É possível substituir o cigarro por sexo ?
Antiga caixa de cigarros Peggy O'Neal (foto: Wikimedia Commons)
A campanha publicitária “Alegria gera Saúde”, de um hospital da cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, tenta chamar a atenção da população para problemas de alguma maneira relacionados à saúde como stress ou limpeza pública (há uma com bancos de balanço em pontos de ônibus e outra que transforma lixos em cestas de basquete).
A mais popular, no entanto, é a que propõe trocar cigarros por camisinha e tem o slogan “Sexo é bem melhor que cigarro”. Mas o que uma coisa tem a ver com a outra? É possível dizer que um é melhor ou pior que o outro? Se é ou não, fica a seu critério, mas o fato é que sexo e cigarro têm muita coisa em comum.
Conversamos com Renato Sabbatini, neurocientista e professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, para nos ajudar a ligar os pontos. Ele explicou que o clichê hollywoodiano no qual os atores fumam um cigarrinho depois do ato sexual tem muito mais a ver com fisiologia do que com propaganda subliminar.
Prazer.Todos os prazeres estão na mesma região do cérebro, é a chamada área de motivação. Ela faz parte do sistema límbico, que processa as emoções. A motivação é uma emoção, que surge no reino animal e o faz repetir alguma atividade. Por exemplo, se você precisa comer ou beber água para sobreviver o cérebro precisa te avisar que aquela prática precisa ser repetida. Quando se repete, gera-se uma sensação boa.
Sem motivação, os animais morreriam, porque precisamos repetir certos atos motores. A maneira como o cérebro controla isso é dando ao indivíduo a sensação de “querer mais”. Isso é o que interpretamos como sendo algo “gostoso”. Isso está relacionado a alimentação, bebida, sexo ou adicções, ou seja, os vícios. A diferença é que esses não são associações naturais - culpa dos alcaloides.
Alcaloides são estruturas moleculares neuroquímicas extraídas das plantas que estimulam o circuito dessa região cerebral. Alcaloides são conhecidos pelas terminações em “ina”, como cocaína, heroína, cafeína ou teobromina (chocolate) e nicotina. A pessoa que fuma ingere este último, causando a tal sensação boa e o fazendo querer repetir.
O mesmo acontece com o sexo, que ativa o mesmo circuito. O orgasmo e a sensação de prazer ocorre também por este circuito, mas por razões originalmente biológicas. O estímulo à repetição do sexo (a libido, do latim libido, que significa vontade, desejo) está ligado à copulação, ou seja, à necessidade de reprodução da espécie. Já pensou se os animais não sentissem nenhuma vontade de se relacionar sexualmente? Aliás, esse circuito é ativado também em atividades como jogo, ao ato de fazer compras, ganhar dinheiro, etc.
Impotência sexual. A nicotina promove uma destruição gradativa das artérias. Cada vez que se traga existe uma dilatação das artérias e uma contração. A cada “baforada”, com o tempo, as artérias vão desenvolvendo rachaduras, que o organismo produz colesterol para tapar. A presença de muito colesterol, como consequência, as entope. É por isso que a principal causa de impotência sexual no mundo é o fumo.
Ele atrapalha tudo. Afeta as artérias também do pulmão e do coração, por é o maior causador de doenças cardiovasculares e respiratórias. O alcatrão e os componentes presentes no cigarro tendem a causar enfisema, obstrução respiratória crônica e isso afeta o desempenho durante o ato sexual. A resistência física necessária para o sexo depois de anos como fumante cai, é inevitável.
Sexo vicia? O hormônio motivador, que nos faz ter vontade de fazer de novo, chama-se dopamina. A endorfina está ligada ao prazer e é liberada durante o orgasmo ou após toda sensação agradável que o indivíduo tenha durante o sexo. Ela está muito ligada ao exercício físico, por isso também é muito importante para o ato sexual. Acontece que a a endorfina também vicia, porque ela age como um analgésico, usado para proteger o ser humano das dores causadas por exercícios. Nunca ouviram falar de casos de atletas viciados em exercício? Pois então.
Por outro lado, o sexo também pode viciar por dopamina, mas não acontece com qualquer pessoa. Algumas têm o circuito motivacional mais sensível, é o chamamos de “perfil hedônico”, ligado a hedonismo, ou seja, pessoas “viciadas” em prazeres. Existem genes que controlam essa sensibilidade. Aliás, essa é uma das explicações para a existência do chamado “efeito dominó” nas drogas. O viciado começa com drogas mais leves e vai evoluindo porque chega-se a pontos em que o indivíduo se adapta à droga e o sistema límbico se excita menos.
Talvez seja possível se chegar a um estado parecido com sexo. Depois de algum tempo, é possível que os mesmo estímulos, anteriormente motivadores, não funcionem mais. Tem gente que faz uso de drogas como ectasy para aumentar as sensações durante o ato sexual ou para despertar a libido. Por isso, cientificamente falando, aliar um pouco desses estímulos com sexo pode incentivar o impulso sexual, por causa da dopamina. No caso de Hollywood, o comum era ver o ato acendendo um cigarro depois do sexo, antes era charmoso, hoje é politicamente incorreto. Mas faz sentido, já que o cigarro vai prolongar a sensação de prazer iniciada pelo sexo e ativar a dopamina, para incentivar a repetição.
A campanha deve atingir os que fumam, mas o Dr. Sabbatini não acredita em sua efetividade. Dar o cigarro ou trocá-lo por outro coisa não afeta o vício, só a forma de se ver a coisa. Não basta esconder o cigarro.
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