Nariz x Nariz - Olfato
Focinhos de bolso por apenas 1 dólar
Imagine-se tirando do bolso um aparelho do tamanho de uma pilha antes de provar um vinho ou na hora de comprar pó de café no supermercado. Pois é esse o plano de um animado grupo de cientistas do Instituto de Tecnologia da Califórnia, o Caltech, nos Estados Unidos: criar pequenos narizes eletrônicos que você poderia levar para qualquer canto. "E nem custariam caro", adianta o chefe do time de pesquisadores, o químico americano Nathan Lewis. "Calculo que esses dispositivos poderiam ser produzidos por apenas 1 dólar."
Por enquanto, essas engenhocas só existem no papel. De concreto mesmo, quem visitar o laboratório de Lewis no Caltech vai encontrar algo que uma dona de casa poderia confundir com um aspirador de pó ligado a uma maçaroca de fios. Trata-se, porém, do mais eficaz protótipo de máquina farejadora que já foi feito.
Em 1993 Lewis teve a idéia de ensinar computadores a sentir aromas. "Dos nossos cinco sentidos, três a gente conhece o bastante para reproduzi-los artificialmente", diz o químico. Existem sensores de pressão que dão tato aos robôs. Também existem dispositivos que transformam o som em sinais elétricos, reproduzindo a função do ouvido. E algumas câmeras são tão sofisticadas que podem ser chamadas de olhos eletrônicos. Com o olfato e, conseqüentemente, com o paladar, que depende também do cheiro da comida, as coisas se complicam e Lewis explica um dos porquês: "O que se parece com um único odor pode ser a mistura de centenas deles."
O aroma da cerveja é a soma de vapores de 700 substâncias. "Se eu tivesse que desenvolver 700 sensores para captar cada um deles, estaria perdido", constata Lewis. A grande sacada do pessoal do Caltech foi nem gastar tempo com esse tipo de tentativa. Os cientistas apostaram que os receptores de um mamífero seriam genéricos, sem especialização neste ou naquele cheiro.
Uma prova disso é que cachorros provavelmente não nascem com receptores especializados em cocaína e, no entanto, podem ser treinados para farejar a droga. "Na verdade, seu cérebro aprende a reconhecer um novo padrão de sinais elétricos equivalente ao cheiro de cocaína", explica Lewis. Acreditando nisso, sua equipe conseguiu imitar a natureza (veja como funciona seu dispositivo no infográfico abaixo). O aparelho que ela inventou já sabe apontar quando está farejando cerveja, vinho ou licor, percebendo a diferença pela variação de intensidade do odor de álcool.
A máquina sente aromas imperceptíveis
Embora ainda não consiga diferenciar um Chanel nº 5 de um bafo de onça, é possível que o faro eletrônico possa no futuro registrar a presença de moléculas que o olfato humano ignora. Esse, aliás, é o próximo passo da pesquisa dos americanos que têm, entre seus patrocinadores, a Nasa. Ela pretende espalhar esses farejadores na estação espacial Alfa até o final deste ano. Os dispositivos irão disparar um alarme ao captar qualquer cheiro estranho, que eventualmente poderia ser de gases perigosos e inodoros para o homem. Apontada, a área do futum imperceptível vai ser isolada.
Outra aplicação interessante estará na Medicina: aparelhos com sensores olfativos notariam, no hálito dos pacientes, a presença de moléculas características das doenças hepáticas ou do câncer pulmonar. Esses equipamentos estão sendo desenvolvidos pelo time do pesquisador inglês George Dodd, um dos pioneiros na busca de cheiradores eletrônicos, no Centro de Pesquisas Científicas das Highlands, na Escócia.
O grande desafio a ser vencido é criar um bom modelo de como funciona a capacidade humana de sentir odores. Até agora, os pesquisadores agem como estudantes de pintura que desejam reproduzir a Monalisa sem nunca ter visto a obra do italiano Leonardo Da Vinci de perto nem dispor de uma foto nítida do quadro. Ou seja, não sabem muito bem como nós cheiramos.
A teoria mais aceita, hoje, é a de que o cérebro reconhece odores por uma diferença no padrão de acionamento dos neurônios a partir da câmara olfativa (veja infográfico abaixo). Fora disso existem poucas certezas. "Não temos exames precisos para avaliar a quantas anda a capacidade de alguém captar cheiros", diz o otorrinolaringologista Yotaka Fukuda, professor da Universidade Federal de São Paulo. "Usamos kits com cheiros conhecidos para o paciente responder se reconhece ou não cada um deles", explica o médico. "Não podemos saber até que ponto o estado psicológico está influenciando as respostas e nem medir o quanto do olfato ele realmente perdeu." Metade dos indivíduos com mais de 65 anos tem alguma perda desse sentido.
A anatomia é a melhor explicação para a dificuldade em investigar o olfato. "O acesso à câmara olfativa, lá no alto do nariz, é dificílimo", diz Fukuda (veja quadro à direita). "E, no cérebro, a região que processa os dados enviados por ela fica bem no miolo da massa cinzenta, onde a gente não podia avaliar a atividade. Agora surgiram os exames de ressonância magnética, mas eles são pouco precisos para essa finalidade."
Nada emociona mais do que fragrâncias
A bióloga canadense Rachel Herz, com doutorado em Psicologia, encontra na anatomia uma explicação para os resultados do seu trabalho provando o efeito emotivo dos aromas. Ela estuda a memória há sete anos no Monnel Chemical Senses Research, na Filadélfia, Estados Unidos. Cerca de mil voluntários já participaram da sua investigação. Eles receberam cartões com imagens enquanto ouviam música ou tinham de tocar um objeto. Em outras ocasiões, faziam um lanche ou, claro, sentiam um perfume.
Dois dias depois, Rachel chamava seus voluntários para uma entrevista. Nela, os indivíduos recebiam novamente os estímulos sensoriais, enquanto descreviam as imagens de que se recordavam. "O número de respostas certas não tinha a ver com o tipo de estímulo recebido", explica Rachel. "Qualquer informação captada por nossos sentidos ajuda a fixar a lembrança com maior nitidez. Um cheiro, porém, faz com que a memória evocada seja carregada de muito mais emoções". Rachel chegou a essa conclusão examinando os batimentos cardíacos dos entrevistados. Coração acelerado, sabe-se, é coração emocionado, não importando se o sentimento é negativo ou positivo.
Para a bióloga, isso acontece porque as informações olfativas vão para a área mais central e primitiva do cérebro, o chamado sistema límbico, onde nascem os sentimentos. "Os dados captados pela audição e pela visão seguem para partes cerebrais mais relacionadas ao raciocínio", compara. A neurologista Margareth Rose Priel, da Universidade Federal de São Paulo, concorda que o roteiro dos estímulos olfativos dentro do cérebro transforma qualquer aroma em sinônimo de sentimento: "Os sinais das células do nariz fazem uma escala em um par de estruturas chamadas bulbos olfativos e, a partir dali, é como se pegassem dois caminhos opostos", descreve. "Parte dos sinais vai para o hipocampo, a área que sedia a memória e os sentimentos. Outra parte segue para o tálamo e, dele, vai para a superfície cerebral, na altura das têmporas."
Como temos consciência de toda informação que alcança essa superfície, conclui-se que no mesmo instante em que notamos um cheiro ele já está despertando uma sensação de agrado ou desagrado. Muitos cientistas pretendem explorar essa certeza, identificando odores capazes de estimular a atenção no trabalho ou a calma em situações de estresse.
PARA SABER MAIS
Sabores e odores, Alain Corbin, Companhia das Letras, São Paulo, 1991.
Algo podre no ar
No ano passado, os pesquisadores do Caltech, assistentes de Nathan Lewis, tiveram de dividir o laboratório com centenas de peixes apodrecendo em vidros.
Tudo para ensinar o farejador eletrônico, esse tubo com jeito de aspirador, a identificar os vapores da putrefação.
Como o computador compra o peixe
Elétrons saltitantes
O focinho eletrônico é um aglomerado de polímeros condutores, isto é, plásticos que transmitem eletricidade. Eles lembram colares de contas entre as quais os elétrons saltam.
Opções de caminhos
Quando dois ou mais polímeros se cruzam, os elétrons podem seguir no mesmo fio em que estavam saltando ou continuar seu trajeto no outro. O aumento das opções de caminho aceleram a passagem.
Obstáculos na trajetória
Quando o aparelho é exposto ao cheiro do peixe, durante instantes as moléculas de odor ocupam alguns vãos dos polímeros. São obstáculos que obrigam o elétron a procurar outro caminho.
A avaliação do cheiro
O odor do peixe podre ocupa mais vãos do que o de peixe fresco e retarda a condução da eletricidade. Conforme a velocidade da passagem dos elétrons, o computador ligado aos polímeros avalia que peixe ele cheirou.
Profissionais do cheiro
Na indústria de bebida, e mesmo em algumas de alimentos, existe gente que tira o ganha-pão do olfato. Os tipos de queijos mais apreciados pelos gourmets, ironicamente os mais fedorentos, devem passar pelas narinas do cheirador que avalia seu estado de maturação. Os sommeliers, como são chamados os especialistas em vinhos, dependem do mesmo sentido. "Cheiro dezenas de garrafas de bebida por dia, classificadas em cerca de vinte tipos de vinho, ou seja, tipos de cheiros bem diferentes para um nariz treinado", diz o sommelier Marcos Antonio Martins Freitas, do restaurante paulistano Fasano. "Não posso fumar e, apesar de entrar e sair da adega climatizada a todo instante durante o serviço, um resfriado no meu caso é a morte." Apesar de a cor, a densidade e o sabor serem pistas fundamentais sobre a qualidade de um vinho, só mesmo o seu aroma é capaz de denunciar quando uma rolha defeituosa contaminou a bebida, algo que, segundo Freitas, é mais comum do que se espera nos rótulos caros.
Uma enorme gama
O nariz humano possui 10 bilhões de receptores e hoje se conhece cerca de 1 000 genes responsáveis por eles. Seguindo o seu faro, os cientistas estimam que esse fenomenal conjunto de receptores possa captar em torno de 100 000 cheiros diferentes.
Para onde vai o perfume da flor
Tudo o que cheira se desmancha no ar, desprendendo o tempo inteiro moléculas gasosas. Mas quando você respira normalmente nem se dá conta de todo o cheiro do que está à sua volta. É possível ler sem desviar a atenção para o cheiro do papel, da tinta, da cadeira ou poltrona em que você está sentado. No entanto, se as moléculas aromáticas estão numa concentração alta, como quando o nariz se aproxima de uma flor, algumas delas flutuam até a câmara olfativa, uma cavidade pouco maior do que uma azeitona, situada na parte mais alta do nariz, atrás da região entre as duas sobrancelhas. Diante do estímulo, o cérebro ordena automaticamente uma aspiração mais forte, que acaba levando mais moléculas perfumadas para a cavidade escondida. Então, essas moléculas grudam no muco e encostam nos receptores que revestem toda a câmara. Eles são prolongamentos dos neurônios que conduzem as mensagens do nariz até o cérebro.
Um rastro de suor
A cada pegada, um homem calçado espalha em torno de 250 000 moléculas de ácido butírico que emana do suor. Sem sapatos, pode deixar um rastro muito mais forte. Um cão farejador, no entanto, só precisa de 250 dessas moléculas para seguir os passos de um homem.
As respostas estão no ar
Onde estou?
Os unicelulares primitivos só tinham olfato. O cheiro servia, e ainda serve, para um organismo ter informações do ambiente. Assim o homem pode reconhecer o cheiro da chuva.
Existe perigo?
Os sinais do nariz disparam os mecanismos cerebrais de alerta se eles indicam perigo, como ao captarem o odor de algo queimando ou, no caso dos animais, de um predador por perto.
Cadê a comida?
Mais poderoso do que a visão de um belo prato é o cheiro da comida aumentando a fome e disparando a digestão. O olfato de todas as espécies é muito sensível aos alimentos.
Somos iguais
O olfato ainda aponta seres da mesma espécie. O feto humano treina seu nariz cheirando o líqúido amniótico. Já nasce reconhecendo a presença da mãe só pelo cheiro.
Posso relaxar?
Trabalhos científicos sérios indicam que alguns aromas, como o de hortelã, desencadeiam o relaxamento. Já o perfume do limão ou laranja (acima) aumenta a concentração.
Com cheiro de coisa antiga
A editora da Universidade de Oxford, na Inglaterra, está lançando livros infantis em que muito marmanjo vai querer meter o nariz. É a coleção Smelly Old Story, algo como "a velha história cheirosa". A autora, a historiadora Mary Dobson, há muito tempo leva garrafas com aromas sintéticos para seus alunos de Oxford sentirem o cheiro do passado. Agora, resolveu passar a idéia para o papel.
O primeiro livro, que chegou nas lojas este mês, trata dos odores dos antigos romanos. Quem arranhar suas páginas sentirá, por exemplo, os ungüentos usados nos banhos públicos de Roma. "O próximo volume será sobre os vapores vitorianos, quando Londres tinha problemas de esgoto, o Tâmisa era um rio extremamente poluído e a cidade era conhecida como ‘O Grande Fedor’", diz ela. As crianças vão aprender, cheirando, que naquela época as moças esfregavam maçãs nas axilas para presentear seus pretendentes com a fruta.
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