DOUTOR AVENTURA
O que safenados e mergulhadores têm em comum? Astronautas podem ajudar no tratamento de fraturas? Essas perguntas são parte do trabalho do inglês Kevin Fong, médico e professor de fisiologia da University College de Londres (UCL), na Inglaterra. Membro do Centro de Aviação, Espaço e Ambientes Extremos da universidade, ele busca nos esportes radicais tratamentos para males que vão da osteoporose a problemas cardíacos. O raciocínio é simples: o comportamento do corpo humano em situações extremas pode dar pistas valiosas sobre nossas reações a doenças e acidentes.
Fong começou a pensar nisso quando trabalhava como anestesista em salas de emergência. Em 1999, ao receber vítimas de um ataque a bomba num pub londrino, viu que elas tinham ferimentos mais do que suficientes para matá-las. E mesmo assim seus corpos resistiam à pressão. Para estudar esse fenômeno, resolveu submeter o próprio corpo aos limites.
Aos 33 anos, Fong foi eleito pela revista Esquire uma das 100 personalidades jovens mais influentes do planeta. Sua rotina alterna seringas e salas de aula com mergulhos nas ilhas Fiji, escalada de montanhas na Malásia, expedições ao Himalaia e até vôos sem gravidade num avião da Nasa. Isso é que é vida: diversão em nome da ciência.
Qual a relação entre esportes radicais e novos tratamentos médicos?
Nosso grupo reúne médicos interessados na medicina dos ambientes extremos, como grandes altitudes, mergulho, viagens espaciais, aviação e exposição a muito frio ou calor. Analisamos o que acontece com os sistemas fisiológicos nessas situações porque, sob muitos aspectos, o mesmo ocorre na terapia intensiva. Quando alguém fica doente ou gravemente ferido, os sistemas que fazem o corpo humano funcionar também chegam ao limite. Se entendermos melhor esses mecanismos, pode ficar mais fácil trazer os pacientes de volta à normalidade.
Como vocês estabelecem as correspondências entre uma atividade física e um problema médico? O que, por exemplo, o Everest e uma UTI têm em comum?
Nós observamos o corpo para ver como ele reage a certas atividades físicas e a problemas médicos. Por exemplo, em grandes altitudes, a pressão do oxigênio é menor, o que dificulta sua absorção pela corrente sanguínea. Problemas na absorção do oxigênio pelo sangue também são comuns entre pessoas doentes ou feridas. Para entender melhor tudo isso, estou tentando conseguir financiamento para uma expedição científica ao Everest em 2007. Vamos medir a quantidade de oxigênio no sangue num ponto bem alto da montanha - algo que nunca foi feito. A idéia é estudar como o oxigênio chega à corrente sanguínea quando a pressão é extremamente baixa. Com essa informação, poderemos aprender mais sobre os níveis que conseguimos tolerar aqui embaixo. Atualmente, não temos noção de qual quantidade de oxigênio no sangue faz a diferença entre estar vivo e morto. Queremos mostrar pela primeira vez quais são os limites da vida humana. O pico do Everest é o limite de onde pode existir vida humana. É surpreendente ver pessoas escalando a montanha. Como isso ocorre? Como o corpo se adapta? Essas perguntas podem nos dizer algo sobre como nos adaptamos a condições críticas.
E os mergulhos, como eles podem ajudar a medicina?
Estamos interessados na doença descompressiva, provocada pelo retorno muito rápido à superfície. Quando isso ocorre, bolhas de ar se formam nas veias do mergulhador, provocando complicações semelhantes às causadas por pontes de safena. Se entendermos melhor o mecanismo de uma coisa, podemos tratar melhor a outra. As câmaras hiperbáricas, usadas no tratamento da doença, também podem nos ajudar bastante. A combinação de alta pressão e grande concentração de oxigênio dentro das câmaras ajuda na cicatrização. Funciona bem no tratamento de feridas que atingem muitos diabéticos com problemas de circulação.
Além de novas maneiras de encarar velhas doenças, quais áreas da medicina podem lucrar com experiências com o limite do corpo humano?
Pense, por exemplo, numa missão tripulada a Marte. Seriam entre seis e nove meses para chegar lá, cerca de um ano e meio na superfície e mais seis a nove meses para voltar. Se os astronautas passarem mal, o hospital mais próximo estará a dois anos e meio de viagem. Não dá para levar um hospital ao espaço, mas dá para levar um hospital virtual. É por isso que a telemedicina é um campo promissor nos programas espaciais. A idéia é desenvolver olhos e ouvidos eletrônicos para que, aqui na Terra, possamos fazer o diagnóstico e recomendar tratamentos. O médico aqui teria acesso a fotos e vídeos da área afetada. Poderia também ouvir o coração do astronauta. Tudo isso pode ser aproveitado aqui na Terra em regiões remotas, sem acesso a médicos.
Quais outros equipamentos desenvolvidos para viagens especiais podem ser utilizados pela medicina?
Eu passei uma temporada na Nasa estudando formas de transformar a água a bordo em um fluido esterilizado que seria utilizado para preparação de soro fisiológico e antibióticos injetáveis. Isso seria muito útil em regiões isoladas onde faltam líquidos estéreis para uso médico. Um dos meus colegas da Nasa enfrentou esse problema ao socorrer vítimas de uma enchente em Moçambique, na África. Mas, infelizmente, a pesquisa não seguiu adiante por falta de financiamento.
Você também está envolvido em pesquisas com a saúde dos astronautas expostos à falta de gravidade. Qual o objetivo desse projeto?
Vôos espaciais de longa duração afetam praticamente todos os sistemas do corpo humano. No espaço, sem o impacto da gravidade, temos a oportunidade única de entender mecanismos fisiológicos fundamentais. A ausência de peso, por exemplo, enfraquece músculos e ossos, que se acostumam com a idéia de não precisar mais trabalhar contra a gravidade. Temos um interesse especial por esses processos. A ciência médica ainda não entende exatamente como ossos quebram e se reconstituem. Acredito que pesquisando o comportamento de ossos adormecidos pela ausência de gravidade poderemos desenvolver novas drogas para doenças como a osteoporose.
Além do interesse teórico, você também teve experiências práticas na Nasa. Como isso ocorreu?
Tive a chance de voar algumas vezes nos aviões simuladores de microgravidade usados no treinamento dos astronautas. É bem divertido. O avião atinge cerca de 7,6 mil metros e, então, num intervalo de 45 segundos, sobe até 10,6 mil metros e mergulha a 3 mil metros. No meio desse tempo, por causa da ausência de peso, a gente flutua por 23 segundos. Isso se repete umas 45 vezes no vôo. Uns dois terços das pessoas a bordo vomitaram. O avião até ganhou o apelido de "cometa do vômito". Ainda bem que os instrutores nos ensinam a usar um saquinho para o vômito não flutuar com a gente - é preciso tê-lo sempre à mão, porque nessas situações é muito importante que o saquinho chegue a sua boca antes de você vomitar. Eu tive a sorte de passar mal apenas no fim do vôo, depois de ter me divertido um bocado.
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