A incrível história da mais valiosa coleção de quadrinhos do mundo
Como as misteriosas D copies transformaram em milionária uma família dos Estados Unidos.
Os colecionadores de quadrinhos ainda não têm um santo protetor. Mas bem que poderiam eleger o norte-americano Davis Crippen para a função.
Ele formou a mais rara coleção particular de gibis de que se tem notícia, tratada por anos com o carinho que se oferece a uma pessoa amada e, hoje, avaliada em milhões de dólares.
Foi em 1938 que, aos oito anos de idade, Crippen começou a colecionar gibis. Apenas um ano depois, inspirado por um amigo da família, ele decidiu que, dali por diante, iria comprar e guardar todas e quaisquer HQs lançadas nos Estados Unidos.
O que parecia ser somente uma ideia maluca de criança e fadada ao insucesso em pouco tempo, acabou dando muito certo. Primeiro, gastando toda sua mesada e, depois, já crescido, os salários que proviam o aumento da coleção, o colecionista inveterado foi juntando um tesouro.
Mesmo quando estudava na Universidade de Michigan, o devoto colecionador comprava e enviava para a casa de seus pais, em Washington, cada gibi publicado na América.
Crippen prosseguiu com sua missão até 1954, quando se casou e abandonou a empreitada. A imensa coleção, que somava mais de 11 mil exemplares, permaneceu guardada na casa da família, num porão seco e arejado, no zelo com que todo colecionador trata suas preciosidades, sejam elas quais forem.
O milagre
Na década de 1990, alguns itens dessa coleção, de forma misteriosa e aparentemente sem o conhecimento do dono, circularam no mercado de compra e venda de colecionáveis. As HQs, indiscutivelmente raras, se tornaram cobiçadas no meio e ficaram conhecidas como D copies, devido a um “D” escrito à mão nas capas.
Outro mistério: um código, também em manuscrito e estampado nas capas, composto por uma sequência de números seguida por outra de letras e finalizada por mais uma numérica. Tudo contribuindo para inflacionar o preço dos gibis.
Em 2005, o candidato a “santo dos colecionadores” faleceu. Logo após, seu filho mais novo catalogou todas as milhares de HQs, que se encontravam em Nova York com Davis Crippen desde que a antiga casa da família foi vendida, em meados dos anos 1970.
Depois, o herdeiro de Crippen resolveu colocar os gibis à venda na Heritage Auction Galleries, em Dallas. Na maior agência de leilões dos Estados Unidos, o mistério das D copies foi finalmente desvendado: o “D”, como ficou óbvio, é a inicial de Davis. O significado dos códigos alfanuméricos, entretanto, permanece insolúvel.
Todos os títulos da coleção estão devidamente chancelados com a marca da CGC – Comics Guaranty, conceituada entidade que declara a autenticidade dos gibis antigos publicados nos EUA e estabelece os valores atuais de mercado.
Não é difícil entender a razão pela qual essa coleção particular é rotulada como a mais rara e valiosa já descoberta. Além de todas as HQs do acervo pertencerem à Era de Ouro dos quadrinhos, há edições consideradas únicas, sem quaisquer outras cópias conhecidas.
E ainda conta com muitos primeiros números de uma grande variedade de títulos dos mais diversos gêneros, como Walt Disney’s Comics and Stories # 1 (Dell Publishing, 1940). No caso dos exemplares de Suspense Comics # 3 (Continental Magazines, 1944) e Detective Comics # 35 (National Comics, 1940), existem oficialmente menos de dez cópias de cada em todo o planeta.
O que também chama a atenção é o nível de conservação dessas revistas. Segundo revelou a agência de leilão, elas se encontravam em estado de banca (ou comic shop, melhor situando).
Isso porque boa parte da coleção jamais foi lida ou sequer manuseada, conforme declara o filho de Davis Crippen. O cuidado com que as HQs estiveram acondicionadas também foi fundamental para que elas atingissem essa condição.
Essa coleção, mesmo desmembrada, continua até hoje circulando em comic shops e sites de leilão, cada vez mais aumentando seu valor, graças a toda a aura que envolve a história delas. E basta pronunciar a expressão D copies para despertar o interesse dos colecionadores norte-americanos.
Milionários
Em 2006, o Universo HQ noticiou que o primeiro lote da coleção havia sido vendido por nada menos que US$ 717 mil. Foram apenas 550 gibis.
Pouco tempo depois, a venda total passou da marca de 2,5 milhões de dólares, valor antes projetado como lance inicial e até agora a maior quantia já paga por uma coleção de revistas em quadrinhos pertencentes a uma única pessoa.
O fato correu o mundo e ganhou destaque em jornais, sites e revistas informativas.
A família de Davis Crippen se tornou milionária, graças aos quadrinhos. Mas é preciso dar créditos à viúva do colecionador, que permitiu o acúmulo de gibis do marido, desde que ele não ocupasse os espaços proibidos por ela.
“As revistas estavam sempre lá, mas nunca à minha vista”, disse Cynthia Crippen, na época da venda do primeiro lote. Com a ajuda do filho Tom, ela catalogou todas as milhares de HQs. “As pessoas falavam que eu deveria vendê-las, mas eu sabia o quanto elas eram importantes para o meu marido. Eu o amava, apesar de suas excentricidades.”
Agora, é só pedir a “São Davis” que proteja todas as coleções de gibis do mundo contra as forças malignas das traças e do mofo. E, se não for querer demais, que elas consigam valer muito além do preço de capa, em alguns anos.
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