MITOLOGIA VIKING
Os mitos vikings têm uma geografia complexa. O universo, disposto em torno da árvore Yggdrasil, é dividido em Nove Mundos
Em cada um deles, vivem deuses e seres mitólogicos fascinantes, que já serviram de inspiração para gênios como J. R. R. Tolkien
Vanaheim
É a morada dos Vanir, uma família de deuses antigos, ex-inimigos dos habitantes de Asgard. Depois de muita guerra, os Vanir e os Aesir acabaram resolvendo suas diferenças e hoje vivem em paz. Alguns dos Vanir se uniram a Odin para governar o Universo
Njord
É o deus do mar. Nascido em Vanaheim, muda-se para Asgard com a filha
Freya
Filha de Njord, é a deusa da fertilidade. Costuma liderar as Valquírias nas batalhas
Valhala
É a morada dos guerreiros mortos em combate, levados até lá pelas Valquírias - donzelas que sobrevoam os campos de batalha com corcéis voadores
Thor
O deus dos trovões é inimigo dos gigantes. Sua principal arma é o martelo de guerra, Miöllnir
Odin
É o manda-chuva de Asgard. Assiste a tudo que acontece nos Nove Mundos
Alfheim
É habitado pelos elfos da luz, seres belos como a luz do sol. Às vezes visitam a terra dos mortais. Apesar da fama que ganharam nas páginas de Tolkien, os elfos aparecem pouco nas lendas vikings
Loki
O "mago das mentiras" é um grande trapaceiro que acabou sendo expulso de Asgard
Heimdall
Guardião da ponte que liga Asgard e Midgard. Sua trompa é ouvida nos Nove Mundos
Nidavellir
É o rei dos anões, descendentes dos vermes que devoraram o cadáver de Ymir, o mais antigo dos gigantes. São grandes ferreiros e forjam armas poderosas, como o martelo de Thor e a lança de Odin
Andvari
Rei dos anões, é dono de grandes tesouros. Entre eles, um anel de ouro amaldiçoado
Asgard
Morada dos Aesir, deuses que governam o Universo. É ligado ao mundo dos mortais por Bifrost, uma ponte em forma de arco-íris. Na fronteira de Asgard está Ifing, um rio mágico cujas águas nunca congelam
Svartalfheim
Mundo habitado pelos misteriosos elfos "mais escuros do que piche" . Às vezes são confundidos com os anões que vivem em Nidavellir
Jormungand
A "Serpente do Mundo" é filha de Loki e vive no oceano ao redor de Midgard
Sigurd
Tornou-se um grande herói ao matar o dragão Fafnir, guardião do tesouro de Andvari
Midgard
É onde vivem os humanos. Fica entre o mundo dos deuses e o dos mortos - daí seu nome, que significa "recinto do meio" - e foi inspiração para a Terra Média, da trilogia O Senhor dos Anéis
Fenris
Filho de Loki, esse lobo feroz foi aprisionado pelos deuses sob a terra
Jotunheim
É a morada dos jotuns, os gigantes do gelo. São grandes inimigos de deuses e mortais. Ymir, ancestral dos jotuns, foi uma das primeiras criaturas a surgir no Universo. Após sua morte, os deuses usaram restos do seu corpo para criar Midgard e Asgard
Muspell
Um dos mundos mais antigos, é um lugar repleto de chamas onde vivem os gigantes de fogo. Qualquer ser humano que chegue até lá será imediatamente incinerado
Surt
Guardião de Muspell, no dia do apocalipse, vai incendiar Yggdrasil e destruir as fortalezas dos deuses
Thrym
O rei dos gigantes do gelo roubou o martelo de Thor, que acabou matando-o
Hel
Filha de Loki, foi expulsa de Asgard por Odin e tornou-se a senhora dos mortos
Ragnarok
Nas profundezas de Niflheim, o dragão Nidhug rói a raiz de Yggdrasil. Quando ela se partir, começará Ragnarok, o apocalipse dos vikings. Loki vai invadir Asgard, acompanhado por Fenris, Jormungand e os gigantes.Os deuses serão exterminados e Midgard será destruída. Mas um novo mundo irá surgir das cinzas
Niflheim
É uma terra de escuridão e neblina, cercada por ventos e chuvas geladas. Quando um humano morre de doença ou velhice, seu fantasma vai habitar esse reino sinistro e sombrio, que fica no nível mais profundo do universo.
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quinta-feira, 28 de julho de 2011
Mitologia Viking - Religião
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Elas ainda vão salvar sua vida - Célula tronco
ELAS AINDA VÃO SALVAR SUA VIDA - Célula tronco
Não se preocupe se você até agora não entendeu o que são as células-tronco. Os próprios cientistas ainda estão começando a descobrir como elas funcionam e o que fazem. Mas, em meio às pesquisas, acharam caminhos que podem levar à cura de um número enorme de doenças, da surdez à calvície. Tanta versatilidade tem um motivo: essas células são como curingas, capazes de se transformar em qualquer tecido do corpo.
Grosso modo, dá para dividir essas células em dois grandes grupos: embrionárias e adultas. As células-tronco embrionárias entram em cena quando temos cinco ou seis dias de vida e não passamos de uma bolinha de 150 células ultraversáteis, que darão origem a todo o nosso organismo. Quando envelhecemos, as células ficam mais "engessadas" em suas funções. A exceção fica por conta do segundo tipo de células-tronco, as adultas, encontradas no sangue ou no cérebro mesmo de pessoas adultas. Essas ainda conseguem originar vários tipos celulares diferentes, mas de maneira mais limitada. A esperança de médicos e doentes é usar ambos os tipos de célula para regenerar órgãos do corpo que estejam perdendo seus componentes celulares - como o coração de alguém que sofreu enfarte ou o cérebro de uma pessoa com mal de Parkinson. Só que não é tão fácil. Além de ignorar quase todos os detalhes de como esse processo se desenvolve, há ainda um dilema ético: para obter as células embrionárias, as mais promissoras, é preciso destruir o embrião de onde vêm. Mas, diante de tantas possibilidades, os cientistas acham que vale a pena.
Não se preocupe se você até agora não entendeu o que são as células-tronco. Os próprios cientistas ainda estão começando a descobrir como elas funcionam e o que fazem. Mas, em meio às pesquisas, acharam caminhos que podem levar à cura de um número enorme de doenças, da surdez à calvície. Tanta versatilidade tem um motivo: essas células são como curingas, capazes de se transformar em qualquer tecido do corpo.
Grosso modo, dá para dividir essas células em dois grandes grupos: embrionárias e adultas. As células-tronco embrionárias entram em cena quando temos cinco ou seis dias de vida e não passamos de uma bolinha de 150 células ultraversáteis, que darão origem a todo o nosso organismo. Quando envelhecemos, as células ficam mais "engessadas" em suas funções. A exceção fica por conta do segundo tipo de células-tronco, as adultas, encontradas no sangue ou no cérebro mesmo de pessoas adultas. Essas ainda conseguem originar vários tipos celulares diferentes, mas de maneira mais limitada. A esperança de médicos e doentes é usar ambos os tipos de célula para regenerar órgãos do corpo que estejam perdendo seus componentes celulares - como o coração de alguém que sofreu enfarte ou o cérebro de uma pessoa com mal de Parkinson. Só que não é tão fácil. Além de ignorar quase todos os detalhes de como esse processo se desenvolve, há ainda um dilema ético: para obter as células embrionárias, as mais promissoras, é preciso destruir o embrião de onde vêm. Mas, diante de tantas possibilidades, os cientistas acham que vale a pena.
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Kinsey fala de sexo - História
KINSEY FALA DE SEXO - História
Não era fácil viver no ambiente puritano dos Estados Unidos no início do século 20. Em 1902, dois homens foram internados num hospital de Nova Orleans com o diagnóstico de masturbação compulsiva. Em um deles, foi colocado um anel no prepúcio, que tornava extremamente dolorosa a masturbação. O outro foi circuncidado para ter a sensibilidade reduzida. Como os tratamentos não funcionaram, ambos foram castrados. Os pacientes não resistiram aos procedimentos brutais e morreram ainda no hospital.
Alfred Charles Kinsey tinha 8 anos quando isso aconteceu. Seu pai era um religioso fanático, que proibia o álcool, o fumo e até as danças de salão. A repressão em casa não ajudou muito quando ele, adolescente, se deu conta que sentia atração por garotas e garotos. Kinsey se casou virgem aos 25 anos. Na lua-de-mel, uma nova descoberta: sexo não era nada divertido. Seu pênis era grande demais e a penetração, terrivelmente dolorosa para sua esposa.
O jovem foi buscar ajuda com médicos e viu que nenhum deles tinha a menor noção do que estava acontecendo. Naquela época, sexo era um assunto que não deveria ser discutido nem entre quatro paredes. Foi aí que Kinsey decidiu estudar o assunto. Durante todo o tempo, era guiado pela sua própria necessidade de entender - ou justificar, como afirmam alguns críticos - sua falta de ortodoxia quando o tema eram preferências sexuais. Kinsey investiu 30 anos de sua vida para provar que, quando o que está em jogo é a intimidade de cada um, o normal e o anormal são meras convenções.
AULAS DE HIGIENE
Sexo não foi o primeiro interesse do cientista Alfred Kinsey. Logo depois de se graduar como zoólogo no Bowdoin College, ele foi pesquisar vespas. Obcecado pelo objeto de estudo, chegou a catalogar 1 milhão de exemplares do gênero Cynips. Tamanha dedicação lhe rendeu respeito entre os colegas e um convite para lecionar na Universidade de Indiana. Foi lá que conheceu Clara McMillen, a estudante de química que se tornou sua esposa. Foi lá também que começou a ministrar aulas no Curso de Higiene (um eufemismo para o programa de educação sexual da universidade). O jovem professor deixou de lado metáforas e explicações teóricas e exibiu slides com detalhes de genitálias e órgãos reprodutores.
As respostas positivas dos alunos atiçaram o desejo de Kinsey de aprofundar-se no estudo da sexualidade humana. Colocou a si mesmo a meta de coletar 100 mil depoimentos sobre a intimidade dos americanos nos dez anos seguintes (um objetivo que ele nunca alcançou).
A experiência na catalogação de vespas deu a ele o instrumental metodológico necessário para elaborar um complexo questionário, com 521 perguntas que iam de memórias na infância a episódios de experiência sexual. "Kinsey era um biólogo. Ele usou seu treinamento científico para fazer perguntas importantes sobre a biologia sexual dos humanos e sua maneira de pensar era essencialmente classificatória", diz o sociólogo Edward Laumann.
FALANDO DE SEXO
O trabalho começou dentro do campus da universidade, mas, em 1941, despertou o interesse da Fundação Rockefeller, que concedeu uma bolsa a Kinsey. Com o dinheiro, conseguiu ampliar o âmbito da pesquisa a várias cidades americanas e contratar três colaboradores.
A ênfase da pesquisa era a diversidade sexual. "Meu trabalho com insetos salientou as variações individuais dentro dos grupos. Procedo da mesma maneira no estudo de seres humanos", dizia. Kinsey sempre negou que o comportamento humano pudesse ser dividido em categorias rígidas como "hetero" e "homo" e classificava tal mentalidade como "pensamento binário". Um dos melhores biógrafos do pesquisador, James H. Jones, acredita que o fato de o cientista privilegiar padrões que fugiam à regra geral de comportamento era uma forma de entender sua própria sexualidade. Já a mais ferrenha crítica de Kinsey, a terapeuta e estudiosa do sexo Judith Reisman, acredita que a tendência homossexual do pesquisador invalida seu trabalho. "Kinsey estava mais preocupado em legitimar a nascente ideologia gay do que em esboçar um amplo painel sobre a sexualidade nos EUA", diz ela.
Junto com seu staff, Kinsey entrevistou mais de 18 mil voluntários de costa a costa nos Estados Unidos (veja box na página ao lado). As entrevistas, contudo, eram só uma parte do trabalho. Para analisar as reações humanas durante a penetração vaginal e anal, o coito e a masturbação, Kinsey filmava relações sexuais no sótão de sua casa. As primeiras sessões - onde troca de casais e relações homossexuais eram regra - contaram apenas com seus subalternos e esposas. Com o tempo, Kinsey conseguiu engrossar a lista de voluntários com prostitutas, garotos de programa e até personalidades (o cineasta underground Kenneth Anger, por exemplo, concordou em ser filmado se masturbando).
O resultado das pesquisas foi publicado em 1948, no livro Sexual Behavior of Human Male ("Comportamento Sexual do Homem", sem edição no Brasil). A obra revelava coisas que a sociedade puritana do século 20 jamais havia admitido em voz alta (veja box ao lado). Foi um sucesso inesperado. Em dois meses, 200 mil exemplares sumiram das livrarias e Alfred Kinsey transformou-se em celebridade. O sucesso, porém, fez emergir diversas críticas ao seu trabalho. Margaret Mead, uma das maiores antropólogas da cultura na época, viu na obra, ironicamente, um puritanismo disfarçado: em nenhum momento havia a sugestão de que o sexo podia ser algo prazeroso. Outro antropólogo, Geoffrey Gorer, identificou problemas estatísticos na pesquisa. Para ele, os entrevistados - muitos deles presidiários condenados por atentado ao pudor e pedofilia - não representavam uma amostra válida da sociedade americana.
O ponto mais polêmico do livro, contudo, foram revelações sobre o orgasmo infantil. Kinsey se correspondia com regularidade com homens pedófilos e foi acusado de conivência pelos críticos. Judith Reisman, por exemplo, costuma se referir a ele como "o maior propagandista de pedofilia na história da ciência". Grande parte dos dados apresentados provinha das anotações de um misterioso "Sr. X", que havia mantido relações sexuais com mais de 600 pré-adolescentes.
O livro seguinte, Sexual Behavior of Human Female ("Comportamento Sexual da Mulher", também sem edição no Brasil) saiu em 1953 e não escapou das críticas. Prostitutas e presidiárias ganharam uma participação desproporcional nas páginas da obra, enquanto 934 depoimentos de mulheres negras do sul dos EUA (uma parcela conservadora da sociedade americana) foram excluídos do livro. Os críticos acreditam que essa seleção visava dar ao volume tons não puritanos.
O livro não teve uma reação tão calorosa do público. As vendas foram minguadas e, para piorar, a Fundação Rockefeller retirou-lhe o financiamento no ano seguinte. Com a saúde já debilitada pela idade e pelas experiências masoquistas que infligia a si mesmo (para testar os limites humanos da dor, Kinsey introduzia objetos pela uretra e fez a circuncisão em si mesmo sem anestesia), Kinsey morreu em 25 de agosto de 1956, vítima de complicações cardíacas.
SEXO DEPOIS DE KINSEY
Kinsey mudou a história da ciência sobre sexo. "Ele foi um pioneiro e nos ajudou a dar os primeiros passos em pesquisas sexuais", diz Beverly Whipple, uma das sexólogas mais renomadas da atualidade. O instituto criado por ele em 1947 continua a fazer pesquisas no campo da sexualidade humana. O foco, no entanto, não é mais a catalogação de diferenças comportamentais. "Hoje não estamos mais tão interessados no que as pessoas fazem, mas sim no porquê de o fazerem", afirma Vern Bullough, do Centro de Pesquisa sobre o Sexo da Califórnia.
A repressão sexual, no entanto, ainda está longe de desaparecer e o país natal de Kinsey é um dos melhores exemplos disso. No estado do Texas, por exemplo, relações homossexuais eram consideradas crime até junho de 2003. E, em novembro de 2004, quando o filme do cineasta Bill Condon que retrata a vida de Kinsey foi lançado, a reação de uma parte dos americanos não foi nada receptiva. Grupos fundamentalistas montaram piquetes na entrada das salas de cinema para impedir a exibição e espalharam mensagens acusando o diretor de fazer um retrato suave do "homem que degradou os valores morais da América".
Usando como justificativa os alarmantes dados sobre doenças venéreas no mundo, os conservadores - entre eles, o governo Bush - se opõem à liberdade sexual (que classificam como libertinagem) e pregam a abstinência até o casamento, uma recomendação muito parecida com a que era dada nos Cursos de Higiene da Universidade de Indiana em 1938. A cruzada de Kinsey, pelo visto, ainda não terminou.
O fracasso na lua-de-mel mostrou a Kinsey que sexo era tabu até entre cientistas. Ele resolveu investigar o que os americanos faziam na cama
Kinsey catalogou detalhes da intimidade de pelo menos 18 mil homens e mulheres. Foi pouco, perto do projeto inicial
As revelações do sexólogo causaram tanto alvoroço que Kinsey virou uma celebridade. Seu nome foi parar em letras de música de gente como Cole Porter e da cantora pop Martha Raye
Não era fácil viver no ambiente puritano dos Estados Unidos no início do século 20. Em 1902, dois homens foram internados num hospital de Nova Orleans com o diagnóstico de masturbação compulsiva. Em um deles, foi colocado um anel no prepúcio, que tornava extremamente dolorosa a masturbação. O outro foi circuncidado para ter a sensibilidade reduzida. Como os tratamentos não funcionaram, ambos foram castrados. Os pacientes não resistiram aos procedimentos brutais e morreram ainda no hospital.
Alfred Charles Kinsey tinha 8 anos quando isso aconteceu. Seu pai era um religioso fanático, que proibia o álcool, o fumo e até as danças de salão. A repressão em casa não ajudou muito quando ele, adolescente, se deu conta que sentia atração por garotas e garotos. Kinsey se casou virgem aos 25 anos. Na lua-de-mel, uma nova descoberta: sexo não era nada divertido. Seu pênis era grande demais e a penetração, terrivelmente dolorosa para sua esposa.
O jovem foi buscar ajuda com médicos e viu que nenhum deles tinha a menor noção do que estava acontecendo. Naquela época, sexo era um assunto que não deveria ser discutido nem entre quatro paredes. Foi aí que Kinsey decidiu estudar o assunto. Durante todo o tempo, era guiado pela sua própria necessidade de entender - ou justificar, como afirmam alguns críticos - sua falta de ortodoxia quando o tema eram preferências sexuais. Kinsey investiu 30 anos de sua vida para provar que, quando o que está em jogo é a intimidade de cada um, o normal e o anormal são meras convenções.
AULAS DE HIGIENE
Sexo não foi o primeiro interesse do cientista Alfred Kinsey. Logo depois de se graduar como zoólogo no Bowdoin College, ele foi pesquisar vespas. Obcecado pelo objeto de estudo, chegou a catalogar 1 milhão de exemplares do gênero Cynips. Tamanha dedicação lhe rendeu respeito entre os colegas e um convite para lecionar na Universidade de Indiana. Foi lá que conheceu Clara McMillen, a estudante de química que se tornou sua esposa. Foi lá também que começou a ministrar aulas no Curso de Higiene (um eufemismo para o programa de educação sexual da universidade). O jovem professor deixou de lado metáforas e explicações teóricas e exibiu slides com detalhes de genitálias e órgãos reprodutores.
As respostas positivas dos alunos atiçaram o desejo de Kinsey de aprofundar-se no estudo da sexualidade humana. Colocou a si mesmo a meta de coletar 100 mil depoimentos sobre a intimidade dos americanos nos dez anos seguintes (um objetivo que ele nunca alcançou).
A experiência na catalogação de vespas deu a ele o instrumental metodológico necessário para elaborar um complexo questionário, com 521 perguntas que iam de memórias na infância a episódios de experiência sexual. "Kinsey era um biólogo. Ele usou seu treinamento científico para fazer perguntas importantes sobre a biologia sexual dos humanos e sua maneira de pensar era essencialmente classificatória", diz o sociólogo Edward Laumann.
FALANDO DE SEXO
O trabalho começou dentro do campus da universidade, mas, em 1941, despertou o interesse da Fundação Rockefeller, que concedeu uma bolsa a Kinsey. Com o dinheiro, conseguiu ampliar o âmbito da pesquisa a várias cidades americanas e contratar três colaboradores.
A ênfase da pesquisa era a diversidade sexual. "Meu trabalho com insetos salientou as variações individuais dentro dos grupos. Procedo da mesma maneira no estudo de seres humanos", dizia. Kinsey sempre negou que o comportamento humano pudesse ser dividido em categorias rígidas como "hetero" e "homo" e classificava tal mentalidade como "pensamento binário". Um dos melhores biógrafos do pesquisador, James H. Jones, acredita que o fato de o cientista privilegiar padrões que fugiam à regra geral de comportamento era uma forma de entender sua própria sexualidade. Já a mais ferrenha crítica de Kinsey, a terapeuta e estudiosa do sexo Judith Reisman, acredita que a tendência homossexual do pesquisador invalida seu trabalho. "Kinsey estava mais preocupado em legitimar a nascente ideologia gay do que em esboçar um amplo painel sobre a sexualidade nos EUA", diz ela.
Junto com seu staff, Kinsey entrevistou mais de 18 mil voluntários de costa a costa nos Estados Unidos (veja box na página ao lado). As entrevistas, contudo, eram só uma parte do trabalho. Para analisar as reações humanas durante a penetração vaginal e anal, o coito e a masturbação, Kinsey filmava relações sexuais no sótão de sua casa. As primeiras sessões - onde troca de casais e relações homossexuais eram regra - contaram apenas com seus subalternos e esposas. Com o tempo, Kinsey conseguiu engrossar a lista de voluntários com prostitutas, garotos de programa e até personalidades (o cineasta underground Kenneth Anger, por exemplo, concordou em ser filmado se masturbando).
O resultado das pesquisas foi publicado em 1948, no livro Sexual Behavior of Human Male ("Comportamento Sexual do Homem", sem edição no Brasil). A obra revelava coisas que a sociedade puritana do século 20 jamais havia admitido em voz alta (veja box ao lado). Foi um sucesso inesperado. Em dois meses, 200 mil exemplares sumiram das livrarias e Alfred Kinsey transformou-se em celebridade. O sucesso, porém, fez emergir diversas críticas ao seu trabalho. Margaret Mead, uma das maiores antropólogas da cultura na época, viu na obra, ironicamente, um puritanismo disfarçado: em nenhum momento havia a sugestão de que o sexo podia ser algo prazeroso. Outro antropólogo, Geoffrey Gorer, identificou problemas estatísticos na pesquisa. Para ele, os entrevistados - muitos deles presidiários condenados por atentado ao pudor e pedofilia - não representavam uma amostra válida da sociedade americana.
O ponto mais polêmico do livro, contudo, foram revelações sobre o orgasmo infantil. Kinsey se correspondia com regularidade com homens pedófilos e foi acusado de conivência pelos críticos. Judith Reisman, por exemplo, costuma se referir a ele como "o maior propagandista de pedofilia na história da ciência". Grande parte dos dados apresentados provinha das anotações de um misterioso "Sr. X", que havia mantido relações sexuais com mais de 600 pré-adolescentes.
O livro seguinte, Sexual Behavior of Human Female ("Comportamento Sexual da Mulher", também sem edição no Brasil) saiu em 1953 e não escapou das críticas. Prostitutas e presidiárias ganharam uma participação desproporcional nas páginas da obra, enquanto 934 depoimentos de mulheres negras do sul dos EUA (uma parcela conservadora da sociedade americana) foram excluídos do livro. Os críticos acreditam que essa seleção visava dar ao volume tons não puritanos.
O livro não teve uma reação tão calorosa do público. As vendas foram minguadas e, para piorar, a Fundação Rockefeller retirou-lhe o financiamento no ano seguinte. Com a saúde já debilitada pela idade e pelas experiências masoquistas que infligia a si mesmo (para testar os limites humanos da dor, Kinsey introduzia objetos pela uretra e fez a circuncisão em si mesmo sem anestesia), Kinsey morreu em 25 de agosto de 1956, vítima de complicações cardíacas.
SEXO DEPOIS DE KINSEY
Kinsey mudou a história da ciência sobre sexo. "Ele foi um pioneiro e nos ajudou a dar os primeiros passos em pesquisas sexuais", diz Beverly Whipple, uma das sexólogas mais renomadas da atualidade. O instituto criado por ele em 1947 continua a fazer pesquisas no campo da sexualidade humana. O foco, no entanto, não é mais a catalogação de diferenças comportamentais. "Hoje não estamos mais tão interessados no que as pessoas fazem, mas sim no porquê de o fazerem", afirma Vern Bullough, do Centro de Pesquisa sobre o Sexo da Califórnia.
A repressão sexual, no entanto, ainda está longe de desaparecer e o país natal de Kinsey é um dos melhores exemplos disso. No estado do Texas, por exemplo, relações homossexuais eram consideradas crime até junho de 2003. E, em novembro de 2004, quando o filme do cineasta Bill Condon que retrata a vida de Kinsey foi lançado, a reação de uma parte dos americanos não foi nada receptiva. Grupos fundamentalistas montaram piquetes na entrada das salas de cinema para impedir a exibição e espalharam mensagens acusando o diretor de fazer um retrato suave do "homem que degradou os valores morais da América".
Usando como justificativa os alarmantes dados sobre doenças venéreas no mundo, os conservadores - entre eles, o governo Bush - se opõem à liberdade sexual (que classificam como libertinagem) e pregam a abstinência até o casamento, uma recomendação muito parecida com a que era dada nos Cursos de Higiene da Universidade de Indiana em 1938. A cruzada de Kinsey, pelo visto, ainda não terminou.
O fracasso na lua-de-mel mostrou a Kinsey que sexo era tabu até entre cientistas. Ele resolveu investigar o que os americanos faziam na cama
Kinsey catalogou detalhes da intimidade de pelo menos 18 mil homens e mulheres. Foi pouco, perto do projeto inicial
As revelações do sexólogo causaram tanto alvoroço que Kinsey virou uma celebridade. Seu nome foi parar em letras de música de gente como Cole Porter e da cantora pop Martha Raye
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Louco, Eu?
LOUCO, EU?
David Rosenhan resolveu fingir-se de louco. Em 1972, ele se dirigiu a um hospital psiquiátrico americano alegando escutar vozes que lhe diziam as palavras "oco" "vazio" e o som "tum-tum". Essa foi a única mentira que contou. De resto, comportou-se de maneira calma e respondeu a perguntas sobre sua vida e seus relacionamentos sem mentir uma única vez sequer. Outros oito voluntários sãos fizeram a mesma coisa, em instituições diferentes. Todos, exceto um, foram diagnosticados com esquizofrenia e internados.
Assim que foram admitidos, os pacientes passaram a agir normalmente. Observavam a tudo e faziam anotações em suas cadernetas. No começo, as anotações eram feitas longe do olhar dos funcionários, mas logo eles perceberam que não havia necessidade de discrição. Médicos e enfermeiros passavam pouquíssimo tempo com os pacientes e nem ao menos respondiam às perguntas mais simples. "Apesar de seu show público de sanidade, nenhum deles foi reconhecido", escreveu Rosenhan no artigo On Being Sane in Insane Places ("Sobre Ser São em Locais Insanos"), publicado na conceituada revista Science, em janeiro de 1973. Ironicamente, os pacientes reais duvidavam com freqüência da condição dos novos colegas. "Você não é louco. Você é um jornalista ou um professor checando o hospital", disseram diversas vezes.
Os pacientes estavam certos. Rosenhan era mesmo um acadêmico e sua internação, assim como a dos outros voluntários, era parte de um estudo pioneiro para avaliar a capacidade médica de diagnosticar distúrbios mentais. Hoje, ele é professor emérito das Faculdades de Psicologia e Direito da Universidade de Stanford.
Os falsos pacientes foram mantidos nos hospitais por períodos que variaram de 7 a 52 dias. Foram medicados (assim como boa parte dos internados reais, eles escondiam as pílulas sob a língua e as jogavam fora quando já não estavam mais na presença dos funcionários) e liberados com o diagnóstico de "esquizofrenia em remissão", uma expressão médica usada para dizer que o paciente está livre dos sintomas.
Já de volta à sua identidade real, os pesquisadores requisitaram os arquivos sobre suas estadas nos hospitais. Em nenhum dos documentos havia qualquer menção à desconfiança de que estivessem mentindo ou que aparentassem não ser esquizofrênicos. A conclusão que David Rosenhan escreveu para o estudo desconcertou a psiquiatria americana. "Agora sabemos que somos incapazes de distinguir a insanidade da sanidade."
LOUCURA EXISTE!
A conclusão de Rosenhan não era de todo uma novidade para a comunidade médica. Desde a Segunda Guerra Mundial, quando a porcentagem de homens liberados pelo exército por razões psicológicas variava de 20% a 60% entre estados, os americanos começaram a desconfiar de que seus diagnósticos tinham a precisão científica de uma cartomante. Para piorar, pesquisas começaram a mostrar que os Estados Unidos estavam diagnosticando um número muito maior de esquizofrênicos do que a Inglaterra. Seria o chá das cinco um remédio tão eficiente contra distúrbios mentais?
O estudo de Rosenhan deixava claro que o problema não eram as mentes dos ingleses e sim a maneira pouco eficiente de se fazer diagnósticos nos Estados Unidos. O instrumento usado por médicos e psiquiatras nessa tarefa era (e continua sendo) o Manual de Diagnóstico e Estatística dos Distúrbios Mentais (DSM, na sigla em inglês). O manual é reconhecido pela Associação Americana de Psiquiatria como a lista oficial de doenças mentais e é usado em hospitais e consultórios psiquiátricos do mundo inteiro.
Mas em 1973, o DSM ainda estava em sua segunda versão e os diagnósticos dados usando o livro de cem páginas variavam de forma absurda. Um mesmo paciente poderia ser descrito como histérico ou hipocondríaco, dependendo apenas de quem o avaliasse. E essa era uma das questões centrais do estudo de Rosenhan. "Será que as características que levam alguém a ser tachado de louco estão mesmo no paciente ou estão no ambiente e contexto em que o observador está inserido?", escreveu ele em On Being Sane....
Essa pergunta faz ainda mais sentido quando comparamos os diferentes conceitos de loucura ao longo da história. Homens cujo estado de espírito difere drasticamente da média dos demais existem desde as épocas mais remotas - assim como tratamentos para curá-los. No entanto, por séculos, acreditava-se que a loucura era causada pela vontade dos deuses sendo, portanto, parte do destino de alguns. Fosse para punir ou até mesmo para recompensar - o Alcorão conta como Maomé achava veneráveis os loucos, já que tinham sido abençoados com loucura por Alá, que lhes tirava o juízo para que não pecassem - fato é que a loucura estava associada com a idéia de destino e participava da vida social assim como outras formas de percepção da realidade. "A definição de loucura em termos de ‘doença’ é uma operação recente na história da civilização ocidental", escreveu João Frayze-Pereira, no livro O que é a loucura.
E mesmo vista como doença mental, a relação que se desenvolve com ela pode variar muito de cultura para cultura. Na Malásia, é comum mulheres mais velhas apresentarem um quadro psíquico conhecido como latah. É uma condição que faz com que a pessoa fique completamente alterada por um bom tempo, gritando e falando palavrões. Mas, no lugar de serem excluídas socialmente, essas pessoas são celebradas e costumam animar reuniões sociais com seu pequeno show de excentricidades.
Os próprios exemplos do que configura um estado alterado de consciência mudam radicalmente de acordo com o lugar, o tempo ou a cultura. Só para citar um exemplo, em 1958, um jovem negro americano foi levado a um hospital psiquiátrico depois de se inscrever para a Universidade do Mississippi. Qualquer negro que pensasse que pudesse estudar ali estava, obviamente, louco.
Ora, se a loucura - suas razões, interpretações e definições - pode mudar tão drasticamente diante de conceitos como geografia e tempo, como é possível afirmar que a loucura seja um distúrbio da mente e não apenas um desvio social? Será que Thomas Szars, um dos líderes do movimento antipsiquiatria no mundo, está certo quando diz que a psiquiatria não passa de uma polícia moral disposta a impedir pensamentos e condutas que não são agradáveis à sociedade?
A CIÊNCIA FALA
Hoje, a ciência faz uma distinção clara entre loucura e doenças mentais. "Talvez pareça desconcertante, mas os psiquiatras não se utilizam de termos como louco ou loucura e nenhuma das atuais classificações dos distúrbios psiquiátricos os inclui", diz Sérgio Bettarello, do Instituto de Psiquiatria da USP. Os absurdos classificatórios de alguns anos atrás, como chamar uma mulher que se apaixona por um homem mais novo de louca, minguaram. "A loucura como estado de ampliação da existência é positiva. Você costuma sair enriquecido depois de uma experiência dessas. Já as doenças mentais são o oposto disso. No lugar de liberdade, elas te dão uma restrição da autonomia", diz Bettarello.
A loucura que a psiquiatria trata é chamada de psicose, uma distorção do pensamento e do senso de realidade, que pode prejudicar drasticamente a vida do paciente. De fato, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, cinco entre as dez maiores causas de incapacidade no mundo são problemas mentais. O ranking é feito levando em conta dois quesitos: número de anos de vida e número de anos produtivos que a doença rouba do paciente. E, no caso das doenças mentais, há pouca concorrência em relação ao segundo quesito. "Seja pelo estigma que carrega, seja pelos transtornos que traz à rotina da pessoa, distúrbios mentais podem levar a péssima qualidade de vida", diz o psiquiatra Roberto Tynakori. Qualquer pessoa com depressão crônica ou com um parente próximo que sofra de esquizofrenia sabe bem disso.
Quando surgiu, no século 18, a psiquiatria era vista como uma prática menor, sem a objetividade necessária às coisas tratadas pela ciência. Se a própria definição de seu objeto de estudo era nebulosa, como seria possível propor diagnósticos e tratamentos confiáveis? A busca desesperada por explicações lógicas e maneiras científicas de tratar os males da mente produziu algumas das práticas mais macabras na história da ciência (veja quadros abaixo) e não teve muito sucesso até a metade do século 20. Somente quando o neurocientista português Egas Moniz ganhou o Prêmio Nobel de Medicina pela invenção da lobotomia - uma cirurgia de danificação dos lobos frontais que é vista hoje como um dos exemplos mais bem-acabados da crueldade enfrentada em hospitais psiquiátricos - é que a psiquiatria viu-se, finalmente, aceita entre os homens da ciência. "Pode-se dizer que uma nova psiquiatria nasceu em 1935 quando Moniz deu o primeiro passo corajoso em direção ao campo da psicocirurgia", escreveram os editores do New England Journal of Medicine em 1949. A psiquiatria havia, finalmente conquistado a credencial necessária para vestir o jaleco da medicina.
A segunda revolução nos tratamentos veio algum tempo depois, com a criação dos remédios antipsicóticos. Agora era possível tratar pacientes mentais dispensando a internação - uma condição fundamental para a revolução que teria início na década de 1960: o fim dos manicômios. A invenção facilitou a vida de muitos pacientes, piorou a de outros (os efeitos colaterais costumam ser graves) e trouxe muito dinheiro para a indústria farmacêutica (só para citar um exemplo, o antipsicótico olanzapine é o terceiro remédio mais vendido do mundo).
Mas o avanço nos tratamentos não resolvia a questão mais fundamental no processo: a precisão do diagnóstico. Há casos muito claros de perturbação mental, mas há outros em que é quase impossível determinar a linha que separa a simples imaginação humana da falta de lucidez restritiva típica das manias ou psicoses. David Rosenhan é uma prova disso.
Quando seu artigo foi publicado, Rosenhan recebeu críticas duras de diversos psiquiatras. Muitos o acusaram de não ser suficientemente científico, afinal era impossível provar como os pacientes realmente haviam se comportado (Rosenhan nunca divulgou o nome das instituições em que foram internados já que, dizia, não era sua intenção atacar pessoalmente esse ou aquele hospital). Um dos grandes críticos do trabalho dele foi Robert Spitzer, que na época trabalhava no Centro de Pesquisa e Treinamento Psicanalíticos da Universidade Columbia, nos Estados Unidos. Spitzer acredita que o fato de terem sido liberados com o diagnóstico de esquizofrenia em remissão é uma prova de que os funcionários do hospital conseguiram sim distinguir a sanidade da insanidade. Ainda assim, Spitzer resolveu revisar o Manual de Diagnóstico vigente e logo percebeu que havia pouquíssimas provas científicas embasando os diagnósticos. Ele montou grupos de pesquisadores e foi atrás de pesquisas e evidências. Em 1974, lançou a terceira edição do DSM, um calhamaço de 480 páginas e quase 300 diagnósticos catalogados.
OS LOUCOS FALAM
Durante sua temporada no hospital psiquiátrico, David Rosenhan percebeu que "uma vez marcado como esquizofrênico, não há nada que o paciente possa fazer para superar essa etiqueta. A etiqueta muda completamente a percepção que os outros têm dele e de seu comportamento". Características normais, relatadas pelos pseudopacientes, foram interpretadas pelos enfermeiros como sinais da doença. A aproximação de um dos pais durante a adolescência, por exemplo, transformou-se em "ausência de estabilidade emocional" no relatório médico. E a irritação dos pacientes com a falta de atenção dos funcionários era vista como mais um sintoma da doença e não como reação aos maus tratos.
Ao lutar por seu lugar entre as práticas da ciência, a psiquiatria moderna havia instituído uma relação com os doentes que ficou famosa na definição do filósofo francês Michel Foucault: o monólogo da razão sobre a loucura. A idéia de que pacientes mentais eram desprovidos de razão e, portanto, não tinham direito a opinar sobre sua vida e tratamento legitimou vários abusos da medicina. Esterilização forçada e proibição de casar são só dois exemplos do que era visto como verdade incontestável quando o assunto era a vida dos doentes mentais. Um dos jornais mais respeitados do mundo, The New York Times, escreveu em seu editorial, em 1923, que "é uma certeza que o casamento entre dois doentes mentais tem de ser proibido".
A obra de Foucault transformou-se em inspiração para os movimentos que começavam a tomar corpo na década de 1960: a luta antimanicomial e a antipsiquiatria. Em todo o mundo, ex-pacientes de hospitais psiquiátricos começaram a se organizar contra os abusos da razão sobre a loucura. O objetivo era um só: dar "ao indivíduo a tarefa e o direito de realizar sua loucura", como escreveu Foucault.
Mas até que ponto vai a liberdade do indivíduo de realizar sua loucura? Para a maior parte dos governos, o limite é o risco de morte. Foi exatamente por isso que Rosenhan e seus companheiros foram internados. Naquela época, acreditava-se que ouvir uma voz dizendo palavras como "oco" e "vazio" era um sinal de que, inconscientemente, aquela pessoa acreditava que sua vida era oca, que não valia a pena. Dali para o suicídio, seria um pulo, acreditavam os médicos. Mas nem todo mundo concorda que o tratamento deve ser obrigatório quando há risco de morte. "Qualquer tratamento forçado é ilegal", diz David Oaks, ex-paciente de hospitais psiquiátricos e fundador da organização Mind Freedom, uma organização que tem como um de seus lemas "psiquiatria cura discórdia, não doença".
O fato de o tratamento ser imperativo quando existe risco de morte impede que, para algumas doenças, estudos sejam feitos usando dois grupos de pacientes: um medicado e outro não medicado. Sem provas de que o medicamento funciona melhor do que nenhum tratamento, a psiquiatria vira alvo de diversas críticas, principalmente no que diz respeito aos efeitos colaterais de seus medicamentos. "O que se espera da psiquiatria é que ela seja 100% eficaz e que não tenha nenhum efeito colateral. Obviamente, ela não atinge esse objetivo", diz Bettarello. Mas nem todo mundo diz esperar 100% de eficácia. "No topo da minha lista de desejos está um simples pedido de honestidade", escreveu o jornalista médico Robert Whitaker no livro Mad in America ("Louco na América", sem edição em português). O livro faz um balanço das pesquisas sobre tratamentos psiquiátricos nos últimos anos e mostra como não existem evidências concretas para a maior parte das declarações de eficácia feitas pela indústria farmacêutica e, conseqüentemente, dentro dos consultórios psiquiátricos.
Honestidade também é o que pedem os participantes do Mad Pride (Orgulho Louco), um movimento de combate ao preconceito contra pacientes psiquiátricos e de celebração da cultura Louca (com L maiúsculo mesmo). Uma das ações do movimento é a passeata anual de loucos, inspirada nas paradas gays que já existem em diversas cidades do mundo. A idéia é desestigmatizar os doentes mentais e mostrar que existe sim vida normal entre eles.
No Brasil, o movimento da luta antimanicomial cresceu nos anos 80 e, inspirado em projetos bem-sucedidos dos Estados Unidos e Europa, idealizou centros de apoio a pacientes mentais organizados e administrados pelos próprios usuários, em conjunto com médicos e seus familiares. "A inserção não é algo que você concede a alguém. Ela precisa ser conquistada. O doente faz parte da sociedade e a relação que ele tem com sua doença é a mesma que a sociedade propõe", diz o psiquiatra Tykanori, um dos expoentes do movimento no Brasil. A luta antimanicomial transformou o atendimento público de saúde mental com a criação dos Caps, Centros de Apoio Psicossocial, e abriu caminho para a aprovação, em 2001, da lei que prevê a extinção progressiva dos manicômios no Brasil. E incluiu efetivamente os pacientes em sua batalha. "Nós entendemos que podemos colaborar na construção teórica de um saber e nas práticas de reabilitação psicossocial", escreveu a usuária Graça Fernandes no artigo "O avesso da vida. Como pode a assistência se transformar?". Os pacientes, finalmente, rompiam o monólogo da razão e estabeleciam um diálogo sobre sua própria condição. "A sociedade percebeu que a participação dos doentes mentais enriquece-nos muito mais que o seu isolamento", diz Tykanori.
O QUE É NORMAL?
Com os avanços da ciência, a baixa popularidade dos manicômios e a força dos movimentos organizados contra abusos psiquiátricos, é de se pensar que, se o experimento de Rosenhan fosse realizado nos dias de hoje, ele teria um resultado bem diferente do que o internamento imediato dos anos 70. Certo? Era isso que a psicóloga americana Lauren Slater queria descobrir quando decidiu procurar, em janeiro de 2004, oito prontos-socorros de saúde mental e afirmar que vinha ouvindo o som "tum-tum". Ela conta que, exatamente como Rosenhan e seus colegas, a voz foi o único sintoma falso que apresentou.
Slater não foi tachada de esquizofrênica nem internada. No entanto, nos oito hospitais em que esteve, foi diagnosticada com depressão e recebeu pílulas de risperidone, um antipsicótico bem popular que, na época, era tido como um remédio leve (seis meses depois da experiência, o fabricante divulgou uma nota confessando ter minimizado os riscos do uso do medicamento nos materiais promocionais enviados a médicos). "Eu acredito que a ânsia de prescrever remédios dirige hoje o diagnóstico da mesma forma que a necessidade de enquadrar o paciente como doente fazia nos anos 70", escreveu Lauren no artigo Into the cuckoo´s nest ("Dentro do ninho do louco" uma referência a One Flew Over the Cuckoos’s Nest, o título em inglês do filme "Um Estranho no Ninho"), publicado no jornal britânico The Guardian e, mais tarde, no livro Mente e Cérebro, que acaba de ser lançado no Brasil.
O médico Spitzer soube, pela própria Slater, do resultado do experimento. "Acho que médicos simplesmente não gostam de dizer eu não sei", disse a ela pelo telefone, depois de um longo silêncio. A recusa em confessar ignorância não é uma particularidade da psiquiatria. "O problema é que o objeto dessa ciência somos nós mesmos e nossa normalidade. Ou seja, nossa natureza básica", escreveu Lawrence Osbourne, no livro American normal: the hidden world of Asperger syndrome ("Normalidade americana: o mundo secreto da síndrome de Asperger", não lançado no Brasil), que reúne informações sobre Asperger, uma doença cada vez mais comum nos Estados Unidos.
A síndrome de Asperger foi incluída no DSM-IV - a edição mais recente do manual, de 1994, com 884 páginas e 365 diagnósticos. Como o manual descreve os distúrbios a partir de seus sintomas, lista uma variedade imensa de emoções humanas, condutas e regras de relacionamento como desvios patológicos. Sentir-se angustiado depois do fim de um relacionamento, comer muito, comer pouco ou comportar-se mal na sala de aula são alguns exemplos de ações que aparecem na lista. É quase impossível não se reconhecer ali e se perguntar: mas, afinal, o que é normal?
Das duas uma: ou estamos mesmo ficando menos equilibrados - o que poderia ser explicado pelo ritmo e modos de vida do mundo moderno - ou nos viciamos em diagnósticos psiquiátricos. "Estamos transformando todo comportamento humano em patologia. Fazendo isso, criamos um sistema verdadeiramente louco, em que todos estão doentes", diz o psiquiatra Mel Levine, diretor do Centro Clínico de Estudos sobre Desenvolvimento e Aprendizado, da Univerdade da Carolina do Norte. Nos Estados Unidos, o uso de medicamentos psiquiátricos está atingindo níveis altíssimos. Crianças de 2 anos recebem prescrição de remédios cujos efeitos a longo prazo são completamente desconhecidos. "É muito mais fácil encaixar a criança difícil em uma categoria e medicá-la, do que deixar que ela desenvolva naturalmente suas habilidades sociais", diz Levine.
E, como quase tudo na vida, o mais fácil nem sempre é o melhor. "Mais do que tudo, o aumento de diagnósticos psiquiátricos representa um aumento gradual do preconceito em nossa cultura", diz o psicólogo Richard DeGrandpre. Talvez seja a hora de começarmos a lidar melhor com as nossas próprias neuroses, manias e loucuras. E, sobretudo, aceitarmos nossas diferenças.
David Rosenhan resolveu fingir-se de louco. Em 1972, ele se dirigiu a um hospital psiquiátrico americano alegando escutar vozes que lhe diziam as palavras "oco" "vazio" e o som "tum-tum". Essa foi a única mentira que contou. De resto, comportou-se de maneira calma e respondeu a perguntas sobre sua vida e seus relacionamentos sem mentir uma única vez sequer. Outros oito voluntários sãos fizeram a mesma coisa, em instituições diferentes. Todos, exceto um, foram diagnosticados com esquizofrenia e internados.
Assim que foram admitidos, os pacientes passaram a agir normalmente. Observavam a tudo e faziam anotações em suas cadernetas. No começo, as anotações eram feitas longe do olhar dos funcionários, mas logo eles perceberam que não havia necessidade de discrição. Médicos e enfermeiros passavam pouquíssimo tempo com os pacientes e nem ao menos respondiam às perguntas mais simples. "Apesar de seu show público de sanidade, nenhum deles foi reconhecido", escreveu Rosenhan no artigo On Being Sane in Insane Places ("Sobre Ser São em Locais Insanos"), publicado na conceituada revista Science, em janeiro de 1973. Ironicamente, os pacientes reais duvidavam com freqüência da condição dos novos colegas. "Você não é louco. Você é um jornalista ou um professor checando o hospital", disseram diversas vezes.
Os pacientes estavam certos. Rosenhan era mesmo um acadêmico e sua internação, assim como a dos outros voluntários, era parte de um estudo pioneiro para avaliar a capacidade médica de diagnosticar distúrbios mentais. Hoje, ele é professor emérito das Faculdades de Psicologia e Direito da Universidade de Stanford.
Os falsos pacientes foram mantidos nos hospitais por períodos que variaram de 7 a 52 dias. Foram medicados (assim como boa parte dos internados reais, eles escondiam as pílulas sob a língua e as jogavam fora quando já não estavam mais na presença dos funcionários) e liberados com o diagnóstico de "esquizofrenia em remissão", uma expressão médica usada para dizer que o paciente está livre dos sintomas.
Já de volta à sua identidade real, os pesquisadores requisitaram os arquivos sobre suas estadas nos hospitais. Em nenhum dos documentos havia qualquer menção à desconfiança de que estivessem mentindo ou que aparentassem não ser esquizofrênicos. A conclusão que David Rosenhan escreveu para o estudo desconcertou a psiquiatria americana. "Agora sabemos que somos incapazes de distinguir a insanidade da sanidade."
LOUCURA EXISTE!
A conclusão de Rosenhan não era de todo uma novidade para a comunidade médica. Desde a Segunda Guerra Mundial, quando a porcentagem de homens liberados pelo exército por razões psicológicas variava de 20% a 60% entre estados, os americanos começaram a desconfiar de que seus diagnósticos tinham a precisão científica de uma cartomante. Para piorar, pesquisas começaram a mostrar que os Estados Unidos estavam diagnosticando um número muito maior de esquizofrênicos do que a Inglaterra. Seria o chá das cinco um remédio tão eficiente contra distúrbios mentais?
O estudo de Rosenhan deixava claro que o problema não eram as mentes dos ingleses e sim a maneira pouco eficiente de se fazer diagnósticos nos Estados Unidos. O instrumento usado por médicos e psiquiatras nessa tarefa era (e continua sendo) o Manual de Diagnóstico e Estatística dos Distúrbios Mentais (DSM, na sigla em inglês). O manual é reconhecido pela Associação Americana de Psiquiatria como a lista oficial de doenças mentais e é usado em hospitais e consultórios psiquiátricos do mundo inteiro.
Mas em 1973, o DSM ainda estava em sua segunda versão e os diagnósticos dados usando o livro de cem páginas variavam de forma absurda. Um mesmo paciente poderia ser descrito como histérico ou hipocondríaco, dependendo apenas de quem o avaliasse. E essa era uma das questões centrais do estudo de Rosenhan. "Será que as características que levam alguém a ser tachado de louco estão mesmo no paciente ou estão no ambiente e contexto em que o observador está inserido?", escreveu ele em On Being Sane....
Essa pergunta faz ainda mais sentido quando comparamos os diferentes conceitos de loucura ao longo da história. Homens cujo estado de espírito difere drasticamente da média dos demais existem desde as épocas mais remotas - assim como tratamentos para curá-los. No entanto, por séculos, acreditava-se que a loucura era causada pela vontade dos deuses sendo, portanto, parte do destino de alguns. Fosse para punir ou até mesmo para recompensar - o Alcorão conta como Maomé achava veneráveis os loucos, já que tinham sido abençoados com loucura por Alá, que lhes tirava o juízo para que não pecassem - fato é que a loucura estava associada com a idéia de destino e participava da vida social assim como outras formas de percepção da realidade. "A definição de loucura em termos de ‘doença’ é uma operação recente na história da civilização ocidental", escreveu João Frayze-Pereira, no livro O que é a loucura.
E mesmo vista como doença mental, a relação que se desenvolve com ela pode variar muito de cultura para cultura. Na Malásia, é comum mulheres mais velhas apresentarem um quadro psíquico conhecido como latah. É uma condição que faz com que a pessoa fique completamente alterada por um bom tempo, gritando e falando palavrões. Mas, no lugar de serem excluídas socialmente, essas pessoas são celebradas e costumam animar reuniões sociais com seu pequeno show de excentricidades.
Os próprios exemplos do que configura um estado alterado de consciência mudam radicalmente de acordo com o lugar, o tempo ou a cultura. Só para citar um exemplo, em 1958, um jovem negro americano foi levado a um hospital psiquiátrico depois de se inscrever para a Universidade do Mississippi. Qualquer negro que pensasse que pudesse estudar ali estava, obviamente, louco.
Ora, se a loucura - suas razões, interpretações e definições - pode mudar tão drasticamente diante de conceitos como geografia e tempo, como é possível afirmar que a loucura seja um distúrbio da mente e não apenas um desvio social? Será que Thomas Szars, um dos líderes do movimento antipsiquiatria no mundo, está certo quando diz que a psiquiatria não passa de uma polícia moral disposta a impedir pensamentos e condutas que não são agradáveis à sociedade?
A CIÊNCIA FALA
Hoje, a ciência faz uma distinção clara entre loucura e doenças mentais. "Talvez pareça desconcertante, mas os psiquiatras não se utilizam de termos como louco ou loucura e nenhuma das atuais classificações dos distúrbios psiquiátricos os inclui", diz Sérgio Bettarello, do Instituto de Psiquiatria da USP. Os absurdos classificatórios de alguns anos atrás, como chamar uma mulher que se apaixona por um homem mais novo de louca, minguaram. "A loucura como estado de ampliação da existência é positiva. Você costuma sair enriquecido depois de uma experiência dessas. Já as doenças mentais são o oposto disso. No lugar de liberdade, elas te dão uma restrição da autonomia", diz Bettarello.
A loucura que a psiquiatria trata é chamada de psicose, uma distorção do pensamento e do senso de realidade, que pode prejudicar drasticamente a vida do paciente. De fato, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, cinco entre as dez maiores causas de incapacidade no mundo são problemas mentais. O ranking é feito levando em conta dois quesitos: número de anos de vida e número de anos produtivos que a doença rouba do paciente. E, no caso das doenças mentais, há pouca concorrência em relação ao segundo quesito. "Seja pelo estigma que carrega, seja pelos transtornos que traz à rotina da pessoa, distúrbios mentais podem levar a péssima qualidade de vida", diz o psiquiatra Roberto Tynakori. Qualquer pessoa com depressão crônica ou com um parente próximo que sofra de esquizofrenia sabe bem disso.
Quando surgiu, no século 18, a psiquiatria era vista como uma prática menor, sem a objetividade necessária às coisas tratadas pela ciência. Se a própria definição de seu objeto de estudo era nebulosa, como seria possível propor diagnósticos e tratamentos confiáveis? A busca desesperada por explicações lógicas e maneiras científicas de tratar os males da mente produziu algumas das práticas mais macabras na história da ciência (veja quadros abaixo) e não teve muito sucesso até a metade do século 20. Somente quando o neurocientista português Egas Moniz ganhou o Prêmio Nobel de Medicina pela invenção da lobotomia - uma cirurgia de danificação dos lobos frontais que é vista hoje como um dos exemplos mais bem-acabados da crueldade enfrentada em hospitais psiquiátricos - é que a psiquiatria viu-se, finalmente, aceita entre os homens da ciência. "Pode-se dizer que uma nova psiquiatria nasceu em 1935 quando Moniz deu o primeiro passo corajoso em direção ao campo da psicocirurgia", escreveram os editores do New England Journal of Medicine em 1949. A psiquiatria havia, finalmente conquistado a credencial necessária para vestir o jaleco da medicina.
A segunda revolução nos tratamentos veio algum tempo depois, com a criação dos remédios antipsicóticos. Agora era possível tratar pacientes mentais dispensando a internação - uma condição fundamental para a revolução que teria início na década de 1960: o fim dos manicômios. A invenção facilitou a vida de muitos pacientes, piorou a de outros (os efeitos colaterais costumam ser graves) e trouxe muito dinheiro para a indústria farmacêutica (só para citar um exemplo, o antipsicótico olanzapine é o terceiro remédio mais vendido do mundo).
Mas o avanço nos tratamentos não resolvia a questão mais fundamental no processo: a precisão do diagnóstico. Há casos muito claros de perturbação mental, mas há outros em que é quase impossível determinar a linha que separa a simples imaginação humana da falta de lucidez restritiva típica das manias ou psicoses. David Rosenhan é uma prova disso.
Quando seu artigo foi publicado, Rosenhan recebeu críticas duras de diversos psiquiatras. Muitos o acusaram de não ser suficientemente científico, afinal era impossível provar como os pacientes realmente haviam se comportado (Rosenhan nunca divulgou o nome das instituições em que foram internados já que, dizia, não era sua intenção atacar pessoalmente esse ou aquele hospital). Um dos grandes críticos do trabalho dele foi Robert Spitzer, que na época trabalhava no Centro de Pesquisa e Treinamento Psicanalíticos da Universidade Columbia, nos Estados Unidos. Spitzer acredita que o fato de terem sido liberados com o diagnóstico de esquizofrenia em remissão é uma prova de que os funcionários do hospital conseguiram sim distinguir a sanidade da insanidade. Ainda assim, Spitzer resolveu revisar o Manual de Diagnóstico vigente e logo percebeu que havia pouquíssimas provas científicas embasando os diagnósticos. Ele montou grupos de pesquisadores e foi atrás de pesquisas e evidências. Em 1974, lançou a terceira edição do DSM, um calhamaço de 480 páginas e quase 300 diagnósticos catalogados.
OS LOUCOS FALAM
Durante sua temporada no hospital psiquiátrico, David Rosenhan percebeu que "uma vez marcado como esquizofrênico, não há nada que o paciente possa fazer para superar essa etiqueta. A etiqueta muda completamente a percepção que os outros têm dele e de seu comportamento". Características normais, relatadas pelos pseudopacientes, foram interpretadas pelos enfermeiros como sinais da doença. A aproximação de um dos pais durante a adolescência, por exemplo, transformou-se em "ausência de estabilidade emocional" no relatório médico. E a irritação dos pacientes com a falta de atenção dos funcionários era vista como mais um sintoma da doença e não como reação aos maus tratos.
Ao lutar por seu lugar entre as práticas da ciência, a psiquiatria moderna havia instituído uma relação com os doentes que ficou famosa na definição do filósofo francês Michel Foucault: o monólogo da razão sobre a loucura. A idéia de que pacientes mentais eram desprovidos de razão e, portanto, não tinham direito a opinar sobre sua vida e tratamento legitimou vários abusos da medicina. Esterilização forçada e proibição de casar são só dois exemplos do que era visto como verdade incontestável quando o assunto era a vida dos doentes mentais. Um dos jornais mais respeitados do mundo, The New York Times, escreveu em seu editorial, em 1923, que "é uma certeza que o casamento entre dois doentes mentais tem de ser proibido".
A obra de Foucault transformou-se em inspiração para os movimentos que começavam a tomar corpo na década de 1960: a luta antimanicomial e a antipsiquiatria. Em todo o mundo, ex-pacientes de hospitais psiquiátricos começaram a se organizar contra os abusos da razão sobre a loucura. O objetivo era um só: dar "ao indivíduo a tarefa e o direito de realizar sua loucura", como escreveu Foucault.
Mas até que ponto vai a liberdade do indivíduo de realizar sua loucura? Para a maior parte dos governos, o limite é o risco de morte. Foi exatamente por isso que Rosenhan e seus companheiros foram internados. Naquela época, acreditava-se que ouvir uma voz dizendo palavras como "oco" e "vazio" era um sinal de que, inconscientemente, aquela pessoa acreditava que sua vida era oca, que não valia a pena. Dali para o suicídio, seria um pulo, acreditavam os médicos. Mas nem todo mundo concorda que o tratamento deve ser obrigatório quando há risco de morte. "Qualquer tratamento forçado é ilegal", diz David Oaks, ex-paciente de hospitais psiquiátricos e fundador da organização Mind Freedom, uma organização que tem como um de seus lemas "psiquiatria cura discórdia, não doença".
O fato de o tratamento ser imperativo quando existe risco de morte impede que, para algumas doenças, estudos sejam feitos usando dois grupos de pacientes: um medicado e outro não medicado. Sem provas de que o medicamento funciona melhor do que nenhum tratamento, a psiquiatria vira alvo de diversas críticas, principalmente no que diz respeito aos efeitos colaterais de seus medicamentos. "O que se espera da psiquiatria é que ela seja 100% eficaz e que não tenha nenhum efeito colateral. Obviamente, ela não atinge esse objetivo", diz Bettarello. Mas nem todo mundo diz esperar 100% de eficácia. "No topo da minha lista de desejos está um simples pedido de honestidade", escreveu o jornalista médico Robert Whitaker no livro Mad in America ("Louco na América", sem edição em português). O livro faz um balanço das pesquisas sobre tratamentos psiquiátricos nos últimos anos e mostra como não existem evidências concretas para a maior parte das declarações de eficácia feitas pela indústria farmacêutica e, conseqüentemente, dentro dos consultórios psiquiátricos.
Honestidade também é o que pedem os participantes do Mad Pride (Orgulho Louco), um movimento de combate ao preconceito contra pacientes psiquiátricos e de celebração da cultura Louca (com L maiúsculo mesmo). Uma das ações do movimento é a passeata anual de loucos, inspirada nas paradas gays que já existem em diversas cidades do mundo. A idéia é desestigmatizar os doentes mentais e mostrar que existe sim vida normal entre eles.
No Brasil, o movimento da luta antimanicomial cresceu nos anos 80 e, inspirado em projetos bem-sucedidos dos Estados Unidos e Europa, idealizou centros de apoio a pacientes mentais organizados e administrados pelos próprios usuários, em conjunto com médicos e seus familiares. "A inserção não é algo que você concede a alguém. Ela precisa ser conquistada. O doente faz parte da sociedade e a relação que ele tem com sua doença é a mesma que a sociedade propõe", diz o psiquiatra Tykanori, um dos expoentes do movimento no Brasil. A luta antimanicomial transformou o atendimento público de saúde mental com a criação dos Caps, Centros de Apoio Psicossocial, e abriu caminho para a aprovação, em 2001, da lei que prevê a extinção progressiva dos manicômios no Brasil. E incluiu efetivamente os pacientes em sua batalha. "Nós entendemos que podemos colaborar na construção teórica de um saber e nas práticas de reabilitação psicossocial", escreveu a usuária Graça Fernandes no artigo "O avesso da vida. Como pode a assistência se transformar?". Os pacientes, finalmente, rompiam o monólogo da razão e estabeleciam um diálogo sobre sua própria condição. "A sociedade percebeu que a participação dos doentes mentais enriquece-nos muito mais que o seu isolamento", diz Tykanori.
O QUE É NORMAL?
Com os avanços da ciência, a baixa popularidade dos manicômios e a força dos movimentos organizados contra abusos psiquiátricos, é de se pensar que, se o experimento de Rosenhan fosse realizado nos dias de hoje, ele teria um resultado bem diferente do que o internamento imediato dos anos 70. Certo? Era isso que a psicóloga americana Lauren Slater queria descobrir quando decidiu procurar, em janeiro de 2004, oito prontos-socorros de saúde mental e afirmar que vinha ouvindo o som "tum-tum". Ela conta que, exatamente como Rosenhan e seus colegas, a voz foi o único sintoma falso que apresentou.
Slater não foi tachada de esquizofrênica nem internada. No entanto, nos oito hospitais em que esteve, foi diagnosticada com depressão e recebeu pílulas de risperidone, um antipsicótico bem popular que, na época, era tido como um remédio leve (seis meses depois da experiência, o fabricante divulgou uma nota confessando ter minimizado os riscos do uso do medicamento nos materiais promocionais enviados a médicos). "Eu acredito que a ânsia de prescrever remédios dirige hoje o diagnóstico da mesma forma que a necessidade de enquadrar o paciente como doente fazia nos anos 70", escreveu Lauren no artigo Into the cuckoo´s nest ("Dentro do ninho do louco" uma referência a One Flew Over the Cuckoos’s Nest, o título em inglês do filme "Um Estranho no Ninho"), publicado no jornal britânico The Guardian e, mais tarde, no livro Mente e Cérebro, que acaba de ser lançado no Brasil.
O médico Spitzer soube, pela própria Slater, do resultado do experimento. "Acho que médicos simplesmente não gostam de dizer eu não sei", disse a ela pelo telefone, depois de um longo silêncio. A recusa em confessar ignorância não é uma particularidade da psiquiatria. "O problema é que o objeto dessa ciência somos nós mesmos e nossa normalidade. Ou seja, nossa natureza básica", escreveu Lawrence Osbourne, no livro American normal: the hidden world of Asperger syndrome ("Normalidade americana: o mundo secreto da síndrome de Asperger", não lançado no Brasil), que reúne informações sobre Asperger, uma doença cada vez mais comum nos Estados Unidos.
A síndrome de Asperger foi incluída no DSM-IV - a edição mais recente do manual, de 1994, com 884 páginas e 365 diagnósticos. Como o manual descreve os distúrbios a partir de seus sintomas, lista uma variedade imensa de emoções humanas, condutas e regras de relacionamento como desvios patológicos. Sentir-se angustiado depois do fim de um relacionamento, comer muito, comer pouco ou comportar-se mal na sala de aula são alguns exemplos de ações que aparecem na lista. É quase impossível não se reconhecer ali e se perguntar: mas, afinal, o que é normal?
Das duas uma: ou estamos mesmo ficando menos equilibrados - o que poderia ser explicado pelo ritmo e modos de vida do mundo moderno - ou nos viciamos em diagnósticos psiquiátricos. "Estamos transformando todo comportamento humano em patologia. Fazendo isso, criamos um sistema verdadeiramente louco, em que todos estão doentes", diz o psiquiatra Mel Levine, diretor do Centro Clínico de Estudos sobre Desenvolvimento e Aprendizado, da Univerdade da Carolina do Norte. Nos Estados Unidos, o uso de medicamentos psiquiátricos está atingindo níveis altíssimos. Crianças de 2 anos recebem prescrição de remédios cujos efeitos a longo prazo são completamente desconhecidos. "É muito mais fácil encaixar a criança difícil em uma categoria e medicá-la, do que deixar que ela desenvolva naturalmente suas habilidades sociais", diz Levine.
E, como quase tudo na vida, o mais fácil nem sempre é o melhor. "Mais do que tudo, o aumento de diagnósticos psiquiátricos representa um aumento gradual do preconceito em nossa cultura", diz o psicólogo Richard DeGrandpre. Talvez seja a hora de começarmos a lidar melhor com as nossas próprias neuroses, manias e loucuras. E, sobretudo, aceitarmos nossas diferenças.
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Cada vez mais acelerado - O Tempo
CADA VEZ MAIS ACELERADO - O Tempo
Você deve demorar uns seis minutos para ler as 1 679 palavras desta reportagem. Um pouco mais, um pouco menos, dependendo do seu ritmo, mas estima-se que a velocidade de leitura de um adulto chegue a 350 palavras por minuto. Convenhamos, seis minutos não é muito - mal dá para lavar a louça do jantar. Mas procure na banca de jornais quantas revistas fazem reportagens de quatro páginas, como esta, ou de dez, como a capa da edição que está em suas mãos, e você verá que a Super ocupa um espaço cada vez menor - o das revistas de "leitura longa". "Existe um consenso entre editores do mundo todo de que os leitores têm cada vez menos tempo - e paciência - para ler. Por isso, a solução é fazer revistas, jornais e livros cada vez mais acelerados", diz o jornalista canadense Carl Honoré. Para ele, a proliferação da leitura rápida é um dos sintomas de uma epidemia que assola todas as sociedades industrializadas: o desejo de viver em velocidade.
Carl é uma espécie de porta-voz do "movimento pela lerdeza" - hábito que ele jura não ter adquirido quando viveu por seis meses nas tranqüilas praias brasileiras. Seu livro, Devagar (que sai em junho no Brasil), é best seller na Europa advogando que poderíamos viver melhor trocando lanchonetes por banquetes caseiros, fazendo longas horas de sexo e parando de dirigir como pilotos de Fórmula 1. Ironicamente, o trabalho só começou por causa da leitura rápida. "Estava no aeroporto e me interessei por um livro com histórias de ninar de um minuto", diz Carl. "Percebi que estávamos indo longe demais". Naquele momento ele decidiu escrever um livro pregando que você deve passar muito mais de um minuto lendo para o seu filho antes de ir dormir.
O tempo está se acelerando. Um dia continua tendo 24 horas, 1 hora vale 60 minutos e, aleluia, cada minuto ainda tem 60 segundos - nem tudo está perdido. Mas há uma sensação generalizada de que não conseguimos fazer tudo que queremos. Falta tempo. Pagamos fortunas por engenhocas tecnológicas que deveriam facilitar nossa vida e continuamos com uma pressa insaciável. Você já deve ter sentido os efeitos desse fenômeno. Lembra quando a internet surgiu? Da maravilha que era saber que trocaríamos mensagens instantâneas e teríamos a biblioteca de Harvard ao alcance, bastando um clique no mouse. Agora pense na última vez que você recebeu um arquivo eletrônico pesado. E dos segundos que esperou para abri-lo, amaldiçoando a velocidade do computador, do provedor, da placa multimídia e do modem. Esses incompetentes que nos obrigam a esperar insuportáveis segundos para baixar...um livro inteiro!
AS CAUSAS
Essa histeria provavelmente começou na revolução industrial, com máquinas que trabalhavam mais rápido que os homens. Muitas atividades rotineiras foram agilizadas. Entre elas, uma vital: a capacidade de deslocamento. Dos tempos de Julio César, no século 1 a.C, aos de Napoleão, no século 19 d.C, nossa velocidade de movimentação foi quase sempre a mesma: a que o cavalo permitisse. A invenção dos motores, colocados em trens, mudou tudo. E o impacto provocou a organização sólida do tempo. Os fusos horários ganharam importância - antes, era indiferente a alguém que levava semanas para atravessar os Estados Unidos se, ao chegar a seu destino, houvesse um desnível de algumas horas em relação ao ponto de partida. Com os trens, a vida cotidiana passou a conviver não só com a hora certa, mas com o minuto exato em que a composição sai da estação e os segundos que podem descarrilar vagões num desvio fechado.
A tecnologia então disparou a oferecer velocidade a quem quiser consumi-la. "Todo o desenvolvimento tecnológico tende a deixar os processos mais rápidos", diz Edward Tenner, especialista em história da tecnologia da Universidade Princeton, nos Estados Unidos. Uma volta ao shopping mostra como essa pressão ocorre: é praticamente impossível encontrar um produto (de telefones celulares a espremedores de laranja) que seja mais lento que sua versão anterior.
O boom seguinte é mais recente. Aconteceu no final do século 20 e transfigurou nossa capacidade de nos comunicar. "A tecnologia e a internet provocaram uma revolução na troca e na quantidade de informações", diz o jornalista James Gleick, autor de Acelerado, livro que debate causas e efeitos da velocidade. "Uma coisa acelera a outra e nos vemos num círculo vicioso aparentemente inquebrável: a tecnologia gera demanda por velocidade, que empurra o desenvolvimento de novas tecnologias que precisam ser mais rápidas" diz. Assim, logo estamos desesperados para ter o chip que aumenta a memória RAM de 128 para 256 megabytes - mesmo sem saber o que fazer com os poucos segundos que lucramos com a mudança (talvez chegar em casa mais cedo para ficar entediado, com "saudades do trabalho"). Antigamente, qualquer pessoa que colocasse uma carta no correio sabia que ela iria demorar semanas para chegar ao destinatário. E, acredite, o mundo e os escritórios funcionavam. Hoje, os serviços de entrega devem ser imediatos. Com a invenção dos motoboys, Fedex, DHL e Sedex é cada vez menos justificável fazer alguém esperar além das 10 horas da manhã seguinte.
O resultado dessa avidez para "ganhar" tempo é que estamos cada vez mais com a sensação de perdê-lo. Pesquisadores afirmam que uma pessoa hoje sente que ele passa mais rápido do que para alguém que viveu há cem anos. E dão até uma estimativa de quanto: de 1,08 vez, para quem tem 24 anos, a 7,69 vezes, para quem tem 62 anos - a diferença seria causada pelo período de exposição à vida em alta velocidade. James Tien e James Burnes, professores de matemática aplicada do Instituto Politécnico Rensselaer, nos Estados Unidos, chegaram à essa conclusão analisando o crescimento das estatísticas de produtividade e emissão de patentes em 1897 e 1997 - os índices foram escolhidos por serem indicativos de desenvolvimento tecnológico e também por estarem entre os poucos com dados centenários confiáveis.
Há também uma explicação bioquímica para nossa percepção do ritmo em que horas e dias passam. À medida que envelhecemos, acredita-se, cai a produção cerebral de dopamina, um neurotransmissor responsável pela sensação de energia e disposição. Esse processo pode desacelerar nosso relógio biológico. Uma experiência apresentada pelo neurocientista americano Peter Mangan mostrou como isso ocorre. Ele dividiu voluntários em três grupos etários que deveriam lhe avisar quando 60 segundos houvessem passado. Os jovens levavam, em média, 54 segundos. Os mais velhos, 67 segundos. Ou seja, os idosos eram surpreendidos pela informação de que um minuto inteiro transcorrera antes que eles se dessem conta. Isso explicaria, por exemplo, por que avós reclamam que "o ano passou rápido e já é Natal novamente" enquanto as crianças sofrem com a longa e demorada espera pela chegada dos presentes.
OS EFEITOS
Pressa. Ansiedade. E a sensação de que nunca é possível fazer tudo - além da certeza de que sua vida está passando rápido demais. Essas são as principais conseqüências de vivermos num mundo em que para tudo vale a regra do "quanto mais rápido, melhor". Psiquiatras já discutem a existência de um distúrbio conhecido como "doença da pressa", cujos sintomas seriam a alta ansiedade, dificuldade para relaxar e, em casos mais graves, problemas de saúde e de relacionamento. "Para nós, ocidentais, o tempo é linear e nunca volta. Por isso queremos ter a sensação de que estamos tirando o máximo dele. E a única solução que encontramos é acelerá-lo", afirma Carl Honoré. "É um equívoco. A resposta desse dilema é qualidade, não quantidade."
Para especialistas como James Gleick, Carl está lutando uma batalha invencível. "A aceleração é uma escolha que fizemos. Somos como crianças descendo uma ladeira de skate. Gostamos da brincadeira, queremos mais velocidade", diz. O problema é que nem tudo ao nosso redor consegue atender à demanda. Os carros podem estar mais rápidos, mas as viagens demoram cada vez mais por culpa dos congestionamentos. Semáforos vermelhos continuam testando nossa paciência, obrigando-nos a frear a cada quarteirão. Mais sorte têm os pedestres, que podem apertar o botão que aciona o sinal verde - uma ótima opção para despejar a ansiedade, mas com efeito muitas vezes nulo. Em Nova York, esses sistemas estão desligados desde a década de 1980. Mesmo assim, milhares de pessoas o utilizam diariamente na esperança de reduzir seu minuto de espera.
É um exemplo do que especialistas chamam de "botões de aceleração". Na teoria, deixam as coisas mais rápidas. Na prática, servem para ser apertados e só. Confesse: que raios fazemos com os dois segundos, no máximo, que economizamos ao acionar aquelas teclas que fecham a porta do elevador? E quem disse que apertá-la, duas, quatro, dez vezes vai melhorar a eficiência? "É um placebo, sem outra função que distrair os passageiros para quem dez segundos parecem uma eternidade", escreve Gleick. Elevadores, aliás, são ícones da pressa em tempos velozes. Os primeiros modelos se moviam a vinte centímetros por segundo. Hoje, o mais veloz sobe doze metros por segundo. E, mesmo acelerando, estão entre os maiores focos de impaciência. Engenheiros são obrigados a desenvolver sistemas para conter nossa irritação, como luzes ou alarmes que antecipam a chegada do elevador e cuja única função é aplacar a ansiedade da espera.
Até onde isso vai? Um dos fatores que podem frear a corrida pela velocidade é o poder de consumo. "Hoje trocamos de computador a cada dois anos. Logo vai ser a cada seis meses. E depois? Não acredito que vamos comprar um computador novo por dia", diz James Tien, do Instituto Rensselaer. A dúvida é saber se o que vai mudar é a velocidade com que novos produtos são colocados à venda ou o sistema de consumo, que se reinventará mais rápido ainda.
Neste caso, talvez a única solução será aderir à "batalha invencível" do movimento pela lerdeza. Entre as atividades propostas pelo movimento estão a organização de banquetes que demoram horas (um contraponto aos fast-foods) e propostas de mudanças profundas nas atitudes do dia-a-dia - para eles, chamar alguém de tartaruga é elogio. Essas pessoas também rejeitam os filmes de Hollywood cheios de ação e cortes rápidos e adoram livros grossos. Se bem que, como leitor da Super, talvez você já seja fã de textos longos, que nada têm de apressadinhos. Quer dizer, se é que você ainda está aí.
Você deve demorar uns seis minutos para ler as 1 679 palavras desta reportagem. Um pouco mais, um pouco menos, dependendo do seu ritmo, mas estima-se que a velocidade de leitura de um adulto chegue a 350 palavras por minuto. Convenhamos, seis minutos não é muito - mal dá para lavar a louça do jantar. Mas procure na banca de jornais quantas revistas fazem reportagens de quatro páginas, como esta, ou de dez, como a capa da edição que está em suas mãos, e você verá que a Super ocupa um espaço cada vez menor - o das revistas de "leitura longa". "Existe um consenso entre editores do mundo todo de que os leitores têm cada vez menos tempo - e paciência - para ler. Por isso, a solução é fazer revistas, jornais e livros cada vez mais acelerados", diz o jornalista canadense Carl Honoré. Para ele, a proliferação da leitura rápida é um dos sintomas de uma epidemia que assola todas as sociedades industrializadas: o desejo de viver em velocidade.
Carl é uma espécie de porta-voz do "movimento pela lerdeza" - hábito que ele jura não ter adquirido quando viveu por seis meses nas tranqüilas praias brasileiras. Seu livro, Devagar (que sai em junho no Brasil), é best seller na Europa advogando que poderíamos viver melhor trocando lanchonetes por banquetes caseiros, fazendo longas horas de sexo e parando de dirigir como pilotos de Fórmula 1. Ironicamente, o trabalho só começou por causa da leitura rápida. "Estava no aeroporto e me interessei por um livro com histórias de ninar de um minuto", diz Carl. "Percebi que estávamos indo longe demais". Naquele momento ele decidiu escrever um livro pregando que você deve passar muito mais de um minuto lendo para o seu filho antes de ir dormir.
O tempo está se acelerando. Um dia continua tendo 24 horas, 1 hora vale 60 minutos e, aleluia, cada minuto ainda tem 60 segundos - nem tudo está perdido. Mas há uma sensação generalizada de que não conseguimos fazer tudo que queremos. Falta tempo. Pagamos fortunas por engenhocas tecnológicas que deveriam facilitar nossa vida e continuamos com uma pressa insaciável. Você já deve ter sentido os efeitos desse fenômeno. Lembra quando a internet surgiu? Da maravilha que era saber que trocaríamos mensagens instantâneas e teríamos a biblioteca de Harvard ao alcance, bastando um clique no mouse. Agora pense na última vez que você recebeu um arquivo eletrônico pesado. E dos segundos que esperou para abri-lo, amaldiçoando a velocidade do computador, do provedor, da placa multimídia e do modem. Esses incompetentes que nos obrigam a esperar insuportáveis segundos para baixar...um livro inteiro!
AS CAUSAS
Essa histeria provavelmente começou na revolução industrial, com máquinas que trabalhavam mais rápido que os homens. Muitas atividades rotineiras foram agilizadas. Entre elas, uma vital: a capacidade de deslocamento. Dos tempos de Julio César, no século 1 a.C, aos de Napoleão, no século 19 d.C, nossa velocidade de movimentação foi quase sempre a mesma: a que o cavalo permitisse. A invenção dos motores, colocados em trens, mudou tudo. E o impacto provocou a organização sólida do tempo. Os fusos horários ganharam importância - antes, era indiferente a alguém que levava semanas para atravessar os Estados Unidos se, ao chegar a seu destino, houvesse um desnível de algumas horas em relação ao ponto de partida. Com os trens, a vida cotidiana passou a conviver não só com a hora certa, mas com o minuto exato em que a composição sai da estação e os segundos que podem descarrilar vagões num desvio fechado.
A tecnologia então disparou a oferecer velocidade a quem quiser consumi-la. "Todo o desenvolvimento tecnológico tende a deixar os processos mais rápidos", diz Edward Tenner, especialista em história da tecnologia da Universidade Princeton, nos Estados Unidos. Uma volta ao shopping mostra como essa pressão ocorre: é praticamente impossível encontrar um produto (de telefones celulares a espremedores de laranja) que seja mais lento que sua versão anterior.
O boom seguinte é mais recente. Aconteceu no final do século 20 e transfigurou nossa capacidade de nos comunicar. "A tecnologia e a internet provocaram uma revolução na troca e na quantidade de informações", diz o jornalista James Gleick, autor de Acelerado, livro que debate causas e efeitos da velocidade. "Uma coisa acelera a outra e nos vemos num círculo vicioso aparentemente inquebrável: a tecnologia gera demanda por velocidade, que empurra o desenvolvimento de novas tecnologias que precisam ser mais rápidas" diz. Assim, logo estamos desesperados para ter o chip que aumenta a memória RAM de 128 para 256 megabytes - mesmo sem saber o que fazer com os poucos segundos que lucramos com a mudança (talvez chegar em casa mais cedo para ficar entediado, com "saudades do trabalho"). Antigamente, qualquer pessoa que colocasse uma carta no correio sabia que ela iria demorar semanas para chegar ao destinatário. E, acredite, o mundo e os escritórios funcionavam. Hoje, os serviços de entrega devem ser imediatos. Com a invenção dos motoboys, Fedex, DHL e Sedex é cada vez menos justificável fazer alguém esperar além das 10 horas da manhã seguinte.
O resultado dessa avidez para "ganhar" tempo é que estamos cada vez mais com a sensação de perdê-lo. Pesquisadores afirmam que uma pessoa hoje sente que ele passa mais rápido do que para alguém que viveu há cem anos. E dão até uma estimativa de quanto: de 1,08 vez, para quem tem 24 anos, a 7,69 vezes, para quem tem 62 anos - a diferença seria causada pelo período de exposição à vida em alta velocidade. James Tien e James Burnes, professores de matemática aplicada do Instituto Politécnico Rensselaer, nos Estados Unidos, chegaram à essa conclusão analisando o crescimento das estatísticas de produtividade e emissão de patentes em 1897 e 1997 - os índices foram escolhidos por serem indicativos de desenvolvimento tecnológico e também por estarem entre os poucos com dados centenários confiáveis.
Há também uma explicação bioquímica para nossa percepção do ritmo em que horas e dias passam. À medida que envelhecemos, acredita-se, cai a produção cerebral de dopamina, um neurotransmissor responsável pela sensação de energia e disposição. Esse processo pode desacelerar nosso relógio biológico. Uma experiência apresentada pelo neurocientista americano Peter Mangan mostrou como isso ocorre. Ele dividiu voluntários em três grupos etários que deveriam lhe avisar quando 60 segundos houvessem passado. Os jovens levavam, em média, 54 segundos. Os mais velhos, 67 segundos. Ou seja, os idosos eram surpreendidos pela informação de que um minuto inteiro transcorrera antes que eles se dessem conta. Isso explicaria, por exemplo, por que avós reclamam que "o ano passou rápido e já é Natal novamente" enquanto as crianças sofrem com a longa e demorada espera pela chegada dos presentes.
OS EFEITOS
Pressa. Ansiedade. E a sensação de que nunca é possível fazer tudo - além da certeza de que sua vida está passando rápido demais. Essas são as principais conseqüências de vivermos num mundo em que para tudo vale a regra do "quanto mais rápido, melhor". Psiquiatras já discutem a existência de um distúrbio conhecido como "doença da pressa", cujos sintomas seriam a alta ansiedade, dificuldade para relaxar e, em casos mais graves, problemas de saúde e de relacionamento. "Para nós, ocidentais, o tempo é linear e nunca volta. Por isso queremos ter a sensação de que estamos tirando o máximo dele. E a única solução que encontramos é acelerá-lo", afirma Carl Honoré. "É um equívoco. A resposta desse dilema é qualidade, não quantidade."
Para especialistas como James Gleick, Carl está lutando uma batalha invencível. "A aceleração é uma escolha que fizemos. Somos como crianças descendo uma ladeira de skate. Gostamos da brincadeira, queremos mais velocidade", diz. O problema é que nem tudo ao nosso redor consegue atender à demanda. Os carros podem estar mais rápidos, mas as viagens demoram cada vez mais por culpa dos congestionamentos. Semáforos vermelhos continuam testando nossa paciência, obrigando-nos a frear a cada quarteirão. Mais sorte têm os pedestres, que podem apertar o botão que aciona o sinal verde - uma ótima opção para despejar a ansiedade, mas com efeito muitas vezes nulo. Em Nova York, esses sistemas estão desligados desde a década de 1980. Mesmo assim, milhares de pessoas o utilizam diariamente na esperança de reduzir seu minuto de espera.
É um exemplo do que especialistas chamam de "botões de aceleração". Na teoria, deixam as coisas mais rápidas. Na prática, servem para ser apertados e só. Confesse: que raios fazemos com os dois segundos, no máximo, que economizamos ao acionar aquelas teclas que fecham a porta do elevador? E quem disse que apertá-la, duas, quatro, dez vezes vai melhorar a eficiência? "É um placebo, sem outra função que distrair os passageiros para quem dez segundos parecem uma eternidade", escreve Gleick. Elevadores, aliás, são ícones da pressa em tempos velozes. Os primeiros modelos se moviam a vinte centímetros por segundo. Hoje, o mais veloz sobe doze metros por segundo. E, mesmo acelerando, estão entre os maiores focos de impaciência. Engenheiros são obrigados a desenvolver sistemas para conter nossa irritação, como luzes ou alarmes que antecipam a chegada do elevador e cuja única função é aplacar a ansiedade da espera.
Até onde isso vai? Um dos fatores que podem frear a corrida pela velocidade é o poder de consumo. "Hoje trocamos de computador a cada dois anos. Logo vai ser a cada seis meses. E depois? Não acredito que vamos comprar um computador novo por dia", diz James Tien, do Instituto Rensselaer. A dúvida é saber se o que vai mudar é a velocidade com que novos produtos são colocados à venda ou o sistema de consumo, que se reinventará mais rápido ainda.
Neste caso, talvez a única solução será aderir à "batalha invencível" do movimento pela lerdeza. Entre as atividades propostas pelo movimento estão a organização de banquetes que demoram horas (um contraponto aos fast-foods) e propostas de mudanças profundas nas atitudes do dia-a-dia - para eles, chamar alguém de tartaruga é elogio. Essas pessoas também rejeitam os filmes de Hollywood cheios de ação e cortes rápidos e adoram livros grossos. Se bem que, como leitor da Super, talvez você já seja fã de textos longos, que nada têm de apressadinhos. Quer dizer, se é que você ainda está aí.
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Síndrome do Pânico - Famosos
SÍNDROME DO PÂNICO - Famosos
Eles adoram constranger pessoas famosas. Para a ex-Casa dos Artistas Mariana Kupfer perguntaram: "Você não deu certo como apresentadora, atriz e cantora. O que você é agora?". Pediram ao ex-prefeito Paulo Maluf a senha da conta na Suíça. Perseguiram o apresentador Clodovil com a intenção de fazê-lo calçar um ridículo chinelo dourado, as "sandálias da humildade". Em outra ocasião, disseram para a jornalista Marília Gabriela mandar um beijo para o filho dela. "Qual deles?", perguntou Marília. "O Reynaldo Gianecchini", responderam.
Parece mau gosto? Pode ser. Mas foi com essas pérolas que o Pânico na TV, exibido pela RedeTV! aos domingos, tornou-se fenômeno de audiência. A atração, que estreou há um ano e meio com 3 pontos de média no Ibope, hoje bate picos de 13 - como cada ponto equivale a 50 mil domicílios na Grande São Paulo, significa dizer que apenas na região metropolitana paulista o programa é sintonizado em 650 mil televisores.
A fórmula é simples: uma boa dose de criatividade, humor negro e, o mais importante, eficiência em tirar sarro dos famosos. "O sucesso do Pânico mostra que a relação entre a sociedade e suas celebridades ocupa um papel cada vez mais central no mundo contemporâneo", afirma a antropóloga e professora da Escola de Comunicações e Artes da USP, Esther Hamburger. Pelo jeito, além de central, essa relação é também um bocado turbulenta. Por que amamos acompanhar a vida e o trabalho das celebridades mas, ao mesmo tempo, adoramos vê-las em situações constrangedoras? Como entender que um programa como o Pânico faça tanto sucesso? Para começar a responder essas perguntas, temos de voltar no tempo - e voltar bastante, para os tempos das cavernas. É lá que vamos encontrar as origens da...
...HISTÓRIA DA FOFOCA
Foi na pré-história que adquirimos um hábito que transformaria a sociedade: fofocar. Segundo o americano Frank McAndrew, professor de psicologia da Universidade Knox, o ato de falar da vida alheia funcionou como mecanismo de seleção natural dos primeiros Homo sapiens. Os mais bem informados conheciam as fraquezas dos adversários e tiravam vantagem disso. Sabendo que um rival estava com a perna quebrada, era possível tomar seu lugar na caçada. Esses "fofoqueiros das cavernas" tinham mais chances de sobreviver e passar seus genes.
Séculos depois, a fofoca ganharia um especialista. Na França de Luís XIV, Louis Rouvroy, que mais tarde tornou-se o duque de Saint-Simon, escreveu seu livro Mémoires baseando-se em fuxicos do palácio. "A fofoca sobre gente importante, como senhorios e reis, era vista como uma forma de resistência", afirma Bernard Capp, historiador especialista no passado das futricas. "Não se podia protestar contra nobres poderosos. Mas, pelas costas deles, fazia-se chacota e contavam-se histórias que diminuíam sua importância."
Mas a fundação da "fofoca em massa", como conhecemos hoje, só veio com as colunas sociais nos jornais do século passado. A primeira surgiu em meados dos anos 20, com o americano Walter Winchell. Numa época em que editores relutavam em noticiar o nascimento de algum bebê para não cruzar as fronteiras do bom gosto, Winchell usava seu espaço no The New York Times para contar quem namorava quem, quem estava doente, quem tinha dificuldades financeiras e quais esposas mantinham casos extraconjugais. Diária, a coluna era revendida para dezenas de jornais. Somando seu programa de rádio semanal, o jornalista atingia cerca de 50 milhões de pessoas. Talvez sem saber, ele tenha erguido um dos alicerces da hoje tão famosa...
...CULTURA DE CELEBRIDADES
Desde a pré-história já tínhamos o hábito de adorar coisas ou pessoas - os deuses da Antiguidade, o Deus da Idade Média ou os reis da monarquia absolutista. "O homem costuma ligar-se a algo sobrenatural ou de caráter divino como saída para momentos de repressão", afirma a professora de comunicação da USP Maria de Lourdes Motter. Mas com o passar do tempo, as entidades adoradas foram ficando cada vez mais terrenas.
Coube aos famosos sentarem-se nos tronos outrora ocupados por reis e deuses. Com uma vantagem (ou desvantagem?): tudo o que fazem e falam alcança um número infinitamente maior de pessoas. Apoiada na mídia, a indústria das celebridades despontou para a fama com as primeiras estrelas de Hollywood, nos anos 30. E daí cresceu com a velocidade de uma boa fofoca, até despertar a atenção dos acadêmicos nos anos 60. Foi nessa época que o historiador americano Daniel Boorstin cunhou uma das mais precisas definições da fama nos dias atuais: "O herói é distingüido por seu conhecimento; a celebridade, por sua imagem. A celebridade é a pessoa notória por sua notoriedade".
Ao mundanizar a fama, transformamos o ídolo. Hoje ele não precisa ter virtudes. Nem talento. O sucesso dos participantes de reality shows comprova isso - eles são conhecidos por serem alguém e não por terem feito algo. Porém, é impossível acreditar que a condição básica para ser ídolo tivesse se transformado tanto sem a ajuda daqueles que sustentam todo esse esquema: nós, aqui do outro lado da tela. "O fã transforma o ídolo numa versão perfeita de como ele queria ser", diz o professor de comunicação P. David Marshall, da Universidade Northeastern, nos Estados Unidos. As celebridades tornam-se pessoas familiares, que vemos sempre na televisão, na revista, no cinema. Até elas passarem a representar uma nova comunidade de pessoas sobre as quais sabemos tudo - embora nem ao menos a conheçamos. É exatamente aí que está a raiz do porquê...
...AMAMOS ODIAR OS FAMOSOS
Assim como fazemos com as pessoas próximas, também julgamos os comportamentos dos famosos. E por nos sentirmos tão próximos aos famosos, estendemos a eles os mesmos critérios de avaliação que vão determinar, por exemplo, se gostamos ou não do vizinho. "Quando Hugh Grant foi pego com uma prostituta enquanto namorava Liz Hurley, mostrou arrependimento genuíno", afirma o escritor americano Andrew Breitbart, autor de Hollywood Interrupted ("Holywood Interrompida", sem versão em português). "A maioria das pessoas imediatamente o perdoou. Isso porque ele mostrou a humildade que não costuma estar associada com os ricos e famosos." De acordo com o escritor, quando temos qualquer tipo de ressentimento em relação à celebridade, tendemos a ficar felizes quando algo de ruim acontece a ela. É o que os alemães chamam de schadenfreude, que quer dizer algo como ter prazer com a desgraça alheia.
Voltemos então ao ponto de origem. Por que Pânico na TV faz tanto sucesso? Por que um bando de marmanjos com um prazer quase sádico em fazer piadas com pessoas conhecidas atrai tanto? "Porque programas assim mostram que os famosos também são iguais a todo mundo, iguais a mim e a você - ou seja, também são falíveis e pagam mico", afirma a antropóloga Maria Claudia Coelho, autora do estudo acadêmico A Experiência da Fama.
"Acho que nos tornamos uma espécie de porta-vozes de algumas pessoas que, se pudessem, falariam para os famosos as mesmas coisas que falamos", afirma Wellington Muniz, o Ceará, um dos humoristas do Pânico. Rodrigo Scarpa, o repórter Vesgo, concorda: "Apenas critico a celebridade sem conteúdo, aqueles que acham que são famosos mas não mostram nada para o público". Na prática, não é bem assim. As vítimas não precisam ser necessariamente celebridades menos talentosas ou "sem conteúdo". Vai dizer que você não daria risada se Vesgo e companhia fizessem uma de suas perguntas desconcertantes para, por exemplo, Nicole Kidman - que além de belíssima, é considerada por muitos especialistas uma das mais talentosas atrizes de sua geração? Será que mora aí uma pontinha de inveja? Para o professor Leo Braudy, da Universidade Southern California, o sentimento que temos ao ver um famoso como vítima de uma piada tem a ver com o poder que exercemos sobre a tal celebridade. "Não é inveja. Nós não necessariamente queremos ser ela ou ter seus privilégios", afirma. "O que nós queremos é que ela saiba que deve sua fama a nós, a audiência. Nós demos a ela nossa atenção e é melhor ela perceber que, sem nós, não é nada. Tirar sarro dela, satirizá-la, é o preço que a fazemos pagar."
Ao mostrar os famosos em cenas pouco usuais - como o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin respondendo que achava justa a eleição que o colocara como o segundo "careca do ano", atrás do prefeito paulistano, José Serra -, o Pânico tem o que alguns críticos afirmam ser uma "função social". "Gostamos de ver os famosos sendo feitos de bobos porque, assim, podemos nos sentir melhor por sermos quem somos", afirma o escritor Andrew Breitbart. Respiremos aliviados: ah, como é bom ser anônimo...
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Eles adoram constranger pessoas famosas. Para a ex-Casa dos Artistas Mariana Kupfer perguntaram: "Você não deu certo como apresentadora, atriz e cantora. O que você é agora?". Pediram ao ex-prefeito Paulo Maluf a senha da conta na Suíça. Perseguiram o apresentador Clodovil com a intenção de fazê-lo calçar um ridículo chinelo dourado, as "sandálias da humildade". Em outra ocasião, disseram para a jornalista Marília Gabriela mandar um beijo para o filho dela. "Qual deles?", perguntou Marília. "O Reynaldo Gianecchini", responderam.
Parece mau gosto? Pode ser. Mas foi com essas pérolas que o Pânico na TV, exibido pela RedeTV! aos domingos, tornou-se fenômeno de audiência. A atração, que estreou há um ano e meio com 3 pontos de média no Ibope, hoje bate picos de 13 - como cada ponto equivale a 50 mil domicílios na Grande São Paulo, significa dizer que apenas na região metropolitana paulista o programa é sintonizado em 650 mil televisores.
A fórmula é simples: uma boa dose de criatividade, humor negro e, o mais importante, eficiência em tirar sarro dos famosos. "O sucesso do Pânico mostra que a relação entre a sociedade e suas celebridades ocupa um papel cada vez mais central no mundo contemporâneo", afirma a antropóloga e professora da Escola de Comunicações e Artes da USP, Esther Hamburger. Pelo jeito, além de central, essa relação é também um bocado turbulenta. Por que amamos acompanhar a vida e o trabalho das celebridades mas, ao mesmo tempo, adoramos vê-las em situações constrangedoras? Como entender que um programa como o Pânico faça tanto sucesso? Para começar a responder essas perguntas, temos de voltar no tempo - e voltar bastante, para os tempos das cavernas. É lá que vamos encontrar as origens da...
...HISTÓRIA DA FOFOCA
Foi na pré-história que adquirimos um hábito que transformaria a sociedade: fofocar. Segundo o americano Frank McAndrew, professor de psicologia da Universidade Knox, o ato de falar da vida alheia funcionou como mecanismo de seleção natural dos primeiros Homo sapiens. Os mais bem informados conheciam as fraquezas dos adversários e tiravam vantagem disso. Sabendo que um rival estava com a perna quebrada, era possível tomar seu lugar na caçada. Esses "fofoqueiros das cavernas" tinham mais chances de sobreviver e passar seus genes.
Séculos depois, a fofoca ganharia um especialista. Na França de Luís XIV, Louis Rouvroy, que mais tarde tornou-se o duque de Saint-Simon, escreveu seu livro Mémoires baseando-se em fuxicos do palácio. "A fofoca sobre gente importante, como senhorios e reis, era vista como uma forma de resistência", afirma Bernard Capp, historiador especialista no passado das futricas. "Não se podia protestar contra nobres poderosos. Mas, pelas costas deles, fazia-se chacota e contavam-se histórias que diminuíam sua importância."
Mas a fundação da "fofoca em massa", como conhecemos hoje, só veio com as colunas sociais nos jornais do século passado. A primeira surgiu em meados dos anos 20, com o americano Walter Winchell. Numa época em que editores relutavam em noticiar o nascimento de algum bebê para não cruzar as fronteiras do bom gosto, Winchell usava seu espaço no The New York Times para contar quem namorava quem, quem estava doente, quem tinha dificuldades financeiras e quais esposas mantinham casos extraconjugais. Diária, a coluna era revendida para dezenas de jornais. Somando seu programa de rádio semanal, o jornalista atingia cerca de 50 milhões de pessoas. Talvez sem saber, ele tenha erguido um dos alicerces da hoje tão famosa...
...CULTURA DE CELEBRIDADES
Desde a pré-história já tínhamos o hábito de adorar coisas ou pessoas - os deuses da Antiguidade, o Deus da Idade Média ou os reis da monarquia absolutista. "O homem costuma ligar-se a algo sobrenatural ou de caráter divino como saída para momentos de repressão", afirma a professora de comunicação da USP Maria de Lourdes Motter. Mas com o passar do tempo, as entidades adoradas foram ficando cada vez mais terrenas.
Coube aos famosos sentarem-se nos tronos outrora ocupados por reis e deuses. Com uma vantagem (ou desvantagem?): tudo o que fazem e falam alcança um número infinitamente maior de pessoas. Apoiada na mídia, a indústria das celebridades despontou para a fama com as primeiras estrelas de Hollywood, nos anos 30. E daí cresceu com a velocidade de uma boa fofoca, até despertar a atenção dos acadêmicos nos anos 60. Foi nessa época que o historiador americano Daniel Boorstin cunhou uma das mais precisas definições da fama nos dias atuais: "O herói é distingüido por seu conhecimento; a celebridade, por sua imagem. A celebridade é a pessoa notória por sua notoriedade".
Ao mundanizar a fama, transformamos o ídolo. Hoje ele não precisa ter virtudes. Nem talento. O sucesso dos participantes de reality shows comprova isso - eles são conhecidos por serem alguém e não por terem feito algo. Porém, é impossível acreditar que a condição básica para ser ídolo tivesse se transformado tanto sem a ajuda daqueles que sustentam todo esse esquema: nós, aqui do outro lado da tela. "O fã transforma o ídolo numa versão perfeita de como ele queria ser", diz o professor de comunicação P. David Marshall, da Universidade Northeastern, nos Estados Unidos. As celebridades tornam-se pessoas familiares, que vemos sempre na televisão, na revista, no cinema. Até elas passarem a representar uma nova comunidade de pessoas sobre as quais sabemos tudo - embora nem ao menos a conheçamos. É exatamente aí que está a raiz do porquê...
...AMAMOS ODIAR OS FAMOSOS
Assim como fazemos com as pessoas próximas, também julgamos os comportamentos dos famosos. E por nos sentirmos tão próximos aos famosos, estendemos a eles os mesmos critérios de avaliação que vão determinar, por exemplo, se gostamos ou não do vizinho. "Quando Hugh Grant foi pego com uma prostituta enquanto namorava Liz Hurley, mostrou arrependimento genuíno", afirma o escritor americano Andrew Breitbart, autor de Hollywood Interrupted ("Holywood Interrompida", sem versão em português). "A maioria das pessoas imediatamente o perdoou. Isso porque ele mostrou a humildade que não costuma estar associada com os ricos e famosos." De acordo com o escritor, quando temos qualquer tipo de ressentimento em relação à celebridade, tendemos a ficar felizes quando algo de ruim acontece a ela. É o que os alemães chamam de schadenfreude, que quer dizer algo como ter prazer com a desgraça alheia.
Voltemos então ao ponto de origem. Por que Pânico na TV faz tanto sucesso? Por que um bando de marmanjos com um prazer quase sádico em fazer piadas com pessoas conhecidas atrai tanto? "Porque programas assim mostram que os famosos também são iguais a todo mundo, iguais a mim e a você - ou seja, também são falíveis e pagam mico", afirma a antropóloga Maria Claudia Coelho, autora do estudo acadêmico A Experiência da Fama.
"Acho que nos tornamos uma espécie de porta-vozes de algumas pessoas que, se pudessem, falariam para os famosos as mesmas coisas que falamos", afirma Wellington Muniz, o Ceará, um dos humoristas do Pânico. Rodrigo Scarpa, o repórter Vesgo, concorda: "Apenas critico a celebridade sem conteúdo, aqueles que acham que são famosos mas não mostram nada para o público". Na prática, não é bem assim. As vítimas não precisam ser necessariamente celebridades menos talentosas ou "sem conteúdo". Vai dizer que você não daria risada se Vesgo e companhia fizessem uma de suas perguntas desconcertantes para, por exemplo, Nicole Kidman - que além de belíssima, é considerada por muitos especialistas uma das mais talentosas atrizes de sua geração? Será que mora aí uma pontinha de inveja? Para o professor Leo Braudy, da Universidade Southern California, o sentimento que temos ao ver um famoso como vítima de uma piada tem a ver com o poder que exercemos sobre a tal celebridade. "Não é inveja. Nós não necessariamente queremos ser ela ou ter seus privilégios", afirma. "O que nós queremos é que ela saiba que deve sua fama a nós, a audiência. Nós demos a ela nossa atenção e é melhor ela perceber que, sem nós, não é nada. Tirar sarro dela, satirizá-la, é o preço que a fazemos pagar."
Ao mostrar os famosos em cenas pouco usuais - como o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin respondendo que achava justa a eleição que o colocara como o segundo "careca do ano", atrás do prefeito paulistano, José Serra -, o Pânico tem o que alguns críticos afirmam ser uma "função social". "Gostamos de ver os famosos sendo feitos de bobos porque, assim, podemos nos sentir melhor por sermos quem somos", afirma o escritor Andrew Breitbart. Respiremos aliviados: ah, como é bom ser anônimo...
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O Papa e a História - Teologia
O PAPA E A HISTÓRIA - Teologia
No dia 4 de junho de 1989, houve eleições para o senado na Polônia. Não era uma eleição qualquer: pela primeira vez os poloneses tinham alguma chance de escolher depois de quase meio século de ditadura comunista. O resultado das urnas foi devastador. Das 262 cadeiras do senado, 261 ficaram para o partido de oposição, o Solidariedade.
O governo comunista cairia dois meses depois. Era o fim do comunismo na Polônia. E não só lá. Um a um os governos do Leste Europeu desmoronaram. No fim de 1989 o que fora um poderoso bloco tinha virado pó. A Polônia foi o primeiro dominó. E ninguém lá teve dúvidas sobre quem empurrou esse dominó. "A culpa é da Igreja", disse o ditador derrotado, general Wojciech Jaruzelski. O primeiro ato do vitorioso líder do Solidariedade, Lech Walesa, foi pegar um avião para Roma. Ele queria agradecer a João Paulo II. A Igreja Católica estava no centro do mundo. E o papa era "o pivô em torno do qual a história girou", nas palavras de Marco Politi e Carl Bernstein, autores de Sua Santidade, uma excelente biografia do papa.
João Paulo II fez história. Quem olha para seu corpo curvado, 15 anos depois, talvez tenha dificuldade para enxergar o homem forte, obstinado e astuto que ele foi. Não dá mais para negar que seu papado está perto do fim. É hora de olhar para trás para entender seu legado. E de olhar para frente para descobrir para onde a Igreja vai depois dele. Mas antes é preciso responder duas perguntas.
Quem é ele?
João Paulo II nasceu em 18 de maio de 1920 na cidadezinha polonesa de Vadovice - e recebeu o nome de Karol Wojtyla. Para entender o destino desse menino é preciso antes compreender que país era aquele no qual ele veio ao mundo.
A Polônia não teve um século 19 fácil. Encurralada entre três nações francamente imperialistas - Alemanha, Rússia e Áustria - esse país imenso, agrário e pobre estava sempre sob ameaça de ser varrido do mapa. Foi o que aconteceu em 1865. O Reino da Polônia foi abolido, engolido pelos vizinhos. Até a Primeira Guerra Mundial, a Polônia simplesmente não existiu. Falar polonês era punido como crime. Demonstrar orgulho nacional era proibido.
Mas a identidade polonesa sobreviveu na clandestinidade. Uma forma de preservá-la era ler a literatura épica de autores nacionalistas. Outro ato de amor à pátria era ser católico. A Polônia é um país majoritariamente católico há mil anos e está cercada por vizinhos protestantes e ortodoxos. Ser católico sempre foi sinônimo de ser patriota. Uma oração solitária dentro de casa era uma forma de resistir.
Com o fim da Primeira Guerra, a Polônia finalmente voltou a existir como nação. Mas continuou cercada de inimigos - Karol nasceu bem no meio de uma guerra contra os soviéticos. Desde criança, em Vadovice, Karol foi um católico fervoroso, capaz de entrar numa espécie de transe enquanto passava horas rezando. Mas, antes de ser católico, Karol era um nacionalista.
Em 1939, Hitler invadiu a Polônia, iniciando a Segunda Guerra Mundial. Naquela época, Karol queria ser ator e, segundo relatos, tinha muito talento para isso. Interpretava com paixão textos épicos de autores poloneses. O jovem de 19 anos era forte e atlético, mas nunca teve vocação para a violência. Ele queria ajudar a Polônia a vencer a guerra, mas estava decidido a fazer isso "ganhando os espíritos". O teatro nacionalista seria sua arma.
Foi uma surpresa para todos os seus amigos quando ele anunciou, em 1942, que queria virar padre. Karol mudava de carreira, mas não de objetivo. Sua intenção continuava sendo a mesma: "ganhar espíritos", manter viva a identidade polonesa. Os invasores nazistas tinham proibido as missas e fechado todos os seminários, numa afronta à religiosidade polonesa. Portanto, estudar para ser padre era um ato subversivo.
Com o fim da guerra, os soviéticos expulsaram os nazistas, mas a vida dos padres continuou difícil. Afinal, os comunistas rejeitavam a religião. Karol manteve a mesma postura: de resistência firme e tranqüila. Sua forma de combater o comunismo era ensinar os valores católicos, ajudar as pessoas a levar uma vida guiada por Cristo. Sua fé profunda, seus princípios firmes, seu carisma e seu talento diplomático - que o fez ser tolerado pelo governo comunista - garantiram uma subida rápida na hierarquia da Igreja.
Quando chegaram os anos 1960, na Polônia comunista, a Igreja era respeitada e admirada e atraía muita gente. Enquanto isso, no Ocidente, a Igreja ia mal. Era a década da liberação sexual e os fiéis estavam desaparecendo. Em 1962, o papa João XXIII chamou todos os bispos do mundo a Roma. Seu objetivo: modernizar o catolicismo para atrair os cristãos de volta. Começava o Concílio Vaticano Segundo. Karol Wojtila, recém-promovido a bispo, foi um dos convidados. No concílio, ele esteve quase sempre do lado derrotado, defendendo o estilo austero e tradicionalista da igreja polonesa. Sua participação foi discreta, mas segura. E chamou a atenção de Paulo VI, sucessor de João XXIII (que morreu em 1963).
O novo papa passou a ouvir Karol com atenção. O polonês teve grande influência no documento papal de 1968 que condenava os anticoncepcionais artificiais. Ele já era um cardeal respeitado por toda parte quando Paulo VI morreu, em agosto de 1978. João Paulo I, seu sucessor, durou só 33 dias no cargo e morreu também. Chegava a hora de Karol Wojtila. Com 99 dos 108 votos do cardeais, ele se elegeu e homenageou seus três antecessores (João XXIII, Paulo VI e João Paulo I) escolhendo o nome de João Paulo II.
Antes de contar a história de seu papado, vale a pena entender que cargo é esse que Karol assumiu.
O que é um papa?
A resposta tradicional a essa pergunta é simples: papa é o sucessor direto do apóstolo Pedro, que recebeu de Jesus em pessoa a incumbência de comandar sua Igreja, em Roma. João Paulo II tem a mesma tarefa que já foi de São Pedro.
Mas o estudo de documentos antigos mostra que, no início, a Igreja não era centralizada como hoje. Havia comunidades cristãs em várias cidades, cada uma com seu bispo, e cada bispo cuidava dos assuntos locais. O de Roma não estava acima dos outros. Pedro "estava longe de ser um monarca espiritual, ou mesmo um governante único", escreveu o teólogo alemão Hans Küng, em A Igreja Católica. Não havia um papa - e por muitos séculos foi assim.
Os cristãos estavam espalhados pelo Império Romano, em condições de pobreza, enfrentando perseguições cruéis. Essa situação mudou radicalmente graças a uma visão. Foi em 312: uma cruz apareceu no céu para o imperador Constantino, dias antes de uma batalha decisiva, que ele acabou vencendo. Em 313 os cristãos receberam liberdade de religião, em 315 o castigo da crucificação foi abolido, em 321 o domingo virou oficialmente feriado. Em 337, Constantino morreu. Seu filho Teodósio começou a perseguir as outras religiões. O cristianismo, nascido entre pobres numa periferia rural, virava de repente a religião do Estado.
No século 5, o Império Romano caiu. A Europa caiu nas mãos dos bárbaros, incultos e analfabetos, e aí sobrou um só vestígio do esplendor imperial: o bispo de Roma, já então chamado de papa. Ele era para o povo um resto de ordem e autoridade numa época tomada pelo caos. Naquele mundo, só o clero sabia ler - e os bispos, além de autoridade religiosa, começaram a acumular o poder civil. Começava a Idade Média.
No século 12, o papa tornou-se o homem mais poderoso do Ocidente - ele tinha terra e ouro, resolvia disputas entre nobres, abençoava reis para que sua autoridade fosse reconhecida. Nessa época, a Igreja e a religião estavam no centro da vida. O cristianismo não era para ser lembrado só no apuro ou na missa de domingo - era uma presença constante, guiando cada ação de pessoas ou de governos. O papa era coroado como um rei e sua autoridade agora se aplicava sobre toda a Igreja. É claro que tanto poder atraiu aventureiros e o trono papal foi ocupado por homens que podiam ser tudo, menos santos. No final da Idade Média, ladrões, assassinos e depravados viraram papas.
A insatisfação com a corrupção em Roma era grande e, no século 16, Lutero iniciou a Reforma Protestante, que tirou do papa o poder sobre o norte da Europa. Mas o maior golpe foi um modo de pensar que surgiu na mesma época - a história chama-o de iluminismo. Para resumir, iluminismo é a idéia de que a a vida deve ser guiada pela razão, e não pela vontade divina. Esse movimento se espalhou pela Europa como um incêndio. E, com o domínio da razão, veio a decadência da Igreja.
Desde então, Roma tem passado muito tempo na defensiva, lutando contra tudo de novo. Primeiro, o inimigo era a ciência - pensadores foram queimados pela Inquisição ou forçados a abandonar suas idéias. Com isso, o conhecimento científico nos países católicos passou a andar bem mais devagar que nos protestantes. Depois, no século 18, o papa Pio VI esbravejava contra "a abominável filosofia dos direitos humanos", defendida pela Revolução Francesa (que matou padres na guilhotina e confiscou terrenos da Igreja). No século 19, Roma voltou-se contra a industrialização: os papas atacavam as ferrovias, o gás, a iluminação.
A Igreja, deposta do papel de dona do mundo, virou inimiga declarada da modernidade. E, como a modernidade é uma inimiga poderosa, o papa foi ficando mais e mais irrelevante. A Igreja chegou à metade do século 20 sem poder político, com fiéis abandonando as missas e cada vez menos padres.
Nos anos 60, surgiu a idéia de que era preciso fazer as pazes com a modernidade. Foi aí que João XXIII convocou o Concílio Vaticano Segundo e que a história de Karol se cruzou com esta história aqui. O concílio acabou com missas em latim e acrescentou pitadas de democracia na sua própria organização. Mas manteve várias tradições. A posição dura sobre anticoncepcionais não se alterou, casamentos de padres e ordenações de mulheres nem puderam ser discutidos. E o papa continuou sendo tratado como na Idade Média: um monarca absolutista.
Em 1978, quando João Paulo I morreu, o maior problema do mundo era a guerra fria - um conflito entre protestantes americanos e ateus soviéticos. A Igreja vivia criticando o consumismo de uns e a falta de liberdade religiosa de outros, mas era quase sempre ignorada. Aí Karol virou papa. E Roma viu a chance de voltar a um lugar de onde saíra fazia séculos: o centro do mundo.
Anos de glória
João Paulo II não perdeu tempo. Eleito papa, ele rezou a missa inaugural em 22 de outubro de 1978. No dia 23, mandou uma mensagem pública aos poloneses: "quero muito estar com vocês no 900º aniversário do martírio de São Estanislau". São Estanislau é o padroeiro da Polônia e o aniversário de 900 anos de sua morte foi em 1979.
Isso não era coisa corriqueira. Nunca um papa entrara no bloco comunista. O dirigente soviético Leonid Brejnev ligou para a Polônia e ordenou que a visita fosse recusada. Mas os poloneses queriam ver o papa. Se as autoridades negassem havia chances até de revolta. Mesmo os dirigentes do país, como bons poloneses, eram católicos antes de comunistas. Não podiam impedir um papa polonês de voltar para casa.
A visita durou oito dias em junho de 1979. Cada discurso de João Paulo II foi presenciado por centenas de milhares de pessoas, às vezes mais de 1 milhão - homens e mulheres em lágrimas e aos berros, exibindo a cruz e a bandeira polonesa. O papa foi recebido pelo refrão "queremos Deus". No palanque, gritava: "vocês precisam ser fortes com a força que vem da fé" e "não é preciso ter medo, as fronteiras têm de ser abertas". O efeito psicológico foi imenso. De repente, a opressão comunista pareceu pequena diante dele. Calcula-se que, naquela semana, um de cada três poloneses viu o papa pessoalmente.
Um deles foi Lech Walesa, que, no ano seguinte, fundou o Solidariedade, na época um sindicato, a primeira organização de oposição no mundo comunista. Walesa usava um broche com uma imagem da Virgem e uma caneta com a foto do papa. É inegável que João Paulo II foi uma inspiração fortíssima.
Segundo os biógrafos do papa, uma pessoa que assistiu pela TV, com lágrimas nos olhos, os discursos na Polônia foi o candidato republicano à presidência dos Estados Unidos. Ronald Reagan tinha coisas em comum com João Paulo II. Também era um ex-ator - só que, em vez de peças clássicas polonesas, estrelou filmes de faroeste. Os dois eram carismáticos e excelentes comunicadores. Outro ponto de contato é que ambos acreditavam profundamente que o comunismo é mau na essência - e, portanto, destinado à derrota. Por outro lado, o papa é um intelectual, com sólida formação em filosofia, e Reagan era um bronco. O papa é um homem espiritual, que condena o consumismo. Reagan era um materialista, que achava que o comunismo é ruim porque, naquele sistema, "se alguém resolvesse comprar um carro, teria de esperar dez anos pela entrega".
Apesar das diferenças, eles se entenderam. O papa perdoava as extravagâncias do presidente diante da convicção de que ele era um "instrumento de Deus" para uma obra maior. O secretário de Segurança Nacional de Reagan, Richard Allen, diria depois que os dois formaram "uma das maiores alianças secretas de todos os tempos". A partir de 1981, o papa recebeu gente da CIA no Vaticano pelo menos 15 vezes. Nesses encontros, os americanos contavam a João Paulo II sobre suas estratégias no mundo inteiro e passavam informações do serviço secreto, inclusive fotos de satélite da Polônia. Já o papa dava notícias de Walesa e do Solidariedade e transmitia dados coletados pela extensa rede de bispos e padres da Igreja Católica - Allen diria que o serviço de inteligência do Vaticano "é de primeira classe". O Vaticano adotou também a política de nunca criticar os americanos, mesmo se isso significasse apoiar ditaduras na América Latina.
Em 1981, a aliança esteve perto de acabar tragicamente. Em fevereiro, Reagan levou um tiro. Em maio, João Paulo II levou dois. Nos dois casos, a artéria aorta escapou por milímetros e tanto um quanto outro atribuíram a salvação a um milagre. Os mandantes por trás do atentado ao papa ainda são desconhecidos, mas a possibilidade de que algum governo comunista estivesse envolvido é uma das mais fortes.
No final de 1981, o governo polonês fechou o Solidariedade e prendeu seus líderes. Mas eles não podiam colocar o papa na cadeia. João Paulo II continuou criticando os comunistas, lá de Roma. Em 1985, na União Soviética, Mykhail Gorbachev chegou ao poder. Gorbachev surgiu dentro do Partido Comunista, dentro do sistema, mas a crise convenceu-o de que as reformas eram necessárias. Uma das primeiras coisas que ele fez como líder soviético foi conversar com o papa. Começava a perestroika, a abertura soviética. O papa diria que "a perestroika é uma continuação do Solidariedade".
Contra o comunismo, João Paulo II usava as armas que tinha: diplomacia agressiva, espionagem, encontros secretos. E, claro, fé. No dia 27 de outubro de 1986, reuniu em Assis, Itália, dezenas de líderes religiosos. Lá estavam o rabino-chefe de Roma, o Dalai Lama, bispos ortodoxos, monges budistas, líderes muçulmanos, índios americanos, todos rezando pela paz no mundo. Naquele dia, a pedido do papa, houve uma trégua mundial, respeitada em várias nações em guerra.
As pessoas próximas do papa dizem que ele acredita sinceramente que aquelas preces foram tão decisivas para colocar fim à guerra fria quanto sua aliança secreta com Reagan. Talvez mais. Assim é João Paulo II: um político frio, com mente estratégica. Mas, ao mesmo tempo, um religioso fervoroso que acredita na força da fé.
Quando o governo polonês, pressionado, reconheceu o Solidariedade, libertou Walesa e convocou eleições, o papa era uma das pessoas mais populares do mundo. Um pacifista admirado, um líder capaz de parar guerras e de juntar membros de várias religiões - mais do que qualquer antecessor seu, ele atuou para que a Igreja fizesse as pazes com outras crenças. Como na Idade Média, o cargo de papa tinha influência sobre o mundo todo.
E aí o comunismo caiu.
Anos amargos
Quando o papa voltou à Polônia, em 1991, ele estava furioso. "Vocês não devem confundir liberdade com imoralidade", discursava. Ele tinha previsto o fim do comunismo, mas não imaginava que, no seu lugar, surgiriam novidades: aborto, prostituição, pornografia, consumismo. Desde a infância, Karol tinha sonhado que a Polônia ainda seria um país guiado por Cristo. Mas os poloneses rejeitaram esse sonho. Livres do Partido Comunista, eles não queriam viver sob o domínio da Igreja. A Polônia virou mais um "país ocidental".
Não foi só na sua terra natal que ele sentiu-se desprezado. Antes da Guerra do Golfo, em 1991, ele pediu ao presidente americano George Bush, o pai, que negociasse com Saddam Hussein. Foi ignorado. Meses depois se ofereceu para as negociações entre Israel e os palestinos. O governo israelense recusou. Sem o comunismo, sua importância política já não era a mesma.
João Paulo II tentou então encontrar uma outra guerra para lutar: dessa vez contra a decadência dos costumes. Isso levou-o a assumir posições impopulares. Médicos e ativistas o acusaram de ser responsável pela morte de milhões ao condenar os preservativos mesmo em países infestados pela aids. Outro golpe na popularidade papal foi o escândalo de pedofilia na igreja norte-americana, em 2002, que deu combustível às críticas ao celibato dos padres.
Em 1994, a ONU organizou uma conferência contra a explosão demográfica. O papa criou uma verdadeira operação de guerra para evitar as recomendações de métodos anticoncepcionais e por práticas seguras de aborto. Bispos do mundo inteiro começaram a pressionar seus governos e o Vaticano fez acordos com algumas das ditaduras mais retrógradas do mundo, incluindo o Irã e a Líbia. A paquistanesa Nafis Sadik, então subsecretária da ONU para População e Desenvolvimento, diria depois: "Por que ele tem o coração tão duro? Por que é tão dogmático, tão destituído de bondade?" Num livro lançado em fevereiro de 2005 no Brasil, o papa relativiza até um dos valores mais entranhados do nosso tempo: a democracia. Ele diz que o importante é viver com Cristo - e questiona as democracias laicas, que ele considera uma nova forma de totalitarismo.
João Paulo II também lutou dentro da Igreja. Reverteu mudanças liberalizantes do Concílio Vaticano Segundo e começou a perseguir dissidentes. Sob o comando do cardeal alemão Joseph Ratzinger, a Congregação pela Doutrina da Fé, órgão do Vaticano que sucedeu à Inquisição, acusou muitos clérigos e teólogos. Qualquer um que ousou defender casamento de padres, ordenação de mulheres ou outras teses polêmicas foi obrigado a se calar. Os julgamentos não davam direito à defesa e alguns réus nem sabiam que estavam sendo investigados. Opositores do papa começaram logo a fazer comparações com os tribunais stalinistas.
Uma das regiões do mundo onde mais gente foi punida por Roma foi a América Latina. Por aqui, assim como na Polônia, o povo viveu sob ditaduras sanguinárias durante a guerra fria - só que as nossas não eram comunistas. Desde os anos 1970, bispos latino-americanos desenvolveram uma nova maneira de ver a religião: a teologia da libertação. Eles pregavam um retorno aos primeiros tempos do cristianismo, quando as comunidades viviam sob o jugo do Império Romano. Seria função da Igreja resistir à opressão e defender os pobres contra os ricos.
Os teólogos da libertação ajudaram a eleger Karol papa em 1978 porque gostavam de seu histórico de inimigo da ditadura e da opressão. Mas João Paulo II olhava para eles e via uma coisa só: comunismo. O frei brasileiro Leonardo Boff foi um dos homens expulsos da Igreja por professar esse tipo de idéia. Ele não quis dar entrevista à Super. "Este papa me perseguiu por anos. Não vou falar mais nada sobre ele enquanto ele estiver vivo", disse.
Agora, aos 84 anos, sofrendo de mal de Parkinson e com dificuldades de falar, respirar e andar, o papa parou com suas viagens antes freqüentes e quase não aparece mais em público. Roma chega a 2005 sem ter o comunismo para enfrentar, mas seus outros problemas são os mesmos de 1978: poucos fiéis, poucos padres, a religião ausente da sociedade e das decisões.
E agora?
Por mais que seja falta de educação falar da morte do papa, é óbvio que muita gente dentro da Igreja tem discutido o futuro. Afinal, depois de quase 27 anos sob o pulso firme de João Paulo II, para onde se deve seguir?
Há os que defendem que se mantenha o rumo. Ratzinger, eminência parda do pontificado de Wojtila, tem dito que não há o que reformar no cristianismo. A Igreja, para ele, não tem de se preocupar com popularidade ou com pesquisas de opinião. Os cristãos devem se preparar para "existir em grupos pequenos, aparentemente insignificantes, que, mesmo assim, vivem uma luta intensa contra o mal", escreveu. Uma Igreja menor, mas mais forte.
Ao mesmo tempo, estão pipocando idéias de mudanças. Os mais radicais falam em abolir o celibato dos padres e ordenar mulheres - para atrair mais sacerdotes - e em fazer concessões aos métodos anticoncepcionais, ao aborto e à pesquisa com células-tronco.
Um clamor mais comum é pela redução do poder papal, deixando a Igreja mais próxima do que era no século 1 e mais distante da Idade Média. A idéia é tirar do papa o papel de monarca e torná-lo uma fonte de inspiração e um árbitro para o debate democrático de idéias entre fiéis. "Talvez haja um Gorbachev católico escondido entre os cardeais", escreveu Hans Küng, um dos teólogos expulsos da Igreja por João Paulo II. Küng está entre os que acham que as condições para uma enorme reforma estão no ar. Claro que quase ninguém fala abertamente nisso. Mas, em 1989, ninguém tampouco falava que o comunismo estava prestes a acabar.
"Queremos Deus!"
Refrão gritado pela multidão quando João Paulo II visitou a Polônia comunista
"João Paulo II e Reagan formaram uma das maiores alianças secretas de todos os tempos"
Richard Allen, secretário de Segurança Nacional de Ronald Reagan
"Peço perdão, em nome de todos os católicos, por todas as injustiças contra os não-católicos no decorrer da história"
João Paulo II
"A Igreja não tem necessidade de recorrer a sistemas e ideologias"
João Paulo II, criticando a teologia da libertação
"É a sua consciência que deve decidir sobre a renúncia"
Cardeal Angelo Sodano, secretário de Estado do Vaticano, em 2005, dando a entender que João Paulo II estava doente demais para governar
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No dia 4 de junho de 1989, houve eleições para o senado na Polônia. Não era uma eleição qualquer: pela primeira vez os poloneses tinham alguma chance de escolher depois de quase meio século de ditadura comunista. O resultado das urnas foi devastador. Das 262 cadeiras do senado, 261 ficaram para o partido de oposição, o Solidariedade.
O governo comunista cairia dois meses depois. Era o fim do comunismo na Polônia. E não só lá. Um a um os governos do Leste Europeu desmoronaram. No fim de 1989 o que fora um poderoso bloco tinha virado pó. A Polônia foi o primeiro dominó. E ninguém lá teve dúvidas sobre quem empurrou esse dominó. "A culpa é da Igreja", disse o ditador derrotado, general Wojciech Jaruzelski. O primeiro ato do vitorioso líder do Solidariedade, Lech Walesa, foi pegar um avião para Roma. Ele queria agradecer a João Paulo II. A Igreja Católica estava no centro do mundo. E o papa era "o pivô em torno do qual a história girou", nas palavras de Marco Politi e Carl Bernstein, autores de Sua Santidade, uma excelente biografia do papa.
João Paulo II fez história. Quem olha para seu corpo curvado, 15 anos depois, talvez tenha dificuldade para enxergar o homem forte, obstinado e astuto que ele foi. Não dá mais para negar que seu papado está perto do fim. É hora de olhar para trás para entender seu legado. E de olhar para frente para descobrir para onde a Igreja vai depois dele. Mas antes é preciso responder duas perguntas.
Quem é ele?
João Paulo II nasceu em 18 de maio de 1920 na cidadezinha polonesa de Vadovice - e recebeu o nome de Karol Wojtyla. Para entender o destino desse menino é preciso antes compreender que país era aquele no qual ele veio ao mundo.
A Polônia não teve um século 19 fácil. Encurralada entre três nações francamente imperialistas - Alemanha, Rússia e Áustria - esse país imenso, agrário e pobre estava sempre sob ameaça de ser varrido do mapa. Foi o que aconteceu em 1865. O Reino da Polônia foi abolido, engolido pelos vizinhos. Até a Primeira Guerra Mundial, a Polônia simplesmente não existiu. Falar polonês era punido como crime. Demonstrar orgulho nacional era proibido.
Mas a identidade polonesa sobreviveu na clandestinidade. Uma forma de preservá-la era ler a literatura épica de autores nacionalistas. Outro ato de amor à pátria era ser católico. A Polônia é um país majoritariamente católico há mil anos e está cercada por vizinhos protestantes e ortodoxos. Ser católico sempre foi sinônimo de ser patriota. Uma oração solitária dentro de casa era uma forma de resistir.
Com o fim da Primeira Guerra, a Polônia finalmente voltou a existir como nação. Mas continuou cercada de inimigos - Karol nasceu bem no meio de uma guerra contra os soviéticos. Desde criança, em Vadovice, Karol foi um católico fervoroso, capaz de entrar numa espécie de transe enquanto passava horas rezando. Mas, antes de ser católico, Karol era um nacionalista.
Em 1939, Hitler invadiu a Polônia, iniciando a Segunda Guerra Mundial. Naquela época, Karol queria ser ator e, segundo relatos, tinha muito talento para isso. Interpretava com paixão textos épicos de autores poloneses. O jovem de 19 anos era forte e atlético, mas nunca teve vocação para a violência. Ele queria ajudar a Polônia a vencer a guerra, mas estava decidido a fazer isso "ganhando os espíritos". O teatro nacionalista seria sua arma.
Foi uma surpresa para todos os seus amigos quando ele anunciou, em 1942, que queria virar padre. Karol mudava de carreira, mas não de objetivo. Sua intenção continuava sendo a mesma: "ganhar espíritos", manter viva a identidade polonesa. Os invasores nazistas tinham proibido as missas e fechado todos os seminários, numa afronta à religiosidade polonesa. Portanto, estudar para ser padre era um ato subversivo.
Com o fim da guerra, os soviéticos expulsaram os nazistas, mas a vida dos padres continuou difícil. Afinal, os comunistas rejeitavam a religião. Karol manteve a mesma postura: de resistência firme e tranqüila. Sua forma de combater o comunismo era ensinar os valores católicos, ajudar as pessoas a levar uma vida guiada por Cristo. Sua fé profunda, seus princípios firmes, seu carisma e seu talento diplomático - que o fez ser tolerado pelo governo comunista - garantiram uma subida rápida na hierarquia da Igreja.
Quando chegaram os anos 1960, na Polônia comunista, a Igreja era respeitada e admirada e atraía muita gente. Enquanto isso, no Ocidente, a Igreja ia mal. Era a década da liberação sexual e os fiéis estavam desaparecendo. Em 1962, o papa João XXIII chamou todos os bispos do mundo a Roma. Seu objetivo: modernizar o catolicismo para atrair os cristãos de volta. Começava o Concílio Vaticano Segundo. Karol Wojtila, recém-promovido a bispo, foi um dos convidados. No concílio, ele esteve quase sempre do lado derrotado, defendendo o estilo austero e tradicionalista da igreja polonesa. Sua participação foi discreta, mas segura. E chamou a atenção de Paulo VI, sucessor de João XXIII (que morreu em 1963).
O novo papa passou a ouvir Karol com atenção. O polonês teve grande influência no documento papal de 1968 que condenava os anticoncepcionais artificiais. Ele já era um cardeal respeitado por toda parte quando Paulo VI morreu, em agosto de 1978. João Paulo I, seu sucessor, durou só 33 dias no cargo e morreu também. Chegava a hora de Karol Wojtila. Com 99 dos 108 votos do cardeais, ele se elegeu e homenageou seus três antecessores (João XXIII, Paulo VI e João Paulo I) escolhendo o nome de João Paulo II.
Antes de contar a história de seu papado, vale a pena entender que cargo é esse que Karol assumiu.
O que é um papa?
A resposta tradicional a essa pergunta é simples: papa é o sucessor direto do apóstolo Pedro, que recebeu de Jesus em pessoa a incumbência de comandar sua Igreja, em Roma. João Paulo II tem a mesma tarefa que já foi de São Pedro.
Mas o estudo de documentos antigos mostra que, no início, a Igreja não era centralizada como hoje. Havia comunidades cristãs em várias cidades, cada uma com seu bispo, e cada bispo cuidava dos assuntos locais. O de Roma não estava acima dos outros. Pedro "estava longe de ser um monarca espiritual, ou mesmo um governante único", escreveu o teólogo alemão Hans Küng, em A Igreja Católica. Não havia um papa - e por muitos séculos foi assim.
Os cristãos estavam espalhados pelo Império Romano, em condições de pobreza, enfrentando perseguições cruéis. Essa situação mudou radicalmente graças a uma visão. Foi em 312: uma cruz apareceu no céu para o imperador Constantino, dias antes de uma batalha decisiva, que ele acabou vencendo. Em 313 os cristãos receberam liberdade de religião, em 315 o castigo da crucificação foi abolido, em 321 o domingo virou oficialmente feriado. Em 337, Constantino morreu. Seu filho Teodósio começou a perseguir as outras religiões. O cristianismo, nascido entre pobres numa periferia rural, virava de repente a religião do Estado.
No século 5, o Império Romano caiu. A Europa caiu nas mãos dos bárbaros, incultos e analfabetos, e aí sobrou um só vestígio do esplendor imperial: o bispo de Roma, já então chamado de papa. Ele era para o povo um resto de ordem e autoridade numa época tomada pelo caos. Naquele mundo, só o clero sabia ler - e os bispos, além de autoridade religiosa, começaram a acumular o poder civil. Começava a Idade Média.
No século 12, o papa tornou-se o homem mais poderoso do Ocidente - ele tinha terra e ouro, resolvia disputas entre nobres, abençoava reis para que sua autoridade fosse reconhecida. Nessa época, a Igreja e a religião estavam no centro da vida. O cristianismo não era para ser lembrado só no apuro ou na missa de domingo - era uma presença constante, guiando cada ação de pessoas ou de governos. O papa era coroado como um rei e sua autoridade agora se aplicava sobre toda a Igreja. É claro que tanto poder atraiu aventureiros e o trono papal foi ocupado por homens que podiam ser tudo, menos santos. No final da Idade Média, ladrões, assassinos e depravados viraram papas.
A insatisfação com a corrupção em Roma era grande e, no século 16, Lutero iniciou a Reforma Protestante, que tirou do papa o poder sobre o norte da Europa. Mas o maior golpe foi um modo de pensar que surgiu na mesma época - a história chama-o de iluminismo. Para resumir, iluminismo é a idéia de que a a vida deve ser guiada pela razão, e não pela vontade divina. Esse movimento se espalhou pela Europa como um incêndio. E, com o domínio da razão, veio a decadência da Igreja.
Desde então, Roma tem passado muito tempo na defensiva, lutando contra tudo de novo. Primeiro, o inimigo era a ciência - pensadores foram queimados pela Inquisição ou forçados a abandonar suas idéias. Com isso, o conhecimento científico nos países católicos passou a andar bem mais devagar que nos protestantes. Depois, no século 18, o papa Pio VI esbravejava contra "a abominável filosofia dos direitos humanos", defendida pela Revolução Francesa (que matou padres na guilhotina e confiscou terrenos da Igreja). No século 19, Roma voltou-se contra a industrialização: os papas atacavam as ferrovias, o gás, a iluminação.
A Igreja, deposta do papel de dona do mundo, virou inimiga declarada da modernidade. E, como a modernidade é uma inimiga poderosa, o papa foi ficando mais e mais irrelevante. A Igreja chegou à metade do século 20 sem poder político, com fiéis abandonando as missas e cada vez menos padres.
Nos anos 60, surgiu a idéia de que era preciso fazer as pazes com a modernidade. Foi aí que João XXIII convocou o Concílio Vaticano Segundo e que a história de Karol se cruzou com esta história aqui. O concílio acabou com missas em latim e acrescentou pitadas de democracia na sua própria organização. Mas manteve várias tradições. A posição dura sobre anticoncepcionais não se alterou, casamentos de padres e ordenações de mulheres nem puderam ser discutidos. E o papa continuou sendo tratado como na Idade Média: um monarca absolutista.
Em 1978, quando João Paulo I morreu, o maior problema do mundo era a guerra fria - um conflito entre protestantes americanos e ateus soviéticos. A Igreja vivia criticando o consumismo de uns e a falta de liberdade religiosa de outros, mas era quase sempre ignorada. Aí Karol virou papa. E Roma viu a chance de voltar a um lugar de onde saíra fazia séculos: o centro do mundo.
Anos de glória
João Paulo II não perdeu tempo. Eleito papa, ele rezou a missa inaugural em 22 de outubro de 1978. No dia 23, mandou uma mensagem pública aos poloneses: "quero muito estar com vocês no 900º aniversário do martírio de São Estanislau". São Estanislau é o padroeiro da Polônia e o aniversário de 900 anos de sua morte foi em 1979.
Isso não era coisa corriqueira. Nunca um papa entrara no bloco comunista. O dirigente soviético Leonid Brejnev ligou para a Polônia e ordenou que a visita fosse recusada. Mas os poloneses queriam ver o papa. Se as autoridades negassem havia chances até de revolta. Mesmo os dirigentes do país, como bons poloneses, eram católicos antes de comunistas. Não podiam impedir um papa polonês de voltar para casa.
A visita durou oito dias em junho de 1979. Cada discurso de João Paulo II foi presenciado por centenas de milhares de pessoas, às vezes mais de 1 milhão - homens e mulheres em lágrimas e aos berros, exibindo a cruz e a bandeira polonesa. O papa foi recebido pelo refrão "queremos Deus". No palanque, gritava: "vocês precisam ser fortes com a força que vem da fé" e "não é preciso ter medo, as fronteiras têm de ser abertas". O efeito psicológico foi imenso. De repente, a opressão comunista pareceu pequena diante dele. Calcula-se que, naquela semana, um de cada três poloneses viu o papa pessoalmente.
Um deles foi Lech Walesa, que, no ano seguinte, fundou o Solidariedade, na época um sindicato, a primeira organização de oposição no mundo comunista. Walesa usava um broche com uma imagem da Virgem e uma caneta com a foto do papa. É inegável que João Paulo II foi uma inspiração fortíssima.
Segundo os biógrafos do papa, uma pessoa que assistiu pela TV, com lágrimas nos olhos, os discursos na Polônia foi o candidato republicano à presidência dos Estados Unidos. Ronald Reagan tinha coisas em comum com João Paulo II. Também era um ex-ator - só que, em vez de peças clássicas polonesas, estrelou filmes de faroeste. Os dois eram carismáticos e excelentes comunicadores. Outro ponto de contato é que ambos acreditavam profundamente que o comunismo é mau na essência - e, portanto, destinado à derrota. Por outro lado, o papa é um intelectual, com sólida formação em filosofia, e Reagan era um bronco. O papa é um homem espiritual, que condena o consumismo. Reagan era um materialista, que achava que o comunismo é ruim porque, naquele sistema, "se alguém resolvesse comprar um carro, teria de esperar dez anos pela entrega".
Apesar das diferenças, eles se entenderam. O papa perdoava as extravagâncias do presidente diante da convicção de que ele era um "instrumento de Deus" para uma obra maior. O secretário de Segurança Nacional de Reagan, Richard Allen, diria depois que os dois formaram "uma das maiores alianças secretas de todos os tempos". A partir de 1981, o papa recebeu gente da CIA no Vaticano pelo menos 15 vezes. Nesses encontros, os americanos contavam a João Paulo II sobre suas estratégias no mundo inteiro e passavam informações do serviço secreto, inclusive fotos de satélite da Polônia. Já o papa dava notícias de Walesa e do Solidariedade e transmitia dados coletados pela extensa rede de bispos e padres da Igreja Católica - Allen diria que o serviço de inteligência do Vaticano "é de primeira classe". O Vaticano adotou também a política de nunca criticar os americanos, mesmo se isso significasse apoiar ditaduras na América Latina.
Em 1981, a aliança esteve perto de acabar tragicamente. Em fevereiro, Reagan levou um tiro. Em maio, João Paulo II levou dois. Nos dois casos, a artéria aorta escapou por milímetros e tanto um quanto outro atribuíram a salvação a um milagre. Os mandantes por trás do atentado ao papa ainda são desconhecidos, mas a possibilidade de que algum governo comunista estivesse envolvido é uma das mais fortes.
No final de 1981, o governo polonês fechou o Solidariedade e prendeu seus líderes. Mas eles não podiam colocar o papa na cadeia. João Paulo II continuou criticando os comunistas, lá de Roma. Em 1985, na União Soviética, Mykhail Gorbachev chegou ao poder. Gorbachev surgiu dentro do Partido Comunista, dentro do sistema, mas a crise convenceu-o de que as reformas eram necessárias. Uma das primeiras coisas que ele fez como líder soviético foi conversar com o papa. Começava a perestroika, a abertura soviética. O papa diria que "a perestroika é uma continuação do Solidariedade".
Contra o comunismo, João Paulo II usava as armas que tinha: diplomacia agressiva, espionagem, encontros secretos. E, claro, fé. No dia 27 de outubro de 1986, reuniu em Assis, Itália, dezenas de líderes religiosos. Lá estavam o rabino-chefe de Roma, o Dalai Lama, bispos ortodoxos, monges budistas, líderes muçulmanos, índios americanos, todos rezando pela paz no mundo. Naquele dia, a pedido do papa, houve uma trégua mundial, respeitada em várias nações em guerra.
As pessoas próximas do papa dizem que ele acredita sinceramente que aquelas preces foram tão decisivas para colocar fim à guerra fria quanto sua aliança secreta com Reagan. Talvez mais. Assim é João Paulo II: um político frio, com mente estratégica. Mas, ao mesmo tempo, um religioso fervoroso que acredita na força da fé.
Quando o governo polonês, pressionado, reconheceu o Solidariedade, libertou Walesa e convocou eleições, o papa era uma das pessoas mais populares do mundo. Um pacifista admirado, um líder capaz de parar guerras e de juntar membros de várias religiões - mais do que qualquer antecessor seu, ele atuou para que a Igreja fizesse as pazes com outras crenças. Como na Idade Média, o cargo de papa tinha influência sobre o mundo todo.
E aí o comunismo caiu.
Anos amargos
Quando o papa voltou à Polônia, em 1991, ele estava furioso. "Vocês não devem confundir liberdade com imoralidade", discursava. Ele tinha previsto o fim do comunismo, mas não imaginava que, no seu lugar, surgiriam novidades: aborto, prostituição, pornografia, consumismo. Desde a infância, Karol tinha sonhado que a Polônia ainda seria um país guiado por Cristo. Mas os poloneses rejeitaram esse sonho. Livres do Partido Comunista, eles não queriam viver sob o domínio da Igreja. A Polônia virou mais um "país ocidental".
Não foi só na sua terra natal que ele sentiu-se desprezado. Antes da Guerra do Golfo, em 1991, ele pediu ao presidente americano George Bush, o pai, que negociasse com Saddam Hussein. Foi ignorado. Meses depois se ofereceu para as negociações entre Israel e os palestinos. O governo israelense recusou. Sem o comunismo, sua importância política já não era a mesma.
João Paulo II tentou então encontrar uma outra guerra para lutar: dessa vez contra a decadência dos costumes. Isso levou-o a assumir posições impopulares. Médicos e ativistas o acusaram de ser responsável pela morte de milhões ao condenar os preservativos mesmo em países infestados pela aids. Outro golpe na popularidade papal foi o escândalo de pedofilia na igreja norte-americana, em 2002, que deu combustível às críticas ao celibato dos padres.
Em 1994, a ONU organizou uma conferência contra a explosão demográfica. O papa criou uma verdadeira operação de guerra para evitar as recomendações de métodos anticoncepcionais e por práticas seguras de aborto. Bispos do mundo inteiro começaram a pressionar seus governos e o Vaticano fez acordos com algumas das ditaduras mais retrógradas do mundo, incluindo o Irã e a Líbia. A paquistanesa Nafis Sadik, então subsecretária da ONU para População e Desenvolvimento, diria depois: "Por que ele tem o coração tão duro? Por que é tão dogmático, tão destituído de bondade?" Num livro lançado em fevereiro de 2005 no Brasil, o papa relativiza até um dos valores mais entranhados do nosso tempo: a democracia. Ele diz que o importante é viver com Cristo - e questiona as democracias laicas, que ele considera uma nova forma de totalitarismo.
João Paulo II também lutou dentro da Igreja. Reverteu mudanças liberalizantes do Concílio Vaticano Segundo e começou a perseguir dissidentes. Sob o comando do cardeal alemão Joseph Ratzinger, a Congregação pela Doutrina da Fé, órgão do Vaticano que sucedeu à Inquisição, acusou muitos clérigos e teólogos. Qualquer um que ousou defender casamento de padres, ordenação de mulheres ou outras teses polêmicas foi obrigado a se calar. Os julgamentos não davam direito à defesa e alguns réus nem sabiam que estavam sendo investigados. Opositores do papa começaram logo a fazer comparações com os tribunais stalinistas.
Uma das regiões do mundo onde mais gente foi punida por Roma foi a América Latina. Por aqui, assim como na Polônia, o povo viveu sob ditaduras sanguinárias durante a guerra fria - só que as nossas não eram comunistas. Desde os anos 1970, bispos latino-americanos desenvolveram uma nova maneira de ver a religião: a teologia da libertação. Eles pregavam um retorno aos primeiros tempos do cristianismo, quando as comunidades viviam sob o jugo do Império Romano. Seria função da Igreja resistir à opressão e defender os pobres contra os ricos.
Os teólogos da libertação ajudaram a eleger Karol papa em 1978 porque gostavam de seu histórico de inimigo da ditadura e da opressão. Mas João Paulo II olhava para eles e via uma coisa só: comunismo. O frei brasileiro Leonardo Boff foi um dos homens expulsos da Igreja por professar esse tipo de idéia. Ele não quis dar entrevista à Super. "Este papa me perseguiu por anos. Não vou falar mais nada sobre ele enquanto ele estiver vivo", disse.
Agora, aos 84 anos, sofrendo de mal de Parkinson e com dificuldades de falar, respirar e andar, o papa parou com suas viagens antes freqüentes e quase não aparece mais em público. Roma chega a 2005 sem ter o comunismo para enfrentar, mas seus outros problemas são os mesmos de 1978: poucos fiéis, poucos padres, a religião ausente da sociedade e das decisões.
E agora?
Por mais que seja falta de educação falar da morte do papa, é óbvio que muita gente dentro da Igreja tem discutido o futuro. Afinal, depois de quase 27 anos sob o pulso firme de João Paulo II, para onde se deve seguir?
Há os que defendem que se mantenha o rumo. Ratzinger, eminência parda do pontificado de Wojtila, tem dito que não há o que reformar no cristianismo. A Igreja, para ele, não tem de se preocupar com popularidade ou com pesquisas de opinião. Os cristãos devem se preparar para "existir em grupos pequenos, aparentemente insignificantes, que, mesmo assim, vivem uma luta intensa contra o mal", escreveu. Uma Igreja menor, mas mais forte.
Ao mesmo tempo, estão pipocando idéias de mudanças. Os mais radicais falam em abolir o celibato dos padres e ordenar mulheres - para atrair mais sacerdotes - e em fazer concessões aos métodos anticoncepcionais, ao aborto e à pesquisa com células-tronco.
Um clamor mais comum é pela redução do poder papal, deixando a Igreja mais próxima do que era no século 1 e mais distante da Idade Média. A idéia é tirar do papa o papel de monarca e torná-lo uma fonte de inspiração e um árbitro para o debate democrático de idéias entre fiéis. "Talvez haja um Gorbachev católico escondido entre os cardeais", escreveu Hans Küng, um dos teólogos expulsos da Igreja por João Paulo II. Küng está entre os que acham que as condições para uma enorme reforma estão no ar. Claro que quase ninguém fala abertamente nisso. Mas, em 1989, ninguém tampouco falava que o comunismo estava prestes a acabar.
"Queremos Deus!"
Refrão gritado pela multidão quando João Paulo II visitou a Polônia comunista
"João Paulo II e Reagan formaram uma das maiores alianças secretas de todos os tempos"
Richard Allen, secretário de Segurança Nacional de Ronald Reagan
"Peço perdão, em nome de todos os católicos, por todas as injustiças contra os não-católicos no decorrer da história"
João Paulo II
"A Igreja não tem necessidade de recorrer a sistemas e ideologias"
João Paulo II, criticando a teologia da libertação
"É a sua consciência que deve decidir sobre a renúncia"
Cardeal Angelo Sodano, secretário de Estado do Vaticano, em 2005, dando a entender que João Paulo II estava doente demais para governar
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Autores que escrevem sobre nada !!!
AUTORES QUE ESCREVAM SOBRE NADA !!!
A nossa literatura carece de grandes autores que saibam tecer bem histórias sobre nada. Pode soar estranho ou mesmo paradoxal, mas assim se atingirá uma gigantesca parcela da população que ainda não começou a enveredar pelos deliciosos caminhos literários.
Infelizmente, como se sabe, o brasileiro lê pouco e em grande parte por causa dessa falta de escritores nacionais que saibam escrever sobre temas corriqueiros, mas agradáveis ao leitor. As novelas estão aí para provar. Cada vez mais aumenta o número de telespectadores que assistem a elas na ânsia de se entreterem com uma grande quantidade de nada. É claro que há aí, nesse contexto, uma gana por contemplar uma vida às vezes tão distante da real ou às vezes tão próximo dela. Mas há, também, essa grande vontade de entreter-se com nada. De não ter que pensar, talvez não por preguiça, mas sim como uma válvula de escape ao estresse diário.
É também pelo mesmo motivo que os filmes de ação e aventura são os mais bem cotados da indústria cinematográfica de Hollywood. Quem nunca sentiu um enorme prazer em ir ao cinema simplesmente para ver um filme cheio de tiros, mortes, ou mesmo um romance "água-com-açúcar", que atire a primeira pedra. O ser humano carece tanto de momentos de reflexão e sapiência quanto de entretenimento e descanso. Mas nossos críticos literários parecem não ver isso e continuam crucificando todo e qualquer livro que não traga "um algo a mais" para o leitor. E nossa população continua a ler cada vez menos.
Não é apenas por esse motivo, entretanto, que a população tem se afastado dos livros. Além das nem sempre eficazes medidas e estímulos educacionais de nosso governo, pode-se perceber nos adolescentes (e por conseqüência nos adultos) uma "macunaímica" preguiça de ler. Isso deve-se não somente aos videogames, mas, também, ao grande abismo que há entre a literatura infantil e a adulta. Há uma deficiência de livros que façam a transição entre O Patinho Feio e Memórias Póstumas de Brás Cubas. Ou até mesmo de clássicos infanto-juvenis, como O Mistério do Cinco Estrelas e O Escaravelho do Diabo, para obras de escritores "maiores" como Drummond, Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto e Euclides da Cunha.
É exatamente aí que se encaixam os autores que escrevem sobre nada. Apesar de haver no mercado um sem número de obras escritas sobre esse assunto, quase todas são de autores estrangeiros. Não há uma identidade nacional nesses livros e o adolescente de hoje, quando começa a tomar gosto pela leitura, seja lendo Sidney Sheldon ou Tolkien, ao descobrir os escritores nacionais desiste por haver metafísica demais para ele. Parece heresia? Pois imagine um garoto que leu apenas um ou dois livros em sua vida abrindo Sagarana, curioso. Seria um trauma! Precisamos de livros que preparem o nosso futuro literário (as crianças e adolescentes) para maravilhas como essa de Guimarães Rosa. Caso contrário, o choque é avassalador.
Precisamos nos orgulhar dos nossos bons escritores e livros sobre o nada. Paulo Coelho é um herege, um Judas para a crítica tupiniquim. Por outro lado, J.K. Rowling, a autora de Harry Potter, é uma deusa na Inglaterra. Pois será que o nosso escritor precisaria ter criado um bruxinho de vassoura e varinha para ser agraciado? Ou será que só o fato de ele escrever para o entretenimento e com isso levar a literatura brasileira, não só aos nossos pequenos leitores, mas ao mundo, não seria o suficiente? Ninguém começa a ler por Macunaíma. Precisamos nos conscientizar disso. Há um longo caminho até a chegada do gosto e prazer pela leitura de Mário de Andrade, por exemplo.
Não afirmo, porém, que devemos nos limitar apenas à literatura infanto-juvenil ou à voltada para o entretenimento pura e simplesmente. Obviamente, é necessário também uma carga cultural intrínseca.
Deve-se, sim, continuar a aumentar nosso acervo preeminente, mas se não houver uma importante reflexão sobre como instigar a leitura nos jovens, boa parte da população brasileira viverá (ou continuará a viver) às margens da cultura literária. E os videogames venderão cada vez mais!
*Tem 18 anos, é professor de inglês e está com os cabelos raspados por ter passado no curso de Relações Internacionais da PUC-SP
A nossa literatura carece de grandes autores que saibam tecer bem histórias sobre nada. Pode soar estranho ou mesmo paradoxal, mas assim se atingirá uma gigantesca parcela da população que ainda não começou a enveredar pelos deliciosos caminhos literários.
Infelizmente, como se sabe, o brasileiro lê pouco e em grande parte por causa dessa falta de escritores nacionais que saibam escrever sobre temas corriqueiros, mas agradáveis ao leitor. As novelas estão aí para provar. Cada vez mais aumenta o número de telespectadores que assistem a elas na ânsia de se entreterem com uma grande quantidade de nada. É claro que há aí, nesse contexto, uma gana por contemplar uma vida às vezes tão distante da real ou às vezes tão próximo dela. Mas há, também, essa grande vontade de entreter-se com nada. De não ter que pensar, talvez não por preguiça, mas sim como uma válvula de escape ao estresse diário.
É também pelo mesmo motivo que os filmes de ação e aventura são os mais bem cotados da indústria cinematográfica de Hollywood. Quem nunca sentiu um enorme prazer em ir ao cinema simplesmente para ver um filme cheio de tiros, mortes, ou mesmo um romance "água-com-açúcar", que atire a primeira pedra. O ser humano carece tanto de momentos de reflexão e sapiência quanto de entretenimento e descanso. Mas nossos críticos literários parecem não ver isso e continuam crucificando todo e qualquer livro que não traga "um algo a mais" para o leitor. E nossa população continua a ler cada vez menos.
Não é apenas por esse motivo, entretanto, que a população tem se afastado dos livros. Além das nem sempre eficazes medidas e estímulos educacionais de nosso governo, pode-se perceber nos adolescentes (e por conseqüência nos adultos) uma "macunaímica" preguiça de ler. Isso deve-se não somente aos videogames, mas, também, ao grande abismo que há entre a literatura infantil e a adulta. Há uma deficiência de livros que façam a transição entre O Patinho Feio e Memórias Póstumas de Brás Cubas. Ou até mesmo de clássicos infanto-juvenis, como O Mistério do Cinco Estrelas e O Escaravelho do Diabo, para obras de escritores "maiores" como Drummond, Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto e Euclides da Cunha.
É exatamente aí que se encaixam os autores que escrevem sobre nada. Apesar de haver no mercado um sem número de obras escritas sobre esse assunto, quase todas são de autores estrangeiros. Não há uma identidade nacional nesses livros e o adolescente de hoje, quando começa a tomar gosto pela leitura, seja lendo Sidney Sheldon ou Tolkien, ao descobrir os escritores nacionais desiste por haver metafísica demais para ele. Parece heresia? Pois imagine um garoto que leu apenas um ou dois livros em sua vida abrindo Sagarana, curioso. Seria um trauma! Precisamos de livros que preparem o nosso futuro literário (as crianças e adolescentes) para maravilhas como essa de Guimarães Rosa. Caso contrário, o choque é avassalador.
Precisamos nos orgulhar dos nossos bons escritores e livros sobre o nada. Paulo Coelho é um herege, um Judas para a crítica tupiniquim. Por outro lado, J.K. Rowling, a autora de Harry Potter, é uma deusa na Inglaterra. Pois será que o nosso escritor precisaria ter criado um bruxinho de vassoura e varinha para ser agraciado? Ou será que só o fato de ele escrever para o entretenimento e com isso levar a literatura brasileira, não só aos nossos pequenos leitores, mas ao mundo, não seria o suficiente? Ninguém começa a ler por Macunaíma. Precisamos nos conscientizar disso. Há um longo caminho até a chegada do gosto e prazer pela leitura de Mário de Andrade, por exemplo.
Não afirmo, porém, que devemos nos limitar apenas à literatura infanto-juvenil ou à voltada para o entretenimento pura e simplesmente. Obviamente, é necessário também uma carga cultural intrínseca.
Deve-se, sim, continuar a aumentar nosso acervo preeminente, mas se não houver uma importante reflexão sobre como instigar a leitura nos jovens, boa parte da população brasileira viverá (ou continuará a viver) às margens da cultura literária. E os videogames venderão cada vez mais!
*Tem 18 anos, é professor de inglês e está com os cabelos raspados por ter passado no curso de Relações Internacionais da PUC-SP
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TV Pirata - Retrô da TV brasileira
TV PIRATA
Em 1988, um bando de piratas invadiu a televisão brasileira. Carregados até os dentes de humor debochado, paródias e escrachos, eles tomaram de assalto as noites de terça-feira e redefiniram o conceito de humorístico televisivo. Entrava no ar a TV Pirata, atração que duraria até 1990, reestreando para um "chorinho" em 1992.
Para o público acostumado aos tradicionais programas de humor com estereótipos batidos e comédia pastelão, foi um tapa na cara. E a maioria gostou. O pioneirismo da TV Pirata rendeu filhos diretos, como a criação do Casseta & Planeta. Se você ainda chupava chupeta quando essa trupe anarquizava a tela e quer entender, afinal, por que diabos se fala tanto do acontecimento, este é o lugar. Para os sortudos que acompanharam o fenômeno - cristalizado com a sacada de sair do ar antes do desgaste da fórmula - é hora de engrossar o coro das sete razões que fizeram da TV Pirata um programa inesquecível.
1. Uma abertura anárquica
Uma trupe de piratas invade uma emissora de TV. Perturbam a ordem, atropelam funcionários e, por fim, conquistam a ilha de edição, onde inserem uma fita e botam seu programa no ar. Na tela, o logo da TV Pirata - e a certeza de boas gargalhadas pela próxima hora
A imagem que ficou: Um pirata aperta o botão "Play" com sua mão de gancho. Em seguida, a tela chuvisca e começa a atração
2. A TV macho
Resposta ao TV Mulher, programa feminino exibido nos anos 80, era apresentada por Guilherme Karan. Na pele do troglodita Zeca Bordoada, ele usava camisa aberta no peito e mascava palito de dente
A imagem que ficou: Zeca fazia a barba com serra elétrica e recebia convidados como o costureiro que pregava que homem que é homem não usa "tecido", mas "pano". Famoso, o personagem virou até garoto-propaganda de uma marca de panelas. De pressão, é claro
3. Um time daqui, ó
A equipe reunia nomes de talento. Gente como Luiz Fernando Guimarães, Ney Latorraca, Marco Nanini, Guilherme Karan e Diogo Vilela encenava piadas criadas por Luis Fernando Verissimo, Bussunda e Laerte, entre outros. Tudo sob a batuta de Guel Arraes, que já havia dirigido Armação Ilimitada. Sacou o nível?
4. Paródias impagáveis
Uma das razões de ser da TV Pirata era esculhambar a programação televisiva. Nem a Globo, que veiculava a série, era poupada. O extinto A Palavra É Sua virou A Palavra É Minha, Ninguém Tasca, Eu Vi Primeiro; Sessão da Tarde descambou para a faixa Recessão da Tarde (com filmes como Apertem os Cintos, o Salário Sumiu). A sisuda novela Roda de Fogo transformou-se na hilária Fogo no Rabo
A imagem que ficou: A abertura de Fogo no Rabo mostrava uma mulher batendo a cinza do cigarro num pobre gato animado. Com o rabo em chamas, o felino dava um salto e disparava a música
5. O Barbosa
Ney Latorraca encarnou o personagem pela primeira vez em Fogo no Rabo. O velhinho só era capaz de repetir o próprio nome ou a última palavra das frases que lhe eram ditas. Fez tanto sucesso que migrou para outros quadros e ganhou o próprio talk show: Barbosa Nove e Meia
A imagem que ficou: Barbosa cresceu tanto que foi preciso matá-lo. Na esteira do mistério "Quem matou Odete Roitman?", a TV Pirata encenou o assassinato e lançou a pergunta "Quem matou Barbosa?". A resposta? O próprio Ney Latorraca, cansado de interpretar o velhote
6. A Tonhão
Cláudia Raia deixou de lado a pose de femme fatale para viver uma presidiária. A personagem tinha a meiga alcunha de Tonhão. De botinas, colete e touca na cabeça, ela mandava na cadeia no seriado As Presidiárias
A imagem que ficou: Como se não bastasse toda a falta de glamour do seu vestuário, Cláudia ainda aparecia com o rosto sujo e olheiras de dar medo. Cruzes!
7. Um punhado de personagens clássicos
O Casal Telejornal, vivido por Luiz Fernando Guimarães e Regina Casé, apresentava o noticiário na cozinha de casa. Ainda no jornalismo, Débora Bloch fazia Melissa Grendene, repórter com nome e sobrenome de sandália. Luiz Fernando também era o índio Cléverson na paródia novelesca Rala Rala. Em Fogo no Rabo o vilão Reginaldo (aquele que era "tão bom para mim") contava com a ajudado seu capanga Agronopolos, uma figura bizarra vivida por Guilherme Karan
A imagem que ficou: Como o índio Cléverson, Luiz cunhou o bordão "engraçado pra caramba" e queria escrever o romance Enterrem Minha Mandioca na Curva do Rio
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Em 1988, um bando de piratas invadiu a televisão brasileira. Carregados até os dentes de humor debochado, paródias e escrachos, eles tomaram de assalto as noites de terça-feira e redefiniram o conceito de humorístico televisivo. Entrava no ar a TV Pirata, atração que duraria até 1990, reestreando para um "chorinho" em 1992.
Para o público acostumado aos tradicionais programas de humor com estereótipos batidos e comédia pastelão, foi um tapa na cara. E a maioria gostou. O pioneirismo da TV Pirata rendeu filhos diretos, como a criação do Casseta & Planeta. Se você ainda chupava chupeta quando essa trupe anarquizava a tela e quer entender, afinal, por que diabos se fala tanto do acontecimento, este é o lugar. Para os sortudos que acompanharam o fenômeno - cristalizado com a sacada de sair do ar antes do desgaste da fórmula - é hora de engrossar o coro das sete razões que fizeram da TV Pirata um programa inesquecível.
1. Uma abertura anárquica
Uma trupe de piratas invade uma emissora de TV. Perturbam a ordem, atropelam funcionários e, por fim, conquistam a ilha de edição, onde inserem uma fita e botam seu programa no ar. Na tela, o logo da TV Pirata - e a certeza de boas gargalhadas pela próxima hora
A imagem que ficou: Um pirata aperta o botão "Play" com sua mão de gancho. Em seguida, a tela chuvisca e começa a atração
2. A TV macho
Resposta ao TV Mulher, programa feminino exibido nos anos 80, era apresentada por Guilherme Karan. Na pele do troglodita Zeca Bordoada, ele usava camisa aberta no peito e mascava palito de dente
A imagem que ficou: Zeca fazia a barba com serra elétrica e recebia convidados como o costureiro que pregava que homem que é homem não usa "tecido", mas "pano". Famoso, o personagem virou até garoto-propaganda de uma marca de panelas. De pressão, é claro
3. Um time daqui, ó
A equipe reunia nomes de talento. Gente como Luiz Fernando Guimarães, Ney Latorraca, Marco Nanini, Guilherme Karan e Diogo Vilela encenava piadas criadas por Luis Fernando Verissimo, Bussunda e Laerte, entre outros. Tudo sob a batuta de Guel Arraes, que já havia dirigido Armação Ilimitada. Sacou o nível?
4. Paródias impagáveis
Uma das razões de ser da TV Pirata era esculhambar a programação televisiva. Nem a Globo, que veiculava a série, era poupada. O extinto A Palavra É Sua virou A Palavra É Minha, Ninguém Tasca, Eu Vi Primeiro; Sessão da Tarde descambou para a faixa Recessão da Tarde (com filmes como Apertem os Cintos, o Salário Sumiu). A sisuda novela Roda de Fogo transformou-se na hilária Fogo no Rabo
A imagem que ficou: A abertura de Fogo no Rabo mostrava uma mulher batendo a cinza do cigarro num pobre gato animado. Com o rabo em chamas, o felino dava um salto e disparava a música
5. O Barbosa
Ney Latorraca encarnou o personagem pela primeira vez em Fogo no Rabo. O velhinho só era capaz de repetir o próprio nome ou a última palavra das frases que lhe eram ditas. Fez tanto sucesso que migrou para outros quadros e ganhou o próprio talk show: Barbosa Nove e Meia
A imagem que ficou: Barbosa cresceu tanto que foi preciso matá-lo. Na esteira do mistério "Quem matou Odete Roitman?", a TV Pirata encenou o assassinato e lançou a pergunta "Quem matou Barbosa?". A resposta? O próprio Ney Latorraca, cansado de interpretar o velhote
6. A Tonhão
Cláudia Raia deixou de lado a pose de femme fatale para viver uma presidiária. A personagem tinha a meiga alcunha de Tonhão. De botinas, colete e touca na cabeça, ela mandava na cadeia no seriado As Presidiárias
A imagem que ficou: Como se não bastasse toda a falta de glamour do seu vestuário, Cláudia ainda aparecia com o rosto sujo e olheiras de dar medo. Cruzes!
7. Um punhado de personagens clássicos
O Casal Telejornal, vivido por Luiz Fernando Guimarães e Regina Casé, apresentava o noticiário na cozinha de casa. Ainda no jornalismo, Débora Bloch fazia Melissa Grendene, repórter com nome e sobrenome de sandália. Luiz Fernando também era o índio Cléverson na paródia novelesca Rala Rala. Em Fogo no Rabo o vilão Reginaldo (aquele que era "tão bom para mim") contava com a ajudado seu capanga Agronopolos, uma figura bizarra vivida por Guilherme Karan
A imagem que ficou: Como o índio Cléverson, Luiz cunhou o bordão "engraçado pra caramba" e queria escrever o romance Enterrem Minha Mandioca na Curva do Rio
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ESPIÕES E SEUS TRUQUES
A dobradinha entre James Risen, jornalista do New York Times, e Milt Bearden, ex-agente da CIA, a Agência Central de Inteligência americana, rendeu um livro caudaloso. E que poderia muito bem ser um estrondoso thriller no cinema, tamanho o ritmo frenético em que os fatos acontecem.
James e Milt cobrem os tempos finais da Guerra Fria - de 1985, o chamado "Ano dos Espiões", quando muitos informantes americanos foram presos ou mortos em Moscou, até 1991, ano em que a derrocada da União Soviética sepultou as rivalidades. Os dois destrincham as meticulosas ações dos agentes americanos em Moscou e também o trabalho clandestino da CIA para "fustigar" os russos do Afeganistão. É uma aula de geopolítica. Dá para entender em minúcias por que raios Estados Unidos e Arábia Saudita viraram grandes aliados, as origens do Talibã e o surgimento de Bin Laden.
Entender todo esse contexto político é bom. Mas mais gostoso ainda é conhecer o cotidiano de uma equipe especializada em viver em território inimigo cometendo crime de espionagem. Apesar da narrativa no estilo "patriotada americana", o livro, que teve trechos censurados pela CIA, não se furta a revelar presepadas de seus agentes, a incapacidade da agência em competir com a velocidade das informações da CNN e o marasmo em que se encontrava no final da década de 1990. "Não passava de um serviço para tempos de paz atolado em batalhas burocráticas mesquinhas", afirmam os autores.
A dobradinha entre James Risen, jornalista do New York Times, e Milt Bearden, ex-agente da CIA, a Agência Central de Inteligência americana, rendeu um livro caudaloso. E que poderia muito bem ser um estrondoso thriller no cinema, tamanho o ritmo frenético em que os fatos acontecem.
James e Milt cobrem os tempos finais da Guerra Fria - de 1985, o chamado "Ano dos Espiões", quando muitos informantes americanos foram presos ou mortos em Moscou, até 1991, ano em que a derrocada da União Soviética sepultou as rivalidades. Os dois destrincham as meticulosas ações dos agentes americanos em Moscou e também o trabalho clandestino da CIA para "fustigar" os russos do Afeganistão. É uma aula de geopolítica. Dá para entender em minúcias por que raios Estados Unidos e Arábia Saudita viraram grandes aliados, as origens do Talibã e o surgimento de Bin Laden.
Entender todo esse contexto político é bom. Mas mais gostoso ainda é conhecer o cotidiano de uma equipe especializada em viver em território inimigo cometendo crime de espionagem. Apesar da narrativa no estilo "patriotada americana", o livro, que teve trechos censurados pela CIA, não se furta a revelar presepadas de seus agentes, a incapacidade da agência em competir com a velocidade das informações da CNN e o marasmo em que se encontrava no final da década de 1990. "Não passava de um serviço para tempos de paz atolado em batalhas burocráticas mesquinhas", afirmam os autores.
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DOUTOR AVENTURA
O que safenados e mergulhadores têm em comum? Astronautas podem ajudar no tratamento de fraturas? Essas perguntas são parte do trabalho do inglês Kevin Fong, médico e professor de fisiologia da University College de Londres (UCL), na Inglaterra. Membro do Centro de Aviação, Espaço e Ambientes Extremos da universidade, ele busca nos esportes radicais tratamentos para males que vão da osteoporose a problemas cardíacos. O raciocínio é simples: o comportamento do corpo humano em situações extremas pode dar pistas valiosas sobre nossas reações a doenças e acidentes.
Fong começou a pensar nisso quando trabalhava como anestesista em salas de emergência. Em 1999, ao receber vítimas de um ataque a bomba num pub londrino, viu que elas tinham ferimentos mais do que suficientes para matá-las. E mesmo assim seus corpos resistiam à pressão. Para estudar esse fenômeno, resolveu submeter o próprio corpo aos limites.
Aos 33 anos, Fong foi eleito pela revista Esquire uma das 100 personalidades jovens mais influentes do planeta. Sua rotina alterna seringas e salas de aula com mergulhos nas ilhas Fiji, escalada de montanhas na Malásia, expedições ao Himalaia e até vôos sem gravidade num avião da Nasa. Isso é que é vida: diversão em nome da ciência.
Qual a relação entre esportes radicais e novos tratamentos médicos?
Nosso grupo reúne médicos interessados na medicina dos ambientes extremos, como grandes altitudes, mergulho, viagens espaciais, aviação e exposição a muito frio ou calor. Analisamos o que acontece com os sistemas fisiológicos nessas situações porque, sob muitos aspectos, o mesmo ocorre na terapia intensiva. Quando alguém fica doente ou gravemente ferido, os sistemas que fazem o corpo humano funcionar também chegam ao limite. Se entendermos melhor esses mecanismos, pode ficar mais fácil trazer os pacientes de volta à normalidade.
Como vocês estabelecem as correspondências entre uma atividade física e um problema médico? O que, por exemplo, o Everest e uma UTI têm em comum?
Nós observamos o corpo para ver como ele reage a certas atividades físicas e a problemas médicos. Por exemplo, em grandes altitudes, a pressão do oxigênio é menor, o que dificulta sua absorção pela corrente sanguínea. Problemas na absorção do oxigênio pelo sangue também são comuns entre pessoas doentes ou feridas. Para entender melhor tudo isso, estou tentando conseguir financiamento para uma expedição científica ao Everest em 2007. Vamos medir a quantidade de oxigênio no sangue num ponto bem alto da montanha - algo que nunca foi feito. A idéia é estudar como o oxigênio chega à corrente sanguínea quando a pressão é extremamente baixa. Com essa informação, poderemos aprender mais sobre os níveis que conseguimos tolerar aqui embaixo. Atualmente, não temos noção de qual quantidade de oxigênio no sangue faz a diferença entre estar vivo e morto. Queremos mostrar pela primeira vez quais são os limites da vida humana. O pico do Everest é o limite de onde pode existir vida humana. É surpreendente ver pessoas escalando a montanha. Como isso ocorre? Como o corpo se adapta? Essas perguntas podem nos dizer algo sobre como nos adaptamos a condições críticas.
E os mergulhos, como eles podem ajudar a medicina?
Estamos interessados na doença descompressiva, provocada pelo retorno muito rápido à superfície. Quando isso ocorre, bolhas de ar se formam nas veias do mergulhador, provocando complicações semelhantes às causadas por pontes de safena. Se entendermos melhor o mecanismo de uma coisa, podemos tratar melhor a outra. As câmaras hiperbáricas, usadas no tratamento da doença, também podem nos ajudar bastante. A combinação de alta pressão e grande concentração de oxigênio dentro das câmaras ajuda na cicatrização. Funciona bem no tratamento de feridas que atingem muitos diabéticos com problemas de circulação.
Além de novas maneiras de encarar velhas doenças, quais áreas da medicina podem lucrar com experiências com o limite do corpo humano?
Pense, por exemplo, numa missão tripulada a Marte. Seriam entre seis e nove meses para chegar lá, cerca de um ano e meio na superfície e mais seis a nove meses para voltar. Se os astronautas passarem mal, o hospital mais próximo estará a dois anos e meio de viagem. Não dá para levar um hospital ao espaço, mas dá para levar um hospital virtual. É por isso que a telemedicina é um campo promissor nos programas espaciais. A idéia é desenvolver olhos e ouvidos eletrônicos para que, aqui na Terra, possamos fazer o diagnóstico e recomendar tratamentos. O médico aqui teria acesso a fotos e vídeos da área afetada. Poderia também ouvir o coração do astronauta. Tudo isso pode ser aproveitado aqui na Terra em regiões remotas, sem acesso a médicos.
Quais outros equipamentos desenvolvidos para viagens especiais podem ser utilizados pela medicina?
Eu passei uma temporada na Nasa estudando formas de transformar a água a bordo em um fluido esterilizado que seria utilizado para preparação de soro fisiológico e antibióticos injetáveis. Isso seria muito útil em regiões isoladas onde faltam líquidos estéreis para uso médico. Um dos meus colegas da Nasa enfrentou esse problema ao socorrer vítimas de uma enchente em Moçambique, na África. Mas, infelizmente, a pesquisa não seguiu adiante por falta de financiamento.
Você também está envolvido em pesquisas com a saúde dos astronautas expostos à falta de gravidade. Qual o objetivo desse projeto?
Vôos espaciais de longa duração afetam praticamente todos os sistemas do corpo humano. No espaço, sem o impacto da gravidade, temos a oportunidade única de entender mecanismos fisiológicos fundamentais. A ausência de peso, por exemplo, enfraquece músculos e ossos, que se acostumam com a idéia de não precisar mais trabalhar contra a gravidade. Temos um interesse especial por esses processos. A ciência médica ainda não entende exatamente como ossos quebram e se reconstituem. Acredito que pesquisando o comportamento de ossos adormecidos pela ausência de gravidade poderemos desenvolver novas drogas para doenças como a osteoporose.
Além do interesse teórico, você também teve experiências práticas na Nasa. Como isso ocorreu?
Tive a chance de voar algumas vezes nos aviões simuladores de microgravidade usados no treinamento dos astronautas. É bem divertido. O avião atinge cerca de 7,6 mil metros e, então, num intervalo de 45 segundos, sobe até 10,6 mil metros e mergulha a 3 mil metros. No meio desse tempo, por causa da ausência de peso, a gente flutua por 23 segundos. Isso se repete umas 45 vezes no vôo. Uns dois terços das pessoas a bordo vomitaram. O avião até ganhou o apelido de "cometa do vômito". Ainda bem que os instrutores nos ensinam a usar um saquinho para o vômito não flutuar com a gente - é preciso tê-lo sempre à mão, porque nessas situações é muito importante que o saquinho chegue a sua boca antes de você vomitar. Eu tive a sorte de passar mal apenas no fim do vôo, depois de ter me divertido um bocado.
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O que safenados e mergulhadores têm em comum? Astronautas podem ajudar no tratamento de fraturas? Essas perguntas são parte do trabalho do inglês Kevin Fong, médico e professor de fisiologia da University College de Londres (UCL), na Inglaterra. Membro do Centro de Aviação, Espaço e Ambientes Extremos da universidade, ele busca nos esportes radicais tratamentos para males que vão da osteoporose a problemas cardíacos. O raciocínio é simples: o comportamento do corpo humano em situações extremas pode dar pistas valiosas sobre nossas reações a doenças e acidentes.
Fong começou a pensar nisso quando trabalhava como anestesista em salas de emergência. Em 1999, ao receber vítimas de um ataque a bomba num pub londrino, viu que elas tinham ferimentos mais do que suficientes para matá-las. E mesmo assim seus corpos resistiam à pressão. Para estudar esse fenômeno, resolveu submeter o próprio corpo aos limites.
Aos 33 anos, Fong foi eleito pela revista Esquire uma das 100 personalidades jovens mais influentes do planeta. Sua rotina alterna seringas e salas de aula com mergulhos nas ilhas Fiji, escalada de montanhas na Malásia, expedições ao Himalaia e até vôos sem gravidade num avião da Nasa. Isso é que é vida: diversão em nome da ciência.
Qual a relação entre esportes radicais e novos tratamentos médicos?
Nosso grupo reúne médicos interessados na medicina dos ambientes extremos, como grandes altitudes, mergulho, viagens espaciais, aviação e exposição a muito frio ou calor. Analisamos o que acontece com os sistemas fisiológicos nessas situações porque, sob muitos aspectos, o mesmo ocorre na terapia intensiva. Quando alguém fica doente ou gravemente ferido, os sistemas que fazem o corpo humano funcionar também chegam ao limite. Se entendermos melhor esses mecanismos, pode ficar mais fácil trazer os pacientes de volta à normalidade.
Como vocês estabelecem as correspondências entre uma atividade física e um problema médico? O que, por exemplo, o Everest e uma UTI têm em comum?
Nós observamos o corpo para ver como ele reage a certas atividades físicas e a problemas médicos. Por exemplo, em grandes altitudes, a pressão do oxigênio é menor, o que dificulta sua absorção pela corrente sanguínea. Problemas na absorção do oxigênio pelo sangue também são comuns entre pessoas doentes ou feridas. Para entender melhor tudo isso, estou tentando conseguir financiamento para uma expedição científica ao Everest em 2007. Vamos medir a quantidade de oxigênio no sangue num ponto bem alto da montanha - algo que nunca foi feito. A idéia é estudar como o oxigênio chega à corrente sanguínea quando a pressão é extremamente baixa. Com essa informação, poderemos aprender mais sobre os níveis que conseguimos tolerar aqui embaixo. Atualmente, não temos noção de qual quantidade de oxigênio no sangue faz a diferença entre estar vivo e morto. Queremos mostrar pela primeira vez quais são os limites da vida humana. O pico do Everest é o limite de onde pode existir vida humana. É surpreendente ver pessoas escalando a montanha. Como isso ocorre? Como o corpo se adapta? Essas perguntas podem nos dizer algo sobre como nos adaptamos a condições críticas.
E os mergulhos, como eles podem ajudar a medicina?
Estamos interessados na doença descompressiva, provocada pelo retorno muito rápido à superfície. Quando isso ocorre, bolhas de ar se formam nas veias do mergulhador, provocando complicações semelhantes às causadas por pontes de safena. Se entendermos melhor o mecanismo de uma coisa, podemos tratar melhor a outra. As câmaras hiperbáricas, usadas no tratamento da doença, também podem nos ajudar bastante. A combinação de alta pressão e grande concentração de oxigênio dentro das câmaras ajuda na cicatrização. Funciona bem no tratamento de feridas que atingem muitos diabéticos com problemas de circulação.
Além de novas maneiras de encarar velhas doenças, quais áreas da medicina podem lucrar com experiências com o limite do corpo humano?
Pense, por exemplo, numa missão tripulada a Marte. Seriam entre seis e nove meses para chegar lá, cerca de um ano e meio na superfície e mais seis a nove meses para voltar. Se os astronautas passarem mal, o hospital mais próximo estará a dois anos e meio de viagem. Não dá para levar um hospital ao espaço, mas dá para levar um hospital virtual. É por isso que a telemedicina é um campo promissor nos programas espaciais. A idéia é desenvolver olhos e ouvidos eletrônicos para que, aqui na Terra, possamos fazer o diagnóstico e recomendar tratamentos. O médico aqui teria acesso a fotos e vídeos da área afetada. Poderia também ouvir o coração do astronauta. Tudo isso pode ser aproveitado aqui na Terra em regiões remotas, sem acesso a médicos.
Quais outros equipamentos desenvolvidos para viagens especiais podem ser utilizados pela medicina?
Eu passei uma temporada na Nasa estudando formas de transformar a água a bordo em um fluido esterilizado que seria utilizado para preparação de soro fisiológico e antibióticos injetáveis. Isso seria muito útil em regiões isoladas onde faltam líquidos estéreis para uso médico. Um dos meus colegas da Nasa enfrentou esse problema ao socorrer vítimas de uma enchente em Moçambique, na África. Mas, infelizmente, a pesquisa não seguiu adiante por falta de financiamento.
Você também está envolvido em pesquisas com a saúde dos astronautas expostos à falta de gravidade. Qual o objetivo desse projeto?
Vôos espaciais de longa duração afetam praticamente todos os sistemas do corpo humano. No espaço, sem o impacto da gravidade, temos a oportunidade única de entender mecanismos fisiológicos fundamentais. A ausência de peso, por exemplo, enfraquece músculos e ossos, que se acostumam com a idéia de não precisar mais trabalhar contra a gravidade. Temos um interesse especial por esses processos. A ciência médica ainda não entende exatamente como ossos quebram e se reconstituem. Acredito que pesquisando o comportamento de ossos adormecidos pela ausência de gravidade poderemos desenvolver novas drogas para doenças como a osteoporose.
Além do interesse teórico, você também teve experiências práticas na Nasa. Como isso ocorreu?
Tive a chance de voar algumas vezes nos aviões simuladores de microgravidade usados no treinamento dos astronautas. É bem divertido. O avião atinge cerca de 7,6 mil metros e, então, num intervalo de 45 segundos, sobe até 10,6 mil metros e mergulha a 3 mil metros. No meio desse tempo, por causa da ausência de peso, a gente flutua por 23 segundos. Isso se repete umas 45 vezes no vôo. Uns dois terços das pessoas a bordo vomitaram. O avião até ganhou o apelido de "cometa do vômito". Ainda bem que os instrutores nos ensinam a usar um saquinho para o vômito não flutuar com a gente - é preciso tê-lo sempre à mão, porque nessas situações é muito importante que o saquinho chegue a sua boca antes de você vomitar. Eu tive a sorte de passar mal apenas no fim do vôo, depois de ter me divertido um bocado.
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