O Livro Derradeiro - Cruz e Sousa - Parte 4 de 4
O Livro Derradeiro - Cruz e Sousa
Deus, ó meu Deus, todas as bocas gritam,
E se afervora mais e mais a crença.
Mas, onde os astros muita vez palpitam
No céu, há noite cada vez mais densa.
Ah! que mudez de túmulo nos ares.
Nada responde, oh! nada então responde;
Mas onde está o grande Deus dos mares
E da terra, onde está, aonde, aonde?
Tudo está mudo -- a natureza inteira,
Tudo emudece e não responde nada;
E só os vendavais têm a maneira
De responder dando uma gargalhada.
Gargalhada de lágrimas atrozes,
De lágrimas de morte e de agonia
Que abafa e extingue na garganta as vozes,
Gera a coragem que e a luz do dia.
O valentes e rudes marinheiros
Vindos da pátria para pátria nova,
Que sepultais amores verdadeiros
Do tão profundo coração na cova;
Ó viajantes de longe, de países
Onde a vida cintila e canta alerta
Como um turbilhão de aves felizes
Numa campina de rosais, deserta;
Ó vós todos que vindes lá do oceano,
Entre as mais bruscas e hórridas tormentas.
Lá do mar, alto, a vela, a todo o pano,
Com as almas ansiosas e sedentas,
De chegar cedo ao porto desejado,
Calculai, calculai o quanto é triste
Ver dar à praia um pobre desgraçado
Em cuja carne a podridão existe!
À praia! À praia! Dai à praia, morto,
Rejeitado por ondas convulsivas,
Indo encontrar na sepultura o porto,
Deixando ao mundo as ilusões mais vivas.
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O eterno amor de mãe, de filho, esposa,
Tanta fé, tanto riso de alegria,
Tanta coisa dourada, ai tanta coisa
Que ao recordar toda a nossa alma esfria.
Morrer no mar, os nervos contraídos,
Numa asfixia atroz, cerrando os dentes,
Num abismo de cores e gemidos,
De maldições e de uivos de descrentes;
Morrer no mar, sem o farol amigo,
Esse farol que os náufragos anima,
Fora de proteção, fora de abrigo,
Sem sequer uma luz no espaço, em cima;
Morrer no mar, sem astros no infinito,
Na solidão das águas, fria, imensa,
Enquanto a treva aura de granito,
Ri-se de tudo, com indiferença;
Morrer no mar, só e desamparado
E num terror que não acaba nunca,
Vendo rasgar o corpo enregelado
O desespero como garra adunca.
É horrível! Bem sei! Mas ai daqueles
Que morrem mesmo assim lá no mar fundo
Sem ter alguém que ao menos neste mundo
Derrame uma só lágrima por eles!
Índice
CASTELÃ
Bela e mais encantadora
Do que todas as belezas,
Graça leve de pastora
Que canta pelas devesas.
Enleios de passarinho
E brilhos de primavera,
Com magnetismos de vinho
No olhar azul de quimera.
Feita de um jorro sadio
[Linha 7600 de 10004 - Parte 4 de 4]
De auroras purpureadas
Carne mais fresca que um rio
De frescas águas prateadas.
Tudo é frio e tudo é raso
Para dizer-te a capricho
Que és magnólia para um vaso,
Que és arcanjo para um nicho.
És um mito da Alemanha
Vivendo em montanha alpestre,
No castelo da montanha,
Como ardente flor silvestre.
E tens as pomas à farta
Polposas, cheias de aromas.
És assim a loura Marta
Com abundância de pomas.
Esse príncipe que te ama,
Cismando, trágico e grave,
quando o luar se derrama
Cuida ouvir-te os vôos de ave.
Ele vive, airoso e belo,
Como se vive num sonho,
No seu nevoento castelo
Junto de um lago tristonho.
E através do pó flutuante
Do luar saudoso e vago
Julga que és a garça errante
Das águas verdes do lago.
Índice
ARTE
Como eu vibro este verso, esgrimo e torço,
Tu, Artista sereno, esgrime e torce;
Emprega apenas um pequeno esforço
Mas sem que a Estrofe a pura idéia force.
Para que surja claramente o verso,
Livre organismo que palpita e vibra,
[Linha 7650 de 10004 - Parte 4 de 4]
É mister um sistema altivo e terso
De nervos, sangue e músculos, e fibra.
Que o verso parta e gire -- como a flecha
Que d'alto do ar, aves, além, derruba;
E como os leões, ruja feroz na brecha
Da Estrofe, alvoroçando a cauda e a juba.
Para que tenhas toda a envergadura
De asa e o teu verso, de ampla cimitarra
Turca, apresente a lâmina segura,
Poeta, é mister, como os leões, ter garra.
Essa bravura atlética e leonina
Só podem ter artistas deslumbrado:
Que souberam sorver pela retina
A luz eterna dos glorificados.
Busca palavras límpidas e castas,
Novas e raras, de clarões radiosos,
Dentre as ondas mais pródigas, mais vastas
Dos sentimentos mais maravilhosos.
Busca também palavras velhas, busca,
Limpa-as, dá-lhes o brilho necessário
E então verás que cada qual corusca
Com dobrado fulgor extraordinário.nódoa
Que as frases velhas são como as espadas
Cheias de nódoa, de ferrugem, velhas
Mas que assim mesmo estando enferrujadas
Tu, grande Artista, as brunes e as espelhas.
Faz dos teus pensamentos argonautas
Rasgando as largas amplidões marinhas,
Soprando, à lua, peregrinas flautas,
Louros pagãos sob o dossel das vinhas.
Assim, pois, saberás tudo o que sabe
Quem anda por alturas mais serenas
E aprenderás então como é que cabe
A Natureza numa estrofe apenas.
Assim terás o culto pela Forma,
Culto que prende os belos gregos da Arte
E levará no teu ginete, a norma
Dessa transformação, por toda a parse.
Enche de estranhas vibrações sonoras
A tua Estrofe, majestosamente...
[Linha 7700 de 10004 - Parte 4 de 4]
Põe nela todo o incêndio das auroras
Para torná-la emocional e ardente.
Derrama luz e cânticos e poemas
No verso e torna-o musical e doce
Como se o coração, nessas supremas
Estrofes, puro e diluído fosse.
Que as águias nobres do teu verve esvoacem
Alto, no Azul, por entre os sóis e as galas,
Cantem sonoras e cantando passem
Dos Anjos brancos através das alas...
E canta o amor, o sol, o mar e as rosas,
E da mulher a graça diamantina
E das altas colheitas luminosas
A lua, Juno branca e peregrine.
Vibra toda essa luz que do ar transborda
Toda essa luz nos versos vai vibrando
E na harpa do teu Sonho, corda a corda,
Deixa que as Ilusões passem cantando.
Na alma do artista, alma que trina e arrulha
Que adora e anseia, que deseja e que ama
Gera-se muita vez uma fagulha
Que se transforma numa grande chama.
Faz estrofes assim! E após na chama
Do amor, de fecundá-las e acendê-las,
Derrama em cima lágrimas, derrama,
Como as eflorescências das Estrelas...
Índice
ARTE [variação]
Como eu vibro este verso, esgrimo e torço,
Tu, o poeta moderno, esgrime e torce;
Emprega apenas um pequeno esforço,
Mas sem que nada a pura idéia force.
Para que saia vigoroso o verso,
Como organismo que palpita e vibra,
É mister um sistema altivo e terso
[Linha 7750 de 10004 - Parte 4 de 4]
De nervos, sangue e músculos e fibra.
Que o verso parta e gire como a flecha
Que do alto do ar, aves, além, derruba
E como um leão ruja feroz na brecha
Da estrofe, alvoroçando a cauda e a juba.
Para que tenhas toda a envergadura
De asa, o teu verso, como a cimitarra
Turca apresente a lâmina segura,
Poeta, é mister como um leão, ter garra.
Essa bravura atlética e leonina
Só podem ter artistas deslumbrados
Que sorveram com lábios e retina
A luz do amor que os fez iluminados.
Nem é preciso, poeta, que te esbofes
Para ferir um verso que fuzile;
Põe a alma e muitas almas nas estrofes
E deixa, enfim, que o verve tamborile.
Busca palavras límpidas e novas,
Resplandecentes como sóis radiosos
E sentirás como te surgem trovas
Belas de madrigais deliciosos.
Busca também palavras velhas, busca,
Limpa-as, dá-lhes o brilho necessário
E então verás que cada qual corusca,
Com dobrado fulgor extraordinário nódoas
Que as frases velhas são como as espadas
Cheias de nódoas de ferrugem, velhas,
Mas que assim mesmo estando enferrujadas
Tu, grande artista, as brunes e as espelhas.
Que toda a vida e sensação de estilo
Está na frase, quando se coloca,
Antiga ou nova, mas trazendo aquilo
Que soa como um tímpano que toca.
Como o escultor que apenas fez de um bloco
A estátua -- com supremo e nobre afinco
Estuda a natureza num só foco:
A prata, o bronze, o cobre, o ferro, o zinco.
Estuda dos rubins, estuda do ouro
E dos corais, da pérola e safira,
Todo esse íris febril radiante e louro
[Linha 7800 de 10004 - Parte 4 de 4]
Que e a centelha de sol em toda a lira.
Estuda todos os metais, estuda,
Desce a matéria prodigiosa e vasta,
Estuda nela a natureza muda,
Os veios de cristal da origem casta.
Estuda toda a intensa natureza
Feita de aromas, de canções e de asas
E sente a luz da cor e da beleza
Rir, flamejar e arder, iriar em brasas.
Faz dos teus pensamentos argonautas
Rasgando as largas amplidões marinhas
Soprando, a lua, peregrinas flautas,
Como os pagãos sob o dossel das vinhas.
Assim, pois, saberás tudo o que sabe
Quem anda por alturas mais serenas
E aprenderás então como é que cabe
A natureza numa estrofe apenas.
Assim terás o culto pela forma,
Culto que prende os belos gregos da arte
E levarás no teu ginete, a norma
Dessa transformação por toda a parte.
Enche de alegres vibrações sonoras
A tua idéia pródiga e valente,
Põe nela todo o incêndio das auroras
Para torná-la emocional e ardente.
Derrama luz e cânticos e poemas
No verso e fá-lo musical e doce
Como se o coração, nessas supremas
Estrofes, puro e diluído fosse.
Que a abelha de ouro do teu verso esvoace,
Fulja como um fuzil numa borrasca.
Que o verso quando é bom por qualquer face
Lembra um fruto saudável desde a casca.
Com arte, forma, cor, tudo isso em jogo,
Engrinaldado e rútilo de crenças
O sonho cresce -- o pássaro de fogo
Que habita as altas regiões imensas.
E canta o amor, o sol, o mar e o vinho,
As esperanças e o luar e os beijos
E o corpo da mulher -- esse carinho --
[Linha 7850 de 10004 - Parte 4 de 4]
Canta melhor, vibra com mais desejo.
Canta-lhe a sinfonia dos olhares
A cálida magnólia austral das pomas,
E quando então tudo isso enfim cantares
Em tudo põe a fluidez de aromas.
Vibra toda essa luz que do ar transborda
Como todo o ar nos seres vai vibrando
E da harpa do teu sonho, corda a corda,
Deixa que as ilusões passem cantando.
Na alma do artista, alma que trina e arrulha,
Que adora e anseia, que deseja e ama,
Gera-se muita vez uma fagulha
Que explose e se abre numa grande chama.
Pois essa chama que a fagulha gera,
Que enche e que acende o espírito de força,
Sobe pela alma como primavera
De rosas sobe por coluna torsa.
Faz estrofes assim, de asas de rima,
Depois de fecundá-las e acendê-las
De amor, de luz -- põe lágrimas em cima,
Como as eflorescências das estrelas.
Índice
O DUQUE
Quando o duque voltava da caçada
Alegre num clarim d'aço vibrante
De alacridade moça e evigorada
Dum ruidoso e trêfego estudante.
Quando ele vinha com seu ar bizarro
De atravessar os vales e as colinas,
Sadio aspecto fresco como um jarro
Cheio de leite às horas matutinas.
Em toda a aristocrática varanda
Alta e vistosa, ampla, aberta em janelas,
Ele vibrava, de uma e outra banda,
Cancões de amor, nostálgicas e belas.
[Linha 7900 de 10004 - Parte 4 de 4]
Do salão nobre entre tapeçarias
De Gobelins, riquíssimas e raras,
Iam vibrando aladas harmonias
Da sua voz, esplêndidas e claras.
Todas as fluidas, leves, calmas, frescas
Manhãs azuis, serenas e formosas,
Loura mulher das regiões tudescas
O seu bom dia era mandar-lhe roses.
Floria, é certo, em grande amor, floria
Gerado pelo eflúvio dessas flores,
Pois quando o duque não as recebia
Era o mais infeliz dos caçadores.
Tão doce amor lembrava aquelas lendas
Dos medievais castelos esquecidos,
Quando visões de nuvens e de rendas
Apareciam nos balcões floridos.
A caça, a caça, eternamente a caça!
Quanto melhor, mais fácil não lhe fora
A conquista das aves do que a graça
De conquistar essa beleza loura!
Para possuí-la como noiva amada,
Aceso há muito nas paixões insanas,
Arrostaria a caça mais ousada
Dos javalis nas selvas africanas.
E sempre as lindas rosas matutinas
Vinham-no perfumar todos os dias,
Quando saltava aos vales e as colinas,
Bizarro e são, dentre as tapeçarias.
Tempos passaram sobre tais amores!
Mas depois de casado fez surpresa
Saber que o duque, o rei dos caçadores,
Não tinha o mesmo amor pela duquesa.
Índice
A ESPADA
[Linha 7950 de 10004 - Parte 4 de 4]
I
Cavalheiros, os tempos já passados,
De pajens, de canzéis, de fidalguia,
De castelos, de reinos brasonados.
Ar cortesão de graça e fantasia
Através dos olhares e dos beijos
-- No silêncio de cada galeria...
Foi nesse bravo tempo dos lampejos
De espadas, de punhais e de couraças
Por combater frementes de desejos.
No tempo dos floreios e das caças
Dos assaltos alegres e bizarros
Como as sonoras vibrações das taças.
Em que as almas airosas como jarros,
Cheios de vinho espumejante e ardente
Eram de glória vencedores carros!
Foi no tempo fidalgo e refulgente,
Quando o heroísmo fantasioso amava
A linha e a chama de luzida gente,
Que esta cena galharda se passava,
Quando um donzel partia para guerra
Como a nobreza do solar mandava.
O pai, um tronco transudando a terra,
Forte e viril, presença de profeta
Que no seu flanco a valentia encerra.
Barbas serenas de bondoso asceta
Em cuja alvura doce e veneranda
Vê-se a vontade e a intrepidez completa.
Fronte banhada de meiguice branda
A que o dever e os ríspidos conselhos
Dão sempre a austeridade que age e manda.
Lembra um ocaso de clarões vermelhos,
Musgoso, triste, desolado muro,
Por onde o luar abre fulgor d'espelhos.
E esse semblante que parece duro,
Áspero e torvo, trouxe-o dos combates,
Do torvelinho do nevoeiro escuro.
Dos pelouros sanguíneos escarlates,
[Linha 8000 de 10004 - Parte 4 de 4]
De fogo aberto em turbilhões, vorazes,
Dos impulsivos, bélicos rebates.
Mas, bem olhadas, as feições audazes
Desse velho patriarca destemido
Tinha a suavidade dos lilazes.
Nos olhos, um passado consumido
Entre aventuras e colóquios belos
Como que faz um verdadeiro ruído...
Sente-se neles noites de castelos
Gozadas em amores dadivosos,
Em madrigais, em íntimos desvelos.
Cavalgadas, torneios donairosos,
Sonho feliz de rica mocidade,
Requintes ideais, cavalheirosos.
Tudo se sente na tranqüilidade
Desse deus varonil da força antiga
Feito com o rijo bloco da Verdade.
Tudo se sente nessa paz amiga
Que as crenças do passado às outras crenças
Vagas, futuras, para sempre liga.
Tudo se sente vir das névoas densas
E da ridente e cândida meiguice
Das suas barbas límpidas e imensas.
Sim! tudo da quase criancice
Que dão aos homens esses tons nevoentos
Da enregelada e trêmula velhice.
Porém, reatando aéreos pensamentos...
Comecemos na cena detalhada
Que já das eras se espalhou nos ventos.
É nada mais que a história duma espada,
História curta, mas interessante
Duma espelhante lâmina timbrada.
Não é pelo aço ou lâmina espelhante
Que irei contar, pois são comuns os aços,
Mas pelo nobre e original rompante.
Pelo ardimento que os primeiros braços
Que a manejaram com pujança e brio
Nela gravaram, com profundos traços.
[Linha 8050 de 10004 - Parte 4 de 4]
II
O velho, em pé, atlético e sombrio
Diante do filho armado cavaleiro,
No aspecto dum leão ruivo e bravio.
Fala-lhe claro, d'alto e sobranceiro,
Numa solene e enérgica atitude
De quem nos prélios sempre foi primeiro.
O filho, grave o escuta e atende a rude
Lhanez estóica de palavra augusta
Que dos lábios lhe sai, com tal saúde.
Calmo, sem se mover, firme a robusta
Figura solarenga do estoicismo,
O velho disse esta nobreza justa:
"Aqui tens esta espada que o heroísmo
Dos teus avós honrou nessas campanhas,
Com o mais ousado, intrépido civismo.
Freme ainda hoje em convulsões estranhas,
Palpita e anseia dentro da bainha
Sonhando a luta, as implacáveis sanhas.
Tu, para a teres, como eu sempre a tinha,
Num triunfo imortal, quase divino,
De gládio que o valor maior continha;
É necessário um grande ardor leonino,
Que sejas bem idólatra do nome
Que fez de mim o extremo paladino.
A ferrugem, tu vês, o aço consome...
Porém, neste aço que ainda aqui fulgura,
Se houver ferrugem, tira-a com o renome.
Aqui tens, pois, a lâmina segura,
Alma e brasão da nossa velha casa
Coberta de ovações, famosa e pura".
Calou-se um instante, como a ave que a asa
Fechou no voar, já quase que abatida,
Caindo exausta junto a moita rasa.
O filho, mudo e respeitoso, erguida
A valente cabeça leal de moço,
Formoso estava, porejando vida.
[Linha 8100 de 10004 - Parte 4 de 4]
E enquanto o velho, impávido colosso,
Calara-se num momento, emocionado
Ficara o filho em íntimo alvoroço.
Mas de repente, como iluminado
Por um clarão de glórias já extintas,
Tornou o velho, aos poucos transformado:
"Podes partir! Porém nunca desmintas
Nas pelejas o dom da nossa fama,
Por menos força que no peito sintas.
Como um clarim, por toda a parte aclama
O vigor deste ferro e do teu pulso
No combate que ruja, ulule e brama,'.
E cada vez mais pálido e convulso,
Mais nervoso e febril e mais altivo
Bradou ainda, num tremendo impulso:
"Se tu, que és da minh'alma o exemplo vivo,
Meu filho, tens de ser como um cobarde,
Como um vilão abjeto e repulsivo;
Não faças mais de fidalguia alarde,
Pega esta espada, meu Afonso, pega
E quebra-a de uma vez, que não é tarde.
Pois em lugar de fazer dela entrega
Aos sequiosos, feros inimigos
Antes a quebre a cólera mais cega.
Ei-la, aqui tens, a leoa dos perigos,
Que como outrora em minha mão lampeja
Da bravura e da fama nos abrigos.
Se não a tens de honrar nessa peleja
Escuta bem, ó meu amado filho,
Quebra-a, e o teu nome nem manchado seja.
Como eu faria noutra idade e brilho,
Com outras energias musculares,
Segue-me tu no denodado trilho,,.
E assim falando, em gestos singulares,
E agigantado corpo retesando
E um tom sinistro esparso nos olhares;
A cabeça nos ares agitando
Numa alucinação, -- enorme ereto,
[Linha 8150 de 10004 - Parte 4 de 4]
Como heróica visão, deblaterando...
Fitando bem o filho predileto,
Como se de repente lhe brotasse
A força hercúlea dum poder secreto.
O velho, qual um templo que abalasse,
A mão crispada, lívida e nervosa,
Com todo o esforço a lhe afluir na face,
Partiu no joelho a espada vitoriosa.
Índice
O SOL E O CORAÇÃO
Sol, coração do Espaço que flamejas,
O coração é qual tu, sol de utopias...
Mas, coração, dize-me: -- Que desejas?...
Foram-se já todas as alegrias,
Ó Sol! E tu, coração, que ainda adejas,
Que fazes sobre as mortas fantasias?!...
Podes brilhar, ó Sol, vivo e fulgente!
E tu, coração, que me iludiste,
Também podes bater, inutilmente.
Crença, Ilusão, Amor, já nada existe,
Não mais levarás sobre a corrente
Da tenebrosa dúvida mais triste.
Longe, mui longe, em regiões caladas,
Emudecidos pelo Esquecimento,
Estão hoje esses sonhos de alvoradas.
Foram-se, há muito, soltos pelo vento
Entre as grandes ruínas derrocadas
Do meu amargo e pobre pensamento,
Entre as profundas, tétricas ruínas
Em que o doce fantasma desses sonhos
Atravessou em lágrimas divinas.
Fantasma ideal, de cânticos risonhos
Que da vida encontrei pelas colinas
[Linha 8200 de 10004 - Parte 4 de 4]
E hoje vaga entre bulcões medonhos!
Fantasma que eu amei, visão errante
Que sempre junto a mim vivia perto,
Por mais longe que eu fosse e mais distante.
Visão que era como a água do deserto
Para o meu coração sempre anelante,
Sequioso de amor e sempre aberto...
Ó pobre coração, em vão te agitas,
Em vão tu bates, coração estreito,
Tal qual tu, Sol, nos páramos crepitas.
Nada mais, para mim, de satisfeito
Brilha com o Sol nas plagas infinitas,
Como não canta o coração no peito...
Podes, enfim, sumir-te nos Espaços
Sol! E tu, coração, sempre batendo,
Quebrar da terra os "Transitórios Laços,,
Eternamente desaparecendo!...
Índice
SAPO HUMANO
A Emiliano Perneta
Oh sapo! eu vou cantar tuas misérias, sapo,
Vou tirar, nesse lodo onde habitas de rastros,
Umas vivas canções do teu nojento papo,
Da crosta esverdeada umas centelhas de astros.
E canções de tal forma e tais e tais centelhas,
Que todas possam ir, miraculosamente,
Transformadas, pelo ar, em rútilas abelhas
Com o íris voador de cada asa fulgente.
Que tu, tredo animal, tu, triste sapo hediondo,
Não és o vil, o torpe, o irracional, que a lama
Em camadas envolve o atro ventre redondo,
Dos tempos imortais nessa fecunda chama.
Não és o sapo histrião de imundas esterqueiras,
O sombrio Caim nos lamaçais errantes,
[Linha 8250 de 10004 - Parte 4 de 4]
O clown gargalhador das charnecas rasteiras,
Que ri-se para o sol com riso ironizante.
Não és o sapo atroz, coaxador, visguento,
Que rouco ruge e raiva a noite os seus horrores,
E para o constelado e mudo firmamento
Faz ecoar os mais surdos e ásperos tambores.
Mas és o sapo humano, esse asqueroso e feio,
Nascido de roldão na lúgubre miséria
E que do mundo vão no pavoroso seio
Lembra o negro sarcasmo enorme da Matéria.
Mas és o sapo humano, o sapo mais abjeto
Do crime aterrador, do tenebroso vício
Mas que ainda possuis o brilho de um afeto
Que te livra, talvez, do eterno precipício.
Por ora na tua alma a noite cruel, cerrada,
Não caiu de uma vez, como terrível fora.
Nela ainda há clarões de límpida alvorada,
Um prenúncio feliz de aurora redentora.
Ainda tens coração que pulsa no teu peito
Por uns filhos gentis, ingênuos, pequeninos,
Que são o grande amor, o sentimento eleito
Vencendo esses fatais instintos assassinos.
Tu semelhas de um charco a superfície nua
E vítrea, que no campo, aos ares, adormece,
Que se em cheio lhe bate a luz do sol, da lua,
Para a vasta amplidão cintila e resplandece.
Pois no teu organismo, assim sinistro e torvo,
Repleto de vibriões do vício -- essas crianças,
Sorriem virginais, oh! solitário corvo,
Com sorrisos de luzes e barcarolas mansas.
O amor que regenera os ínfimos bandidos,
Não reduziu, enfim, tu'alma a ignóbil trapo.
E eis por que, num viver de pântano e gemidos,
Cantam dentro de ti aves e estrelas, sapo!
DIANTE DO MAR
Para matar o letargo
Da vida, e o profundo tédio,
[Linha 8300 de 10004 - Parte 4 de 4]
Fui, em busca de remédio,
Ao cais arejado e largo.
E vi o mar formidando,
Cheio de mastros e velas,
Ocultos clarins vibrando
Pela boca das procelas.
Vi tropéis e tropéis bruscos
De ondas revoltas e crespas
Com rijos ferrões de vespas
Ferreteando os ares fuscos.
Vi os límpidos navios
Jogados do mar incerto
Como seres erradios
Por inóspito deserto.
Vi tudo nublado, tudo,
Céus e mares e horizontes;
E sobre a linha dos montes
Cair o silêncio mudo.
E eu lembrei-me quando a aurora
Sobre aquelas esverdeadas
Águas jorrava sonora
A luz em puras golfadas.
Lembrei-me desses supremos
Dias acres de alegria
Na vaga loura e macia
As leves palmas dos remos.
Do resplendor das viagens
Num encanto matutino
A doçura das aragens,
Por sobre o mar cristalino.
A bicar as doces ilhas
De pedra, musgos e flores,
Cheias de ervas e frescores
E naturais maravilhas.
Que ela a tudo perfumasse
Como um rosal que floresce
Que tudo que nela houvesse
Resplandecesse e cantasse.
Ou ver na frente das casas,
Dos vales e das colinas
[Linha 8350 de 10004 - Parte 4 de 4]
Os pombos batendo as asas,
Entre festões de boninas.
Ir a pesca alegre e fresca
Por suavíssimos luares,
Numa lua pitoresca,
Em cima dos salsos mares.
Quando flexível canoa
Vai deixando um vivo rastro,
Fundo, aberto, feito de astro,
Na vaga que brilha e soa.
Quando na margem campestre
De rios indefinidos
Sente-se o aroma silvestre
Dos aloendros floridos.
Lembrei-me até das regatas
Numa hora deliciosa
De manhã cheirando a rosa,
Toda de fúlgidas pratas.
D'embarcar, como um fidalgo,
Para aventuras de caça,
Em companhia do galgo
Que é das caçadas a graça.
Ir d'espingarda e d'estilo,
Por madrugadas serenas,
Sem males, sem dor, sem penas,
Peito bizarro e tranqüilo.
Bater as aves no mato
Por entre arvoredos graves,
Ou da beira de um regato
Ver saltar em bando as aves.
E da ventura nos jorros
Voltar da caça repleto
Vendo ao longe o rubro teto
Da casa e o verde dos morros.
Ou então ir como um duque
Nas praias de mais beleza
Gozar na choça de estuque
Uns olhos de camponesa.
Sentir do equóreo elemento,
Sobre as serras verdejantes,
[Linha 8400 de 10004 - Parte 4 de 4]
Ruflantes e sussurrantes
As ventarolas do vento.
Deixar o espírito, avaro
De vida, saúde e força
Disparar -- alada corça --
Pelo azul radioso, claro.
Assim, talvez que o Nirvana
Do tédio e letargo imenso
Não fosse uma dor humana,
Dentre um nevoeiro tão denso.
Índice
BRUMOSA
Inglesa! Por toda a parte
Onde vás, chamam-te inglesa
E cobrem de pompas de arte
A pompa dessa beleza.
Mas tu, num soberbo encanto
De nevada e fria rosa,
Ó meu pálido amaranto!
Não és inglesa, és brumosa.
A tua carne alvorece
Em lactescências de opala,
Brilha, fulge e resplandece
E um fino aroma trescala.
És a límpida camélia
Nos jardins reais plantada
Ou essa lânguida Ofélia
Melancólica e nevada.
O teu corpo imaculado,
Flor de místicas origens,
Parece um luar velado
E lembra florestas virgens.
Com o teu amor ilumina
A minh'alma envolta em crepe,
Ó vaporosa neblina,
[Linha 8450 de 10004 - Parte 4 de 4]
Ó branca e gelada estepe!
Índice
SGANARELO
Esse que eu agora rimo
É viscoso como a lesma
Pegajosa sobre o limo,
Sinistro como aventesma.
Feia coisa, enorme bicho,
Pavoroso mastodonte
Feito do horror a capricho,
Com cornos rijos na fronte.
Todo o ventre se lhe estufa
De obesidade lasciva,
Se fala a voz urra e bufa
Lembrando a locomotiva.
Na terrível carantonha
Retorcida, escalavrada,
Lhe estruge, às vezes medonha,
Formidável gargalhada.
E a luz do sol, que corusca,
Nas praças, à luz do dia,
A sua presença brusca,
Tem uma ardente ironia.
A língua rubra e convulsa
Sai-lhe da boca em espasmo,
Enquanto no olhar lhe pulsa
A blasfêmia do sarcasmo.
Capra figura profunda,
Atroz e amedrontadora,
Que larga entranha fecunda
Foi a tua geradora?!
Que aborto de ventre estranho
Pode gerar esse aborto
Assim feroz e tamanho,
Peludo, estroncado e torto?
[Linha 8500 de 10004 - Parte 4 de 4]
De que idades tão antigas,
Pré-históricas vieste?
Mais hostil do que as urtigas,
Mais nefando de que a peste!
Trazes a pata esmagante,
A pata do bronze trazes;
Que é no espírito diamante
E que é nas almas lilazes.
Possuis o sangue da verve
Resplandecente, infinita,
Que ruge, palpita e ferve
E canta e soluça e grita.
Vens como imagem da Morte,
Da Morte hedionda e nefasta,
Das iras ao vento forte,
Do desespero a vergasta.
Desmancha-te em cabriolas
De doido polichinelo,
Que os teus membros lembrem molas
Como um palhaço amarelo.
Faz nos músculos esgrimas,
Pula trapézios e barras
E salta saltando estas rimas
Que vão saltando bizarras.
Acrobata da miséria
Estica os nervos, estica
E ri, ri tu da matéria
Da gente fidalga e rica.
És medonho?! isso que importa?
Ri! mas ri alto na praça,
Se a desgraça não foi morta,
Ah! deixem rir a desgraça!
Satanás sujo e potrudo
Nas cambalhotas te inspire.
Eia! vá! desdém por tudo,
Por tudo, e o tempo que gire!
Faz que o século se agite
De eternas risadas grossas
E como com dinamite
Arromba o mundo com troças.
[Linha 8550 de 10004 - Parte 4 de 4]
Fura o estúrdio Sancho Pança
Com estocadas de riso
E mete-o também na dança
Dos saltos, se for preciso.
Destrói tudo, vai, desaba,
De tudo faz estilhaços
E a golpes de riso acaba
Os erros córneos e crassos.
Fura os ventres mais rotundos
Com aguilhões de chacota
E manda ao Mestre dos mundos
Um exemplar da risota.
Na tal luxúria gorducha,
Na velha e calva luxúria
Rebente risos em ducha,
Com toda a sátira e fúria.
Ri! até que se transforme,
O rebelado do inferno!
O riso num facho enorme
Aceso no sol moderno!
Índice
DESMORONAMENTO
Dentro do coração, no côncavo do peito
Choro a grande ilusão do amor, desfalecida,
Dentre o gozo feliz, nostálgico da vida;
Já exangue, afinal, já morto, já desfeito.
Por visões que adorei num vago tempo incerto
Não sei por que razão avivo agora as mágoas,
Num pranto doloroso e triste, como as águas
Do mar grosso a bater sobre o costão deserto.
Tu, ó doce visão de perfumosas tranças,
Todo o meu puro e terno sentimento invades
E eu não sei o que fiz das minhas esperanças
Que de longe que vão parecem mais saudades.
[Linha 8600 de 10004 - Parte 4 de 4]
Tudo o que houve em meu ser de compaixão e crença
Para sempre secou, secou já como um rio;
Para sempre também subi ao escombro frio
Da dúvida mortal, avassalante, imensa.
Para sempre me achei sem bússola e sem rumo
No fundo de regiões estranhas e afastadas...
As almas que eu amei, vi mudas e apagadas,
Vi tudo se sumir numa espiral de fumo.
Bem depressa fiquei como um ermo remoto
Como torvo areal sem plantas e sem fontes,
Donde apenas se vê rasgar a terra o broto
Do cardo retorcido e áspero dos montes.
Muitas vezes, porém, como entre os arvoredos
Onde juntas, no val, todas as aves cantam
No meio do rumor, de sombras e segredos,
Sinto dentro de mim que uns sonhos se levantam.
Borboleteio, a rir, por entre os sons e as flores,
Como um pássaro azul de uma plumagem linda
E canto alegremente a canção dos amores,
Que este peito viril sabe cantar ainda.
Lembro então corações que já me abandonaram,
Que eu senti palpitar, por sobre o meu pulsando,
Que vão hoje através das afeições chorando,
Que sofreram comigo e que comigo amaram.
Entretanto a minh'alma em vôo largo e ufano,
De repente triunfal, de súbito gloriosa,
Tem a pompa de sol, vermelha e luminosa,
Da púrpura esvoaçante e aberta de um romano.
E esse fulgor, que vem dos meus sonhos dispersos
Na névoa do passado, errantes e dolentes;
Dá-me árdidos corcéis fogosos e frementes
Para atrelar, jungir ao carro destes versos.
Claramente recordo e penso nas estradas
Que percorri, que andei às ilusões, sozinho,
Vendo que todo o amor das virginais amadas,
Tinha a mesma fatal embriaguez do vinho.
Quantos entes febris, que o amor embriaga e ofusca
Assim, durante a vida, ansiosamente exaustos,
Não encontram, talvez, dessas visões em busca,
As Margaridas vãs dos ilusórios Faustos!
[Linha 8650 de 10004 - Parte 4 de 4]
Índice
CLARÕES APAGADOS
Flor de planta aromática, sinistra,
Nascida nas inóspitas geleiras,
Célebre flor que o meu Ideal registra,
Trepadeira das raras trepadeiras.
Serpe nervosa entre as nervosas serpes,
Carnívora bromélia da luxúria
De gozo tetaniza como as herpes
Da tua boca a polpa atra e purpúrea.
O teu amor, que lembra vinhos de Hebe
E essa áspera feição do abeto fusco,
Como um réptil que salta numa sebe,
Saltou-me ao peito, impetuoso e brusco.
Eu ia por estranhos descampados,
Por extensos desertos impassíveis,
Na trágica visão dos naufragados
Perdidos entre os temporais terríveis.
Sem rumo certo, num sombrio inferno,
Sozinho, sobre a desolada areia
Arrastando a existência, de onde, eterno
Um sapo coaxa e um rouxinol gorjeia.
Quando tu de repente, então surgiste
Beleza das belezas redentoras,
Tendo essa meiga formosura triste
Das formosas e flébeis pecadoras.
Fosse talvez uma tremenda insânia
Tão alta erguer o meu amor, tão alto;
Mas este coração frio, da Ucrânia,
Anelava galgar o céu de um salto.
E fui, galguei, subi, voei na altura,
Além dos verdes píncaros do monte,
Donde resplende a tua formosura
No clarão das estrelas do horizonte.
Foi o mesmo que se eu num templo entrasse
[Linha 8700 de 10004 - Parte 4 de 4]
E aí num formidável sacrilégio,
As angélicas vestes arrancasse
Das santas de áureo diadema régio.
Como um leão sem juba e garra, preso,
Na indiferença, já morreu comigo
Todo esse amor profundamente aceso
Na ideal constelação de um sonho antigo.
Apenas pelo saara imorredouro
Do longínquo passado, ergue, altaneira,
Majestosa folhagem no sol d'ouro,
Dessas recordações a alta palmeira...
Índice
MENDIGOS
Mendigos! Ah! são mendigos
Que voltam de vãos caminhos,
Que atravessaram perigos,
Urzes, pântanos, espinhos.
Que chegam desiludidos
Das portas a que bateram;
Humanos, grandes gemidos
Que nos tempos se perderam.
Que voltam como partiram,
Com mais amargor na volta
E mais sonhos que se abriram
Das estrelas na recolta.
Mendigos ricas no entanto,
Das pompas da natureza
E das auréolas do Encanto,
Os vinhos da sua mesa.
Mendigos que o sol, apenas,
Torna nababos felizes,
Torna um pouco mais serenas
As convulsas cicatrizes.
Mendigos que acham requinte
Na fumaça de um cachimbo,
[Linha 8750 de 10004 - Parte 4 de 4]
Deixando que labirinte
O sonho em tão leve nimbo.
Mendigos da luz da aurora
Cantando celestemente,
Fresca, límpida, sonora,
Pelas fanfarras do Oriente.
Mendigos de áureas estradas,
De sonâmbulas veredas,
De riquezas encantadas,
Sem pedrarias e sedas.
Mendigos d'estranho aspecto
E sempiterna vigília,
Filhos nômades, sem teto,
De milenária Família.
Mendigos que erram eternos
Sem fadigas e sem sono,
Sob o augúrio dos Infernos,
Das Ilusões sobre o trono.
Mendigos de plaga nova,
De novas terras e mares,
Divinizados na cova
Como as hóstias nos altares.
Mendigos da grande esmola
Da luz das estrelas nobres,
Que fulge e dos altos rola,
Entre as suas mãos tão pobres!
Mendigos de céus remotos,
De sóis dos mais velhos ouros;
Com a sua fé e os seus votos
E os seus secretos tesouros.
Mendigos de olhar severo,
Boca murcha, meio amarga...
Tendo um vago reverbero
De sonhos na fronte larga.
Mendigos de ínvias florestas
E de bosques fabulosos,
De melancólicas sestas
Nos crepúsculos brumosos.
Mendigos da Eternidade,
Tremendo dos sóis, dos frios,
[Linha 8800 de 10004 - Parte 4 de 4]
Nas mortalhas da Saudade
Amortalhados sombrios.
Mendigos dos Infinitos,
Das Esferas inefáveis,
Noctambulando malditos
Nos rumos imponderáveis.
Mendigos de fome e sede
De água e pão de outros mundos,
Embalados pela rede
Dos Idealismos profundos.
Mendigos do azul Mistério,
Cuja alma -- nívea sereia --
Fica saciada no aéreo
Pão branco da lua cheia!
Índice
ASAS PERDIDAS
A Carlos Jansen Júnior
Afora, pelo azul indefinido e largo,
Passam asas sutis, pelo éter, longe, afora,
Como que a demandar outra mais doce aurora
Que a desta vida atroz, toda veneno amargo.
Não as asas assim, bem longe, pela curva,
No vago, na amplidão, perdidas pelos ares
Até virem caindo os véus crepusculares,
Toda a anústia do acaso, emocional e turva.
E diante dessa dor das tardes que esmaecem
As asas, pelo espaço, em vôos desgarrados
Como a oração final dos tristes naufragados,
Longinquamente, além, tênues desaparecem
Cai então de uma vez a sombra dos segredos.
E na serena paz das noites adormidas,
Entre o fundo chorar dos calmos arvoredos,
Ninguém verá jamais essas asas perdidas.
E as asas o que são no firmamento errantes,
Perdidas pelos tempos, esparsas pelas eras
[Linha 8850 de 10004 - Parte 4 de 4]
Senão os sonhos vãos, mundos alucinantes
Cheios do resplendor das flóreas primaveras?!
Por isso, eu quando o Azul repleto de asas vejo
Muito alto, céu acima, os páramos rasgando,
Toda a minh'alma oscila e treme num desejo
Em busca das regiões da dúvida, chorando!
Índice
ANJO GABRIEL
Na calma irradiação das noites estreladas
Alto e claro aparece, alto, aparece, claro,
Alvo, claro, no luar das estrelas prateadas,
No triunfal esplendor celestemente raro.
O seu busto de Excelso, a sua graça fina,
A linha de harpa ideal do seu perfil augusto,
Estremecem de luz, de uma luz peregrina,
Do secreto fulgor de um sentimento justo.
Serenidade e glória e paz do Paraíso
Flutuam-lhe na face alvorecida e doce
E quando ele sorri é como se o sorriso
Claros astros semear por todo o espaço fosse.
Leve, loura, .radial, a soberba cabeça
Eleva-se da flor do níveo colo louro
E não há outro sol que tanto resplandeça
Como o sol virginal dessa cabeça de ouro.
As mãos esculturais, de ebúrnea transparência,
De divina feitura e de divino encanto,
Lembram flores sutis de sonhadora essência
Da etérea languidez e de etéreo quebranto.
Das madeixas reais largo deslumbramento
Num flavo jorro cai, com sagrado abandono...
E sai do Anjo o quer que é de vago e de nevoento
Que lembra o despertar sonâmbulo de um sono...
De alto a baixo, do Azul, desfilando das brumas,
Abre todo ele em flor como nevado lírio,
Belo, branco, eteral, do candor das espumas,
[Linha 8900 de 10004 - Parte 4 de 4]
Banhado nos clarões e cânticos do Empíreo.
Maravilhoso e nobre ergue no braço ovante
Um gládio singular que rútilo cintila...
Enquanto o seu olhar de mágico diamante
Aflora em plenilúnio através da pupila.
Que o seu olhar, então, esse, recorda tudo
O quanto há de tranqüilo e luminoso e casto.
Maio de ouro a florir meigos céus de veludo
E a neve a cintilar sobre o monte mais vasto.
Do puro albor astral das asas majestosas
Desprendem-se no Azul mistérios de harmonia...
Entre as angelicais suavidades radiosas
Parece o Anjo Gabriel o alto Enviado do Dia!
Na chama virginal de tão rara beleza
Brilha a força de um Deus e a mística doçura...
E sai das seduções de tamanha pureza
Toda a melancolia errante da ternura.
Do suntuoso agitar das delicadas vestes
Tecidas de jasmins, de rosas, de açucenas,
Vem o aroma cristão dos aromas celestes
Todas as imortais emanações serenas...
Transfigurado, excelso, agigantado, imenso,
Na candidez hostial das formas impecáveis,
Fica parado no ar, levemente suspenso
De raios siderais, de fluidos inefáveis.
Mas quando o seu perfil nas amplidões floresce
E das asas se lhe ouve a música sonora
Quando ele agita o gládio e as madeixas, parece
Que vai noctambular pelo Infinito afora.
E alto, branco, de pé, destacado no Espaço,
Eleito das Regiões de estranhas Primaveras,
Traça, com o gládio no ar, alevantando o braco,
Uma cruz de Perdão na mudez das Esferas!
Índice
CRIANÇAS NEGRAS
[Linha 8950 de 10004 - Parte 4 de 4]
Em cada verso um coração pulsando,
Sóis flamejando em cada verso, e a rima
Cheia de pássaros azuis cantando
Desenrolada como um céu por cima.
Trompas sonoras de tritões marinhos
Das ondas glaucas na amplidão sopradas
E a rumorosa musica dos ninhos
Nos damascos reais das alvoradas.
Fulvos leões do altivo pensamento
Galgando da era a soberana rocha,
No espaço o outro leão do sol sangrento
Que como um cardo em fogo desabrocha.
A canção de cristal dos grandes rios
Sonorizando os florestais profundos,
A terra com seus cânticos sombrios,
O firmamento gerador de mundos.
Tudo, como panóplia sempre cheia
Das espadas dos aços rutilantes,
Eu quisera trazer preso à cadeia
De serenas estrofes triunfantes.
Preso à cadeia das estrofes que amam,
Que choram lágrimas de amor por tudo,
Que, como estrelas, vagas se derramam
Num sentimento doloroso e mudo.
Preso à cadeia das estrofes-quentes
Como uma forja em labareda acesa,
Para cantar as épicas, frementes
Tragédias colossais da Natureza.
Para cantar a angústia das crianças!
Não das crianças de cor de oiro e rosa,
Mas dessas que o vergel das esperanças
Viram secar, na idade luminosa.
Das crianças que vêm da negra noite,
Dum leite de venenos e de treva,
Dentre os dantescos círculos do açoite,
Filhas malditas da desgraça de Eva.
E que ouvem pelos séculos afora
O carrilhão da morte que regela,
A ironia das aves rindo a aurora
E a boca aberta em uivos da procela.
[Linha 9000 de 10004 - Parte 4 de 4]
Das crianças vergônteas dos escravos
Desamparadas, sobre o caos, à toa
E a cujo pranto, de mil peitos bravos,
A harpa das emoções palpita e soa.
Ó bronze feito carne e nervos, dentro
Do peito, como em jaulas soberanas,
Ó coração! és o supremo centro
Das avalanches das paixões humanas.
Como um clarim a gargalhada vibras,
Vibras também eternamente o pranto
E dentre o riso e o pranto te equilibras
De forma tal que a tudo dás encanto.
És tu que à piedade vens descendo.
Como quem desce do alto das estrelas
E a púrpura do amor vais estendendo
Sobre as crianças, para protegê-las.
És tu que cresces como o oceano, e cresces
Até encher a curva dos espaços
E que lá, coração, lá resplandeces
E todo te abres em maternos braços.
Te abres em largos braços protetores,
Em braços de carinho que as amparam,
A elas, crianças, tenebrosas flores,
Tórridas urzes que petrificaram.
As pequeninas, tristes criaturas
Ei-las, caminham por desertos vagos,
Sob o aguilhão de todas as torturas,
Na sede atroz de todos os afagos.
Vai, coração! na imensa cordilheira
Da Dor, florindo como um loiro fruto
Partindo toda a horrível gargalheira
Da chorosa falange cor do luto.
As crianças negras, vermes da matéria,
Colhidas do suplício a estranha rede,
Arranca-as do presídio da miséria
E com teu sangue mata-lhes a sede!
Índice
[Linha 9050 de 10004 - Parte 4 de 4]
VELHO VENTO
Velho vento vagabundo!
No teu rosnar sonolento
Leva ao longe este lamento,
Além do escárnio do mundo.
Tu que erras dos campanários
Nas grandes torres tristonhas
E és o fantasma que sonhas
Pelos bosques solitários.
Tu que vens lá de tão longe
Com o teu bordão das jornadas
Rezando pelas estradas
Sombrias rezas de monge.
Tu que soltas pesadelos
Nos campos e nas florestas
E fazes, por noites mestas,
Arrepiar os cabelos.
Tu que contas velhas lendas
Nas harpas da tempestade,
Viajas na Imensidade,
Caminhas todas as sendas.
Tu que sabes mil segredos,
Mistérios negros, atrozes
E formas as dúbias vozes
Dos soturnos arvoredos.
Que tornas o mar sanhudo,
Implacável, formidando,
As brutas trompas soprando
Sob um céu trevoso e mudo.
Que penetras velhas portas,
Atravessando por frinchas...
E sopras, zargunchas, guinchas
Nas ermas aldeias mortas.
Que ao luar, pelos engenhos,
Nos miseráveis casebres
Espalhas frios e febres
Com teus aspectos ferrenhos.
[Linha 9100 de 10004 - Parte 4 de 4]
Que soluças nos zimbórios
Os teus felinos queixumes,
Uivando nos altos cumes
Dos montes verdes e flóreos.
Que te desprendes no espaço
Perdido no estranho rumo
Por entre visões de fumo,
Das estrelas no regaço.
Que de Réquiens e surdinas
E de hieróglifos secretos
Enches os lagos quietos
Revestidos de neblinas.
Que ruges, brames, trovejas
Ó velho vândalo amargo,
No sonâmbulo letargo
De um mocho rondando igrejas.
Que falas também baixinho
Lá da origem do mistério,
Trazendo o augúrio sidéreo
E certa voz de carinho...
Que nas ruas mais escusa,
Por tardes de nuvens feias,
Como um ébrio cambaleias
Rosnando pragas confusas.
Que és o boêmio maldito,
O renegado boêmio,
Em tudo o turvo irmão gêmeo
Do sonhador Infinito.
Que és como louco das praças
Nos seus gritos delirantes
Clamando a pulmões possantes
Todo o Inferno das desgraças.
Que lembras dragões convulsos,
Bufantes, aéreos, soltos,
Noctambulando revoltos
Mordendo as caudas e os pulsos.
Ó velho vento saudoso,
Velho vento compassivo,
Ó ser vulcânico e vivo,
Taciturno e tormentoso!
[Linha 9150 de 10004 - Parte 4 de 4]
Alma de ânsias e de brados,
Consolador companheiro
Sinistro deus forasteiro
D'espaços ilimitados!
Tu que andas, além, perdido,
Tateando na esfera imensa
Como um cego de nascença
Nos desertos esquecido...
Que gozas toda a paragem,
Toda a região mais diversa,
Levando sempre dispersa
A tua queixa selvagem.
Que no trágico abandono,
No tédio das grandes horas
Desoladamente choras,
Sem fadigas e sem sono.
Que lembras nos teus clamores,
Nas fúrias negras, dantescas,
Torturas medievalescas
Dos ímpios inquisidores.
Que és sempre a ronda das casas,
A gemente sentinela
Que tudo desgrenha e gela
Com o torvo rumor das asas.
Que pareces hordas e hordas
De hirsutos, intonsos bardos
Vibrando cânticos tardos
Por liras de cem mil cordas.
Ó vento languido e vago,
Ó fantasista das brumas,
Sopro equóreo das espumas,
Ó dá-me o teu grande afago!
Que a tua sombra me envolva
Que o teu vulto me console
E o meu Sentimento role
E nos astros se dissolva...
Que eu me liberte das ânsias
De ansiedades me liberte,
Pairando no espasmo inerte
Das mais longínquas distâncias.
[Linha 9200 de 10004 - Parte 4 de 4]
Eu quero perder-me a fundo
No teu segredo nevoento,
Ó velho e velado vento,
Velho vento vagabundo!
Índice
MARCHE AUX FLAMBEAUX
I
Rompe na aurora o sol que a terra esbofeteia
Com látegos de chama, iriando o pó e a areia,
Iriando os vegetais de ricas pedrarias,
Dos rubis e cristais das ourivesarias;
Aurora acesa em cor de púrpura de cravos
Opulentos, febris, ensanguinados, bravos;
De ritmos leves de harpa e frêmitos e beijos
Que são da natureza os trêmulos arpejos;
Aurora que sorri, que traz pomposamente
Todo o raro esplendor da luz resplandecente,
Das paisagens loucas no fúlgido matiz
O aroma a derramar da meiga flor de liz.
Na alegria dos tons os pássaros cantando
Vão as asas abrindo, entre os clarões ruflando,
Asas emocionais, que assim dentre clarões
Palpitam num fervor de alados corações.
E no luxo oriental de etéreo Grão-Mogol
Como um Baco feliz rubro flameja o sol.
II
Filósofos titãs, filósofos insanos
Que destes turbilhões, que destes oceanos
De lutas e paixões, de sonho e pensamentos
Espalhásteis no mundo aos clamorosos ventos
A Ciência fatal, talvez como um veneno,
Que os tempos abalou no caminhar sereno;
Filósofos titãs, que os séculos austeros
No flanco da Matéria abris, graves, severos,
Sobre o escombro da fé, da crença e da esperança,
Da civilização o trilho que hoje alcança
No seu aço viril as regiões supremas,
Traçado em novas leis, doutrinas e problemas;
[Linha 9250 de 10004 - Parte 4 de 4]
Vós que sois no Saber os monges da existência
E só acreditais na força da Ciência,
Que da morte sabeis os filtros invisíveis,
Narcóticos, sutis, incógnitos, terríveis,
Não sabeis, entretanto, apóstolos sombrios,
Como a luz da Ciência os homens estão frios,
Como o tudo ficou num doloroso caos
E os seres que eram bons, rudes, egoístas, maus.
Em vão! em vão! em vão! os vossos largos crânios
Lutaram pelo Bem dos Bens contemporâneos!
Tudo está corrompido e até mais imperfeito...
Não há um lírio são a florescer num peito,
De piedade, de amor e de misericórdia...
Se brota uma virtude o ascoso vício morde-a,
Envilece, corrompe e abate essa virtude
Com o cinismo revel dum epigrama rude...
E até muita alma vil, feroz, patibular,
Impunemente sobe ao mais sagrado altar.
Por isso vão passar perante a turbamulta
Como abrupta avalanche, enorme catapulta,
Numa marche aux flambeaux, os famulentos vícios
Que cavaram no globo horrendos precipícios,
Os vícios imortais, que infestam tribos, greis,
Povos e gerações, seitas, templos e reis
E que são como a lava obscura da cratera
Que subterraneamente em tudo se invetera.
Com toda intrepidez hercúlea de acrobata
Vou sobre eles soltar, gloriosa, intemerata,
A sátira que tem esporas de galhardo
Cavaleiro ideal que joga a lança e o dardo.
Vou com esse altanado e muscular esforço
De quem galga triunfal o soberano dorso,
A crista vigorosa, altiva, sobranceira,
Da mais agigantada e vasta cordilheira.
III
Lobos, tigres, chacais, camelos, elefantes,
Hipopótamos, ursos e rinocerontes,
Leopardos e leões, panteras acirrantes,
Hienas do furor, membrudos mastodontes
Tredas feras do mal, soturnos dromedários,
Serpentes colossais que rastejais na treva,
Monstros, monstros cruéis, medonhos, sangüinários,
Cuja pata esmagante a presa aos antros leva;
Ó ventrudos judeus, opíparos, obesos,
De consciência obtusa, ignóbil e caolha
Que no mundo passais grotescamente tesos
[Linha 9300 de 10004 - Parte 4 de 4]
Com honras de entremez e grandezas de rolha.
Gafentos histriões, ridículos da moda,
Que fingis entender Berlim, Londres, Paris,
Mas nos altos salões, por entre a fina roda,
Meteis sordidamente o dedo no nariz;
Brasonados truões, inúteis como eunuco,
Que as pompas ostentais de aurífero nababo
Mas apenas valeis como um limão sem suco,
Tendes rabo no corpo e dentro d'alma rabo;
Nobres de papelão, milionários vândalos
De ventre confortado e rosto rubicundo,
Que no torvo cancã no cancã dos escândalos
Sois o horrendo espantalho, a ignominia do mundo;
Ó deuses do milhão, ó deuses da barriga,
Que sentindo a aguilhada intensa da luxúria
Buscais a mais em flor e linda rapariga
Para então vos fartar na luxuriante fúria;
Gamenhos de toilette e convicções de lama
Onde tudo afinal se atola e se chafurda,
Que do clube e do esporte sintetizais a fama
Mas tendes para o Bem a fibra sempre surda;
Palhaços, clowns senis, hediondos borrachos
Que aos trambolhões urrais afora no universo,
Desdenhando de tudo e até rindo dos fachos,
Do clarão do saber em toda a parte imerso;
Almas negras, servis, d'ergastulos caóticos,
Gerado no paul das lúgubres voragens,
Do crime nos bulcões, nos vícios mais despóticos
Aos quais tanto rendeis eternas homenagens,
Manequins, charlatães, devassos do bom-tom,
Que viveis nas Babéis das grandes capitais
Apodrecendo sempre infamemente com
O cancro do dinheiro as forcas virginais;
Mascarados tafuis de gordos ventres de ouro,
Ó bonzos do deboche e cínicos esgares,
Que sois o único sol esterlinado e louro
Das parvas multidões, das multidões alvares;
Fidalgos de barril, sicofantas, malandros
Do templo e do bordel, da crápula de harém
Que ao puro mar do Ideal, com torpes escafandros,
Arrancais, p'ra vender, a pérola do Bem;
Ó trânsfugas, ladrões que difamais a terra,
Que tudo poluís, do próprio lodo a flor,
A serena humildade, - intrepidez da guerra.
Aos beijos maternais, ao nupcial amor;
Espíritos de treva, espíritos de barro
Que enegreceis de horror o sangue das papoulas
E das ostentacões vos aclamais no carro,
Cobertos de cetins, arminho e lantejoulas;
Que se vem de repente o Nada sepulcral
[Linha 9350 de 10004 - Parte 4 de 4]
Nunca deixais, sequer, no tétrico leilão,
No leilão da memória, estranho, universal,
Nem um som a vibrar do estéril coração!
Dentre feras brutais de ríspidos penhascos
E a torrente caudal de rijos versos francos
E a zombaria e o riso e as sátiras e os chascos,
Nesta marche aux flambeaux ides passar, aos trancos
Do mundo os naturais, zoológicos museus
Despejem pare fora as pavorosas massas,
Para virem reunir-se aos tábidos judeus
Irromper e seguir e desfilar nas praças.
Que a cada mate, a entranha, o seio virgem se abra
Jorrando tigres, leões, panteras do seu centro
E na dança infernal, estrupida, macabra,
Siga a marche aux flambeaux pelo universo a dentro.
Gargalhadas abri a rubra flor sangrenta
Da humanidade vã na amargurada boca
Vai agora passar a marcha truculenta
Sob o espingardear duma ironia louca.
E desfila e desfila em becos e vielas
E torna a desfilar por vielas e por becos
às risadas da turba, estultas e amarelas
Que tem o áspero som de gonzos perros, secos...
E desfila e desfila, estrídula e execranda,
Das praças na amplidão, rugindo em mar desfila,
Enquanto além dardeja, heróica e formidanda,
A metralha do sol que rútilo fuzila...
E mastodontes vão de braço dado a sérios
Burgueses que já são bem bons comendadores
E marqueses de truz, com ares de mistérios
De lunetas gentis e aspectos sonhadores
Dão o braco fidalgo e airoso das nobrezas
Aos ursos boreais, enquanto os conselheiros
Os condes, os barões, os duques e as altezas
Lá vão de braço dado aos lobos carniceiros.
E nessa singular, atroz promiscuidade,
Animais e truões de catadura suína
Gordalhudos heróis da infâmia e da maldade,
Vendidos da honradez, velhacos de batina
Bobos, cães, imbecis, humanos crocodilos
E déspotas, jograis, todos os miseráveis
De todas as feições e todos os estilos,
Uns aos outros lá vão jungidos, formidáveis!...
Mas a marche aux flambeaux derrama um pesadelo,
A agonia dum tigre, em sonhos, sobre um ventre,
Agonia mortal que envolve tudo em gelo...
E desfila e desfila entre sarcasmos e entre
As sátiras-fuzis, relampejando açoite,
Por essa imensa aurora, estranhamente imensa
[Linha 9400 de 10004 - Parte 4 de 4]
Por um sol que angustia e que não tem da noite
Para a Miséria a sombra atenuante e densa.
Os vícios, as paixões, os crimes, ódios e erros,
Na marcha, de roldão, caminham fraternais
Com bandidos, vilões, burgueses rombos, perros
E focas e mastins, macacos e chacais.
Aos sobressaltos vão como visões, fantasmas
Bichos de toda a casta, anões de chapéu alto,
Deixando em convulsão todas as almas pasmas
E o globo num tremendo e fundo sobressalto.
E nas praças, ao sol, confundem-se os bramidos,
Os uivos com a expressão humana misturados,
Através do sussurro e bruscos alaridos
Das chacotas bestiais, dos risos trovejados.
E segue e segue e segue, afora, légua a légua
Essa marche aux flambeaux, ciclópica, estupenda
Caminha atravessando um longo sol sem trégua,
Um dia secular, um dia de legenda;
Caminha atravessando um sol de foco aberto,
Por um dia fatal, interminável, mudo,
O dia do remorso, aterrador, incerto
Que em todo o coração crava um punhal agudo.
Mas eu quero assim mesmo, eu quero-vos assim,
Em marcha tropical, à crua e ardente luz
Que vos seja uma febre indômita, sem fim,
Um cautério de fogo a vos queimar o pus
Venéreo da Moral, carbonizando-o até
Para que nunca mais se sinta dele a origem
Nem volte, como sempre, então, a ser o que é,
Deixando-vos no mundo inteiramente virgem;
Eu quero-vos assim, de fachos apagados,
Apagados, ao alto, os joviais flambeaux,
Que os tereis de acender nos campos ignorados
Que de sóis de Vingança a Eternidade arou.
E depois de vagar às sátiras de todos,
Na evidência da luz, numa perpetua aurora;
De caminhar ao sol, por tremedais, por lodos,
No tédio do sarcasmo, o tédio que a devora,
Essa Marcha afinal penetrará aos urros,
Titânica, sinistra e bêbada, irrisória,
Num caos de pontapés, coices, vaias e murros,
Na eterna bacanal ridícula da História.
O ÓRGÃO
Um largo e lento vento dormente
[Linha 9450 de 10004 - Parte 4 de 4]
Taciturnas lágrimas sonambulas, sinfônicas
Um esquecimento amargo
Uma sombria clausura de almas
Suspirando e gemendo solitárias harmonias
Vago luar de esquecimento e prece,
Dessa melancolia que anda errando
No mar e nas estrelas ondulando,
Pela minh'alma etereamente desce.
Na minh'alma, dos Sonhos anoitece
O Sentimento que ando transformando
Em hóstia de ouro
Sombra e silêncio
Índice
JULIETA DOS SANTOS
Índice
A IDÉIA AO INFINITO
À distinta e laureada atrizinha
Julieta dos Santos
"...A fama de teu nome,
a inveja não consome, o tempo não destrói!...
(Dr. Symphronio)
Era uma coluna de artistas!...
Ao lado Tasso
Medindo as múltiplas conquistas
Co'as amplidões do espaço!...
Seguia-se João Caetano
Embuçado da glória no divinal arcano!...
Depois Joaquim Augusto
Altivo, sobranceiro, erguido o nobre busto.
Depois Rachel, Favart,
Fargueil, a espadanar
[Linha 9500 de 10004 - Parte 4 de 4]
Nas crispações homéricas da arte,
Constelações azuis por toda a parte!
E em suave ondulação os astros
Vão de rastros
Roubar mais luz às rúbidas auroras!...
Quais precursoras
Do mais ingente e mago dos assombros,
Do orbe imenso nos calcáreos ombros,
Rola um dilúvio, um grande mar de estrelas
Que lançam chispas cambiantes, belas!...
Há um estranho amalgamar de cousas
Como os segredos funerais das lousas
Ou o rebentar de artérias
-- Ou o esgarçar de brumas,
Negras, cinérias
-- Ou o referver de espumas,
Nas longas praias
Alvinitentes, mádidas, sem raias.
Do brônzeo espaço,
Das fibras d'aço
Como que desloca-se um pedaço
Que vai ruir com trépido sarcasmo
Nas obumbradas regiões do pasmo...
-- O Invisível
Geme uma música, lânguida, saudosa,
Que vai sumir-se na entranha silenciosa
Do impassível!
-- O Imutável
-- O Insondável
La vão cair no seio do incriado.
E o bosque irado
A soletrar uns cânticos titânios
Lança nos crânios
Aluvião de auras epopéias
Tétricas idéias!...
E o pensamento embrenha-se nos mares
E vê colares
De níveas pérolas, límpidas, nitentes
E vê luzentes
Conchas e búzios e corais, -- ondinas
Que peregrinas
Aspásias são de lúcida beleza,
De moles formas, desnudadas, brancas
Sendo a primesa
Dessas paragens hiemais e francas!...
-- Ou quais Phrynés
A quem aos pés
O mundo em ânsias, reverente adora
E chore e chora!!...
...................................................................
[Linha 9550 de 10004 - Parte 4 de 4]
Mas a idéia o pensamento insano
As asas bate em busca de outro arcano,
E o manto rasga do horizonte eterno
Vai ao superno
Ao Criador, ao Menestrel dos mundos!
E n'uns arroubos, rábidos, profundos
Em luta infinda
-- Oh! quer ainda
Quer escalar o templo do impossível,
Bem como um raio abrasador, terrível!...
Quer se fartar de maravilhas loucas,
Quer ver as bocas
Dos colossais Antheus da eternidade!...
Quer se fartar de luz e divindade
E de saber,
Depois jazer
Nas invisíveis cobras do insondável,
Bem como um verme, mísero, imprestável!...
-- Ou quer ousado
Descortinar os crimes do passado
E apalpar as gerações dos Gracos
Dos Espartanos
E dos Troianos
E dos Romanos,
Dos Sarracenos
E dos Helenos,
E esbarrar nesse montão de ossos
Por esses fossos
Tredos, medonhos, sepulcrais e frios
Onde sombrios
Andam espíritos de pavor, errantes
E vacilantes
Como a luzinha das argênteas lampas,
Lentos e lentos através das campas!...
..................................................................
Mas a idéia, o pensamento audaz
Quer ainda mais!...
Quer do ribombo do trovão pujante
Já n'um esforço adamastório, tredo
Embora a medo,
-- O atroz segredo
Com que ele faz a terra palpitante!...
E quer dos ventos
Dos elementos
Quer do mistério a solução! -- Nas trevas
Hórridas, sevas,
A gargalhada
Ríspida, negra irônica, pesada,
Estruge enfim, da morte legendária,
[Linha 9600 de 10004 - Parte 4 de 4]
E a idéia vária
Ainda n'isso ousando penetrar,
Tenta sondar!...
E em vão, em vão
A mergulhar-se em tanta confusão
Não mais compreende
-- O que saber pretende!...
Assim, oh! gênio,
Na ofuscadora auréola do proscênio
Não sei se és astro, se és Esfinge ou mito,
Se do infinito
Possuis o encanto, os esplendores grandes,
Ou se dos Andes
Águia tu és, ou és condor divino,
-- Ou és cometa de cuja cauda enorme
É multiforme
Só lágrimas de prata
Ou mesmo se desata
Um vagalhão de palmas, diamantino!!...
Minh'alma oscila e até na fronte sinto
Medonho labirinto,
Estúpida babel,
E vou cair, revel
No pélago sem fim dos nadas materiais!...
E como os racionais
Eu fico a ruminar ainda umas idéias
De erguer-te, o novo Talma
Um trono singular, mas feito de -- Odisséias
De brancas alvoradas,
Olímpicas, nevadas,
Dos êxtases magnéticos, nervosos de minh'alma!
Índice
SONETO
-- Os Trópicos pulando as palmas batem...
Em pé nas ondas -- O Equador dá vivas!...
Ao estrídulo solene dos bravos! das platéias,
Prossegues altaneira, oh! ídolo da arte!...
-- O sol pára o curso p'ra bem de admirar-te
-- O sol, o grande sol, o misto das idéias.
A velha natureza escreve-te odisséias...
A estrela, a nívea concha, o arbusto... em toda a parte
[Linha 9650 de 10004 - Parte 4 de 4]
Retumba a doce orquestra que ousa proclamar-te
Assombro do ideal, em duplas melopéias!
Perpassam vagos sons na harpa do mistério
Lá, quando no proscênio te ergues imperando
-- Oh! Íbis magistral do mundo azul -- sidério!
Então da imensidade, audaz vem reboando
De palmas o tufão, veloz, febril, aéreo
Que cai dentro das almas e as vai arrebatando!...
Índice
SONETO
Dizem que a arte é a clâmide de idéia
A peregrina irradiação celeste,
E d'isso a prova singular já deste
Sorvendo d'ela a divinal sabéia!.
Da "Georgeta" na feliz estréia,
Asseverar-nos ainda mais vieste
Que és um gênio, que te vás de preste
Tornando o assombro de qualquer platéia!...
Sinto uns transportes fervorosos, ledos
Quando nas cenas de sutis enredos
Fulgem-te os olhos co'a expressão dos astros!...
E as turbas mudas, impassíveis, calmas
Sentem mil mundos lhes crescer nas almas...
Vão-te seguindo os luminosos rastros!...
Índice
SONETO
Um dia Guttemberg c'o a alma aos céus suspensa,
Pegou do escopro ingente e pôs-se a trabalhar!
E fez do velho mundo um rútilo alcançar
[Linha 9700 de 10004 - Parte 4 de 4]
Ao mágico clangor de sua idéia imensa!
Rolou por todo o globo a luz da sacra imprensa!
Ruiu o despotismo no pó, a esbravejar...
Uniram-se n'um lago, o céu, a terra, o mar...
Rasgou-se o manto atroz da horrível treva densa!...
Ergueram-se mil povos ao som das melopéias,
Das grandes cavatinas olímpicas da arte!
Raiou o novo sol das fúlgidas idéias!...
Porém, quem lance luz maior por toda a parte
És tu, sublime atriz, ó misto de epopéias
Que sabes no tablado subir, endeusar-te!...
Índice
SONETO
É delicada, suave, vaporosa,
A grande atriz, a singular feitura...
É linda e alva como a neve pura,
Débil, franzina, divinal, nervosa!...
E d'entre os lábios setinais, de rosa
Libram-se pérolas de nitente alvura...
E doce aroma de sutil frescura
Sai-lhe da leve compleição mimosa!...
Quando aparece no febril proscênio
Bem como os mitos do passado, ingentes,
Bem como um astro majestoso, helênio...
Sente-se n'alma as atrações potentes
Que só se operam ao fulgor do gênio,
As rubras chispas ideais, ferventes!...
Índice
SONETO
[Linha 9750 de 10004 - Parte 4 de 4]
Imaginai um misto de alvoradas
Assim com uns vagos longes de falena,
Ou mesmo uns quês suaves de açucena
C'os magos prantos bons das madrugadas!...
Imaginai mil cousas encantadas...
O tímido dulçor da tarde amena,
As esquisitas graças de uma Helena,
As vaporosas noites estreladas...
Que encontrareis então em Julieta
O tipo são, fiel da Georgeta
Nos dois brilhantes, primorosos atos!...
E sentireis um fluido magnético
Trêmulo, nervoso, mórbido, patético,
Bem como a voz dos langues psicattos!...
Índice
SONETO
Parece que nasceste, oh! pálida divina,
Para seres o farol, a luz das puras almas!...
Parece que ao estridor, ao frêmito das palmas
Exalças-te feliz a plaga cristalina!...
Parece que se partem, angélica Bambina,
As campas glaciais dos Tassos e dos Talmas,
Lá quando no tablado as turbas sempre calmas
Transmutas em vulcão, em raio que fulmina!...
E quando majestosa, em lance sublimado
Dardejas do olhar, olímpico, sagrado
Mil chispas ideais, titânicas, ardentes!...
Então sente-se n'alma o trêmulo nervoso
Que deve ter o mar, fantástico, espumoso
Nos grossos vagalhões, indômitos, frementes!!...
Índice
[Linha 9800 de 10004 - Parte 4 de 4]
SONETO
Quando apareces, fica-se impassível
E mudo e quedo, trêmulo, gelado!...
Quer-se ficar com atenção, calado,
Quer-se falar sem mesmo ser possível!.
Anda-se c'o a alma n'um estado horrível
O coração completamente ervado!...
Quer-se dar palmas, mas sem ser notado,
Quer-se gritar, n'uma explosão temível!...
Sobe-se e desce-se ao país das fadas,
Vaga-se co'as nuvens das mansões douradas
Sob um esforço colossal, titânico!...
E as idéias galopando voam...
Então lá dentro sem parar, ressoam
As indomáveis convulsões do crânio!!...
Índice
SONETO
Lágrimas da aurora, poemas cristalinos
Que rebentais das cobras do mistério!
Aves azuis do manto auri-sidério...
Raios de luz, fantásticos, divinos!...
Astros diáfanos, brandos, opalmos,
Brancas cecens do Paraíso etéreo,
Canto da tarde, límpido, aéreo,
Harpa ideal, dos encantados hinos!...
Brisas suaves, virações amenas,
Lírios do vale, roseirais do lago,
Bandos errantes de sutis falenas!...
Vinde do arcano n'um potente afago
Louvar o Gênio das mansões serenas,
Esse Prodígio singular e mago!!...
[Linha 9850 de 10004 - Parte 4 de 4]
Índice
JULIETA DOS SANTOS
Tu passas rutilante em toda a parse
Oh! sol de nossa pátria, oh! sol da arte!...
(Virgílio Várzea)
Quando eu te vi pela primeira vez no palco
Avassalando as almas,
N'um referver de palmas,
Cheia de vida e cândido lirismo!
Senti na mente uns divinais tremores...
E louco e louco,
A pouco e pouco
Vi rebentar o inferno cataclismo!...
Mil pensamentos galoparam, céleres
Por minha fronte
E do horizonte
Quis arrancar os astros diamantinos,
Para arrojá-los a teus pés mimosos
E arrebatado,
Fanatizado
Por entre um mar de cintilantes hinos!...
Esse teu busto, a genial cabeça
Tão bem talhada
E burilada
Com o escopro límpido da arte,
Tem umas puras fulgurações suaves
E a tu'alma
Ardente ou calma
Os corações arrasta por toda a parte!...
A encarnação tu és das maravilhas,
A doce aurora,
Branda e sonora
Das teatrais e lucidas idéias!...
Tens no olhar o filtro que arrebata
E és profética
E magnética,
Possuis na voz o som das melopéias!...
És a escolhida pare as grandes lutes
Esplendorosas
[Linha 9900 de 10004 - Parte 4 de 4]
E majestosas!...
E sobre os débeis, delicados ombros,
Bem como Homero a sua lira d'ouro,
Resplandecente,
Trazes pendente
O Infinito enorme dos assombros!...
Quando apareces tudo ri e chore,
Se endeusa, agita,
Como que palpita
N'uma explosão de férvidos louvores!.
E o potentado mais febril da terra
Gagueja um bravo,
E faz-se escravo
O mais severo e nobre dos senhores!...
A Dejaset, uma Favart, Rachel,
O João Caetano
Como um arcano
Imperscrutável, hórrido, terrível!...
Quebram as louças sepulcrais e frias
E te louvando
Vão reinando...
Dizem que é sonho, é mito, é impossível!
Oh! tu nasceste para suplantar, JULIETA
Os grandes mundos,
Os mais profundos
D'ess'arte bela, magistral, divina!...
E esse olhar tão expressivo e terno
Já eletriza
E cauteriza...
É como um raio que a corações fulmina!...
Que sol é este, vão bradando os pólos,
Tão sobranceiro,
Que o brasileiro
O vasto império confundindo está?!...
Venham teólogos, venham sábios... todos
Venham troianos,
Venham germanos,
Venham os vultos da Caldéia, lá!...
Oh! resolvei o mais atroz problema,
Fundo mistério,
Alto, sidério
Do gênio altivo na criança, ali!...
Vamos, natura, rasga o véu dos medos,
Dizei ó mares,
Falai luares,
[Linha 9950 de 10004 - Parte 4 de 4]
Sombras dos bosques, respondei-me aqui!...
Astros da noite, tempestades, ventos
Erguei as vozes,
Falai velozes
N'um som estranho, n'um clangor audaz!...
E respondei-me e explicai ao orbe
Se essa menina,
Que nos fascina
É um fenômeno ou outro tanto mais!...
Tudo emudece na natura imensa
E desde os Andes,
Dos cedros grandes
Ao verme, à pedra, às amplidões do mar!...
Tudo se oculta na invisível raia
No espaço a bruma,
No mar a espuma
Vão-se esgarçando também, a se ocultar!...
Tudo emudece na natura imensa
Quando na cena
Surges serena
Como a visão das noites infantis!
Dos olhos vivos dos que são teus adeptos
Bem como prata
Eis se desata
A aluvião de lágrimas febris!...
É que tu tens esse poder superno
Real, sublime
Que até ao crime
Faz arrastar o mísero mortal!
É que tu és a embrionária horrível,
Mística, ingente
Que de repente
Fazes de um ser estúpido animal!...
Tudo emudece na natura imensa
Desde nos campos
Os pirilampos
Até as grimpas colossais do céu!...
Tudo emudece e até eu JULIETA,
Já delirante
Vou vacilante
Cair-te aos pés como um servil, um réu!!...
FIM DA OBRA !!!
FIM DA OBRA !!!
FIM DA OBRA !!!
O Livro Derradeiro - Cruz e Sousa - Parte 1 de 4
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05 - Ler Scans e Quadrinhos Digitais - Um mundo DIGITAL - http://bit.ly/2cYfdkS
06 - Poeira das Estrelas - Documentário - http://bit.ly/2eLj1ni
07 - Retrô - Relembre as caixas de videogames e jogos lançados no Brasil - http://bit.ly/2hDNdEi
08 - Cachorro-quente no espetinho - Lanche da tarde - http://bit.ly/2lwFSEJ
09 - Coleção Saiba Mais - Completa - http://bit.ly/2lBVIyO
10 - Compilação de 4226 Postagens - 16/02/2017 - http://bit.ly/2lZYwoQ
11 - Literatura Clássica Brasileira - http://bit.ly/2ne9ngz
12 - As 5564 Cidades do Brasil - http://bit.ly/2mykDTg
13 - JogosRBL4 - Jogos Retro grátis no seu PC - http://bit.ly/2uLgDHd
14 - JogosRBL6 -Agora com Playstation One - http://bit.ly/2gjEatl
15 - 945 Filmes Legendados - Coleção Setembro de 2017 - http://bit.ly/2wOM0Ra
16 - Coleção 656 CD-ROM's - Outubro de 2017 - http://bit.ly/2AiD72n
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O Livro Derradeiro - Cruz e Sousa - Parte 1 de 4
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