira - que, aliás, estava indo longe demais. Decidiu subir novamente para o segundo andar e encontrou ali a tal mulher, ainda à porta do banheiro. Quando o viu, ela fez uma cara de surpresa. "Ela pensava que eu ainda estava no banheiro", relatou mais tarde. Peter desceu de novo as escadas e tudo parecia ter voltado ao normal: os amigos e a namorada conversaram com ele como se nada tivesse acontecido. Ele perguntou aos acompanhantes por que o haviam ignorado. Todos juraram que não o haviam visto nem ouvido minutos atrás.
Incrível? Não é o que a pesquisadora americana Donna Higbee acha. Ela teve seu primeiro contato com um relato do que chama de "invisibilidade humana involuntária e espontânea" em 1994. Conversou com colegas parapsicólogos e descobriu que muitos deles já haviam ouvido falar sobre o fenômeno. Publicou um anúncio em jornais pedindo a pessoas que tivessem vivenciado uma situação semelhante que escrevessem para ela. Desde então, coleciona cartas e e-mails de pessoas do mundo todo (inclusive do Brasil) que afirmam: ficaram, sim, invisíveis. E sem querer.
Os casos têm alguns pontos em comum, além do fato de serem involuntários. As pessoas com a capacidade de sumirem estariam, na verdade, sempre presentes fisicamente, embora não sejam vistas nem ouvidas. Do ponto de vista dos invisíveis, tudo parece normal. Tanto que eles geralmente experimentam uma sensação estranha de estarem sendo ignorados. O fenômeno dura apenas alguns segundos. Depois, tudo volta ao normal.
Mas o que acontece? Donna ainda não achou uma explicação razoável para o fenômeno. Ela até tentou estabelecer uma ligação com uma possível abdução das "vítimas" por extraterrestres - mas não conseguiu. Outra explicação, que Donna pegou emprestada do manual de uma fraternidade esotérica, é que, quando a essência do espírito se concentra em muitos minúsculos pontos de energia elétrica, sob determinadas condições, ela consegue se materializar em elétrons. Uma nuvem de elétrons livres é capaz de absorver toda a luz que entra nela - a luz não reflete nem sofre refração. Assim, os olhos do observador não conseguem ver a pessoa envolta por essa nuvem de elétrons. Simples assim.
O parapsicólogo brasileiro Oscar Gonzalez-Quevedo, presidente do Centro Latino-Americano de Parapsicologia (Clap), tem outra explicação. Para ele, o fenômeno pode ser uma quase experiência de bilocação - como o nome diz, estar em dois lugares ao mesmo tempo. "A pessoa pode emanar ectoplasma e formar uma espécie de fantasma de si mesma", diz Quevedo. Ectoplasma, para quem não sabe, é nossa energia corporal, transformada e exteriorizada, de forma que é visível para os outros. No caso da invisibilidade humana, o ectoplasma pode ter-se formado, mas não ficado completamente visível. O observador então não enxerga a pessoa - que, na verdade, não está lá, mas sim a pelo menos 50 metros do local do fenômeno.
O parapsicólogo Paul Rogers, pesquisador da Universidade de Central Lancashire, no Reino Unido, não acredita que a invisibilidade seja possível. "Até onde sabemos, a invisibilidade espontânea vai contra todas as leis da física. Claro que há alguns ilusionistas que desaparecem, mas é simplesmente truque", diz Rogers. Então, quem afirma já ter passado por um caso de invisibilidade está mentindo, com a conivência de quem assistiu (ou melhor, não assistiu) ao fato? "Não. Tenho certeza de que há pessoas que realmente acreditam nisso, e também pessoas que têm certeza de ter testemunhado o fato. Mas, para isso, há simples explicações que nada têm de paranormais. São simplesmente psicológicas ou mágicas, no sentido literal da palavra."
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quinta-feira, 22 de setembro de 2011
Bilocação - O mito do sósia fantasma
BILOCAÇÃO: O MITO DO SÓSIA FANTASMA
Doppelganger é uma palavra alemã usada para se referir ao "fantasma" de uma pessoa viva. Etimologicamente, ela vem de doppel (duplo) e ganger (que anda). Embora soe estranha, a palavra é mais comum na cultura mundial do que se imagina. O termo é utilizado em dezenas de jogos de RPG. Também já apareceu freqüentemente na literatura. Seu representante mais famoso é o Retrato de Dorian Gray, do irlandês Oscar Wilde (1854-1900). Nesse romance, Dorian Gray, um rapaz da alta sociedade londrina, posa para um amigo pintor. Ao ver a obra pronta, Dorian manifesta o desejo de permanecer eternamente jovem, como no retrato. Dito e feito. Dorian vende sua alma para conservar seus traços da juventude - mas é o retrato que envelhece.
O mito do doppelganger está associado à teoria bizarra do "gêmeo mau" e também ao fenômeno da "bilocação" (estar em dois lugares ao mesmo tempo). Segundo a literatura parapsicológica, o duplo etéreo seria formado de um tipo de matéria mais rarefeita ou mais sutil do que os nossos cinco sentidos são capazes de perceber, mas ainda é matéria pertencente ao plano físico. Seria a contraparte exata do nosso corpo físico denso, ao qual pertence mas do qual seria separável, embora incapaz de ir muito longe.
Apesar de ser uma contraparte idêntica e quase independente, o doppelganger manteria união intrínseca com sua metade de carne e osso. Assim, um ferimento causado no corpo etéreo se refletiria no corpo físico. No entanto, quanto mais o corpo etéreo existir, mais debilitado o corpo físico ficaria. O americano Henry Steel Olcott, fundador da Sociedade Teosófica, uma instituição filosófica cujo lema é "não há religião superior à verdade", escreveu há mais de um século uma tese chamada Posthumous Humanity ("Humanidade Póstuma"), na qual tentou explicar fenômenos desse tipo: "A separação do duplo etéreo do corpo denso geralmente é acompanhada de um considerável decréscimo na vitalidade do último, ficando o duplo mais vitalizado à medida que a energia no corpo denso diminui", escreveu. Essa separação, segundo Olcott, pode levar à morte do sujeito. "É muito perigoso fazer qualquer ruído ou pancada repentina na sala, em tais circunstâncias; pois o duplo, sendo por reação instantânea trazido de volta ao corpo, faz o coração contrair-se convulsivamente, e a morte pode mesmo ser causada."
Alguns relatos de doppelganger se tornaram clássicos. A mais conhecida história envolve Emilie Sagée, uma professora de francês na Letônia. Em 1845, diversos alunos teriam visto Emilie "bilocar". Certo dia, sua sósia teria sido vista ao lado dela, imitando seu gesto de escrever no quadro-negro, mas sem usar o giz. Em outra ocasião, a sósia teria sido vista parada, enquanto a Emilie de carne e osso caminhava. O curioso é que a própria Emilie disse nunca ter visto seu duplo etéreo.
"Escreve aí"
Figuras célebres também relataram ter encontrado seu sósia fantasma. Já no final da vida, o escritor francês Guy de Maupassant (1850-1893) se disse perseguido pelo seu doppelganger. Certa vez, seu sósia teria entrado no seu quarto, se sentado diante dele e começado a ditar o que Maupassant estava escrevendo. A sensação de ser vigiado pelo duplo é narrada no conto "O Horda", presente no livro O Horda e Outras Histórias (L&PM, 2000).
Consta também que o poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) cavalgava um dia por uma estrada, quando teria visto um outro homem - seu sósia perfeito - vindo em sentido contrário, também montado a cavalo e vestindo um traje cinza com detalhes em dourado. Oito anos mais tarde, Goethe cavalgava novamente pela mesma estrada, mas no sentido contrário. Foi quando teria se dado conta de que estava vestindo uma roupa semelhante à do sósia que vira oito anos antes. Teria Goethe vislumbrado seu próprio futuro?
O mito do duplo etéreo também é freqüentemente explorado no cinema. Por exemplo, no filme Pacto Sinistro (1951), de Alfred Hitchcock, o mestre do suspense utiliza diversas metáforas visuais para sugerir o encontro de duplos. Em uma cena, o personagem Bruno pede dois drinques duplos, mesmo estando sozinho na tela.
De acordo com estudiosos que se dedicam ao tema, os duplos etéreos apareceriam, em geral, para avisar o próprio sósia ou seus familiares e amigos de tragédias iminentes. Eles poderiam, em muitos casos, plantar idéias maléficas na mente dessas pessoas. Ou seja, caso você encontre seu sósia por aí, por mais que ele lhe pareça familiar e simpático, é melhor não lhe dar ouvidos.
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Doppelganger é uma palavra alemã usada para se referir ao "fantasma" de uma pessoa viva. Etimologicamente, ela vem de doppel (duplo) e ganger (que anda). Embora soe estranha, a palavra é mais comum na cultura mundial do que se imagina. O termo é utilizado em dezenas de jogos de RPG. Também já apareceu freqüentemente na literatura. Seu representante mais famoso é o Retrato de Dorian Gray, do irlandês Oscar Wilde (1854-1900). Nesse romance, Dorian Gray, um rapaz da alta sociedade londrina, posa para um amigo pintor. Ao ver a obra pronta, Dorian manifesta o desejo de permanecer eternamente jovem, como no retrato. Dito e feito. Dorian vende sua alma para conservar seus traços da juventude - mas é o retrato que envelhece.
O mito do doppelganger está associado à teoria bizarra do "gêmeo mau" e também ao fenômeno da "bilocação" (estar em dois lugares ao mesmo tempo). Segundo a literatura parapsicológica, o duplo etéreo seria formado de um tipo de matéria mais rarefeita ou mais sutil do que os nossos cinco sentidos são capazes de perceber, mas ainda é matéria pertencente ao plano físico. Seria a contraparte exata do nosso corpo físico denso, ao qual pertence mas do qual seria separável, embora incapaz de ir muito longe.
Apesar de ser uma contraparte idêntica e quase independente, o doppelganger manteria união intrínseca com sua metade de carne e osso. Assim, um ferimento causado no corpo etéreo se refletiria no corpo físico. No entanto, quanto mais o corpo etéreo existir, mais debilitado o corpo físico ficaria. O americano Henry Steel Olcott, fundador da Sociedade Teosófica, uma instituição filosófica cujo lema é "não há religião superior à verdade", escreveu há mais de um século uma tese chamada Posthumous Humanity ("Humanidade Póstuma"), na qual tentou explicar fenômenos desse tipo: "A separação do duplo etéreo do corpo denso geralmente é acompanhada de um considerável decréscimo na vitalidade do último, ficando o duplo mais vitalizado à medida que a energia no corpo denso diminui", escreveu. Essa separação, segundo Olcott, pode levar à morte do sujeito. "É muito perigoso fazer qualquer ruído ou pancada repentina na sala, em tais circunstâncias; pois o duplo, sendo por reação instantânea trazido de volta ao corpo, faz o coração contrair-se convulsivamente, e a morte pode mesmo ser causada."
Alguns relatos de doppelganger se tornaram clássicos. A mais conhecida história envolve Emilie Sagée, uma professora de francês na Letônia. Em 1845, diversos alunos teriam visto Emilie "bilocar". Certo dia, sua sósia teria sido vista ao lado dela, imitando seu gesto de escrever no quadro-negro, mas sem usar o giz. Em outra ocasião, a sósia teria sido vista parada, enquanto a Emilie de carne e osso caminhava. O curioso é que a própria Emilie disse nunca ter visto seu duplo etéreo.
"Escreve aí"
Figuras célebres também relataram ter encontrado seu sósia fantasma. Já no final da vida, o escritor francês Guy de Maupassant (1850-1893) se disse perseguido pelo seu doppelganger. Certa vez, seu sósia teria entrado no seu quarto, se sentado diante dele e começado a ditar o que Maupassant estava escrevendo. A sensação de ser vigiado pelo duplo é narrada no conto "O Horda", presente no livro O Horda e Outras Histórias (L&PM, 2000).
Consta também que o poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) cavalgava um dia por uma estrada, quando teria visto um outro homem - seu sósia perfeito - vindo em sentido contrário, também montado a cavalo e vestindo um traje cinza com detalhes em dourado. Oito anos mais tarde, Goethe cavalgava novamente pela mesma estrada, mas no sentido contrário. Foi quando teria se dado conta de que estava vestindo uma roupa semelhante à do sósia que vira oito anos antes. Teria Goethe vislumbrado seu próprio futuro?
O mito do duplo etéreo também é freqüentemente explorado no cinema. Por exemplo, no filme Pacto Sinistro (1951), de Alfred Hitchcock, o mestre do suspense utiliza diversas metáforas visuais para sugerir o encontro de duplos. Em uma cena, o personagem Bruno pede dois drinques duplos, mesmo estando sozinho na tela.
De acordo com estudiosos que se dedicam ao tema, os duplos etéreos apareceriam, em geral, para avisar o próprio sósia ou seus familiares e amigos de tragédias iminentes. Eles poderiam, em muitos casos, plantar idéias maléficas na mente dessas pessoas. Ou seja, caso você encontre seu sósia por aí, por mais que ele lhe pareça familiar e simpático, é melhor não lhe dar ouvidos.
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Projeção Astral - Viagens fora do corpo.
PROJEÇÃO ASTRAL: VIAGENS FORA DO CORPO
Numa madrugada há pouco mais de 20 anos, o médico urologista carioca Luiz Otávio Zahar teve a sensação de acordar no meio da academia de ginástica que costumava freqüentar. As luzes estavam apagadas e não havia ninguém usando os aparelhos de musculação nem circulando pelos corredores. O médico percorreu o espaço de um lado para o outro, sentindo-se absolutamente consciente. Mas seu passeio noturno, segundo Zahar, tinha uma peculiaridade: ele via tudo do alto, como se estivesse suspenso, flutuando.
Não foi a primeira vez que Zahar experimentou aquela sensação. Desde a adolescência, sentia-se plenamente acordado no meio de algumas noites, circulando por lugares às vezes conhecidos, às vezes não. Descobriu que alguns davam a essa curiosa experiência o nome de projeção astral, outros de experiência extracorpórea, desdobramento ou projeção da consciência. Zahar acabou por acostumar-se e aceitar alguns desses diagnósticos, mas mantinha consigo uma dúvida secreta sobre a veracidade de suas sensações e visões.
Naquela madrugada na academia, porém, Zahar resolveu pôr à prova a tese de que realmente conseguia - como tantas outras pessoas dizem conseguir - sair do corpo, manter o estado de vigília e usar os sentidos para observar coisas concretas. "Eu não deixo de ser, fora do corpo, aquele médico cartesiano que sou, que quer comprovar as coisas. Pensei: ‘tenho de fazer alguma coisa para provar a mim mesmo essa experiência’. Então vi um parafuso esquecido no alto de uma máquina de exercício. Acordei e anotei", conta. No dia seguinte, foi até a máquina. Para ver o que havia em cima dela, precisou subir em um banco. Do chão, era impossível enxergar. "Subi e vi o parafuso lá."
Para a ciência convencional, a idéia de que podemos sair do corpo não apenas está longe de ser provada como soa absurda. Afinal, a ciência não acredita em "espíritos". Não aceita a idéia de uma "essência" vivendo dentro do nosso corpo - portanto, não dá nem para imaginar que seja possível um se separar do outro. Segundo o modelo científico, somos nosso corpo: nossa essência, inseparável de nós, está dentro das nossas células, em especial nas do cérebro. Está justamente no cérebro a explicação dos cientistas para esse fenômeno - e ela é bem prosaica, quase decepcionante (veja no quadro à direita).
Há quem acredite, no entanto, que o ser humano seja capaz de se desprender do corpo durante o sono, de se deslocar através de paredes, de viajar distâncias a velocidades impensáveis, de interagir com outros que estão no mesmo estado ou mesmo com quem já morreu. Tudo isso sem perder a consciência, o pensamento lógico e o comando sobre seus movimentos, tal qual fazemos durante o dia. Antonio Cesar Perri de Carvalho e Osvaldo Magro Filho, autores de um livro chamado Entre a Matéria e o Espírito (O Clarim, 1990), fizeram uma compilação de relatos sobre personalidades que teriam vivido experiências extra-sensoriais. Um deles teria sido o astrônomo alemão Johannes Kepler (1571-1630), que tentou decifrar o movimento dos planetas numa época em que os telescópios ainda estavam em uma fase inicial. "Todas as observações dos séculos anteriores estabeleciam apenas os movimentos aparentes porque tinham sido feitas de uma plataforma móvel - a própria Terra", conta seu biógrafo, Robert Strother. "Kepler superou isso transportando-se pela imaginação para fora do sistema, olhando para baixo de um ponto no espaço." O próprio Kepler narrou em um de seus livros, Somniun, a história de um personagem que viajava em sonhos para a Lua. A descrição da superfície lunar confere com o que, séculos depois, veio a se conhecer de fato.
Sobre o físico Albert Einstein, o criador da Teoria da Relatividade, o livro Entre a Matéria e o Espírito cita simplesmente um trecho de uma biografia do cientista no qual ele revela a um amigo que tinha concebido suas idéias revolucionárias "através de uma visão".
Sonhos de Jung
O psiquiatra suíço Carl Jung parece ter ido mais além no terreno das experiências raras. Ele escreveu sobre fatos estranhos que teriam ocorrido em sua casa - como móveis que se partiam sozinhos sem motivo aparente. O criador da psicologia analítica escreveu também sobre sua capacidade de, às vezes, saber de fatos sobre alguém sem que ninguém os tivesse contado. Em 1944, vitimado por um enfarte, descreveu uma visão que alguns consideram uma experiência de projeção astral. "Parecia-me estar muito alto no espaço cósmico. Muito abaixo de mim, vi o globo terrestre banhado de uma maravilhosa luz azul (...) O espetáculo de ver a Terra dessa altura foi a experiência mais feérica e maravilhosa da minha vida."
Quem diz já ter vivenciado uma experiência desse tipo enfatiza: a lembrança do que acontece é a mesma que se tem de um fato vivido durante o dia, quando se está acordado e de olhos bem abertos. E que essas lembranças nada têm a ver com as de sonhos - por mais reais que estes às vezes pareçam. "As saídas do corpo são estudadas desde a Antigüidade, especialmente no Oriente. Mas era um conhecimento vetado, do campo de cada doutrina", diz Wagner Borges, escritor, conferencista e pesquisador do assunto. Autor de sete livros e fundador do Instituto de Pesquisas Projeciológicas e Bioenergéticas (IPPB), Borges dá em suas palestras dicas para quem quiser passar pela experiência extracorpórea de forma consciente. Uma das primeiras perguntas que costuma ouvir é: e se o espírito se desprender para sempre? Para Borges, isso é impossível, já que o corpo, enquanto houver vida, manteria uma conexão indestrutível - "um feixe de energia", como ele descreve - com o espírito.
Borges, de 43 anos, diz já ter passado por várias experiências desse tipo. As primeiras aconteceram aos 15 anos. "Passava um sufoco. Acordava e não conseguia me mexer", conta, falando de um "sintoma" comum num processo de projeção. "Uma vez tentei me acalmar, me soltei e vi meu corpo deitado." Esse seria um dos efeitos da projeção: ver a si mesmo no quarto, deitado, dormindo, exatamente como se realmente está. Em outros casos, o que se vêem são cenários desconhecidos e outras pessoas "projetadas", pessoas e até mesmo animais, diz Borges. O nível de consciência, segundo ele, varia conforme a ocasião.
O contador paulista Fernando Augusto Golfar, de 37 anos, afirma que vive projeções desde os 6 anos. Contava a seus pais episódios vivenciados por parentes já mortos com os quais falava durante as experiências e visões de lugares que lembrava ter visto dias antes de visitá-los com a família. Por via das dúvidas, a mãe o levou algumas vezes a uma benzedeira. As experiências prosseguiram. "Geralmente me vejo em locais de assistência, hospitais, áreas carentes, enterros ou ajudando usuários de drogas", conta. Assim como Borges, Golfar afirma ter desenvolvido sua mediunidade. Para ele, isso ajuda em suas projeções astrais, mas não é um requisito fundamental.
O médico Zahar concorda. Agnóstico convicto, ele prefere outra explicação. "Acho que há níveis de consciência e de planos de realidade que ainda não conhecemos." Curioso e interessado por relatos como os dele, o médico criou em 1999 um grupo de discussão na internet sobre o assunto. O fórum conta hoje com 924 participantes.
Noites maldormidas?
Para a medicina convencional, as projeções astrais podem ser explicadas meramente como problemas relacionados ao sono. Segundo o neurologista Rubens Reimão, chefe do Grupo de Pesquisas Avançadas de Medicina do Sono do Hospital das Clínicas, o quadro relatado pelos "projetores" pode ser associado ao que os médicos chamam de alucinação hipnagógica (que ocorre ao cair no sono) e paralisia do sono. As alucinações acontecem quando a pessoa entra abruptamente no estágio de REM (rapid eyes movement, ou movimento rápido dos olhos), que é quando acontecem os sonhos. Normalmente, chega-se a essa fase depois de uns 90 minutos de sono. Mas às vezes mergulhamos nela durante um descuidado cochilo.
"Em geral, a pessoa sonha com o lugar e o momento em que está. Se cochila numa sala de aula, é comum sonhar com alguém falando com ela na sala. E o sonho é tão real que, ao despertar, ela não sabe se aquilo aconteceu ou não", diz Reimão. Segundo ele, qualquer pessoa pode passar por isso, principalmente se não dormiu o suficiente durante a noite. Já na paralisia do sono, a pessoa acorda, mas sente que simplesmente não pode se mexer nem abrir os olhos e parece estar vendo o próprio quarto.
Numa madrugada há pouco mais de 20 anos, o médico urologista carioca Luiz Otávio Zahar teve a sensação de acordar no meio da academia de ginástica que costumava freqüentar. As luzes estavam apagadas e não havia ninguém usando os aparelhos de musculação nem circulando pelos corredores. O médico percorreu o espaço de um lado para o outro, sentindo-se absolutamente consciente. Mas seu passeio noturno, segundo Zahar, tinha uma peculiaridade: ele via tudo do alto, como se estivesse suspenso, flutuando.
Não foi a primeira vez que Zahar experimentou aquela sensação. Desde a adolescência, sentia-se plenamente acordado no meio de algumas noites, circulando por lugares às vezes conhecidos, às vezes não. Descobriu que alguns davam a essa curiosa experiência o nome de projeção astral, outros de experiência extracorpórea, desdobramento ou projeção da consciência. Zahar acabou por acostumar-se e aceitar alguns desses diagnósticos, mas mantinha consigo uma dúvida secreta sobre a veracidade de suas sensações e visões.
Naquela madrugada na academia, porém, Zahar resolveu pôr à prova a tese de que realmente conseguia - como tantas outras pessoas dizem conseguir - sair do corpo, manter o estado de vigília e usar os sentidos para observar coisas concretas. "Eu não deixo de ser, fora do corpo, aquele médico cartesiano que sou, que quer comprovar as coisas. Pensei: ‘tenho de fazer alguma coisa para provar a mim mesmo essa experiência’. Então vi um parafuso esquecido no alto de uma máquina de exercício. Acordei e anotei", conta. No dia seguinte, foi até a máquina. Para ver o que havia em cima dela, precisou subir em um banco. Do chão, era impossível enxergar. "Subi e vi o parafuso lá."
Para a ciência convencional, a idéia de que podemos sair do corpo não apenas está longe de ser provada como soa absurda. Afinal, a ciência não acredita em "espíritos". Não aceita a idéia de uma "essência" vivendo dentro do nosso corpo - portanto, não dá nem para imaginar que seja possível um se separar do outro. Segundo o modelo científico, somos nosso corpo: nossa essência, inseparável de nós, está dentro das nossas células, em especial nas do cérebro. Está justamente no cérebro a explicação dos cientistas para esse fenômeno - e ela é bem prosaica, quase decepcionante (veja no quadro à direita).
Há quem acredite, no entanto, que o ser humano seja capaz de se desprender do corpo durante o sono, de se deslocar através de paredes, de viajar distâncias a velocidades impensáveis, de interagir com outros que estão no mesmo estado ou mesmo com quem já morreu. Tudo isso sem perder a consciência, o pensamento lógico e o comando sobre seus movimentos, tal qual fazemos durante o dia. Antonio Cesar Perri de Carvalho e Osvaldo Magro Filho, autores de um livro chamado Entre a Matéria e o Espírito (O Clarim, 1990), fizeram uma compilação de relatos sobre personalidades que teriam vivido experiências extra-sensoriais. Um deles teria sido o astrônomo alemão Johannes Kepler (1571-1630), que tentou decifrar o movimento dos planetas numa época em que os telescópios ainda estavam em uma fase inicial. "Todas as observações dos séculos anteriores estabeleciam apenas os movimentos aparentes porque tinham sido feitas de uma plataforma móvel - a própria Terra", conta seu biógrafo, Robert Strother. "Kepler superou isso transportando-se pela imaginação para fora do sistema, olhando para baixo de um ponto no espaço." O próprio Kepler narrou em um de seus livros, Somniun, a história de um personagem que viajava em sonhos para a Lua. A descrição da superfície lunar confere com o que, séculos depois, veio a se conhecer de fato.
Sobre o físico Albert Einstein, o criador da Teoria da Relatividade, o livro Entre a Matéria e o Espírito cita simplesmente um trecho de uma biografia do cientista no qual ele revela a um amigo que tinha concebido suas idéias revolucionárias "através de uma visão".
Sonhos de Jung
O psiquiatra suíço Carl Jung parece ter ido mais além no terreno das experiências raras. Ele escreveu sobre fatos estranhos que teriam ocorrido em sua casa - como móveis que se partiam sozinhos sem motivo aparente. O criador da psicologia analítica escreveu também sobre sua capacidade de, às vezes, saber de fatos sobre alguém sem que ninguém os tivesse contado. Em 1944, vitimado por um enfarte, descreveu uma visão que alguns consideram uma experiência de projeção astral. "Parecia-me estar muito alto no espaço cósmico. Muito abaixo de mim, vi o globo terrestre banhado de uma maravilhosa luz azul (...) O espetáculo de ver a Terra dessa altura foi a experiência mais feérica e maravilhosa da minha vida."
Quem diz já ter vivenciado uma experiência desse tipo enfatiza: a lembrança do que acontece é a mesma que se tem de um fato vivido durante o dia, quando se está acordado e de olhos bem abertos. E que essas lembranças nada têm a ver com as de sonhos - por mais reais que estes às vezes pareçam. "As saídas do corpo são estudadas desde a Antigüidade, especialmente no Oriente. Mas era um conhecimento vetado, do campo de cada doutrina", diz Wagner Borges, escritor, conferencista e pesquisador do assunto. Autor de sete livros e fundador do Instituto de Pesquisas Projeciológicas e Bioenergéticas (IPPB), Borges dá em suas palestras dicas para quem quiser passar pela experiência extracorpórea de forma consciente. Uma das primeiras perguntas que costuma ouvir é: e se o espírito se desprender para sempre? Para Borges, isso é impossível, já que o corpo, enquanto houver vida, manteria uma conexão indestrutível - "um feixe de energia", como ele descreve - com o espírito.
Borges, de 43 anos, diz já ter passado por várias experiências desse tipo. As primeiras aconteceram aos 15 anos. "Passava um sufoco. Acordava e não conseguia me mexer", conta, falando de um "sintoma" comum num processo de projeção. "Uma vez tentei me acalmar, me soltei e vi meu corpo deitado." Esse seria um dos efeitos da projeção: ver a si mesmo no quarto, deitado, dormindo, exatamente como se realmente está. Em outros casos, o que se vêem são cenários desconhecidos e outras pessoas "projetadas", pessoas e até mesmo animais, diz Borges. O nível de consciência, segundo ele, varia conforme a ocasião.
O contador paulista Fernando Augusto Golfar, de 37 anos, afirma que vive projeções desde os 6 anos. Contava a seus pais episódios vivenciados por parentes já mortos com os quais falava durante as experiências e visões de lugares que lembrava ter visto dias antes de visitá-los com a família. Por via das dúvidas, a mãe o levou algumas vezes a uma benzedeira. As experiências prosseguiram. "Geralmente me vejo em locais de assistência, hospitais, áreas carentes, enterros ou ajudando usuários de drogas", conta. Assim como Borges, Golfar afirma ter desenvolvido sua mediunidade. Para ele, isso ajuda em suas projeções astrais, mas não é um requisito fundamental.
O médico Zahar concorda. Agnóstico convicto, ele prefere outra explicação. "Acho que há níveis de consciência e de planos de realidade que ainda não conhecemos." Curioso e interessado por relatos como os dele, o médico criou em 1999 um grupo de discussão na internet sobre o assunto. O fórum conta hoje com 924 participantes.
Noites maldormidas?
Para a medicina convencional, as projeções astrais podem ser explicadas meramente como problemas relacionados ao sono. Segundo o neurologista Rubens Reimão, chefe do Grupo de Pesquisas Avançadas de Medicina do Sono do Hospital das Clínicas, o quadro relatado pelos "projetores" pode ser associado ao que os médicos chamam de alucinação hipnagógica (que ocorre ao cair no sono) e paralisia do sono. As alucinações acontecem quando a pessoa entra abruptamente no estágio de REM (rapid eyes movement, ou movimento rápido dos olhos), que é quando acontecem os sonhos. Normalmente, chega-se a essa fase depois de uns 90 minutos de sono. Mas às vezes mergulhamos nela durante um descuidado cochilo.
"Em geral, a pessoa sonha com o lugar e o momento em que está. Se cochila numa sala de aula, é comum sonhar com alguém falando com ela na sala. E o sonho é tão real que, ao despertar, ela não sabe se aquilo aconteceu ou não", diz Reimão. Segundo ele, qualquer pessoa pode passar por isso, principalmente se não dormiu o suficiente durante a noite. Já na paralisia do sono, a pessoa acorda, mas sente que simplesmente não pode se mexer nem abrir os olhos e parece estar vendo o próprio quarto.
Quase-morte - A um passo do fim do tunel
QUASE-MORTE: A UM PASSO DO FIM DO TUNEL
Ao final de uma cirurgia de emergência para estancar um sangramento cerebral que a deixou à beira da morte, há três anos, a atriz Sharon Stone relatou aos médicos e enfermeiras as sensações perturbadoras que lembrava do período de inconsciência. Disse ter atravessado rapidamente uma espécie de túnel e mergulhado em uma forte luz branca que transmitia uma sensação de paz e serenidade. Contou também que pressentiu a companhia de seus parentes e amigos mortos, prontos para recebê-la do "outro lado". De repente, contudo, ela fez o caminho de volta e acordou.
O testemunho da estrela de Instinto Selvagem coincide com o de muitas outras pessoas que passaram pelas chamadas Experiências de Quase-Morte (EQMs), um assunto que tem sido investigado com seriedade pela comunidade científica. O que mais impressiona é a similaridade das descrições sobre o que acontece com quem chega muito perto da fronteira. A sensação de paz e contentamento, a impressão de que se está saindo do corpo, a passagem em alta velocidade por um túnel escuro, o vislumbre de uma luz brilhante e, finalmente, o mergulho nessa luz são as cinco etapas "clássicas" de uma EQM, segundo os estudiosos do assunto. Foi exatamente o que se passou com Sharon Stone, que afirma jamais ter se interessado pelo tema até então.
Os relatos de EQMs incluem outras sensações, como um zumbido forte ou então uma música celestial, diferente de tudo o que os instrumentos que conhecemos são capazes de produzir. Aquele "cineminha" com os melhores momentos da vida é outra ocorrência freqüente. Também é comum encontrar quem diz ter visto a si próprio deitado na mesa de cirurgia ou em meio às ferragens de um carro e ouvido os comentários das pessoas ao redor.
Esse tipo de visão é sempre "aérea", como se a pessoa se descolasse do corpo e flutuasse no ar. Ao deparar com a intensa luz brilhante, há quem diz ter identificado vultos de anjos ou de pessoas queridas que já morreram - algumas pessoas dizem ter até conversado com elas.
Não são raros os casos de quem relata encontros com celebridades. Elvis Presley é o campeão de aparições nessas circunstâncias. Vê-lo é tão comum que um pesquisador do assunto, Raymond Moody, escreveu um livro inteiro com histórias de encontros com o rei do rock durante EQMs. Em outro livro, Transformados pela Luz (Record/Nova Era, 1997), o médico Melvin Morse registrou o depoimento de uma professora que afirma ter encontrado Elvis, a quem havia visto de perto quando criança. "Ele saiu de um lugar com intensa luz, aproximou-se, pegou minha mão e disse: ‘Oi, lembra-se de mim?’", descreveu a professora.
Não é uma experiência tão incomum quanto parece. A Associação Internacional para Estudos de Quase-Morte (Iands, sua sigla em inglês) estima que 13 milhões dos americanos vivos se lembram de ter passado por algo do gênero, o que corresponderia a 4,5% da população do país. Projetando o mesmo percentual para a população mundial, seriam 270 milhões de pessoas. O propósito da associação é oferecer apoio a quem passa por uma EQM. "Pode ter certeza de que você não está sozinho nem louco, porque milhões de pessoas passam pela mesma situação", afirma o editorial do site da associação (www.iands.org).
Enquanto muita gente considera as EQMs provas de que há vida depois da morte, a ciência busca explicações racionais para o fenômeno. A mais preguiçosa é a de que tudo não passa de imaginação. E por que os depoimentos seriam tão parecidos uns com os outros? De tanto ouvir falar sobre esse tipo de experiência - freqüentemente retratada no cinema, por exemplo -, as pessoas seriam influenciadas a sentir algo parecido em situações semelhantes. É o princípio da contaminação, o mesmo que levaria as pessoas a se imaginarem em outras vidas durante sessões de regressão, por exemplo.
Ensaio para a morte?
Há pesquisadores, no entanto, que escapam das respostas fáceis e preferem partir do princípio de que as pessoas realmente vivenciam o que descrevem. Para esses, uma hipótese é de que tudo faça parte da programação do cérebro para enfrentar o momento da morte, tornando-o menos difícil e doloroso. A sensação de paz, por exemplo, seria resultado da liberação excessiva de endomorfinas diante de uma situação de muito estresse.
O mais importante estudo feito até hoje sobre EQMs estendeu-se por 13 anos, até a divulgação, em 2001, na prestigiosa revista médica britânica The Lancet. Pesquisadores liderados pelo cardiologista holandês Pim van Lommel entrevistaram 344 pacientes de dez diferentes hospitais da Holanda que, "ressuscitados" após paradas cardíacas, haviam passado por EQMs. Todos tinham em comum o fato de, por alguns minutos - quatro, em média -, terem sido considerados clinicamente mortos. A primeira entrevista foi feita logo que os pacientes recobraram os sentidos - 18% deles disseram ter alguma memória do período de inconsciência e 12% relataram ter passado claramente por pelo menos um dos estágios clássicos de uma EQM.
O acompanhamento dos pacientes revelou que sobreviver a uma EQM leva a pessoa a mudar radicalmente o comportamento e a forma de encarar a vida. Os entrevistados dizem não ter mais medo da morte e passaram a valorizar as pequenas coisas do cotidiano. Demonstram, também, maior preocupação com os outros e o interesse em desenvolver a espiritualidade. No caso de Sharon Stone, a EQM a levou de volta ao cinema, do qual havia se afastado por um tempo por se sentir desmotivada. Exuberante aos 46 anos, a atriz fez recentemente grande sucesso como a vilã do filme Mulher-Gato.
Ao cruzarem as informações em busca de dados adicionais sobre as EQMs, os pesquisadores holandeses chegaram a uma constatação aterradora: metade dos pacientes que relataram a experiência morreu (de verdade) ao longo do mês seguinte ao episódio, percentual que, no outro grupo, não chegou a 10%. Uma explicação científica é de que as EQMs seriam um sinal de que o cérebro não conseguiu sair ileso da ameaça de morte - ou seja, ele se "considerou" morto e acabou levando consigo o resto do corpo. Já a explicação preferida por quem acredita em vida após a morte é que essas pessoas estiveram de fato do outro lado e foram trazidas de volta por recursos criados pelo homem, como o uso de desfribiladores. Com o destino já selado, elas simplesmente aguardaram o próximo bonde.
Mais uma chance
A atriz Jane Seymour, par romântico de Christopher Reeves no filme Em Algum Lugar do Passado, quase morreu aos 36 anos, durante uma crise alérgica provocada por uma injeção de penicilina. "Deixei meu corpo e pude ver a mim mesma na cama, com as pessoas ao redor tentando me ressuscitar. Era como se eu estivesse flutuando. A única coisa que conseguia pensar é que eu não queria morrer, não estava pronta para deixar meus filhos", descreveu a atriz.
O ator Donald Sutherland teve sua EQM em 1979, quando contraiu meningite. " Eu estava flutuando sobre meu corpo, cercado por uma luz azul-clara. Comecei a percorrer um longo túnel, longe da cama... Mas de repente estava de volta ao meu corpo. Os médicos me contaram depois que eu realmente estive morto por algum tempo", disse Sutherland.
Elizabeth Taylor contou sua experiência no talk show de Larry King. Em 1959, durante os cinco minutos em que foi considerada morta em uma mesa de cirurgia, ela teria se encontrado como espírito de Michael Todd, seu terceiro marido, morto em um acidente de avião no ano anterior. No breve encontro, ele teria lhe dito para voltar e cumprir a missão que lhe restava. Com receio de não ser levada a sério, Elizabeth não tocou no assunto durante décadas, até se envolver na luta contra a Aids e decidir usar a história para confortar pacientes terminais.
Ao final de uma cirurgia de emergência para estancar um sangramento cerebral que a deixou à beira da morte, há três anos, a atriz Sharon Stone relatou aos médicos e enfermeiras as sensações perturbadoras que lembrava do período de inconsciência. Disse ter atravessado rapidamente uma espécie de túnel e mergulhado em uma forte luz branca que transmitia uma sensação de paz e serenidade. Contou também que pressentiu a companhia de seus parentes e amigos mortos, prontos para recebê-la do "outro lado". De repente, contudo, ela fez o caminho de volta e acordou.
O testemunho da estrela de Instinto Selvagem coincide com o de muitas outras pessoas que passaram pelas chamadas Experiências de Quase-Morte (EQMs), um assunto que tem sido investigado com seriedade pela comunidade científica. O que mais impressiona é a similaridade das descrições sobre o que acontece com quem chega muito perto da fronteira. A sensação de paz e contentamento, a impressão de que se está saindo do corpo, a passagem em alta velocidade por um túnel escuro, o vislumbre de uma luz brilhante e, finalmente, o mergulho nessa luz são as cinco etapas "clássicas" de uma EQM, segundo os estudiosos do assunto. Foi exatamente o que se passou com Sharon Stone, que afirma jamais ter se interessado pelo tema até então.
Os relatos de EQMs incluem outras sensações, como um zumbido forte ou então uma música celestial, diferente de tudo o que os instrumentos que conhecemos são capazes de produzir. Aquele "cineminha" com os melhores momentos da vida é outra ocorrência freqüente. Também é comum encontrar quem diz ter visto a si próprio deitado na mesa de cirurgia ou em meio às ferragens de um carro e ouvido os comentários das pessoas ao redor.
Esse tipo de visão é sempre "aérea", como se a pessoa se descolasse do corpo e flutuasse no ar. Ao deparar com a intensa luz brilhante, há quem diz ter identificado vultos de anjos ou de pessoas queridas que já morreram - algumas pessoas dizem ter até conversado com elas.
Não são raros os casos de quem relata encontros com celebridades. Elvis Presley é o campeão de aparições nessas circunstâncias. Vê-lo é tão comum que um pesquisador do assunto, Raymond Moody, escreveu um livro inteiro com histórias de encontros com o rei do rock durante EQMs. Em outro livro, Transformados pela Luz (Record/Nova Era, 1997), o médico Melvin Morse registrou o depoimento de uma professora que afirma ter encontrado Elvis, a quem havia visto de perto quando criança. "Ele saiu de um lugar com intensa luz, aproximou-se, pegou minha mão e disse: ‘Oi, lembra-se de mim?’", descreveu a professora.
Não é uma experiência tão incomum quanto parece. A Associação Internacional para Estudos de Quase-Morte (Iands, sua sigla em inglês) estima que 13 milhões dos americanos vivos se lembram de ter passado por algo do gênero, o que corresponderia a 4,5% da população do país. Projetando o mesmo percentual para a população mundial, seriam 270 milhões de pessoas. O propósito da associação é oferecer apoio a quem passa por uma EQM. "Pode ter certeza de que você não está sozinho nem louco, porque milhões de pessoas passam pela mesma situação", afirma o editorial do site da associação (www.iands.org).
Enquanto muita gente considera as EQMs provas de que há vida depois da morte, a ciência busca explicações racionais para o fenômeno. A mais preguiçosa é a de que tudo não passa de imaginação. E por que os depoimentos seriam tão parecidos uns com os outros? De tanto ouvir falar sobre esse tipo de experiência - freqüentemente retratada no cinema, por exemplo -, as pessoas seriam influenciadas a sentir algo parecido em situações semelhantes. É o princípio da contaminação, o mesmo que levaria as pessoas a se imaginarem em outras vidas durante sessões de regressão, por exemplo.
Ensaio para a morte?
Há pesquisadores, no entanto, que escapam das respostas fáceis e preferem partir do princípio de que as pessoas realmente vivenciam o que descrevem. Para esses, uma hipótese é de que tudo faça parte da programação do cérebro para enfrentar o momento da morte, tornando-o menos difícil e doloroso. A sensação de paz, por exemplo, seria resultado da liberação excessiva de endomorfinas diante de uma situação de muito estresse.
O mais importante estudo feito até hoje sobre EQMs estendeu-se por 13 anos, até a divulgação, em 2001, na prestigiosa revista médica britânica The Lancet. Pesquisadores liderados pelo cardiologista holandês Pim van Lommel entrevistaram 344 pacientes de dez diferentes hospitais da Holanda que, "ressuscitados" após paradas cardíacas, haviam passado por EQMs. Todos tinham em comum o fato de, por alguns minutos - quatro, em média -, terem sido considerados clinicamente mortos. A primeira entrevista foi feita logo que os pacientes recobraram os sentidos - 18% deles disseram ter alguma memória do período de inconsciência e 12% relataram ter passado claramente por pelo menos um dos estágios clássicos de uma EQM.
O acompanhamento dos pacientes revelou que sobreviver a uma EQM leva a pessoa a mudar radicalmente o comportamento e a forma de encarar a vida. Os entrevistados dizem não ter mais medo da morte e passaram a valorizar as pequenas coisas do cotidiano. Demonstram, também, maior preocupação com os outros e o interesse em desenvolver a espiritualidade. No caso de Sharon Stone, a EQM a levou de volta ao cinema, do qual havia se afastado por um tempo por se sentir desmotivada. Exuberante aos 46 anos, a atriz fez recentemente grande sucesso como a vilã do filme Mulher-Gato.
Ao cruzarem as informações em busca de dados adicionais sobre as EQMs, os pesquisadores holandeses chegaram a uma constatação aterradora: metade dos pacientes que relataram a experiência morreu (de verdade) ao longo do mês seguinte ao episódio, percentual que, no outro grupo, não chegou a 10%. Uma explicação científica é de que as EQMs seriam um sinal de que o cérebro não conseguiu sair ileso da ameaça de morte - ou seja, ele se "considerou" morto e acabou levando consigo o resto do corpo. Já a explicação preferida por quem acredita em vida após a morte é que essas pessoas estiveram de fato do outro lado e foram trazidas de volta por recursos criados pelo homem, como o uso de desfribiladores. Com o destino já selado, elas simplesmente aguardaram o próximo bonde.
Mais uma chance
A atriz Jane Seymour, par romântico de Christopher Reeves no filme Em Algum Lugar do Passado, quase morreu aos 36 anos, durante uma crise alérgica provocada por uma injeção de penicilina. "Deixei meu corpo e pude ver a mim mesma na cama, com as pessoas ao redor tentando me ressuscitar. Era como se eu estivesse flutuando. A única coisa que conseguia pensar é que eu não queria morrer, não estava pronta para deixar meus filhos", descreveu a atriz.
O ator Donald Sutherland teve sua EQM em 1979, quando contraiu meningite. " Eu estava flutuando sobre meu corpo, cercado por uma luz azul-clara. Comecei a percorrer um longo túnel, longe da cama... Mas de repente estava de volta ao meu corpo. Os médicos me contaram depois que eu realmente estive morto por algum tempo", disse Sutherland.
Elizabeth Taylor contou sua experiência no talk show de Larry King. Em 1959, durante os cinco minutos em que foi considerada morta em uma mesa de cirurgia, ela teria se encontrado como espírito de Michael Todd, seu terceiro marido, morto em um acidente de avião no ano anterior. No breve encontro, ele teria lhe dito para voltar e cumprir a missão que lhe restava. Com receio de não ser levada a sério, Elizabeth não tocou no assunto durante décadas, até se envolver na luta contra a Aids e decidir usar a história para confortar pacientes terminais.
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Reencarnação - Memórias de outras vidas.
REENCARNAÇÃO: MEMÓRIAS DE OUTRAS VIDAS
Em uma das mais prestigiosas universidades públicas dos Estados Unidos, a Universidade de Virgínia, pesquisadores da área de saúde mental dedicam-se há décadas a desafiar os céticos. Ali são estudados, entre outros casos que ultrapassam os contornos da ciência convencional, relatos sobre reencarnação, muitos deles submetidos à checagem. Resultados conclusivos não há, mas eles são, no mínimo, intrigantes. À frente da Divisão de Estudos da Personalidade está o mais famoso pesquisador sobre o assunto, o já octogenário Ian Stevenson. Seus livros e textos em publicações científicas descrevem casos de crianças que se recordariam de vidas passadas e de pessoas com marcas de nascença que teriam sido originadas por cicatrizes de existências anteriores.
Stevenson e sua equipe avaliam casos de reencarnação da forma que consideram a mais acurada possível. Fazem entrevistas, confrontam a versão narrada com documentações, comparam descrições com fatos que só familiares da pessoa morta poderiam saber. Por tudo isso, ele se tornou um dos maiores responsáveis por ajudar a deslocar - ainda que apenas um pouco - o conceito de reencarnação do campo da fé e do misticismo para o campo da ciência.
Mas o que leva esse renomado médico, com mais de 60 anos de carreira, e tantos outros pesquisadores a encararem a reencarnação como uma hipótese válida?
Bem, são histórias como, por exemplo, a de Swarnlata Mishra, uma menina nascida em 1948 de uma rica família da Índia e que se tornou protagonista de um dos casos clássicos - digamos assim - da literatura médica sobre vidas passadas. A história é descrita em um dos livros de Stevenson, Twenty Cases Suggestive of Reincarnation ("Vinte Casos Sugestivos de Reencarnação", sem versão brasileira), e se assemelha a outros registrados pelo mundo sobre lembranças reveladoras ocorridas, principalmente, na infância. Mas, ao contrário da maioria, não está relacionado a mortes violentas, confrontos ou traumas.
A história de Swarnlata é simples. Aos 3 anos de idade, viajava com seu pai quando, de repente, apontou uma estrada que levava à cidade de Katni e pediu ao motorista que seguisse por ela até onde estava o que chamou de "minha casa". Lá, disse, poderiam tomar uma xícara de chá. Katni está localizada a mais de 160 quilômetros da cidade da menina, Pradesh. Logo em seguida, Swarnlata começou a descrever uma série de detalhes sobre sua suposta vida em Katni. Disse que lá seu nome fora Biya Pathak e que tivera dois filhos. Deu detalhes da casa e a localizou no distrito de Zhurkutia. O pai da menina passou a anotar as "memórias" da filha.
Recordações de mãe
Sete anos depois, em 1959, ao ouvir esses relatos, um pesquisador de fenômenos paranormais, o indiano Sri H. N. Banerjee, visitou Katni. Pegou as anotações do pai de Swarnlata e as usou como guia para entrevistar a família Pathak. Tudo o que a menina havia falado sobre Biya (morta em 1939) batia. Até então, nenhuma das duas famílias havia ouvido falar uma da outra.
Naquele mesmo ano, o viúvo de Biya, um de seus filhos e seu irmão mais velho viajaram para a cidade de Chhatarpur, onde Swarnlata morava. Chegaram sem avisar. E, sem revelar suas identidades ou intenções aos moradores da cidade, pediram que nove deles os acompanhassem à casa dos Mishra. Stevenson relata que, imediatamente, a menina reconheceu e pronunciou os nomes dos três visitantes. Ao "irmão", chamou pelo apelido.
Semanas depois, seu pai a levou para Katni para a casa onde ela dizia ter vivido e morrido. Swarnlata, conta Stevenson, tratou pelo nome cada um dos presentes, parentes e amigos da família. Lembrou-se de episódios domésticos e tratou os filhos de Biya (então na faixa dos 30 anos) com a intimidade de mãe. Swarnlata tinha apenas 11 anos.
As duas famílias se aproximaram e passaram a trocar visitas - aceitando o caso como reencarnação. O próprio Stevenson testemunhou um desses encontros, em 1961. Ao contrário de muitos casos de memórias relatadas como de vidas passadas, as da menina continuaram acompanhando-a na fase adulta - quando Swarnlata já estava casada e formada em Botânica.
Assim como esse, há milhares de outros episódios intrigantes, alguns mais e outros menos verificáveis. Somente na Universidade da Virgínia há registros de mais de 2500 casos desse gênero. Acontece que, para a ciência, a ocorrência de casos isolados, ainda que numerosos, não prova nada. Os céticos atribuem essas histórias a fraudes, coincidências ou auto-induções às vezes bem intencionadas.
Mas, embora a ciência duvide da reencarnação, a humanidade convive com a crença nela faz tempo. De acordo com algumas versões, o conceito de reencarnação chegou ao Ocidente pelas mãos do matemático grego Pitágoras. Durante uma viagem que fizera ao Egito, ele teria ouvido diversas histórias e assistido a cerimônias em que espíritos afirmavam que vinham mais de uma vez à Terra, em corpos humanos ou de animais. O mesmo conceito - com variações aqui e ali - marcou religiões orientais, como o bramanismo e o hinduísmo (e, mais tarde, o budismo), e também religiões africanas e de povos indígenas, segundo Fernando Altmeier, professor de Teologia da PUC de São Paulo. Na verdade, "a reencarnação nasce quase ao mesmo tempo que a idéia religiosa tanto no Ocidente quanto no Oriente, com os egípcios, os gregos, os africanos e os indígenas", diz Altmeier. A idéia, porém, não deixou traços - pelo menos não com a mesma força - nas três religiões surgidas de Abraão: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo.
No século 19, o francês Hippolyte Leon Denizard Rivail - ou Allan Kardec - e outros estudiosos dedicaram-se a um tema então em voga na Europa: os fenômenos das mesas giratórias, em que os sensitivos alegavam que espíritos se manifestavam com o mundo dos vivos. Kardec escreveu uma série de livros sobre as experiências mediúnicas que observou e, tendo como base a idéia da reencarnação, fundou a doutrina espírita. Para os espíritas, reencarnação é um ponto pacífico. Mas muitos deles preferem dar crédito a relatos embasados no cientificismo. "Dirijo a área de assistência espiritual na Federação Espírita do Estado de São Paulo, por onde passam 200 mil pessoas por mês, mas, no que diz respeito à fenomenologia, sou mais pé no chão, sou muito rigoroso", afirma o advogado Wlademir Lisso, de 58 anos.
Terapias e evidências
Nas aulas que dá na federação sobre espiritismo e ciência, Lisso - que é autor de três livros - se baseia, sobretudo, nas pesquisas feitas por universidades estrangeiras, que considera mais confiáveis. Lisso diz que já perdeu as contas das vezes que ouviu pessoas lhe dizendo que tinham lembranças de outras vidas, algumas, talvez, por meio das chamadas terapias de vidas passadas. "Terapias, por si só, não provam nada", diz Lisso, referindo-se a uma prática que supostamente leva a pessoa a escarafunchar memórias tão remotas quanto as de duas, três encarnações anteriores. Os espíritas não recomendam a experiência. "Até os anos 50, flashes ou outras manifestações eram considerados distúrbios mentais", diz Lisso. Com o tempo, ganhou eco a explicação de que muitos desses sintomas poderiam ser evidências de existências passadas.
No Brasil, um dos poucos que seguiram a linha da investigação mais científica foi Hernani Guimarães Andrade, que morreu há quase dois anos. Autor de diversos livros, entre eles Reencarnações no Brasil (O Clarim, sem data), Andrade conta o caso de uma menina paulistana, identificada apenas como Simone. Nos anos 60, quando tinha então pouco mais de 1 ano, ela começou a pronunciar palavras em italiano, sem que ninguém a tivesse ensinado. Passou também a relatar lembranças que remontavam à Segunda Guerra Mundial. Seu relato era tão vívido que familiares se renderam à idéia de que fragmentos de uma encarnação passada ainda pairavam em sua mente. A avó da menina registrou, em um diário, mais de 30 palavras em italiano pronunciadas pela neta e histórias de explosões, médicos, ferimentos e morte. As recordações pararam de jorrar quando a menina tinha por volta de 3 anos.
Mas as supostas memórias de crianças como Simone e Swarnlata não são os únicos sinais que chamam a atenção dos estudiosos. Em várias universidades ao redor do mundo, os pesquisadores passaram a examinar também marcas de nascença - associadas a lembranças - como possíveis evidências de reencarnação. O mesmo Stevenson reuniu um punhado desses casos num estudo divulgado em 1992. Segundo o levantamento feito com 210 crianças que alegavam ter lembranças de outras vidas, cerca de 35% apresentavam marcas de nascimento na pele. Em 49 casos, foi possível obter um documento médico, geralmente um laudo de necropsia, das pessoas que as crianças haviam supostamente sido em outra encarnação. A correspondência entre o ferimento que causara a morte e a marca de nascença foi considerada, no mínimo, satisfatória em 43 casos (88%), segundo Stevenson.
Um exemplo citado por ele é o de uma criança da antiga Birmânia que dizia se lembrar da vida de uma tia que morrera durante uma cirurgia para corrigir um problema cardíaco congênito. Essa menina tinha uma longa linha vertical hipopigmentada no alto do abdome. A marca correspondia à incisão cirúrgica da tia. Stevenson recorre a uma frase do escritor francês Stendhal para se referir a casos de memórias e de marcas que, às vezes, podem passar despercebidos: "Originalidade e verdade são encontradas somente nos detalhes".
Tinta fresca
O professor Jim B. Tucker, da Divisão de Estudos da Personalidade do Departamento de Psiquiatria da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, estuda e atende casos de depressão e outros distúrbios em crianças e adolescentes. Tem especial interesse por casos de crianças que alegam ter lembranças de vidas passadas. Nesta entrevista, concedida por e-mail à SUPER, Tucker fala das características mais freqüentes desses relatos e de fatos que mais o impressionaram.
Quantos casos de crianças que alegam lembrar de vidas passadas o senhor já observou?
Temos mais de 2 500 casos registrados em nossos arquivos. Eu, pessoalmente, vi vários.
Quais são as principais características desses casos?
Os casos geralmente envolvem crianças pequenas que dizem se lembrar de uma vida passada. Elas podem descrever a vida de um membro falecido da família ou um amigo da família ou podem descrever a vida de um estranho num outro local. Outros fatos incluem marcas de nascença que combinam com os ferimentos no corpo da pessoa falecida e comportamentos que parecem ligados à vida anterior.
Há uma explicação para o fato de as lembranças ocorrerem principalmente durante a infância?
As crianças começam a fazer seus relatos numa idade precoce, logo que começam a falar. Isso faz sentido, porque parecem ser memórias que elas carregam consigo desde a vida anterior.
Quais tipos de evidências mais impressionaram o senhor?
Ainda acho que a mais forte evidência envolve declarações documentadas que alguma criança tenha feito e que se provaram verdadeiras em relação a uma pessoa que viveu a uma distância significativa. O dr. Jünger Keil (pesquisador da Universidade de Tasmânia, na Austrália) investigou um caso na Turquia no qual um garoto deu muitos detalhes sobre um homem que tinha vivido a 850 quilômetros e morrido 50 anos antes de o menino ter nascido.
Como médico, o senhor considera possível explicar esses relatos de uma perspectiva científica?
Nenhum desses casos é "prova" da reencarnação, e um cético pode sempre encontrar um ponto fraco em um caso ou, como objetivo de desacreditá-lo, em qualquer estudo médico. Entretanto, como um todo, os casos mais significativos constituem um forte argumento de que algumas crianças parecem, sim, possuir memórias de vidas anteriores.
Em uma das mais prestigiosas universidades públicas dos Estados Unidos, a Universidade de Virgínia, pesquisadores da área de saúde mental dedicam-se há décadas a desafiar os céticos. Ali são estudados, entre outros casos que ultrapassam os contornos da ciência convencional, relatos sobre reencarnação, muitos deles submetidos à checagem. Resultados conclusivos não há, mas eles são, no mínimo, intrigantes. À frente da Divisão de Estudos da Personalidade está o mais famoso pesquisador sobre o assunto, o já octogenário Ian Stevenson. Seus livros e textos em publicações científicas descrevem casos de crianças que se recordariam de vidas passadas e de pessoas com marcas de nascença que teriam sido originadas por cicatrizes de existências anteriores.
Stevenson e sua equipe avaliam casos de reencarnação da forma que consideram a mais acurada possível. Fazem entrevistas, confrontam a versão narrada com documentações, comparam descrições com fatos que só familiares da pessoa morta poderiam saber. Por tudo isso, ele se tornou um dos maiores responsáveis por ajudar a deslocar - ainda que apenas um pouco - o conceito de reencarnação do campo da fé e do misticismo para o campo da ciência.
Mas o que leva esse renomado médico, com mais de 60 anos de carreira, e tantos outros pesquisadores a encararem a reencarnação como uma hipótese válida?
Bem, são histórias como, por exemplo, a de Swarnlata Mishra, uma menina nascida em 1948 de uma rica família da Índia e que se tornou protagonista de um dos casos clássicos - digamos assim - da literatura médica sobre vidas passadas. A história é descrita em um dos livros de Stevenson, Twenty Cases Suggestive of Reincarnation ("Vinte Casos Sugestivos de Reencarnação", sem versão brasileira), e se assemelha a outros registrados pelo mundo sobre lembranças reveladoras ocorridas, principalmente, na infância. Mas, ao contrário da maioria, não está relacionado a mortes violentas, confrontos ou traumas.
A história de Swarnlata é simples. Aos 3 anos de idade, viajava com seu pai quando, de repente, apontou uma estrada que levava à cidade de Katni e pediu ao motorista que seguisse por ela até onde estava o que chamou de "minha casa". Lá, disse, poderiam tomar uma xícara de chá. Katni está localizada a mais de 160 quilômetros da cidade da menina, Pradesh. Logo em seguida, Swarnlata começou a descrever uma série de detalhes sobre sua suposta vida em Katni. Disse que lá seu nome fora Biya Pathak e que tivera dois filhos. Deu detalhes da casa e a localizou no distrito de Zhurkutia. O pai da menina passou a anotar as "memórias" da filha.
Recordações de mãe
Sete anos depois, em 1959, ao ouvir esses relatos, um pesquisador de fenômenos paranormais, o indiano Sri H. N. Banerjee, visitou Katni. Pegou as anotações do pai de Swarnlata e as usou como guia para entrevistar a família Pathak. Tudo o que a menina havia falado sobre Biya (morta em 1939) batia. Até então, nenhuma das duas famílias havia ouvido falar uma da outra.
Naquele mesmo ano, o viúvo de Biya, um de seus filhos e seu irmão mais velho viajaram para a cidade de Chhatarpur, onde Swarnlata morava. Chegaram sem avisar. E, sem revelar suas identidades ou intenções aos moradores da cidade, pediram que nove deles os acompanhassem à casa dos Mishra. Stevenson relata que, imediatamente, a menina reconheceu e pronunciou os nomes dos três visitantes. Ao "irmão", chamou pelo apelido.
Semanas depois, seu pai a levou para Katni para a casa onde ela dizia ter vivido e morrido. Swarnlata, conta Stevenson, tratou pelo nome cada um dos presentes, parentes e amigos da família. Lembrou-se de episódios domésticos e tratou os filhos de Biya (então na faixa dos 30 anos) com a intimidade de mãe. Swarnlata tinha apenas 11 anos.
As duas famílias se aproximaram e passaram a trocar visitas - aceitando o caso como reencarnação. O próprio Stevenson testemunhou um desses encontros, em 1961. Ao contrário de muitos casos de memórias relatadas como de vidas passadas, as da menina continuaram acompanhando-a na fase adulta - quando Swarnlata já estava casada e formada em Botânica.
Assim como esse, há milhares de outros episódios intrigantes, alguns mais e outros menos verificáveis. Somente na Universidade da Virgínia há registros de mais de 2500 casos desse gênero. Acontece que, para a ciência, a ocorrência de casos isolados, ainda que numerosos, não prova nada. Os céticos atribuem essas histórias a fraudes, coincidências ou auto-induções às vezes bem intencionadas.
Mas, embora a ciência duvide da reencarnação, a humanidade convive com a crença nela faz tempo. De acordo com algumas versões, o conceito de reencarnação chegou ao Ocidente pelas mãos do matemático grego Pitágoras. Durante uma viagem que fizera ao Egito, ele teria ouvido diversas histórias e assistido a cerimônias em que espíritos afirmavam que vinham mais de uma vez à Terra, em corpos humanos ou de animais. O mesmo conceito - com variações aqui e ali - marcou religiões orientais, como o bramanismo e o hinduísmo (e, mais tarde, o budismo), e também religiões africanas e de povos indígenas, segundo Fernando Altmeier, professor de Teologia da PUC de São Paulo. Na verdade, "a reencarnação nasce quase ao mesmo tempo que a idéia religiosa tanto no Ocidente quanto no Oriente, com os egípcios, os gregos, os africanos e os indígenas", diz Altmeier. A idéia, porém, não deixou traços - pelo menos não com a mesma força - nas três religiões surgidas de Abraão: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo.
No século 19, o francês Hippolyte Leon Denizard Rivail - ou Allan Kardec - e outros estudiosos dedicaram-se a um tema então em voga na Europa: os fenômenos das mesas giratórias, em que os sensitivos alegavam que espíritos se manifestavam com o mundo dos vivos. Kardec escreveu uma série de livros sobre as experiências mediúnicas que observou e, tendo como base a idéia da reencarnação, fundou a doutrina espírita. Para os espíritas, reencarnação é um ponto pacífico. Mas muitos deles preferem dar crédito a relatos embasados no cientificismo. "Dirijo a área de assistência espiritual na Federação Espírita do Estado de São Paulo, por onde passam 200 mil pessoas por mês, mas, no que diz respeito à fenomenologia, sou mais pé no chão, sou muito rigoroso", afirma o advogado Wlademir Lisso, de 58 anos.
Terapias e evidências
Nas aulas que dá na federação sobre espiritismo e ciência, Lisso - que é autor de três livros - se baseia, sobretudo, nas pesquisas feitas por universidades estrangeiras, que considera mais confiáveis. Lisso diz que já perdeu as contas das vezes que ouviu pessoas lhe dizendo que tinham lembranças de outras vidas, algumas, talvez, por meio das chamadas terapias de vidas passadas. "Terapias, por si só, não provam nada", diz Lisso, referindo-se a uma prática que supostamente leva a pessoa a escarafunchar memórias tão remotas quanto as de duas, três encarnações anteriores. Os espíritas não recomendam a experiência. "Até os anos 50, flashes ou outras manifestações eram considerados distúrbios mentais", diz Lisso. Com o tempo, ganhou eco a explicação de que muitos desses sintomas poderiam ser evidências de existências passadas.
No Brasil, um dos poucos que seguiram a linha da investigação mais científica foi Hernani Guimarães Andrade, que morreu há quase dois anos. Autor de diversos livros, entre eles Reencarnações no Brasil (O Clarim, sem data), Andrade conta o caso de uma menina paulistana, identificada apenas como Simone. Nos anos 60, quando tinha então pouco mais de 1 ano, ela começou a pronunciar palavras em italiano, sem que ninguém a tivesse ensinado. Passou também a relatar lembranças que remontavam à Segunda Guerra Mundial. Seu relato era tão vívido que familiares se renderam à idéia de que fragmentos de uma encarnação passada ainda pairavam em sua mente. A avó da menina registrou, em um diário, mais de 30 palavras em italiano pronunciadas pela neta e histórias de explosões, médicos, ferimentos e morte. As recordações pararam de jorrar quando a menina tinha por volta de 3 anos.
Mas as supostas memórias de crianças como Simone e Swarnlata não são os únicos sinais que chamam a atenção dos estudiosos. Em várias universidades ao redor do mundo, os pesquisadores passaram a examinar também marcas de nascença - associadas a lembranças - como possíveis evidências de reencarnação. O mesmo Stevenson reuniu um punhado desses casos num estudo divulgado em 1992. Segundo o levantamento feito com 210 crianças que alegavam ter lembranças de outras vidas, cerca de 35% apresentavam marcas de nascimento na pele. Em 49 casos, foi possível obter um documento médico, geralmente um laudo de necropsia, das pessoas que as crianças haviam supostamente sido em outra encarnação. A correspondência entre o ferimento que causara a morte e a marca de nascença foi considerada, no mínimo, satisfatória em 43 casos (88%), segundo Stevenson.
Um exemplo citado por ele é o de uma criança da antiga Birmânia que dizia se lembrar da vida de uma tia que morrera durante uma cirurgia para corrigir um problema cardíaco congênito. Essa menina tinha uma longa linha vertical hipopigmentada no alto do abdome. A marca correspondia à incisão cirúrgica da tia. Stevenson recorre a uma frase do escritor francês Stendhal para se referir a casos de memórias e de marcas que, às vezes, podem passar despercebidos: "Originalidade e verdade são encontradas somente nos detalhes".
Tinta fresca
O professor Jim B. Tucker, da Divisão de Estudos da Personalidade do Departamento de Psiquiatria da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, estuda e atende casos de depressão e outros distúrbios em crianças e adolescentes. Tem especial interesse por casos de crianças que alegam ter lembranças de vidas passadas. Nesta entrevista, concedida por e-mail à SUPER, Tucker fala das características mais freqüentes desses relatos e de fatos que mais o impressionaram.
Quantos casos de crianças que alegam lembrar de vidas passadas o senhor já observou?
Temos mais de 2 500 casos registrados em nossos arquivos. Eu, pessoalmente, vi vários.
Quais são as principais características desses casos?
Os casos geralmente envolvem crianças pequenas que dizem se lembrar de uma vida passada. Elas podem descrever a vida de um membro falecido da família ou um amigo da família ou podem descrever a vida de um estranho num outro local. Outros fatos incluem marcas de nascença que combinam com os ferimentos no corpo da pessoa falecida e comportamentos que parecem ligados à vida anterior.
Há uma explicação para o fato de as lembranças ocorrerem principalmente durante a infância?
As crianças começam a fazer seus relatos numa idade precoce, logo que começam a falar. Isso faz sentido, porque parecem ser memórias que elas carregam consigo desde a vida anterior.
Quais tipos de evidências mais impressionaram o senhor?
Ainda acho que a mais forte evidência envolve declarações documentadas que alguma criança tenha feito e que se provaram verdadeiras em relação a uma pessoa que viveu a uma distância significativa. O dr. Jünger Keil (pesquisador da Universidade de Tasmânia, na Austrália) investigou um caso na Turquia no qual um garoto deu muitos detalhes sobre um homem que tinha vivido a 850 quilômetros e morrido 50 anos antes de o menino ter nascido.
Como médico, o senhor considera possível explicar esses relatos de uma perspectiva científica?
Nenhum desses casos é "prova" da reencarnação, e um cético pode sempre encontrar um ponto fraco em um caso ou, como objetivo de desacreditá-lo, em qualquer estudo médico. Entretanto, como um todo, os casos mais significativos constituem um forte argumento de que algumas crianças parecem, sim, possuir memórias de vidas anteriores.
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Poltergeist - Eles riem a nossa custa?
POLTERGEIST: ELES RIEM À NOSSA CUSTA?
No começo dos anos 80, o casal Jack e Janet Smurl, mais suas quatro filhas e seus avós paternos, mudaram-se para uma mansão vitoriana em West Pittston, na Pensilvânia, costa leste dos Estados Unidos. Depois de alguns meses no local, fenômenos estranhos começaram a acontecer, como objetos voando e gritos de aparentes vítimas de estupros saindo pelas paredes. Para tentar resolver a situação, foi chamado o bispo Robert McKenna. Ele realizou três exorcismos, sem sucesso. A família continuou se sentindo vítima de ataques mentais e assistindo a aparições de supostos espíritos. Vinte e oito pessoas, entre familiares, vizinhos, paranormais, religiosos e curiosos em geral, declararam ter presenciado esses eventos na mansão dos Smurl. A história rendeu vários livros e um filme cult, chamado A Casa das Almas Perdidas, dirigido por Robert Mandel, em 1991. E ajudou a conferir uma aura ainda mais potente para o interesse humano pela relação com o além.
Basicamente, a premissa é a seguinte: não sabemos se as assombrações existem ou não, mas, na dúvida, é melhor não brincar muito com o assunto. É o que pensam muitos americanos. Segundo uma pesquisa feita nos Estados Unidos pelo Instituto Gallup, em 2001, uma parcela razoável da população (38%) acredita na existência de fantasmas - sendo que 13% afirmam já ter dado de cara com um, na maioria das vezes, em casa. Os principais sintomas desses fenômenos são aparições, cheiros estranhos, mudanças bruscas de temperatura e um forte sentimento de que há algo inescrutável presente no lugar.
"O fenômeno envolve mais especificamente aparições de espectros luminosos ou vultos, que podem ser acompanhados, por vezes, de ruídos como o arrastar de correntes, gemidos, choro", diz Fátima Regina Machado, professora da Faculdade de Comunicação e Filosofia da PUC de São Paulo e coordenadora do Inter Psi (Grupo de Estudo de Semiótica, Interconectividade e Consciência). "Pessoas de diferentes épocas narram ver figuras, ou fantasmas, em lugares assim, e descrevem-nas com as mesmas características. Mas nem todo mundo vê ou sente algo em um lugar desses. Algumas pessoas parecem ter sensibilidade maior para ver ou sentir algum tipo de presença, descontada a sugestão que um lugar com fama de mal-assombrado pode exercer sobre nossas percepções."
Resultado ou não de um gatilho disparado pela mente humana diante de situações desconhecidas ou preconcebidas, o fato é que muitos especialistas afirmam que lugares que foram palcos de tragédias (como assassinatos, torturas e prisões) seriam os mais propícios para o aparecimento de assombrações - ou, no mínimo, favoreceriam a experiência de sensações diferentes.
"Pesquisas envolvendo medições físicas apontam que as pessoas narram mais visões de espectros próximos a lugares com forte atividade de energia eletromagnética. Fortes campos eletromagnéticos afetam nossa percepção e podemos ter a sensação de ver algo que não está realmente ali, uma alucinação, ou sentir como se alguém estivesse nos observando", diz Fátima. Alguns experimentos tentaram reproduzir essas sensações em laboratório. Observou-se que, quando as pessoas submetidas aos testes relatavam ter visto ou sentido alguma presença no laboratório, ocorria alguma alteração física no ambiente. "Não sabemos se isso se deu porque o ambiente se alterou e a pessoa viu ou sentiu algo, ou se foi a própria pessoa quem provocou a alteração", diz Fátima.
Uma possível explicação, discutida entre os estudiosos, é que algumas pessoas teriam sensibilidade para perceber "memórias" dos lugares. Elas conseguiriam, de algum modo, obter informação sobre fatos passados ali, mesmo sem nunca ter ouvido ou lido nada a respeito. Seria um fenômeno de percepção extra-sensorial. Essa explicação leva à teoria de que as assombrações diriam respeito a algo que sobreviveu à morte física e nos revelariam informações visuais ou sonoras de eventos passados. Ou então que os seres humanos seriam capazes de captar informações do passado, materializando-as por meio de alguma "manobra" psicobiofísica para trazer essa informação à consciência.
Imaginário popular
Tudo isso faz algum sentido? Ninguém sabe ao certo. O problema é que, em geral, histórias de assombração ficam circunscritas a bate-papos com os amigos e contos populares. São poucos os cientistas que levam o assunto a sério, segundo Fátima. "O fato é que pessoas relatam essas experiências ao redor de todo o mundo. Se é algo que afeta o ser humano, merece ser estudado", diz Fátima.
No Reino Unido, que abriga inúmeros castelos seculares com a fama de serem mal-assombrados, o assunto é levado mais seriamente. A Justiça britânica, inclusive, costuma acolher e apreciar casos de rescisão de contrato de locação em que o inquilino alega ter topado com assombrações pela casa. No Brasil, é mais freqüente ouvir relatos de fenômenos ligados a pessoas que seguem a doutrina espírita kardecista ou a crenças afro-brasileiras.
Alguns estudiosos fazem distinção entre os fenômenos conhecidos em inglês como hauntings (assombrações) e o poltergeist ("espírito barulhento"). Os primeiros estão mais ligados a um determinado lugar. Essas figuras "habitam", por exemplo, uma casa e não costumam acompanhar os moradores que se mudam para outro lugar. Já os poltergeists, aparentemente, estão ligados a uma determinada pessoa ou a um grupo específico. Ou seja, não adianta nem tentar fugir.
Os poltergeists se manifestam por meio de eventos físicos que ocorrem repetidamente durante um tempo, envolvendo movimentação espontânea de objetos, incêndios não provocados e chuva de tijolos, entre outras experiências estranhas. "Uma das formas de compreender esse fenômeno é considerá-lo como fruto de conflitos, angústias, problemas não resolvidos. As ocorrências de poltergeist funcionariam como uma válvula de escape para essas tensões", diz Fátima. Ela cita um exemplo: imagine alguém que tenha problemas de relacionamento com uma irmã. Como, socialmente, não é aceitável que irmãos briguem entre si, a agressividade fica reprimida. Então, o que poderia acontecer é que, em vez de esse sentimento negativo afetar diretamente a irmã, ele seja dirigido, de alguma forma, para seus objetos. Assim, num armário onde estão guardadas roupas de várias pessoas da família, apenas as roupas da irmã podem ser carbonizadas, enquanto as demais permanecem intactas.
Há relatos de que, em 1987, na periferia de São Paulo, objetos sumiam para posteriormente reaparecer no lado de fora de uma casa onde moravam pai, mãe e três filhos. Vultos escuros eram vistos e brisas geladas podiam ser sentidas em diversos pontos da casa. Colchões, móveis e roupas pegavam fogo do nada. Descobriu-se que o fenômeno, analisado por pesquisadores do Inter Psi, era causado pelo filho mais velho da família, que tinha 12 anos na época. O garoto provocava os fenômenos inconscientemente, como forma de escapar das obrigações e ver seus desejos realizados. Quando o equilíbrio na casa foi restaurado, os estranhos fenômenos cessaram. Diz Fátima: "Considero os poltergeists como uma linguagem alternativa que o ser humano usa, sob certas condições, para expressar ou comunicar sentimentos ou desejos reprimidos".
Outro caso famoso de poltergeist aconteceu em 1967, na Alemanha. Ficou conhecido como o "caso Rosenheim". Em um escritório de advocacia, gavetas se abriam e fechavam sozinhas, instalações elétricas entravam em pane periodicamente e o lustre se balançava sempre que a secretária Annemarie passava debaixo dele - essa cena foi filmada e mostrada na TV. "Isso não quer dizer que esteja provado ou demonstrado que há algo que transcenda os seres humanos, que convivamos com seres invisíveis que provocam isso ou que o Saci-Pererê exista", diz Fátima. "Só sabemos que, em determinadas condições - e parece que precisa haver uma conjunção de condições ambientais -, podem ocorrer fenômenos físicos incomuns", acrescenta a pesquisadora (leia mais sobre poltergeists na página 44).
Imagem fantasiosa
Enquanto a ciência não avança para uma explicação totalmente "comprovada", as histórias de fantasmas e casas mal-assombradas devem continuar a fascinar e amedrontar a humanidade e a abastecer a indústria cultural, principalmente a cinematográfica. Recentemente, o filme Vozes do Além, dirigido por Geoffrey Sax, mostrou o uso de aparelhos de gravação de áudio e vídeo para captar mensagens de fantasmas (leia mais na página 80).
Mas as descrições feitas pelo cinema, na maioria das vezes, são fantasiosas. Fátima cita A Casa das Almas Perdidas como o filme que retrata um caso de assombração mais próximo do que ela acredita ser mais verossímil. "Se você está sozinho numa casa e os objetos começam a se mexer na estante, é claro que isso lhe causará arrepios, pois foge completamente àquilo que consideramos normal", diz Fátima. "Mas nem sempre um poltergeist se dá de forma estrondosa, com tudo voando ao mesmo tempo, luzes se acendendo e apagando sozinhas e rajadas de ventos assobiando pelo ar. São geralmente alguns eventos que acontecem e assustam por sua estranheza, mas não com a magnitude mostrada pelo cinema."
Endereços malditos
A Torre de Londres
O grande número de execuções, assassinatos e torturas, ocorridos ao longo de mais de mil anos, colocou esse cartão-postal de Londres na lista dos lugares tidos como os mais assombrados da Inglaterra. O morador mais ilustre seria o fantasma de Ana Bolena, uma das mulheres do rei Henrique VIII, decapitada na torre em 1536. Seu espírito já teria sido "visto" andando por lá.
The Whaley House
Ostenta o não tão simpático título de "a casa mais assombrada dos Estados Unidos". Localizada na cidade de San Diego, na Califórnia, foi construída em 1857 por Thomas Whaley, num terreno que antes abrigava um cemitério. Os principais fantasmas que, segundo dizem, habitam a casa são os de uma filha de Whaley, de um ladrão condenado à morte e de uma garota que morreu acidentalmente - enforcada - na propriedade.
Edifício Joelma
No dia 4 de novembro de 1947, o professor de química Paulo Parreira Camargo matou a mãe e duas irmãs, jogando-as em um poço no quintal. Ao ser descoberto, o professor se matou na casa. Anos mais tarde, nesse mesmo terreno, foi erguido o Edifício Joelma, de 25 andares. Como se sabe, no dia 1º de fevereiro de 1974, o Joelma pegou fogo, depois de um curto-circuito no sistema de ar-condicionado: 188 pessoas morreram e 345 ficaram feridas. Parte do prédio era ocupada pelo Banco Crefisul. Paranóicos de plantão observam que, lido de trás para frente, o nome do banco se torna Lusiferc. Precisa dizer mais?
Casa Branca
Sim, George W. Bush mora lá, mas nunca está sozinho. Segundo consta, o fantasma do ex-presidente William Henry Harrison, que morreu de pneumonia em 1841, após apenas 31 dias no cargo, é uma das figuras mais vistas pelos salões da casa. Abraham Lincoln, então, seria uma presença quase diária pelos corredores da mansão do poder. A primeira-dama Eleanor Roosevelt e a rainha Guilhermina, da Holanda, foram duas pessoas que afirmaram ter topado com Lincoln. Brrr...
No começo dos anos 80, o casal Jack e Janet Smurl, mais suas quatro filhas e seus avós paternos, mudaram-se para uma mansão vitoriana em West Pittston, na Pensilvânia, costa leste dos Estados Unidos. Depois de alguns meses no local, fenômenos estranhos começaram a acontecer, como objetos voando e gritos de aparentes vítimas de estupros saindo pelas paredes. Para tentar resolver a situação, foi chamado o bispo Robert McKenna. Ele realizou três exorcismos, sem sucesso. A família continuou se sentindo vítima de ataques mentais e assistindo a aparições de supostos espíritos. Vinte e oito pessoas, entre familiares, vizinhos, paranormais, religiosos e curiosos em geral, declararam ter presenciado esses eventos na mansão dos Smurl. A história rendeu vários livros e um filme cult, chamado A Casa das Almas Perdidas, dirigido por Robert Mandel, em 1991. E ajudou a conferir uma aura ainda mais potente para o interesse humano pela relação com o além.
Basicamente, a premissa é a seguinte: não sabemos se as assombrações existem ou não, mas, na dúvida, é melhor não brincar muito com o assunto. É o que pensam muitos americanos. Segundo uma pesquisa feita nos Estados Unidos pelo Instituto Gallup, em 2001, uma parcela razoável da população (38%) acredita na existência de fantasmas - sendo que 13% afirmam já ter dado de cara com um, na maioria das vezes, em casa. Os principais sintomas desses fenômenos são aparições, cheiros estranhos, mudanças bruscas de temperatura e um forte sentimento de que há algo inescrutável presente no lugar.
"O fenômeno envolve mais especificamente aparições de espectros luminosos ou vultos, que podem ser acompanhados, por vezes, de ruídos como o arrastar de correntes, gemidos, choro", diz Fátima Regina Machado, professora da Faculdade de Comunicação e Filosofia da PUC de São Paulo e coordenadora do Inter Psi (Grupo de Estudo de Semiótica, Interconectividade e Consciência). "Pessoas de diferentes épocas narram ver figuras, ou fantasmas, em lugares assim, e descrevem-nas com as mesmas características. Mas nem todo mundo vê ou sente algo em um lugar desses. Algumas pessoas parecem ter sensibilidade maior para ver ou sentir algum tipo de presença, descontada a sugestão que um lugar com fama de mal-assombrado pode exercer sobre nossas percepções."
Resultado ou não de um gatilho disparado pela mente humana diante de situações desconhecidas ou preconcebidas, o fato é que muitos especialistas afirmam que lugares que foram palcos de tragédias (como assassinatos, torturas e prisões) seriam os mais propícios para o aparecimento de assombrações - ou, no mínimo, favoreceriam a experiência de sensações diferentes.
"Pesquisas envolvendo medições físicas apontam que as pessoas narram mais visões de espectros próximos a lugares com forte atividade de energia eletromagnética. Fortes campos eletromagnéticos afetam nossa percepção e podemos ter a sensação de ver algo que não está realmente ali, uma alucinação, ou sentir como se alguém estivesse nos observando", diz Fátima. Alguns experimentos tentaram reproduzir essas sensações em laboratório. Observou-se que, quando as pessoas submetidas aos testes relatavam ter visto ou sentido alguma presença no laboratório, ocorria alguma alteração física no ambiente. "Não sabemos se isso se deu porque o ambiente se alterou e a pessoa viu ou sentiu algo, ou se foi a própria pessoa quem provocou a alteração", diz Fátima.
Uma possível explicação, discutida entre os estudiosos, é que algumas pessoas teriam sensibilidade para perceber "memórias" dos lugares. Elas conseguiriam, de algum modo, obter informação sobre fatos passados ali, mesmo sem nunca ter ouvido ou lido nada a respeito. Seria um fenômeno de percepção extra-sensorial. Essa explicação leva à teoria de que as assombrações diriam respeito a algo que sobreviveu à morte física e nos revelariam informações visuais ou sonoras de eventos passados. Ou então que os seres humanos seriam capazes de captar informações do passado, materializando-as por meio de alguma "manobra" psicobiofísica para trazer essa informação à consciência.
Imaginário popular
Tudo isso faz algum sentido? Ninguém sabe ao certo. O problema é que, em geral, histórias de assombração ficam circunscritas a bate-papos com os amigos e contos populares. São poucos os cientistas que levam o assunto a sério, segundo Fátima. "O fato é que pessoas relatam essas experiências ao redor de todo o mundo. Se é algo que afeta o ser humano, merece ser estudado", diz Fátima.
No Reino Unido, que abriga inúmeros castelos seculares com a fama de serem mal-assombrados, o assunto é levado mais seriamente. A Justiça britânica, inclusive, costuma acolher e apreciar casos de rescisão de contrato de locação em que o inquilino alega ter topado com assombrações pela casa. No Brasil, é mais freqüente ouvir relatos de fenômenos ligados a pessoas que seguem a doutrina espírita kardecista ou a crenças afro-brasileiras.
Alguns estudiosos fazem distinção entre os fenômenos conhecidos em inglês como hauntings (assombrações) e o poltergeist ("espírito barulhento"). Os primeiros estão mais ligados a um determinado lugar. Essas figuras "habitam", por exemplo, uma casa e não costumam acompanhar os moradores que se mudam para outro lugar. Já os poltergeists, aparentemente, estão ligados a uma determinada pessoa ou a um grupo específico. Ou seja, não adianta nem tentar fugir.
Os poltergeists se manifestam por meio de eventos físicos que ocorrem repetidamente durante um tempo, envolvendo movimentação espontânea de objetos, incêndios não provocados e chuva de tijolos, entre outras experiências estranhas. "Uma das formas de compreender esse fenômeno é considerá-lo como fruto de conflitos, angústias, problemas não resolvidos. As ocorrências de poltergeist funcionariam como uma válvula de escape para essas tensões", diz Fátima. Ela cita um exemplo: imagine alguém que tenha problemas de relacionamento com uma irmã. Como, socialmente, não é aceitável que irmãos briguem entre si, a agressividade fica reprimida. Então, o que poderia acontecer é que, em vez de esse sentimento negativo afetar diretamente a irmã, ele seja dirigido, de alguma forma, para seus objetos. Assim, num armário onde estão guardadas roupas de várias pessoas da família, apenas as roupas da irmã podem ser carbonizadas, enquanto as demais permanecem intactas.
Há relatos de que, em 1987, na periferia de São Paulo, objetos sumiam para posteriormente reaparecer no lado de fora de uma casa onde moravam pai, mãe e três filhos. Vultos escuros eram vistos e brisas geladas podiam ser sentidas em diversos pontos da casa. Colchões, móveis e roupas pegavam fogo do nada. Descobriu-se que o fenômeno, analisado por pesquisadores do Inter Psi, era causado pelo filho mais velho da família, que tinha 12 anos na época. O garoto provocava os fenômenos inconscientemente, como forma de escapar das obrigações e ver seus desejos realizados. Quando o equilíbrio na casa foi restaurado, os estranhos fenômenos cessaram. Diz Fátima: "Considero os poltergeists como uma linguagem alternativa que o ser humano usa, sob certas condições, para expressar ou comunicar sentimentos ou desejos reprimidos".
Outro caso famoso de poltergeist aconteceu em 1967, na Alemanha. Ficou conhecido como o "caso Rosenheim". Em um escritório de advocacia, gavetas se abriam e fechavam sozinhas, instalações elétricas entravam em pane periodicamente e o lustre se balançava sempre que a secretária Annemarie passava debaixo dele - essa cena foi filmada e mostrada na TV. "Isso não quer dizer que esteja provado ou demonstrado que há algo que transcenda os seres humanos, que convivamos com seres invisíveis que provocam isso ou que o Saci-Pererê exista", diz Fátima. "Só sabemos que, em determinadas condições - e parece que precisa haver uma conjunção de condições ambientais -, podem ocorrer fenômenos físicos incomuns", acrescenta a pesquisadora (leia mais sobre poltergeists na página 44).
Imagem fantasiosa
Enquanto a ciência não avança para uma explicação totalmente "comprovada", as histórias de fantasmas e casas mal-assombradas devem continuar a fascinar e amedrontar a humanidade e a abastecer a indústria cultural, principalmente a cinematográfica. Recentemente, o filme Vozes do Além, dirigido por Geoffrey Sax, mostrou o uso de aparelhos de gravação de áudio e vídeo para captar mensagens de fantasmas (leia mais na página 80).
Mas as descrições feitas pelo cinema, na maioria das vezes, são fantasiosas. Fátima cita A Casa das Almas Perdidas como o filme que retrata um caso de assombração mais próximo do que ela acredita ser mais verossímil. "Se você está sozinho numa casa e os objetos começam a se mexer na estante, é claro que isso lhe causará arrepios, pois foge completamente àquilo que consideramos normal", diz Fátima. "Mas nem sempre um poltergeist se dá de forma estrondosa, com tudo voando ao mesmo tempo, luzes se acendendo e apagando sozinhas e rajadas de ventos assobiando pelo ar. São geralmente alguns eventos que acontecem e assustam por sua estranheza, mas não com a magnitude mostrada pelo cinema."
Endereços malditos
A Torre de Londres
O grande número de execuções, assassinatos e torturas, ocorridos ao longo de mais de mil anos, colocou esse cartão-postal de Londres na lista dos lugares tidos como os mais assombrados da Inglaterra. O morador mais ilustre seria o fantasma de Ana Bolena, uma das mulheres do rei Henrique VIII, decapitada na torre em 1536. Seu espírito já teria sido "visto" andando por lá.
The Whaley House
Ostenta o não tão simpático título de "a casa mais assombrada dos Estados Unidos". Localizada na cidade de San Diego, na Califórnia, foi construída em 1857 por Thomas Whaley, num terreno que antes abrigava um cemitério. Os principais fantasmas que, segundo dizem, habitam a casa são os de uma filha de Whaley, de um ladrão condenado à morte e de uma garota que morreu acidentalmente - enforcada - na propriedade.
Edifício Joelma
No dia 4 de novembro de 1947, o professor de química Paulo Parreira Camargo matou a mãe e duas irmãs, jogando-as em um poço no quintal. Ao ser descoberto, o professor se matou na casa. Anos mais tarde, nesse mesmo terreno, foi erguido o Edifício Joelma, de 25 andares. Como se sabe, no dia 1º de fevereiro de 1974, o Joelma pegou fogo, depois de um curto-circuito no sistema de ar-condicionado: 188 pessoas morreram e 345 ficaram feridas. Parte do prédio era ocupada pelo Banco Crefisul. Paranóicos de plantão observam que, lido de trás para frente, o nome do banco se torna Lusiferc. Precisa dizer mais?
Casa Branca
Sim, George W. Bush mora lá, mas nunca está sozinho. Segundo consta, o fantasma do ex-presidente William Henry Harrison, que morreu de pneumonia em 1841, após apenas 31 dias no cargo, é uma das figuras mais vistas pelos salões da casa. Abraham Lincoln, então, seria uma presença quase diária pelos corredores da mansão do poder. A primeira-dama Eleanor Roosevelt e a rainha Guilhermina, da Holanda, foram duas pessoas que afirmaram ter topado com Lincoln. Brrr...
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