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quarta-feira, 29 de abril de 2015

Pesquisadores usam lulas para criar capa de invisibilidade militar


Pesquisadores usam lulas para criar capa de invisibilidade militar


Um dos grupos de animais mais antigos do planeta, os cefalópodes (como lulas e polvos) sobrevivem há milhões de anos por causa de suas técnicas de camuflagem.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Camaleões, Mestres do Disfarce - Natureza




CAMALEÕES, MESTRES DO DISFARCE - Natureza



Inofensivos, apesar da aparência assustadora, fazem bem mais que mudar de cor: seu comportamento inteligente intriga a ciência.

Quando minha mulher mostrou a nosso vizinho a foto de um camaleão, dizendo que ele nos pertencia e havia escapado, o homem arregalou os olhos para aquela estranha criatura verde, de olhos saltados e três chifres, com garras pontudas e recurvadas para dentro, mas não pareceu reconhecê-lo. "Poderia procurá-lo na copa de seus arbustos?", implorou minha mulher. "Ele é muito lerdo e difícil de enxergar." O homem devolveu a foto, claramente convencido de que estava lidando com uma lunática. "Não se preocupe. Os camaleões não podem lhe fazer mal",  disse ela. O homem, sem uma palavra, voltou-se, fechou a porta e trancou-a por dentro. Apesar da aparência assustadora de monstros pré-históricos, os verdadeiros camaleões  deveriam inspirar riso e não medo - e sua conhecida habilidade de mudar de cor e aspecto é apenas uma de suas menores extravagâncias. Com um andar desengonçado e indolente, ridículas atitudes intimidadoras, globos oculares de rotação independentemente (como torretas de um bombardeio B-17), cauda preênsil (que adere e apanha coisas), dedos assimétricos, língua comprida e elástica, além de todo um arsenal grotesco de cristas, rugas e babados, o camaleão é um dos animais mais inofensivos ao homem. Enquanto quase todos os camaleões vivem na África ou em Madagascar, o camaleão comum, ou mediterrâneo, pode ser encontrado do norte da África ao sudeste da Espanha, passando pelo Oriente Médio e as ilhas do Mar Egeu.

Algumas subespécies ocorrem na Península Arábica, na Índia e em Sri Lanka. Outras habitam as selvas da bacia do Rio Congo, as ressecadas vastidões do Deserto da Namíbia e as sebes de arbustos em Nairóbi, no Quênia. Há as que sobrevivem às raras nevadas nas montanhas da África Equatorial. A maioria pertence ao gêneroChamaeleo, mas uma parte é enquadrada em outro gênero-ou em diversos, dependendo do especialista.

Os camaleões são em larga medida arborícolas e raramente descem à terra, a não ser para o acasalamento e para a postura de ovos. Quase todas as espécies passam a maior parte do dia imitando a tonalidade da casca das árvores ou as folhagens, um efeito ampliado pela forma achatada de seu corpo. Nos ramos, esperam o balanço provocado pelo vento para se deslocar, bamboleando-se de um lado para outro, como as folhas agitadas pela brisa, com a cauda estendida para se equilibrar. Utilizam-na também para se prender ao galho durante uma manobra ou na hora das refeições. Quando estão tranqüilos, costumam enrolar a cauda numa espiral bem apertada.

As patas têm os dedos alinhados em lados opostos, para maior estabilidade e firmeza, na forma de um V invertido. As patas dianteiras têm dois dedos para o lado de fora e três para o lado de dentro, enquanto as traseiras têm três dedos alinhados para fora e dois para dentro. Perturbados durante o sono, animais de algumas espécies caem ao chão por reflexo, talvez para evitar a captura por uma cobra ou lêmure. Aterrissam com a elegância de uma sacola de compras. Andam sobre a ponta das unhas, as patas estendidas. Se esse caminhar efetivamente mascara sua presença numa árvore, torna-os ridículos e visíveis em terra. São lentos: mesmo quando fogem em pânico, mal cobrem 6 metros em 1 minuto. Desprotegidos ou acuados, sua melhor defesa é assumir uma aparência ameaçadora, que adquirem ao inflar-se e expelir o ar com um som sibilante.

Nosso fugitivo era um macho da espécie Jackson, natural das florestas do Quênia e da Tanzânia. Pavoneando-se com um andar arrastado e solene, ornado com três chifres na carapaça da cabeça, assemelha-se a um tricerátops (um tipo de dinossauro) em miniatura. Nem todos os camaleões, porém, desenvolvem chifres. Alguns portam apenas os vestígios em forma de cotos, enquanto outros exibem até quatro bem desenvolvidos cornos, cuja função parece ser a de impressionar as fêmeas ou intimidar os rivais. Pouco mais de doze anos atrás, minha mulher e eu encontramos nossos primeiros camaleões, um casal da espécie Jackson, confinados num pequeno tanque de vidro numa loja de animais de estimação. Eles ficavam pelos cantos, arranhando o vidro com uma pata, girando os olhos. Pagamos a fiança e os tiramos dali.

Com o tempo, o número de nossos camaleões foi aumentando. Revelavam ao ar livre sua verdadeira personalidade. Já aos primemos raios de sol da manhã, arqueavam-se de lado para captar a luz, achatando o corpo e esticando a garganta para criar a maior superfície possível exposta. A face do corpo voltada para o sol tornava-se quase negra para absorver os raios, enquanto a outra face permanecia verde. Se um mero graveto interpunha-se entre a pele e o sol, a interferência era registrada na pele à sombra, que recuperava, naquele ponto, o verde original. Ao término de alguns minutos, aquecidos e recarregados, recobravam a cor normal e voltavam para a sua faina de caça aos insetos.

De tanto cuidar dos camaleões, acabei aprendendo quanto são vulneráveis essas criaturas de modos grotescos. Por mais que nos esforçássemos, não conseguíamos manter nossos Jacksons vivos além de dois anos. Alguns morriam em um mês ou dois de estresse. Na ausência de sol, desenvolvem raquitismo. Para sobreviver, necessitam de grandes variações de temperatura durante o dia. É essencial que tenham uma dieta variada. Atualmente, há uma razão até mais alarmante para desaconselhar a criação doméstica desses animais: a sua presença nas listas de espécies em perigo. "O maior problema é a destruição do habitat", diz o paleontólogo Richard Leakey, diretor do Departamento de Vida Selvagem do Quênia. "Muitos camaleões têm um habitat exclusivo. Quando destruímos um determinado habitat, podemos eliminar certas espécies. E a última coisa que iríamos querer seria encorajar o comércio de animais de estimação."

Durante os últimos quatro anos, o número de camaleões levados para os Estados Unidos triplicou, de cerca de 5 000 em 1985, para cerca de 15 000 em 1989. Algumas das espécies maiores são vendidas por 2 000 dólares a unidade. Os especialistas acreditam que as taxas de mortalidade dos camaleões são elevadas. Quando coletados no meio selvagem, são freqüentemente arrancados dos galhos; como eles se agarram firmemente, seus ossos se partem. É comum chegarem à loja de animais de estimação meio mortos de desnutrição e tão estressados, que são incapazes de resistir aos parasitas. Poucas semanas depois, morrem nas mãos de seus novos donos. Por isso, cada vez mais biólogos procuram estudar essas fascinantes e perturbadoras criaturas enquanto há tempo. Pesquisas em andamento cobrem tudo a respeito deles, dos hábitos à psicologia.

Jonathan Losos, da Universidade da Califórnia em Berkeley, e Al Bennett, da Universidade da Califórnia em Irvine, percorreram todo o Quênia. O propósito era estudar o modo como as diversas espécies se desenvolviam ou evoluíam em sua adaptação aos diferentes climas. Os biólogos coletaram camaleões de distintos habitats a variadas altitudes-capturaram-nos em parques de clima temperado em Nairóbi, nas encostas do Monte Quênia, onde as temperaturas podem chegar ao ponto de congelamento, e na região de cerrados, quente e árida, ao longo da fronteira com a Tanzânia. O trabalho apresentou alguns inconvenientes. "Eles nos mordiam o tempo todo", relata Losos. "Felizmente, era raro rasgarem nossa pele." Eles e seus colegas esperam elucidar a fisiologia da adaptação dos camaleões ao clima-um processo que se torna cada vez mais importante de entender, até em função do aumento da temperatura mundial.

Curiosa a respeito dos movimentos dos camaleões ao passarem de um galho a outro, a bióloga Jane Peterson, da Universidade da Califórnia do Sul, filmou e analisou as acrobacias em câmara lenta de seus animais. Concentrada na musculatura e na estrutura óssea dos lagartos, a pesquisadora focalizou-os em especial no ombro. Logo descobriu que alguns deles pareciam ter-se adaptado de maneira semelhante à dos primatas, com juntas rotatórias nos ombros para facilitar os movimentos. Flexíveis, as juntas permitem-lhes estender os membros anteriores em qualquer direção e vencer distâncias de até o dobro do comprimento do corpo. Ela considerou que esses movimentos lentos, metódicos, permitem ao camaleão mover-se discretamente entre as árvores sem chamar a atenção.

Os pesquisadores também se intrigaram diante da habilidade do camaleão em mudar de cor. O animal o faz de acordo com a intensidade de luz, seu estado de saúde ou emocional e temperatura-além do lugar onde se encontra. A teoria de que o camaleão não resiste a se tornar da cor do fundo não, tem base na realidade. Contrariamente ao mito, a maioria das mudanças de cor o torna mais visível. Junto com o aumento da luminosidade, o acasalamento e a defesa do território provocam as mais dramáticas transformações. Quando irados, nossos espécimes Jackson mudavam do verde-claro usual e uniforme para um pintalgado de preto em menos de 1 minuto e ofereciam uma configuração de diamante quando subiam nas cordas do teto. Um macho tornava os lábios amarelos para cortejar uma provável pretendente e outro saiu completamente negro de uma cirurgia. Quando o veterinário o pôs na mão de minha mulher, ele rapidamente tornou ao verde-claro.

Os camaleões possuem distintas camadas de pele, compostas de células especiais que contêm variados pigmentos. Logo abaixo da epiderme exterior fica uma camada com células nas cores verde e amarelo. Mais abaixo, vem a camada que contém as células das cores azul, branco, vermelho, laranja e violeta. A camada mais profunda contém os pigmentos marrom-escuros de melanina, a substância responsável pelo bronzeamento da pele humana. As células de melanina do camaleão têm numerosas ramificações, de modo que podem dispersar o pigmento escuro de seu centro para os "braços" externos, que penetram nas camadas superiores da pele. Estressado, o camaleão adquire uma| tonalidade escura porque, nesse estado emocional, a melanina vai para a superfície, bloqueando a camada de células brancas. Já as células de outras cores podem se expandir ou se contrair: se as células amarelas se alargam sobre as azuis, por exemplo, o animal adquire uma tonalidade verde, característica de quando está calmo.

Os camaleões vivem uma vida solitária. Os machos guardam seu território possessivamente. Qualquer intruso é recebido com extrema hostilidade. Na maioria das vezes, as batalhas territoriais consistem em exibições agressivas, sem contatos físicos. Quando dois rivais se confrontam, viram-se de lado, achatam o corpo, curvam a cauda e esticam o pescoço. Em seguida, inflam-se completamente e trocam de cores e desenhos, numa vibrante seqüência de intimidação. Finalmente, abrem a boca, expondo as cores contrastantes das membranas mucosas. Isso é muitas vezes acompanhado de uma coreografia de bamboleios laterais, entremeados de silvos sussurrados. Na maioria das espécies, tais movimentos e ruídos sinalizam o final do combate, quando um dos adversários normalmente concederá a vitória moral a outro e se afastará. Mas, em variedades maiores, ocorrerá o ataque físico, inflingindo-se danos reais que, às vezes, levam um dos oponentes à morte.

O olho do camaleão é uma maravilha ótica. Apenas a pupila desponta de uma protuberância de pele em formato de abóbada. Cada olho gira 180 graus e opera independentemente do outro. Ainda é um mistério como o cérebro tão pequeno dessas criaturas pode processar informações mutáveis e complexas relativas ao espaço. O camaleão pode localizar seus predadores sem mover a cabeça ou o corpo. Uma pesquisadora demonstrou como o camaleão depende da coordenação entre seus olhos e a língua. Ela equipou suas cobaias com óculos adaptados, distorcendo as imagens com lentes de aumento. Todos eles foram incapazes de capturar os insetos de sua escolha.

Quando o camaleão localiza um provável alimento, ambos os olhos convergem para o alvo, conferindo ao lagarto uma aparência ridiculamente vesga. Depois, ele balança um pouquinho para focalizar sua visão estereoscópica e confirmar a direção-um desvio de centímetros poderá ocasionar uma perda-e sua língua dispara como um raio. Ela pode se estender uma vez e meia o comprimento do corpo, com precisão absoluta e a tal velocidade que se torna invisível. Uma língua de 14 centímetros leva 1/16 de segundo para se estender inteira, o suficiente para capturar uma mosca em pleno vôo. A ponta da língua parece um bastão e é recoberta por uma saliva pegajosa; sua superfície abrasiva prende firmemente o alvo por aderência e então se enrola de volta com o alimento aprisionado. Vermes, lesmas e outras presas úmidas frustram o mecanismo, por não aderirem.

A natureza alcançou o maior aperfeiçoamento em matéria de camaleões em Madagascar, onde se concentram dois terços das espécies do mundo. Ali, acreditam os pesquisadores, devem ter existido os "protocamaleões", antes que a ilha se separasse do continente africano, no período Mesozóico. (Os mais antigos fósseis de camaleões datam do Mioceno, 10 milhões de anos depois.) Em Madagascar, os camaleões embarcaram em diversas viagens evolutivas. Os gêneros Oustalt e Parson podem ultrapassar 60 centímetros de comprimento, alvejando pequenos roedores a outros 60 centímetros de distância com a língua esticada. O camaleão pardalis  muda de cores tão rapidamente, que um observador julgaria ter visto dois animais diferentes; o camaleão jóia lembra uma pintura abstrata.

Para algumas espécies de camaleões, a única esperança de sobrevivência talvez seja a criação em cativeiro. Sua propagação bem-sucedida poderia também reduzir a demanda de camaleões importados. Diversos zoológicos e pelo menos um criador têm desenvolvido programas de orientação em cativeiro. Os progressos têm sido lentos: os lagartos não se reproduzem bem nessa condição. A postura dos ovos é uma empresa arriscada e incerta, a que a fêmea se sujeita várias vezes ao ano. Ela desce da árvore e cava fundos buracos no solo; leva quase um dia preparando um espaço apropriado. Depois de pôr os ovos, em geral de trinta a cinqüenta, enche o buraco com terra e alisa a superfície ao redor com as patas. Toda essa atividade ocorre à luz do dia.

Meses mais tarde, os filhotes emergem, começando a caçar desde momento em que saem à superfície, todos os seus sistemas de ataque e defesa operando com eficiência total. Ainda assim, a mortalidade é elevada, pois os filhotes são devorados por aves, cobras e outros lagartos. Alguns camaleões do continente africano, como a espécie Jackson, desenvolveram um atalho reprodutivo, os filhotes nascem de parto. Nós observamos uma fêmea dar à luz a 38 bebês na haste de uma cortina. Os recém-nascidos, envolvidos por uma fina membrana, caíam ao carpete e saíam andando à procura de um lugar seguro. Levamo-lhes filhotes de grilos, que eles capturavam com a língua já na primeira tentativa. Ainda que não parecessem afetados pela queda, na floresta, a mãe os depositaria nos galhos, pressionando-os para que a membrana elástica e pegajosa aderisse.

A Califórnia é a capital do camaleão nos Estados Unidos, e San Diego é sua meca-temperaturas agradáveis e sol quase todos os dias permitem que sejam deixados ao ar livre, onde vicejam. Cheryl DeWitt uma criadora de camaleões altamente respeitada na região, tem conseguido marcantes sucessos no traiçoeiro terreno dessa exótica criação. Quando a visitamos em sua casa, mais de uma centena de répteis alinhavam-se por suas paredes em gaiolas de arame e tanques de vidro. Um camaleão egípcio equilibrava-se num viveiro de plantas para aquecer-se sob uma lâmpada. Gaiolas no terraço continham cada uma um camaleão encarapitado numa planta, tomando sol.

"Os camaleões são animais que cultivam hábitos", disse ela. "Os egípcios nos viveiros de plantas vão para o pé da escada às 10 da manhã e ficam esperando que eu os leve para fora. Mr. Rainbow, meu macho pardalis, desce da haste da cortina, onde costuma dormir para se admirar no espelho todas as manhãs." Quando visitamos Mr. Rainbow, ele estava engajado num combate com seu reflexo no espelho, globo ocular contra globo ocular diante de seu obstinado oponente. Mr. Rainbow (arco-íris em inglês) fazia jus ao nome. Durante o combate, exibiu um amarelo-vivo tingido de ferrugem, com listras verticais e verde-oliva e listras , horizontais que se moviam para cima e para baixo como água. Um vermelhão de raiva flamejava em sua garganta. Depois que DeWitt o transferiu para um arbusto ao sol, suas cores "acalmaram-se" para tons de verde.

Dando seqüência à demonstração, DeWitt apresentou um jovem Jackson na ponta do dedo, com chifres incipientes despontando na testa. "Alguns camaleões se adaptam à perda do habitat, mas a maioria não", comentou ela. "Se não aprendermos a criá-los em cativeiro, logo perderemos muitas variedades. Eu pretendo fazer minha parte." Enquanto várias espécies desses encantadores e bizarros lagartos estão com os dias contados, muitos dos seus mistérios podem continuar sem solução. "Mas a verdadeira tragédia", comenta o biólogo Jonathan Losos, "é que essas espécies podem desaparecer antes mesmo que tenhamos a chance de identificá-las-ou de compreendê-las." 


sábado, 28 de janeiro de 2012

Salvos pelo Mimetismo - Insetos

SALVOS PELO MIMETISMO - Insetos



Certos animais fingem ser o que não são para escapar de seus perseguidores. Moscas parecem vespas, borboletas saborosas parecem venenosas, sapos parecem monstros pré-históricos. Eles são a melhor demonstração de que as espécies evoluem pela seleção natural, com a sobrevivência dos mais aptos, tal como Darwin descobriu há mais de um século.

Se a legendária figura de Sherlock Holmes houvesse um dia se aventurado pela Amazônia, caçando borboletas com uma redinha de filó, certamente estaria na pele de um naturalista inglês que viveu no século XIX, chamado Henry Walter Bates. Bates não era um detetive, mas, tal como Holmes, conseguiu enxergar através de sua lente de bolso as pistas de um grande mistério. Aliás, de um dos maiores enigmas biológicos ligados à história evolutiva das espécies. O fenômeno, parcialmente esclarecido por Bates, tem hoje o nome de mimetismo batesiano, em sua homenagem, mas na época do naturalista ficou conhecido como "o estranho caso das borboletas imitadoras".
Depois de haver passado onze anos embrenhado na selva amazônica, Bates embarcou de volta para a Inglaterra em 1860, levando uma espantosa coleção de animais e plantas. Mas foram os insetos e, muito em particular, as borboletas que acabaram se tornando o principal objeto de suas investigações. Maravilhado com a exuberância da fauna tropical, ele já havia escrito em seu livro O naturalista no rio Amazonas que capturara cerca de setecentas espécies de borboletas, depois de alguns passeios em volta da cidade de Belém. Bates tinha conhecimento de que em toda a Europa só haviam sido registradas 341 espécies e que ele retornara, portanto, com uma das maiores coleções de borboletas do mundo.
Porém, entre todas aquelas centenas de caixas repletas de exemplares belos e exóticos, havia uma que reservava algo de muito mais importante. Ela estava rotulada com a palavra Heliconii, indicando tecnicamente o conteúdo: um grupo bem característico de borboletas tropicais (hoje é a família das helicônidas). Quando o naturalista passou a examiná-las detidamente, com o auxílio de sua lente de bolso, verificou, surpreendido, que a caixa estava cheia de falsas helicônidas.
Sem dúvida, Bates tinha levado para casa "gato por lebre". Só que, naquele caso, os "gatos" é que eram de grande valor, pois evidenciavam um alto padrão de imitações entre animais sem nenhum parentesco entre si. Aquilo foi suficiente para despertar na cabeça do naturalista uma série de recordações adormecidas desde a época em que caçava insetos nas florestas da Amazônia. Ele recordou-se de como eram abundantes as helicônidas em algumas regiões que visitara e que, a despeito de seus coloridos chamativos, raras vezes eram atacadas pelos pássaros caçadores de insetos. Bates entregou-se, então, a uma série de suposições. Se aquelas borboletas não eram perseguidas por seus predadores naturais, possivelmente não deveriam servir de alimento e a causa mais provável daquilo seria, de certo, um gosto muito ruim. Talvez, se o colorido de certas borboletas "comestíveis" se aproximasse do padrão Heliconii, elas tivessem alguma vantagem na luta pela sobrevivência ao se passar por repulsivas frente aos predadores. Daí por diante, através de sucessivos cruzamentos entre si, elas produziriam raças cada vez mais parecidas com as verdadeiras helicônidas.
Essas brilhantes deduções teriam feito com que o naturalista retirasse o cachimbo da boca e exclamasse um "elementar, meu caro Bates", se ele não soubesse o quanto seria difícil comprová-las. E isso ele jamais chegou a fazer completamente. Entre tanto, todas as suas investigações sobre as borboletas "imitadoras" foram apresentadas em 1861, incluídas num trabalho de grande vulto sobre os insetos da Amazônia. Aí, pela primeira vez, os cientistas tomaram conhecimento da existência de um incrível fenômeno biológico batizado de mimetismo.
Uma experiência desagradável pode permanecer na memória de um animal por um certo tempo. Por exemplo: gosto ruim de uma presa. É quase certo que nas investidas seguintes o predador irá evitar qualquer presa que se assemelhe a um modelo reconhecido como repulsivo. Esse processo de aprendizado, tão comum entre os animais, foi profundamente observado em pássaros insetívoros, demonstrando que as formas, as cores e o comportamento de borboletas determinam a freqüência dos ataques das aves caçadoras.
Muitas espécies de borboletas são evitadas como alimento porque em seus organismos circulam substâncias repulsivas e venenosas. Essas substâncias são geralmente alcalóides de origem vegetal, absorvidos pelas lagartas que se alimentam de plantas tóxicas. Mesmo depois da metamorfose, os alcalóides continuam incorporados ao inseto adulto, tornando-o repulsivo para diversos predadores. Principalmente para aves .
Quanto mais abundante for uma espécie de borboleta repulsiva numa determinada área, tanto mais rápido será o "aprendizado" da população de pássaros insetívoros dali. Pequenas variações de colorido ou desvios na distribuição dos desenhos das asas podem condenar a borboleta ao ataque da ave. Assim, ficam geralmente poupados os indivíduos (machos e fêmeas) que menos se afastam do tipo padrão. Estes, ao se acasalar, perpetuarão o velho sinal de reconhecimento-inalterado- nas gerações seguintes. Da mesma forma como acontecem variações desastrosas entre as borboletas do grupo repulsivo, podem ocorrer desvios de padrão entre as de um grupo comestível que viva na mesma área. Uma pequena mutação genética pode produzir sobre as asas das "comestíveis" uma discreta mancha colorida ou desenho que se assemelhe vagamente com o sinal das "repulsivas". Isso já é suficiente para provocar, no mínimo, momentos de hesitação entre as aves durante as investidas sobre essas formas variantes. Como resultado, as variantes passam então a escapar das aves com mais freqüência do que as for mas menos desviadas do antigo colorido. Então, dos sucessivos acasalamentos dessas sobreviventes, resultam descendentes com o novo sinal de "imitação" cada vez mais aperfeiçoado.
Pode parecer incrível, porém, são os próprios predadores que indiretamente aperfeiçoam os padrões de imitação que irão enganá-los no futuro. Se tudo corresse só por conta dos disfarces, as "imitadoras" deixariam de ter problemas depois que as cores de suas asas atingissem um certo grau de perfeição como sinal de advertência. Não sendo mais perseguidas, elas poderiam se multiplicar à vontade, tornando-se mais abundantes do que as verdadeiras "repulsivas". Mas isso nunca acontece.
Um mecanismo de correção começa a funcionar sempre que as "imitadoras" começam a se tornar mais numerosas. Aves ainda sem aprendizado, que usam atacar as borboletas coloridas, acabam comendo mais "saborosas" do que "repulsivas", e assim não criam os mecanismos que as fariam evitar a espécie. Automaticamente, começa a diminuir o número das "imitadoras"-até que elas se tornam tão raras que os pássaros acertam cada vez mais nas "repulsivas". O mecanismo se refaz, as "saborosas" ficam outra vez defendidas e começam a proliferar. E assim o ciclo vai se repetindo indefinidamente, de forma que o equilíbrio, embora alterado momentaneamente, sempre se restabelece.

Esses preferem a camuflagem

A mímica é a arte da imitação, mas, quando se trata de um animal que exibe a aparência de outro, o problema não tem nada a ver com imitação e, muito menos, com arte. O nome usado para esse fenômeno é mimetismo e, embora sendo uma palavra derivada de mímica ela indica um curioso mecanismo genético colocado em funcionamento por um processo de seleção natural. Em outras palavras: nenhum animal chega a se parecer com outro movido por uma intenção, ainda que essa semelhança Ihe confira vantagem na luta pela sobrevivência.
A natureza está cheia de exemplos de animais miméticos. Existem moscas inofensivas que se parecem com vespas, serpentes não peçonhentas com o colorido das perigosas corais, e borboletas com desenhos de assustadores olhos de coruja sobre as asas. Estes exemplos já mostram que tanto o mecanismo genético quanto a seleção natural envolvidos no mimetismo têm como produto final uma espécie de sinal. Eles elaboram geralmente "mensagens" do tipo "Cuidado comigo" ou "Não sirvo para comida". Mas outras podem funcionar, ao contrário, como atrativos. Além disso, no jogo fantasioso de mimetismo, os sinais fluem ora como imagens, ora como sons e, em alguns casos, como odores. Entretanto, há uma outra variação da mímica natural que se caracteriza por não chamar a atenção. Isto significa que o resultado final deste tipo de mimetismo passa a ser a ausência de sinais, e podemos chamá-lo então de camuflagem. A prova mais evidente de que a camuflagem é o tipo mais comum de mimetismo é a freqüente frustração dos "naturalistas" novatos que retornam de suas excursões pelas matas sem ter visto bicho nenhum.