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quinta-feira, 16 de março de 2017

As 5564 Cidades do Brasil


As 5564 Cidades do Brasil


Uma cidade ou urbe é uma área urbanizada, que se diferencia de vilas e outras entidades urbanas através de vários critérios, os quais incluem população, densidade populacional ou estatuto legal, embora sua clara definição não seja precisa, sendo alvo de discussões diversas. 

(SEGUE ABAIXO A LISTAGEM DAS 5564 CIDADES DO BRASIL)

sexta-feira, 18 de março de 2016

Manifestações populares que fizeram história


Manifestações populares que fizeram história


Manifestações populares fazem parte da história das sociedades e podem ser responsáveis por grandes mudanças políticas, sociais, culturais e econômicas no nosso mundo.

Abaixo selecionamos algumas delas que marcaram nossa época. Confira a nossa lista:

segunda-feira, 12 de maio de 2014

O navegante que sequestrou do Rio - História


O NAVEGANTE QUE SEQUESTROU O RIO - História


Em 1711, um ousado corsário francês, René Duguay-Trouin, praticou o primeiro seqüestro do Rio de Janeiro. Em grande estilo. Capturou a cidade inteira e exigiu um alto resgate.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Como funciona a cabeça de um corrupto - Comportamento


COMO FUNCIONA A CABEÇA DE UM CORRUPTO - Comportamento


É difícil compreender a psique de uma pessoa insensível à ética. A psicanálise, as ciências sociais e a filosofia ajudam a pesquisar o mistério.

domingo, 14 de outubro de 2012

A Rainha dos Reis - Cleopatra



A RAINHA DOS REIS - Cleopatra



Para reviver a glória dos faraós do Egito, ela seduziu os dois mais poderosos chefes romanos de seu tempo. Um terceiro a derrotou.

Ano 51 a.C. Cleópatra, aos 18 anos, torna-se rainha do Egito com a morte de seu pai Ptolomeu XII. É provável que os oráculos profetizassem que a jovem ambiciosa, meio grega, meio macedônica, estava destinada a interferir nos meandros da História. Mas tudo que Cleópatra queria era manter-se no poder. O Egito, celeiro do mundo ocidental e uma das nações mais ricas do Mediterrâneo, representava um troféu muito cobiçado pelos inquietos romanos; afinal, uma centena de anos antes eles haviam começado sua expansão para o Oriente. Mais de uma vez falara-se em anexação e o próprio pai de Cleópatra só conseguiu manter-se no trono distribuindo subornos. Assim, a rainha ainda adolescente sabia muito bem que o caminho para a permanência no poder passava por Roma - e seus governantes. Tornou-se amante e aliada de Júlio César (100-44 a.C.), o primeiro ditador romano. Mais tarde, conquistou as atenções de seu sucessor, Marco Antônio (82 ou 81-30 a.C.).
A história desses romances, misto de desejo e jogo de interesses, repercutiria intensamente na política romana, que passava por um período crucial. A República, implantada em 509 a.C., agonizava em meio à guerra civil. Os generais mais ricos, que podiam pagar seus exércitos, procuravam obter o poder para si. "Nesse tabuleiro de xadrez Cleópatra manobra com habilidade", avalia o professor de História Antiga Ciro Flamarion Cardoso, da Universidade Federal Fluminense. "Num mundo em que os negócios do Estado estavam nas mãos dos homens, ela usou a sedução para vencer como estadista." A personagem Cleópatra, na maioria dos livros de História, encarna como nenhuma outra mulher da Antigüidade o papel de irresistível sedutora. "Mas esta é uma visão deformada", critica Flamarion Cardoso, que se diz um admirador da figura histórica da rainha. "Cleópatra foi uma administradora competente, uma mulher culta, que além do mais devia ter consideráveis dotes eróticos. Apostou na sua estratégia e perdeu. E a História não costuma ter complacência com os vencidos."
Surpreendentemente, apenas há poucas décadas, passou-se a pesquisar com outro enfoque a vida da rainha do Egito. Até então, baseados no que diziam seus inimigos, que por sinal não eram poucos, os textos clássicos a descreveram de maneira extremamente pejorativa- mulher venal, amante de orgias, que conseguiu, com seus ardís, enfeitiçar dois generais romanos. Além das lendas, são poucos os registros históricos dignos desse nome sobre Cleópatra. Para evocar a sua aparência existem algumas efígies em moedas e um busto no Museu Britânico, em Londres. Não se sabe, portanto, se a moça tinha os olhos claros e cabelos loiros dos macedônios, ou a tez morena dos gregos. Parecia ter olhos grandes, boca pequena e bem desenhada. "Se o seu nariz tivesse sido mais curto, toda a face da Terra teria mudado", disse o matemático francês Blaise Pascal (1623-1662), pioneiro da Teoria da Probabilidade. O nariz era aquilino . O fato é que a beleza não constituía o seu maior atributo. Plutarco, o historiador romano que viveu um século depois, explicava de outro modo o fascínio que ela exercia: "A presença de Cleópatra era irresistível e havia tal encanto em sua pessoa e no seu modo de falar, misturado com uma força singular que permeava cada palavra e cada gesto, que a todos ela subjugava."
Cleópatra pertencia à dinastia de Ptolomeu, um dos generais de Alexandre, o Grande (356 a.C.-323 a.C.), cujo império se estendia do Egito até a Índia. "Alexandre, de origem macedônica absorveu a cultura oriental e se comportou como um monarca divino", classifica o professor de História Antiga Ricardo Mário Gonçalves, da Universidade de São Paulo. "Os sucessores imitaram o seu exemplo." Depois da morte do imperador, suas terras foram divididas, cabendo a Ptolomeu o Egito. Para consolidar seu poder, o general se fez sagrar faraó, retomando as tradições das linhagens que comandaram o país durante três milênios, sob cuja autoridade se desenvolveu uma peculiar civilização de que as pirâmides são o signo mais conhecido. Cleópatra VII Thea Philopator (deusa que ama o pai, em grego) era o seu nome todo. Herdeira da dinastia ptolomaica, gostava de vestir-se como Ísis, a deusa-mãe, de quem se dizia a reencarnação.
Nascida em 69 a.C., na rica Alexandria cujo porto era o mais importante da época, nada mais natural que Cleópatra se sentisse uma deusa. Dos jardins do seu palácio, ela podia ver algumas das maravilhas legadas ao mundo por seus antepassados: a mais famosa biblioteca da Antigüidade, com mais de 700 mil volumes, e um museu freqüentado por sábios do Mediterrâneo. Os Ptolomeu eram patronos das artes e muito do que se conhece hoje de filosofia e ciência gregas foi conservado em Alexandria, a capital do Egito. Do palácio também se avistava a féerica agitação do porto, os monumentos e o magnífico farol, construído por Ptolomeu II, uma das Sete Maravilhas do Mundo. Como regente do Egito, Cleópatra controlava, com a ajuda de administradores gregos, não só a vida da cidade mas a agricultura ao longo do Nilo, de onde provinha a fabulosa riqueza de seu país. Dispondo de poder absoluto, tinha objetivos definidos para o seu reinado, além de obstinação suficiente para dedicar a vida à realização de suas ambições: garantir a riqueza e a independência do Egito e restaurar a glória dos faraós.
Cercada de uma corte corrupta, Cleópatra não tinha escrúpulos. Mandou matar quatro dos cinco irmãos (dois homens e três mulheres) que podiam atrapalhar-lhe os planos. Era porém uma mulher culta. Nas negociações comerciais e nos encontros diplomáticos dispensava intérpretes, sendo a única rainha macedônica a falar o egípcio - além de nove outras línguas. Durante o seu reinado, patrocinou as artes e as ciências e teria, segundo alguns historiadores, escrito duas obras: um improvável tratado sobre pesos e medidas e outro, mais compatível com sua figura no imaginário popular, sobre penteados e cosméticos. Para conquistar a confiança do povo, subiu o Nilo até Tebas, onde presidiu uma cerimônia de culto ao touro sagrado, manifestação do deus Ra. Nos 21 anos em que governou o Egito, evitou que a massa se rebelasse, o que contraria a afirmação de que era odiada por sua crueldade.
Em compensação, logo que se tornou rainha, enfrentou a primeira conspiração palaciana. Como de costume entre os Ptolomeu, Cleópatra deveria dividir o trono com seu irmão Ptolomeu XIII, de apenas 10 anos, de quem era formalmente a mulher. Temendo, com bons motivos, que ela pretendesse governar sozinha, os tutores do irmão-marido a expulsaram para a Síria. Nesse meio tempo, o triunvirato que governava Roma desde 60 a.C. havia se desfeito e César disputava com Pompeu o controle da República. Pompeu foi assassinado em 48 a.C.. no Egito, para onde César se dirigiu com suas legiões. A fim de entrar incógnita em Alexandria e conquistar as graças de César, Cleópatra arquitetou um plano ao seu estilo. Detalhe miúdo, ela se fez embrulhar num tapete, colocado nos ombros de um servo. Pode-se imaginar a expressão do ditador romano, ao ver o que continha o tapete desdobrado aos seus pés. Não espanta que a apresentação tenha terminado na cama. Seja como for, no dia seguinte César entregaria o controle do Egito para Cleópatra. Era um presente sujeito a condições. Em troca, a rainha, que mais tarde deu à luz a um filho apropriadamente chamado Cesário Ihe garantiu riquezas para sustentar seus exércitos.
Assim, apesar do que diziam as más línguas da época, a sedução de César não era cega. Mas, ao voltar a Roma, em 46 a.C., depois de uma vitoriosa campanha na Ásia Menor, o ditador convidou a rainha a visitá-lo. E, para provar a todos que Cleópatra era mais do que uma amante casual, mandou colocar sua estátua no templo dos próprios ancestrais dedicado a Vênus, como se sabe, a deusa do amor e da beleza na mitologia romana. César tinha então 54 anos. Cleópatra, 23. Os dias do conquistador, no entanto, estavam contados. Os inimigos acreditavam que ele pretendia tornar-se rei e instalar o governo do império em Alexandria para ficar junto da amante. Em 44 a.C., num dos episódios mais dramáticos da história de Roma, César foi assassinado por um grupo de republicanos. Sua morte pôs um fim à primeira campanha de Cleópatra pelo poder. Discretamente, retirou-se para o Egito à espera dos desdobramentos que não tardariam, na luta em Roma.
Divulgado por Marco Antônio, o melhor amigo de César, o testamento do finado não mencionava sequer uma vez o nome de Cleópatra nem fornecia indicação de um eventual projeto monárquico. Os conspiradores que acreditavam que a morte de César traria de volta a República tiveram de sair do país. Formou-se um novo triunvirato com Marco Antônio, Otávio - um jovem de 18 anos, herdeiro de César - e Lépido, o maior de seus generais. Logo ficou claro que a ambição dos dois primeiros iria jogá-los um contra o outro. Em 42 a.C., na primeira batalha de que os dois participam juntos, em Filipos, na Grécia, o maior quinhão da glória cabe a Marco Antônio - ou assim parece, já que nessa época Otávio era apenas um rapaz doente. Para consolidar o poder recém-conquistado, Antônio sonha com uma invasão da Pérsia e, para esse objetivo, convoca todos os aliados da República Romana a um encontro em Tarso, na Síria. É a oportunidade que Cleópatra esperava para voltar à História. Sua entrada é nada menos que triunfal. Baseado nos textos de Plutarco, o dramaturgo inglês William Shakespeare (1564-1616) imortalizaria acenara peça Antônio e Cleópatra, em que a rainha, adornada como Vênus, aparece na popa dourada de um barco com velas de cor púrpura enfunadas ao vento. Cleópatra se faz abanar com plumas de avestruz por meninos vestidos de Cupido, enquanto, ao som de flautas, oboés e alaúdes, escravos movem ritmicamente os remos de prata. A ser verdadeira a cena, Hollywood não terá inventado nada de novo na breguíssima reconstrução de Cleópatra, filmado em 1963, com Elizabeth Taylor. Dado a festas e ostentações, como poderia Marco Antônio resistir? No golpe de misericórdia, Cleópatra, aos 29 anos e no auge de seus encantos, convida o general quarentão para um banquete inigualável. Segundo Plutarco, dai em diante Cleópatra fez o que quis de Marco Antônio: "Ela despertou e inflamou paixões até então adormecidas em sua natureza, abafou e finalmente corrompeu quaisquer resquícios de bondade e justiça que ainda subsistissem nele."Na realidade, o general era emotivo, bêbado e mulherengo", precisa Flamarion Cardoso, da Universidade Federal Fluminense.
Marco Antônio desistiu da campanha da Pérsia e aceitou o convite da rainha para visitar Alexandria. Na bela cidade eles formaram uma sociedade chamada "os que vivem para o prazer", bem ao gosto do general romano. Em 34 a.C., Antônio deu a Cleópatra, como prova de amor, a ilha de Chipre, mais a Líbia e a Síria, a Armênia, a Média (no noroeste do atual Irã) e a Cilícia (sudeste da atual Turquia) - e, é claro, o velho Egito. Em troca, como já havia acontecido com César, a rainha sustentaria com suas riquezas as legiões romanas. Marco Antônio foi um amante mais generoso do que seu antecessor. Numa das festas que promoveu, deu a Cleópatra o título de Rainha dos Reis, repartindo entre Cesário, o filho que ela tivera com César e as três crianças que eram filhos dela consigo, partes das terras conquistadas pelo seu exército. Em Roma, tais doações foram usadas por Otávio para indispor o populacho contra seu rival. Segundo o professor Ricardo Gonçalves, "ao unir-se com Cleópatra, Marco Antônio tornou-se para os romanos um monarca despótico e absolutista. Enquanto Otávio, embora também quisesse o poder absoluto, parecia agir como um defensor da República." Não tardou que ambos se guerreassem. A batalha de Ácio, no leste da Grécia. em 31 a.C., foi definitiva. Embora seu exército fosse melhor preparado, Antônio não conseguiu furar o bloqueio marítimo montado por Otávio. Cleópatra, ao lado do amante, foi a primeira a reconhecer a derrota e fugir para o Egito. Para não perdê-la, Marco Antônio foi atrás, abandonando os que ainda lutavam - pecado imperdoável para um chefe militar. No Egito, o par formou a sociedade dos "inseparáveis na morte". Como bom soldado, ele matou-se com a espada. Cleópatra, porém, tinha apego à vida. Prisioneira dos romanos, com 39 anos, apelou para a velha fórmula, tentando seduzir Otávio. Mas este recusou o jogo. Não restou mais nada à rainha senão suicidar-se, fazendo-se picar por uma áspide, pequena cobra venenosa.

O mito masculino da mulher fatal

Morena, cabelos negros, olhos cor de violeta. Assim era a Cleópatra made in Hollywood, por quem o público masculino suspirava em 1963. Não só o público: o ator inglês Richard Burton, que fazia Marco Antônio no filme, sucumbiu aos encantos, como se diz, de Elizabeth Taylor-Cleópatra e com ela viveu um longo, intermitente e tempestuoso casamento. O episódio, que um dia talvez vire filme também, foi um acréscimo primoroso para fixar no imaginário popular o mito de Cleópatra mulher fatal, cuja dimensão trágica está em ser ela ao mesmo tempo prêmio e perdição para o homem. "Cleópatra é capaz de deixar qualquer homem a seus pés, mas homem algum pode ser feliz a seu lado", resume o professor Flávio Di Giorgi, que leciona Lingüística e Teoria Literária na PUC de São Paulo.
Com uma história que mistura política, intriga, violência, luxo e erotismo, é natural que a arte se apropriasse da figura da rainha do Egito, desde as pinturas que descrevem de forma romântica e grandiloqüente o seu suicídio às peças de Shakespeare e Bernard Shaw e ao romance histórico de Théophile Gautier. Vivendo num ambiente de opulência e sensualidade - a corte dos faraós na faustosa Alexandria - Cleópatra é esculpida como a mulher irresistível que usa o corpo para conseguir o que quer dos homens e depois os descarta. Ou, segundo analisa o psicanalista Renato Mezan, também professor da PUC, "como ela não tem existência real, sendo apenas a projeção dos desejos masculinos, o mito a despoja de sentimentos".

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Globo - A voz do Brasil

A VOZ DO BRASIL



Era o Cid Moreira de sempre. Terno impecável, topete no cabelo grisalho como em todo Jornal Nacional. Ele olhou para a câmera e disse: "Tudo na Globo é tendencioso e manipulado. Não reconheço à Globo autoridade em matéria de liberdade de imprensa, e basta para isso olhar a sua longa e cordial convivência com os regimes autoritários e com a ditadura de 20 anos que dominou o nosso país."



A fala histórica foi ao ar ao vivo, na noite de 15 de março de 1994. Não era um pedido público de demissão. O apresentador transmitia um direito de resposta concedido pela Justiça ao ex-governador Leonel Brizola, que redigiu o texto após ser a acusado, no Jornal Nacional, de "declínio da saúde mental" e "deprimente inaptidão administrativa" por tentar proibir a transmissão do Carnaval. Naquele dia, milhares de brasileiros devem ter se deliciado com o texto de Brizola, lido no programa jornalístico que com média de 68% dos televisores ligados é, proporcionalmente, o mais assistido do mundo. Pessoas que como eu, e talvez você, cresceram fazendo lição-de-casa diante da Sessão da Tarde, jantando com a novela das 7 e indo dormir depois dos dramas de Regina Duarte na novela das 8. Após 40 anos como líder da televisão no Brasil, a Globo se tornou uma paixão nacional - mas uma paixão tão grande quanto a de falar mal dela.

Todos os anos, cada brasileiro passa em média 700 horas assistindo à Globo. Sem William Bonner, Xuxa ou Sinhozinho Malta, nossas roupas, jeito de falar, famílias e a imagem que temos do lugar em que vivemos seriam diferentes. "Tire a televisão de dentro do Brasil e o país desaparece", diz Eugênio Bucci, presidente da Radiobrás, co-autor do livro Videologias e ex-diretor de redação da SUPER. Exagero? Nas páginas seguintes, você verá como a Globo inventou o Brasil.



O Brasil sem a Globo

Na década de 1950, quando a televisão começou por aqui, o país escutava Tonico e Tinoco, ria de Mazzaropi e tinha 70% das pessoas morando no campo. Na cidade, ter um televisor era mais chique que home theater nos dias de hoje. As famílias deixavam de ir à ópera para assistir ao "teleteatro" em casa - e depois ligavam para o camarim cumprimentando os atores. E como não existiam satélites, cada cidade tinha sua programação, com celebridades, piadas e notícias locais.

Nos anos 1960, esse Brasil rural passou por um banho de loja cultural. Até o início dos anos 1970, o número de livros impressos passaria de 43 milhões para 191 milhões, a venda de discos cresceria 800% e a televisão viraria profissional, com antenas mais potentes, tecnologia para gravar programas e um aumento de 500 mil casas com televisores por ano. Percebendo a reviravolta, um grupo de comunicação resolveu se modernizar para virar empresa. Em 1963, contratou quase 100 funcionários num só dia - entre eles Chico Anysio e Gianfrancesco Guarnieri - e começou a fazer novelas diárias. Não, essa empresa não era a Globo. Era a TV Excelsior.

A Excelsior tinha tudo para dar certo, menos um item - isenção política. Com o golpe militar de 1964, foi boicotada pelos militares. Seu proprietário, Wallace Simonsen, que usava abertamente a televisão para apoiar o presidente João Goulart, sofreu retaliações financeiras. A emissora fechou em 1969. A outra grande TV da época, a Tupi, do magnata Assis Chateaubriand, dado a negociatas e ameaças políticas, entrou em declínio até falir em 1979. O trono estava vago para uma nova dinastia. "Os militares queriam uma empresa com visão moderna e que fosse parceira da expansão da televisão pelo país", afirma a psicanalista e estudiosa de televisão Maria Rita Kehl. É aí que entra Roberto Marinho.

Em 26 de abril de 1965, 3 anos após ganhar a concessão do então presidente Goulart, o dono do jornal O Globo levou ao ar o canal 4 do Rio de Janeiro. Em poucos meses deu para ver as novidades. A grade de atrações era conhecida do público e não mudava de repente, como na Tupi, na Excelsior ou na Record. Outra inovação: os anúncios publicitários, que apareciam ao longo do dia todo, mas em breves intervalos. Em resumo, igualzinho ao que assistimos hoje. Foi a Globo que implantou esse formato no Brasil.

Por trás do arrojo da Globo estava quem mais entendia de televisão na época: o grupo Time-Life, dos EUA. Um contrato assinado em 1962 previa que a Globo desse aos americanos 30% de seus lucros em troca de dinheiro para investimentos e experiência. O acordo virou escândalo nacional. A lei proibia que grupos estrangeiros fossem sócios de empresas de comunicação. Uma CPI foi instalada para apurar o caso e o governo podia até ordenar o fechamento da emissora - mas como uma legítima CPI brasileira, tudo terminou em pizza. Em 1969, insatisfeita com a rentabilidade do negócio, a Time-Life desistiu do contrato.



A Globo é o Brasil

Em 1969, uma casualidade mudou os rumos da TV Globo. Um incêndio destruiu a sede da emissora em São Paulo e, com os estúdios destruídos, a cidade teve de assistir à programação que ia ao ar do Rio. Surpreendentemente, a audiência na cidade não caiu. O que começou como estratégia de emergência, virou a maior vantagem da Globo, que se tornou a primeira emissora nacional do país. E uma rede que alcançasse o país inteiro era tudo o que os militares queriam. "Acreditava-se na época que o território nacional só estaria livre da ameaça estrangeira se as fronteiras estivessem em contato com o centro", diz o jornalista Gabriel Priolli, da PUC-SP e autor do livro A Deusa Ferida. Essa mentalidade fez nascer megaprojetos, como a estrada Transamazônica e a instalação de um sistema nacional de torres de televisão. Em muitos países, esse investimento foi feito pela iniciativa privada. Aqui, o estado bancou tudo. E ainda abriu linhas de crédito para qualquer pessoa comprar um televisor sem juros. O resultado foi um país unificado na tela da televisão.

Você já parou para pensar o que um descendente de alemães do interior gaúcho, um paulistano e um ribeirinho da Amazônia têm em comum? Eles falam português, ainda que um português bem diferente, descansam nos mesmos feriados e têm uma carteira de identidade que diz: brasileiro. Até 1969, era só isso. Mas depois que a Globo se tornou uma rede nacional, todos passaram a ter um enorme universo em comum. O mesmo sonho de conhecer o Rio, os mesmos bordões como "Não, Pedro Bó", o mesmo desejo de comer pizza com guaraná. "A televisão igualou o imaginário de um país cuja realidade é constituída de enormes contrastes, conflitos e contradições", afirma Eugênio Bucci.

Um estudo do pesquisador Luiz Augusto Milanesi, da USP, sobre a chegada da televisão a Ibitinga, interior de São Paulo, deixa claro os efeitos desse fenômeno. Assistindo a atores e jornalistas, os moradores descobriram que palavras como "compreto" e "frauta" estavam erradas. Mas, sem certeza do quanto já tinham se enganado, acabaram também trocando as letras em palavras corretas - "freira" virou "fleira". E se "paia" virou "palha", "meia" passou a ser "melha".



A Globo governa

Ok, a política de integração nacional deu ao país uma cara moderna e uma rede de telecomunicações de primeiro mundo. Mas o avanço também serviu como espaço de propaganda política. O programa Amaral Neto, o Repórter, por exemplo, se dedicava a noticiar os feitos milicos. No resto da programação, a censura encrencava com a roupa das chacretes e investigava até se Tom & Jerry tinha mensagens revolucionárias subliminares.

Além disso, a televisão rendeu cartadas no jogo de poder. Um estudo da pesquisadora Susy dos Santos, da Universidade Federal da Bahia, mostrou que pelo menos 40 afiliadas da Globo pertencem a políticos locais, todos ex-aliados dos militares. Os Magalhães, na Bahia, os Sarney, no Maranhão, os Collor, em Alagoas. O clima de paz e amor com o governo era tanto que, em 1972, o presidente Médici chegou a dizer: "Fico feliz todas as noites quando assisto ao noticiário. Porque, no noticiário da Globo, o mundo está um caos, mas o Brasil está em paz".

Mesmo após 1976, com o fim da censura prévia, o noticiário da Globo continuou sem farpas contra os militares. "Quando o país começou a se democratizar, a resistência da Globo às mudanças ficou clara", diz Valério Brittos, professor da pós-graduação em ciências da comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul. Foi assim durante as greves do ABC, entre 1978 e 1980, que mal foram mencionadas pela emissora, e na campanha pelas eleições diretas em 1984 (leia quadro na página 57). Esse comportamento fez surgir nos muros e passeatas o lema "O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo". "Na prática do jornalismo, como em qualquer outra atividade, erros podem acontecer", diz Luis Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação. "O importante é ter humildade para corrigir rumos e agir com transparência."

Nos últimos anos da ditadura, o poder de Roberto Marinho era de espantar mesmo. Para tentar diminuir sua força, o governo abriu concorrência para novas concessões de TV, em 1980. O Jornal do Brasil e a Editora Abril, que edita a SUPER, estavam no páreo, mas a disputa acabou ganha por Adolpho Bloch, que fez a Manchete, e Silvio Santos, do SBT. Enquanto esses canais engatinhavam, Roberto Marinho decidia os rumos do país. "Eu brigo com o papa, com a Igreja Católica, com o PMDB. Só não brigo com o doutor Roberto", disse o presidente eleito Tancredo Neves, em 1985, a Ulysses Guimarães, que estava indignado com a indicação de Antonio Carlos Magalhães para o Ministério das Comunicações. ACM não foi o único ministro que Roberto Marinho nomeou ou demitiu nessa época (leia quadro ao lado).



Revolução dos costumes

Para muitas pessoas, a história da Globo acaba aqui. A emissora só chegou aonde chegou graças a barganhas políticas e ponto final. É aí que esses críticos quebram a cara. A Globo não se fez apenas apoiando militares e jogos. "Estamos diante de um caso de talento artístico. Nenhuma emissora do mundo domina tão bem a produção técnica em vídeo quanto a Globo. Melhor que ela, só a produção em película de Hollywood", diz Gabriel Priolli. Hoje, não é só líder no Brasil: é a maior produtora de televisão do mundo. "Em 2004, produzimos 2 546 horas de programação, o que equivale a mais de 1 000 longas-metragens", afirma Erlanger, da Globo. Neste momento, 62 países estão assistindo a programas que você viu meses atrás.

Foi combinando alcance nacional e capacidade técnica acima da média mundial que a Globo protagonizou a construção da identidade brasileira. E esse talento se concentrou principalmente nas novelas. Para escrevê-las, foram chamados os melhores dramaturgos. Muitos deles vieram de jornais e grupos de teatro de esquerda da década de 1960, como Benedito Ruy Barbosa, Dias Gomes e Aguinaldo Silva. "Os autores disseminaram em cadeia nacional novos estilos de vida", diz o pesquisador Cláudio Paiva, da Universidade Federal da Paraíba. Em vez das velhas histórias da moça virgem que tinha um pai carrancudo e fora enganada por um homem, trama típica do dramalhão latino-americano, aparecem os adolescentes que transam sem culpa, o homem que chora, a mulher separada, o gay. "O Brasil tem costumes mais modernos que o restante da América Latina também porque nossas novelas são mais realistas que as mexicanas", diz Priolli.

Em 1994, a pesquisadora Anamaria Fadul, da Universidade Metodista de São Paulo, montou a árvore genealógica de 33 novelas da Globo produzidas entre os anos 1970 e 1990. Apenas duas mostravam famílias com mais de 2 filhos. "Não se pode fazer uma relação de causa e efeito, mas ficou claro que as novelas da Globo anteciparam o modelo da família atual em 2 décadas", diz Anamaria. "Há quase 30 anos a Rede Globo promove o reexame das relações homem e mulher", afirma o filósofo Renato Janine Ribeiro, autor do livro O Afeto Autoritário. "Os movimentos feministas iniciaram esse questionamento, mas a rede Globo assumiu a causa e não a abandonou." 2 produções dessa linha marcaram época:

- Dancin’ Days (1978), que mostrava a vida de Júlia (Sônia Braga), ex-presidiária que luta para retomar a vida ao lado da filha, criada pela irmã milionária.

- Malu Mulher (1979), em que Malu (Regina Duarte) é uma socióloga que decide se separar depois de ser traída pelo marido. A minissérie questionava tabus como aborto e virgindade, narrando os dramas da mulher madura que passa a ter de sustentar a filha. Malu Mulher foi sucesso na Inglaterra e na Holanda - e censurada em países da América Latina.

No caldo sem-gracinha do melodrama, também entraram pitadas de sátira, que parodiavam a política brasileira. "O Jornal Nacional mostrava políticos, em geral nordestinos, que depois de servir a todos os ditadores haviam se reciclado com a volta da democracia. Apareciam como grandes homens da República. Meia hora depois, a principal novela da mesma Globo expunha clones deles como emblemas do que há de pior em nossa sociedade", diz Renato Janine. Você deve se lembrar de algumas dessas novelas:

- Roque Santeiro (1985), que tinha 36 capítulos gravados quando foi censurada pela ditadura, em 1975. Regravada 10 anos depois, mostrava como protagonista Sinhozinho Malta (Lima Duarte), um típico coronel nordestino.

- Que Rei Sou Eu? (1989), passada no reino de Avilan, país imaginário da Europa do século 18 que vivia crises comuns às do Brasil de 1989: inflação, planos econômicos furados, moedas que mudavam de nome. Sem falar nas falcatruas e negociatas políticas.

- O Bem-Amado (1973), onde a cidade fictícia de Sucupira era palco de diversos tipos brasileiros - não exatamente os melhores. Exemplo de como a novela transformada em minissérie retratou o país é a fala do general Golbery do Couto e Silva, braço-direito do presidente Geisel, que ao deixar o cargo de chefe da Casa Civil disse aos repórteres: "Não me perguntem nada. Acabo de deixar Sucupira".



A vida começa aos 40

E hoje? E o futuro? É difícil que, daqui pra frente, um canal de TV tenha tanta importância para o imaginário de Sucupira, ops!, do Brasil. "É uma tendência mundial as grandes televisões perderem audiência para outros canais ou tipos de mídia", diz o professor Valério Brittos. "Mas, dentro dessa segmentação, a Globo vai seguir como uma das principais produtoras do mundo."

O maior baque de perda de público aconteceu na década de 1990. A audiência média de 49% dos televisores ligados, em 1979, baixou para 37% em 1997. Record e SBT aproveitaram o barateamento da tecnologia de produção e lançaram programas populares. Também apareceu o controle remoto, arquiinimigo das líderes de audiência. Mas o susto passou rápido: a novela Terra Nostra, de 1999, recuperou antigos índices de audiência e provou que o modelo "sanduíche" de um jornal entre novelas, marca da Globo instituída em 1968, não estava acabado. Até programas típicos de emissoras B no resto do mundo, como o Big Brother, viraram atração global. "A capacidade de inovar e adaptar que a Globo tem é incomum em empresas tradicionais", diz Valério Brittos.

Essa inovação, porém, foi um tiro pela culatra no que se refere à televisão a cabo. Quando partiu para a transmissão por assinatura, a Globo teve, desta vez, de tirar do próprio bolso os custos de instalação da rede. O grupo que controla a emissora fez uma dívida que, com a crise do real, em 1999, virou uma bolha de 1,3 bilhão de reais. "A empresa pode até sanear essa dívida, mas terá dificuldades se precisar fazer mais investimentos em novas tecnologias", diz Brittos.

A tecnologia mais nova do pedaço, a TV digital, pode mudar todo o jeito de ver TV hoje. Se a transmissão de dados por computador se popularizar, em poucos anos você poderá escolher entre ler seu e-mail, escutar música ou assistir aos Simpsons enquanto espera o ônibus (pois é, os ônibus devem continuar os mesmos). Especialistas dizem que a tecnologia pode tornar obsoleto o sistema de concessões de canais usado hoje em dia.
Isso significa o fim da Globo? Será que a televisão generalista, que todos vêem ao mesmo tempo, é coisa do passado? A interatividade da internet fez de qualquer pessoa uma potencial emissora de conteúdo - e mudanças como essa, que cindem a idéia de uma sociedade uniforme, tem força para inaugurar uma nova idade histórica. Por isso, é difícil prever o futuro da emissora que deu uma cara ao Brasil - "aguarde e confie", diria Didi Mocó. Já é possível, no entanto, julgar seu papel nos últimos 40 anos. Sim, em muitos momentos a Globo foi mesmo porta-voz dos militares. Mas também não faltam motivos para tratá-la como agente modernizante e um orgulho do talento nacional. A Rede Globo tem uma grande dívida com o Brasil. Mas o Brasil também deve muito à Rede Globo.


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sábado, 23 de julho de 2011

Somos todos mentirosos - Comportamento

SOMOS TODOS MENTIROSOS - Comportamento



Koko é uma celebridade. Desde que foi acolhida pela psicóloga Francine Patterson quando ainda era um bebê, em 1972, essa graciosa gorila se tornou o representante animal mais famoso na comunidade científica. A macaca aprendeu a "falar" com humanos e hoje, aos 33 anos, domina mais de mil sinais de comunicação gestual. Como efeito colateral do aprendizado, surgiu a primeira gorila a mentir na linguagem dos homens.

Com apenas 1 ano de idade, Koko começou a empregar os sinais para fingir e dissimular. Quando quebrou seu brinquedo preferido, um gatinho de plástico, ela prontamente apontou uma assistente de Patterson como culpada. Usando de seus artifícios mais dissimulados para escapar da pena, abaixou a cabeça como se não soubesse de nada, indicando apenas que estava lá para mostrar quem tinha feito a arruaça com o boneco.

A gorila mentiu para escapar de uma punição - como também fazem as pessoas - estratégia que funciona se a lorota for contada com perfeição. O problema é que para nós, humanos, a mentira é um assunto constrangedor. Ela envolve questões éticas e por isso é angustiante assumirmos que, deliberadamente, mentimos aqui e acolá.

Apesar de condenações morais, a mentira é um comportamento mais freqüente do que se imagina. Segundo um estudo realizado por Robert Feldman, psicólogo da Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos, 60% das pessoas mentem em conversas do dia-a-dia. Feldman descobriu que, muitas vezes, a mentira é pronunciada sem nenhum motivo óbvio.

Em sua pesquisa, ele observou 121 pares de pessoas que não se conheciam durante uma conversa casual de dez minutos. "Orientamos os participantes a se apresentar bem para o parceiro, parecer competentes e tentar conhecer a outra pessoa", diz Feldman. Os bate-papos foram filmados e, mais tarde, os voluntários se apresentaram para comentar o que haviam dito. Duas ou três mentiras foram identificadas em cada sessão - havia desde pessoas que fingiam concordar com o outro para ser simpáticas até um cidadão que disse ser astro de rock. "Foi um resultado surpreendente porque quem participou do estudo não imaginava que mentisse tanto quanto se viu mentindo no vídeo", diz o pesquisador.

Por que mentimos
Às vezes nem notamos, mas toda mentira tem um porquê e é instintivamente pensada. E, apesar de condenarmos os mentirosos ao fogo do inferno, é possível extrair benefícios tanto para quem mente quanto para quem ouve a mentira.

Um dos exemplos mais básicos da mentira do dia-a-dia é a relação entre homem e mulher no quesito galanteio. Quando um rapaz cordialmente elogia a garota por sua boa forma - mesmo que o elogio não condiga com a realidade - ambos tiram proveito da situação. Além de fazer a moça se sentir bem com uma "pequena" mentira, ele faz com que ela o considere o mais cavalheiro dos príncipes encantados.

Muitas vezes, a mentira serve unicamente a finalidades pessoais. É por isso que sempre que podemos damos um "upgrade" em nosso perfil. Afinal, todos nós queremos ficar bem na fita. E não é à toa que muita gente exagera na hora de redigir o currículo e aquele "inglês avançado" não passa de um semestre básico de cursinho.

Tudo isso acontece por uma pressão inevitável pelo sucesso profissional e social, segundo Leonard Saxe, professor de psicologia da Universidade Brandeis, também em Massachusetts. "Precisamos diminuir essa pressão e encontrar formas de reforçar a honestidade", diz Saxe. "Hoje há uma epidemia de ‘enchimento’ de currículo, como incluir o doutorado que gostaríamos de ter concluído, mas não conseguimos", afirma Ralph Keyes, autor do livro The Post-Truth Era ("A Era Pós-Verdade", inédito no Brasil).

A mentira, no entanto, nem sempre se resume apenas a uma leve maquiagem da realidade. Em alguns casos, ela pode se tornar uma compulsão mórbida. É o caso da mitomania - quadro em que uma pessoa vive, literalmente, uma vida de mentiras. Inventa um passado, conta histórias fantásticas e usa a imaginação o tempo todo - e tem consciência de que tudo isso é falso.

Um exemplo é o personagem interpretado por Leonardo di Caprio em Prenda-me se For Capaz. O fime narra a história verídica de Frank Abagnale Jr., que enganou uma companhia aérea fingindo ser um piloto profissional e se passou por médico e advogado. Sua carreira de mentiroso terminou quando foi finalmente capturado pela polícia. Esse é geralmente o destino de muitos pacientes com mitomania: antes de chegar ao divã, são confrontados por policiais e juízes. Talvez por isso a mitomania não seja oficialmente reconhecida pela psiquiatria.

Mas os médicos já estão acostumados com um tipo de paciente que adora mentir: são os portadores da síndrome de Münchausen. Como forma de chamar a atenção médica, a pessoa inventa sintomas e, às vezes, até se submete a dolorosos tratamentos, como cirurgias. O nome da doença é uma "homenagem" ao barão de Münchausen, famoso pelas histórias mirabolantes sobre suas experiências militares - ele dizia, por exemplo, ter cavalgado uma bala de canhão.

A mentira na história
Se para alguns a mentira não passa de um mundo de fantasia e ficção, para outros ela serve como artifício capaz de mudar o rumo da história. Afinal, a mentira acompanha a humanidade desde os primórdios - muitas vezes em benefício de grandes líderes.

Já no Egito antigo, a mentira foi um instrumento importante para a manutenção do poder do faraó Ramsés II. Em meados do século 13 a.C., as tropas egípcias lideradas pelo faraó lutaram contra outra potência da época, o Império Hitita, na batalha de Qadesh. O maior confronto envolvendo carruagens da história - cerca de 5 mil - terminou sem vencedor. Mas não para Ramsés II. Ao voltar para casa, ele cravou nas paredes de seus cinco grandes templos o relato de sua suposta vitória contra o inimigo. "Ramsés II afirmou ter vencido os hititas com a ajuda dos deuses", diz o historiador Julio Gralha, da UFRJ. "A mentira foi usada como propaganda política e religiosa."

Outro que soube manipular muito bem os fatos foi Napoleão Bonaparte. Nos idos de 1799, tudo parecia conspirar contra o general francês. O sonho de conquistar o Oriente Médio desvanecia com a humilhante derrota às margens do rio Nilo para o almirante inglês Horatio Nelson e com o fracasso na Síria. Mas o que parecia ser o sepultamento político e bélico de Bonaparte tornou-se a maior mentira política a favor de um grande líder. Habilmente, o general utilizou-se da imprensa da época para soprar aos quatro ventos suas "fantásticas vitórias" no Oriente. Ao retornar à França, Napoleão foi recebido como vitorioso e, em meio às convulsões sociais que atingiam o país, tomou o poder.

Mas não precisamos voltar tanto assim no tempo para perceber como a mentira e o poder sempre caminham de mãos dadas. Quem não se lembra do famoso episódio envolvendo Bill Clinton, Monica Lewinski e um charuto? No início, o ex-presidente americano negou de pés juntos o affair com sua então estagiária. Mas, sob a ameaça de impeachment, teve de voltar atrás em seus "causos". "Bill Clinton foi um gênio da prática da mentira", diz Ralph Keyes. "Isso não foi somente no caso da maconha (que ele afirmou ter fumado sem tragar) e de Monica Lewinsky. Ele também foi um grande prevaricador quando disse recordar-se de ‘memórias vívidas e dolorosas de igrejas negras sendo queimadas em meu estado natal quando era criança’. Nunca houve nenhum registro de uma igreja negra incendiada em Arkansas."

Apesar de tantas mentiras e posteriores confissões públicas, Clinton segue sendo um dos homens mais admirados em todo o mundo. Isso, segundo Keyes, é um sintoma do que ele chama de "era da pós-verdade". Para ele, estamos mentindo mais do que nunca, sem vergonha na cara e sem remorso. "Mentir se tornou um desafio, um jogo, um hábito", afirma o escritor.

Mentir ou não mentir
É provável que esses grandes líderes mentirosos tenham lido a "cartilha da mentira" do filósofo grego Platão. Em sua obra A República, ele defende o uso da mentira na política e afirma que os governantes têm o direito de não dizer a verdade para os cidadãos. "Se compete a alguém mentir, é aos líderes da cidade, no interesse da própria cidade, em virtude dos inimigos ou dos cidadãos", escreveu o filósofo grego, com uma ressalva: "A todas as demais pessoas não é lícito esse recurso".

Para a sorte de nós, mentirosos, o homem vem tentando justificar ao longo dos séculos nossa tendência de escorregar em declarações falsas no dia-a-dia. Afinal, quem já não encontrou um amigo depois de acordar atrasado para o trabalho, bater o dedinho no pé da cama e perder o ônibus e ainda dizer que "está tudo bem"? Relaxe: isso não passa de uma dissimulação honesta e aceitável. Pelo menos é o que dizia o filósofo italiano Torquato Accetto.

Em 1641, Accetto afirmava que muitas vezes a verdade é mais prejudicial que a mentira - desde que se trate de uma mentira honesta. Na sua visão, não é adequado um indivíduo que vive sob uma ditadura ir à praça pública e gritar que o governo está entregue a um tirano. Ele pode dissimular sua crítica e sua mentira será honesta, segundo o italiano. "Essa idéia está ligada à noção de decoro, ou seja, aquilo que pode ou não ser dito em público", afirma Roberto Romano, professor de ética e filosofia política da Unicamp.

Essa também era a opinião do pensador francês Benjamin Constant, que acabou travando um verdadeiro duelo na ponta da pena com seu companheiro alemão Immanuel Kant sobre um suposto "direito de mentir". Constant defendeu o uso da mentira em situações "filantrópicas". Ora, imagine se, um dia, um assassino o questionasse sobre a presença em sua casa de um amigo que lá tivesse buscado refúgio. É provável que você mentisse. E, para o filósofo francês, com todo o direito, pois protegeria a vida de seu amigo. O argumento não convenceu Kant, para quem a mentira era inadmissível em qualquer circunstância. Segundo ele, a verdade está na base do direito, que assegura a liberdade de todos os indivíduos. Kant afirmava que a mentira sempre prejudica, se não a uma pessoa ou um grupo de pessoas, certamente à humanidade como um todo.

Mais tarde, no século 19, o alemão Friedrich Nietzsche deixaria o homem ainda mais confuso não apenas em relação à mentira, mas também em relação a sua própria existência. Segundo ele, nós precisamos da mentira para viver nesse mundo "falso, cruel, contraditório, persistente e absurdo; mundo esse que é o mundo verdadeiro". Ou seja, na penosa tarefa de viver essa realidade, o homem precisa da mentira. O mundo que vemos é ilusão e o conhecimento - a filosofia e a ciência - é uma invenção do homem para tentar explicar o mistério do Universo.
Uma vez que a filosofia e a ciência ainda não desvendaram todas as facetas da falsidade humana, nós seguimos mentindo - provavelmente nunca vamos parar. Que o diga a gorila Koko, que, integrada à nossa sociedade, aprendeu a arte da dissimulação.



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quarta-feira, 20 de julho de 2011

A Timoneira do Aborto - Rececca Grompers

A TIMONEIRA DO ABORTO - Rebecca Grompers



A holandesa Rebecca Grompers foi incisiva quando perguntei se o bebê que ela espera para abril tem nome decidido. "Não é um bebê, é um feto." A precisão das palavras não é à toa: fundadora da Women on Waves (Mulheres Sobre Ondas), ela comanda uma das mais polêmicas organizações pró-legalização do aborto no mundo. Viaja de navio para países em que a interrupção da gravidez é proibida e recolhe mulheres que desejem fazê-la. Leva todas para águas internacionais (onde vigoram leis holandesas, país de origem da embarcação) e distribui pílulas que colocam fim ao desenvolvimento do feto ou criança - dependendo de qual lado do debate você está.

A ONG escolhe como alvo países com legislações consideradas "severas". É o caso do Brasil, que Rebecca lista entre os mais rigorosos do planeta, apesar das recentes propostas do governo Lula de relaxar punições e abrandar a lei. Por onde passa, a Women on Waves causa turbulência. Na expedição a Portugal, em 2004, foi proibida pelo Estado de embarcar mulheres. A repercussão do imbróglio foi tão grande que após a saída dos ativistas 60% dos portugueses se diziam a favor da descriminalização do aborto e 77% queriam um plebiscito sobre o tema. Vitória? "Só comemorarei quando todos países permitirem que mulheres não precisem morrer para fazer um aborto", diz a holandesa.

Quem são as pessoas que buscam ajuda da Women on Waves?

Mulheres que querem interromper a gravidez e não têm condições financeiras para isso. Em todos os países em que o aborto é ilegal, ele também é muito caro. Sabemos que a maioria das mulheres que buscam orientação em nossa linha telefônica está entre 30 e 40 anos, é mãe de pelo menos um filho e não tem recursos econômicos - ou emocionais - para criar mais uma criança. Conversamos muito com todas para buscar opções e ter certeza de que elas realmente necessitam interromper a gravidez. Se for esse o caso, oferecemos a pílula do aborto e auxílio médico.

O medicamento que vocês utilizam é descrito pelo FDA como inadequado para o aborto e causador de efeitos colaterais que incluem hemorragia e ruptura do útero. Ele não coloca em risco a vida dessas mulheres?

Se for utilizado apenas uma vez, na dose correta e até a nona semana de gravidez, não há risco. O problema são as mulheres que tomam 20 pílulas de uma vez, o que é errado. Em cinco anos de trabalho, nunca tivemos complicações médicas por causa desse remédio. É importante ter em mente que nada coloca mais em risco a saúde das mulheres que manter o aborto na ilegalidade. A cada ano, morrem 80 mulheres que fizeram abortos dentro da lei contra 80 mil mulheres que se submeteram a abortos clandestinos.

Quais os valores defendidos pelo movimento pela legalização do aborto?

Em primeiro lugar, ninguém é pró-aborto. Nenhuma mulher quer passar por essa experiência. Somos pró-direito de abortar. Nosso valor fundamental é olhar as conseqüências da ilegalidade. O aborto é a intervenção médica mais praticada no mundo e proibi-lo não o evita. Essa é a realidade. Dos 47 milhões feitos a cada ano, 20 milhões são ilegais. Nossa causa envolve compaixão, autonomia e saúde das mulheres. Nossos adversários, por sua vez, gostam de se chamar "movimento pró-vida", mas não estão nem aí para a vida das mulheres. Eles têm apenas argumentos religiosos. O problema é que o fundamento de uma sociedade democrática é separar religião e Estado. A cada 6 minutos, uma mulher morre por causa de um aborto ilegal. Precisamos olhar para as pessoas que estão aqui, não para fetos que não têm autonomia humana ou direito à vida.

E quem tem direito à vida?

A maioria dos médicos concorda que um feto de até 24 semanas de idade não tem chance de sobreviver fora do útero. Ele não tem sentimentos, consciência e autonomia - há uma dependência completa do corpo da mãe. Concordo que é uma forma de vida, sim, mas decidir qual o momento exato que transforma um feto em ser humano é uma questão pessoal. A Igreja Católica diz que é a concepção. Para os muçulmanos, isso acontece entre o 80º e o 100º dia da gravidez, quando Alá sopra a vida no bebê. Os budistas, por sua vez, acreditam que até uma mosca é uma forma de vida que não pode ser morta. Ou seja: cada pessoa tem opinião diferente e deve ter liberdade para escolher o que acha melhor. Só não entendo por que precisamos entrar nesse debate filosófico sobre quando começa a vida. Esse não é o ponto mais importante. A questão central é: mulheres fazem abortos e elas precisam ter o direito de interromper uma gravidez sem colocar em risco a própria saúde.

Desde a fundação, a Women on Waves visitou apenas países católicos. Qual o motivo dessa estratégia?

Não objetivamos países católicos, mas é importante lembrar que a Igreja Católica foi a maior indutora da proibição e a maioria dos protestantes permite o aborto. Há cerca de 150 anos, interromper a gravidez era tolerado. Só em 1869 um papa, Pio IX, declarou que a vida começa na concepção. É uma história interessante: Pio IX precisou fugir para a França e lá conviveu com Napoleão III. O imperador tinha problemas com a baixa natalidade, que atrapalhava seus planos de industrialização. Então, conseguiu que o papa declarasse que a alma humana era incorporada com a concepção. Em troca, a França o ajudou a retomar sua posição no Vaticano. Dizer que o aborto é pecado foi uma decisão política, como tantas outras da Igreja.

Agir no Brasil está em seus projetos?

Queremos visitar o Brasil, mas não temos planos concretos. A lei brasileira é bastante dura e o problema com abortos ilegais, enorme: são cerca de 1,5 milhão por ano, que levam quase 300 mil mulheres aos hospitais por complicações. Quase todas pobres, que recorrem a métodos como pular de escadas ou introduzir agulhas sujas na vagina.

Comparada a outros países, como você classifica nossa lei sobre aborto?

O Brasil possui uma das legislações mais rigorosas do mundo, assim como a maioria das nações sul-americanas, asiáticas e a Irlanda. Uma pessoa vai para a cadeia se fizer um aborto a não ser em situações de estupro ou risco de morte para a mãe. Mesmo nesses casos, é preciso enfrentar uma batalha na Justiça. É surpreendente saber que uma decisão recente do Supremo Tribunal brasileiro proibiu o aborto mesmo quando o feto não tem cérebro. As pessoas precisam entender que gravidez e parto colocam em risco a saúde das mulheres. Como podemos acreditar que um feto sem possibilidade de sobreviver é mais importante que a vida da mãe dele? Qual o sentido disso?

Pesquisas de opinião mostram que a lei brasileira está de acordo com o que pensa a maioria da população. O aborto deve ser legalizado mesmo afrontando as convicções dos brasileiros?

Sim. Estamos falando do direito à privacidade e à saúde. Isso não deve ser decidido pela maioria. Precisamos lembrar também que as implicações vão muito além, são muito maiores que o debate entre direitos da maioria e da minoria. O que acontece com a criança que não é desejada pelos pais? Com as crianças em orfanatos, abandonadas em banheiros públicos? O que estamos fazendo com as pessoas, forçando-as a passar por essa situação?

Você já fez um aborto?
Não é minha vida pessoal que está em jogo. Mas, como toda mulher, eu poderia muito bem ter passado por isso.


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sexta-feira, 8 de julho de 2011

Alexandre o cara

ALEXANDRE, O CARA



Em 356 a.C., no sexto dia do mês grego de Hecatombeon, o grande templo de Artemis, em Éfeso, onde hoje fica a costa da Turquia, foi destruído pelas chamas. Entre os habitantes da cidade, o incêndio da magnífica construção - uma das sete maravilhas do mundo antigo - foi visto como um sinal divino. Enquanto o templo queimava, os magos de Éfeso corriam em volta das labaredas, batendo as mãos no rosto e anunciando que feitos grandiosos e terríveis se aproximavam.
No mesmo dia, segundo o escritor grego Plutarco, do outro lado do mar Egeu, uma mulher chamada Olímpias dava à luz seu primeiro filho. Olímpias era rainha da Macedônia, no norte do que hoje é a Grécia. Segundo ela, na noite em que o garoto foi concebido, um relâmpago a atingiu no ventre. O rei Filipe II, marido de Olímpias, disse ter encontrado a esposa adormecida ao lado de uma enorme serpente.
Se essas histórias são verdadeiras, não sabemos. O que sabemos é que o menino ganhou o nome de Alexandre. Sabemos também que, antes de completar 30 anos, o filho de Olímpias e Filipe se tornaria o maior conquistador que o mundo já vira - e um dos maiores que veria até hoje. Alexandre foi senhor de um império gigantesco e responsável por uma das campanhas militares mais espetaculares da história. Seu nome tornou-se um mito - e sua personalidade continua até hoje mergulhada em polêmica e mistério.
O nascimento se deu numa época conturbada. Fazia mais de um século que a bacia do mar Egeu era palco de um sangrento duelo entre duas potências rivais: as cidades-estado da Grécia e o enorme Império Persa. Até aquele momento, os gregos haviam sido vitoriosos, mas as poderosas e independentes cidades-estado, divididas por rivalidades seculares, mostravam-se incapazes de transformar a Grécia em uma nação coesa. Enquanto o Império Persa se recuperava das antigas derrotas, os gregos lutavam entre si, arrastando o país à beira da anarquia.
Filipe, pai de Alexandre e rei da Macedônia, dedicou-se a reverter essa situação. Dotado de um incansável gênio político, ele transformou seu reino em uma potência internacional e criou um exército organizado e eficaz (veja o quadro à direita). No auge de seu poder, Filipe fundou a Liga de Corinto, organismo que unificava todas as cidades da Grécia - menos Esparta - sob a hegemonia macedônica. No entanto, não teve tempo de realizar seu projeto mais ambicioso: unir gregos e macedônios em uma expedição contra o inimigo comum, o Império Persa.
Durante uma festa, em 336 a.C., Filipe foi apunhalado. Alexandre subiu ao trono em meio a uma tempestade de intrigas, cercado por inimigos dentro e fora do reino. Para manter-se no poder, ele foi implacável: eliminou adversários na corte, esmagou rebeliões e provou que Filipe tinha um herdeiro à altura. Com o reino pacificado, Alexandre estava pronto para levar adiante os projetos do pai - e superá-los. Caberia a ele conduzir a Macedônia ao auge de seu poder e abrir um novo capítulo na história do mundo.

Jovem rei
Quando tomou as rédeas do reino, Alexandre tinha só 20 anos, mas já era um político habilidoso e um guerreiro indomável. Desde a infância, a ambição foi sua característica dominante. Certa vez, ao receber notícias de uma vitória de Filipe, o príncipe lamentou-se com seus amigos: "Meu pai vai acabar conquistando tudo, e não deixará para nós nenhum feito grandioso". Aos 18 anos, quando comandou a cavalaria macedônica na batalha de Queronéia, sua coragem transformou-o em um ídolo entre os soldados. O gosto pelo perigo, unido a um profundo magnetismo pessoal, encantava seus companheiros e fazia de Alexandre um líder irresistível.
Além da bravura militar, ele havia demonstrado desde menino uma grande curiosidade intelectual. Apaixonado pelas artes e pelas ciências, sempre respeitou os poetas, filósofos e eruditos (veja o quadro na página 45). Certa vez, afirmou que teria preferido superar os outros em conhecimento do que em poder político. O macedônio sabia de cor os versos da Ilíada e costumava dormir com o livro debaixo do travesseiro - junto com a espada, claro. Sua mãe o convenceu de que era descendente de Aquiles, o grande herói da Guerra de Tróia. Essa guerra mítica teria sido a origem ancestral da rivalidade entre gregos e persas. Alexandre adotou Aquiles como modelo e, assim como o semideus fabuloso, o rei dos macedônios era generoso com os amigos e capaz da maior cortesia com os adversários, mas também vivia obcecado pela idéia de sua própria grandeza e deixava-se arrastar por surtos de cólera.
Em 334 a.C., ele pôs em ação o velho projeto do pai: à frente de um exército de 37 mil soldados, marchou para a Ásia Menor e atacou os persas em seus próprios domínios. A primeira grande batalha ocorreu às margens do rio Granico (que hoje se chama Koçabas). Galopando à frente da cavalaria, Alexandre foi cercado por uma multidão - e teria morrido ali mesmo, em começo de carreira, atravessado pela cimitarra de um comandante persa, se não fosse seu amigo Clito, que decepou o braço do atacante e salvou a vida do rei por uma fração de segundo.
O exército macedônico deparou com o grosso das forças adversárias em uma planície próxima de Issus, na Síria. Lá, Dario III, imperador da Pérsia, aguardava-o com um exército de provavelmente 50 mil a 75 mil homens (alguns historiadores antigos chegam a falar de 600 mil homens, mas os historiadores antigos não se notabilizam pela exatidão numérica). As tropas de Alexandre eram menores em número, mas superiores em tática e disciplina - e o resultado foi um banho de sangue. Os macedônios massacraram milhares de soldados inimigos e o resto fugiu em pânico - incluindo o próprio Dario III, que abandonou sua mãe, sua esposa e suas filhas no acampamento real. Ao encontrar a família do inimigo, Alexandre se comportou como um cavalheiro: garantiu às cativas que seriam tratadas como rainhas e jamais permitiu que alguém as desrespeitasse. As prisioneiras afeiçoaram-se tanto a seu captor que, após a morte de Alexandre, Sisigâmbis, mãe de Dario, suicidou-se por inanição.
Depois dessa vitória esmagadora, nada parecia impossível. Pouco a pouco, as verdadeiras ambições de Alexandre começavam a se revelar. Ele não pretendia apenas derrotar o Império Persa. Seu desejo ia um pouco além: dominar o mundo.

Filho de deuses
Antes de completar a conquista da Ásia, Alexandre dirigiu-se para a África e penetrou triunfalmente no Egito. A terra das pirâmides, que durante séculos fora dominada pelos persas, saudou-o como libertador - e o rei da Macedônia foi declarado herdeiro dos faraós. Após iniciar a construção de Alexandria - uma das muitas cidades que levariam seu nome (veja o quadro da página 47) -, o conquistador cavalgou pelo deserto para visitar o oásis de Siva, na Líbia, onde se localizava o célebre oráculo do deus solar Amon - que, na Grécia, era associado a Zeus, o senhor do Olimpo. De acordo com alguns relatos, os sacerdotes do templo, vendo aproximar-se o monarca, saudaram-no como "filho de Zeus" e anunciaram que seu destino era dominar o Universo.
As palavras dos sacerdotes alimentaram o velho rumor de que Alexandre não era um simples mortal - mas um filho dos deuses. "Para a mentalidade oriental, isso caía como uma luva. Especialmente no Egito", diz o historiador clássico Anderson Zalewski, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). "O fato de um conquistador se apresentar como deus não era anormal por lá. Um dos elementos da monarquia oriental era o caráter divino", afirma.
Jamais saberemos com certeza se o próprio Alexandre acreditava em sua natureza divina, mas, entre seus seguidores gregos e macedônios, essa pretensão - mesmo que não passasse de truque político - era encarada com desconfiança. Muitos pensavam que, ao declarar-se filho de um deus, Alexandre renegava a memória de seu pai, Filipe. Outros acreditavam que a vaidade do jovem soberano estava indo longe demais. Em 324 a.C., quando Alexandre ordenou que os súditos o reconhecessem como um deus vivo, seus inimigos denunciaram o ato como pura megalomania. Em Esparta, comentou-se com desprezo: "Deixem Alexandre ser um deus, se isso lhe agrada..."

Rei dos Reis
Conquistado o Egito, Alexandre não voltou para casa. Ele preferiu rumar para a Ásia, onde iniciou uma caçada humana - cuja presa era Dario III. "Se te consideras um rei", escreveu o macedônio ao imperador da Pérsia, "prepara-te para a luta e não fujas, pois eu te perseguirei aonde quer que vás". Os inimigos voltaram a se defrontar em 331 a.C., em Gaugamela (atual Tell Gomal, no Iraque). Dario fugiu pela segunda vez e acabou sendo assassinado por um de seus próprios oficiais. Em Susa, uma das antigas capitais do império, Alexandre sentou-se triunfalmente no trono dos soberanos persas. Agora ele era o "Rei dos Reis", senhor de gregos e dos asiáticos. Tinha apenas 25 anos.
No entanto, ao mesmo tempo em que o rei atingia o ápice da glória, as tensões entre ele e seus seguidores chegavam a um ponto crítico. O macedônio começava a se comportar como um monarca absoluto - e muitos de seus oficiais ressentiam-se dessa transformação. Alexandre instituiu em sua corte a cerimônia da proskynesis, ou prostração - gesto de humildade em que o súdito se curva perante o soberano. Entre os persas, esse ritual não passava de uma mostra de respeito. Para os gregos e macedônios, era um ultraje. "Os soldados de Alexandre consideravam-se seus companheiros, e o ato de se prostar era visto como uma degradação própria de escravos", afirma o historiador Zalewski.
Alexandre passou a favorecer cada vez mais os súditos asiáticos e começou a imitar muitos de seus costumes. Incluiu nobres persas em seu círculo de amizades, entregou o governo de províncias a antigos funcionários de Dario e adotou trajes orientais. Também estimulou a união entre seus oficiais e mulheres asiáticas - chegando ele próprio a se casar com uma nobre iraniana chamada Roxane. Muitos gregos e macedônios acusavam o rei de estar se afeiçoando perigosamente ao inimigo.
Durante os anos que Alexandre passou na Ásia, a antiguidade e o mistério das culturas orientais exerceram grande fascínio sobre seu espírito. No livro Alexandre e o Império Helênico, o historiador britânico A.R. Burn, da Universidade de Glasgow, Escócia, afirma que o macedônio "aprendera a respeitar os persas por sua coragem em luta, e mesmo por sua eficiência administrativa". Além disso, certamente lhe agradava o ego ser tratado como um soberano supremo. Acima de tudo, no entanto, havia uma questão de ordem estratégica: para governar um império que pretendia ser universal, era preciso ganhar o coração dos novos súditos e estabelecer uma unidade cultural em seus domínios. "Sua tática era mimetizar os costumes dos povos dominados, procurando conciliar a tradição helênica e a memória cultural local", diz o historiador e arqueólogo Francisco Marshall, também da UFRGS. "O grande motivo por trás da orientalização de Alexandre e de sua política de mestiçagem é o desejo de evitar a fragmentação em seus domínios", afirma.
É claro que um projeto tão complexo não poderia ser totalmente compreendido por aqueles que o cercavam. "A orientalização de Alexandre causou amargo rancor entre os macedônios e a tensão passou a disseminar-se pela corte", afirma o historiador britânico John Maxwell O’Brien em Alexander the Great: the Invisible Enemy ("Alexandre, o Grande: o Inimigo Invisível", sem tradução no Brasil). Murmúrios de descontentamento fervilhavam entre as tropas e o rei já sentia a solidão do poder absoluto. Desconfiado e taciturno, bebia cada vez mais, enxergava inimigos por todos os lados e tratava sem piedade os suspeitos de traição.
Em 328 a.C., durante um banquete de casamento na cidade de Samarcanda, Clito, o heróico oficial que tinha salvado a vida de Alexandre anos antes, às margens do Granico, deixou-se levar pela raiva e lançou na face do rei uma série de acusações amargas. "Tenho inveja dos mortos" gritou ele, "que não viveram para ver macedônios açoitados com varas, implorando aos persas, como se fosse um favor, uma audiência com nosso próprio rei!" A inveja de Clito não duraria muito. Alexandre, que estava completamente embriagado, arrancou uma lança das mãos de um de seus guardas e atravessou com ela o coração do amigo. Clito caiu com um gemido e morreu na hora. Ao ver o cadáver estirado a seus pés, Alexandre ficou imediatamente sóbrio e entrou em desespero. O remorso o manteve na cama durante três dias, sem aceitar comida nem vinho.
O episódio, contudo, não diminuiu a determinação do macedônio - e, passado o choque inicial, sua ambição e seus modos autoritários voltaram com força redobrada. Os domínios de Alexandre já abrangiam três continentes, mas ele não estava disposto a descansar enquanto não alcançasse os limites do mundo conhecido. Assim, em 327 a.C., o rei voltou a reunir suas tropas e marchou. Rumo à Índia.

Deus caído
Para os gregos, a Índia era uma região misteriosa e de geografia incerta. Alguns afirmavam que, para além dela, estendia-se o Oceano Exterior - uma gigantesca massa de água que demarcava os limites da Terra. Acreditasse ou não nessas lendas, o fato é que Alexandre pretendia ultrapassar as antigas fronteiras do Império Persa e estabelecer seu domínio sobre as "terras incógnitas" do Extremo Oriente. Ele queria nada menos do que a China.
Às margens do rio Hidaspes (hoje Jhelum, na Caxemira, região disputada pela Índia e o Paquistão), Alexandre encontrou um adversário à altura: o rajá de Paurava, conhecido entre os gregos como rei Porus. Porus era um gigante - dizem que tinha mais de 2 metros - e poucos igualavam sua coragem em batalha. Segundo algumas fontes, seu exército contava com 23 mil homens, 300 carros de guerra e 85 elefantes. A luta começou sob chuva, na penumbra da madrugada, enquanto os cavaleiros gregos atravessavam o rio com água no peito. Montado em seu elefante, Porus continuou a lutar com fúria mesmo após a morte de seus dois filhos e a dispersão de quase todas as tropas. Quando o indiano finalmente se rendeu, Alexandre estava impressionado com sua bravura. Perguntou-lhe como desejava ser tratado, ao que Porus respondeu: "Como um rei". Alexandre atendeu seu pedido: manteve Porus no poder e fez dele um aliado. O rajá permaneceu leal ao rei da Macedônia até o fim da vida. Foi nessa batalha que morreu Bucéfalo, o célebre cavalo de Alexandre.
Entusiasmado com a vitória, o conquistador preparava-se para avançar até o rio Ganges. Mas a encarniçada batalha contra Porus havia esfriado o ânimo das tropas. Esgotados pelo sufocante verão indiano e pelas incessantes chuvas de monção, os soldados, que acompanhavam Alexandre havia oito anos, só pensavam em voltar para casa. Às margens do rio Hífaso, o exército recusou-se a dar um único passo adiante. Furioso, Alexandre afirmou que seguiria sozinho se fosse preciso. Encerrou-se em sua barraca e, por dois dias, recusou-se a ver qualquer pessoa. Mas, dessa vez, sua ira foi inútil. Compreendendo que não lhe restava opção, ele cedeu ao apelo dos oficiais. Quando souberam que iam voltar, os soldados choraram de alegria.
Retornando ao centro do império, Alexandre começou a sonhar com novas campanhas. Mas seu corpo e sua mente estavam esgotados por uma década de guerras. Em 324 a.C., o espírito combalido do macedônio recebeu um golpe duro: Heféstion, seu amigo mais íntimo (e, segundo alguns, seu amante), morreu por excesso de bebida. O rei chorou sobre o cadáver do companheiro e resolveu afogar as mágoas de seu jeito favorito: marchou contra a tribo dos cosseanos e ordenou que toda a população masculina fosse passada no fio da espada.
Com a alma envenenada pela solidão e pela desconfiança, o homem mais poderoso do mundo deixou-se derrotar pelo vinho. Seus banquetes estendiam-se noite adentro. Numa dessas ocasiões, segundo Plutarco, 41 convivas morreram de tanto beber. Com a saúde destroçada, Alexandre foi dominado por fantasias supersticiosas e começou a ver presságios de sua própria morte por todos os lados.
Em 323 a.C., na Babilônia, os presságios se confirmaram. Após um dia e uma noite de bebedeira, o imperador caiu de cama, ardendo em febre. No dia 10 de junho, ao pôr-do-sol, Alexandre, o Grande, estava morto. Para alguns, a causa foi a bebida; para outros, uma doença não diagnosticada, como malária (pesquisadores atuais cogitam a hipótese de ter sido sífilis). Há quem fale em envenenamento. Alexandre ainda não tinha 33 anos.
O rei não deixou herdeiros - e quando, no leito de morte, perguntaram-lhe a quem legaria o trono, ele murmurou: "Ao mais forte". Enquanto os soldados pranteavam o grande líder, seus generais já se batiam pela soberania. Em meio a uma profusão de assassinatos, lutas e traições, o sonho de um império universal chegava ao fim.

A herança
A partir de 321 a.C., os domínios de Alexandre foram divididos entre seus oficiais: Seleuco apoderou-se da Ásia Ocidental, Antígono reinou sobre a Macedônia e Ptolomeu fundou uma dinastia no Egito, cuja herdeira mais famosa foi a rainha Cleópatra. O gigantesco império fragmentou-se em pedaços que acabaram sendo subjugados pelos romanos, cerca de dois séculos depois. Alguns detratores de Alexandre chegaram a negar sua contribuição para a história - um texto anônimo afirma que "nada do que ele fez permaneceu, exceto pelas pessoas que matou, e essas continuam mortas".
A verdade, no entanto, é que as conquistas macedônicas, motivadas em grande parte pela ambição e pelo orgulho de um único homem, tiveram conseqüências tão vastas e profundas que deram início a um novo período histórico - conhecido como "época helenística". Em sua passagem pela Ásia e pela África, Alexandre fundou cidades, estabeleceu rotas de comércio e abriu as portas do mundo para a cultura helênica. Gregos passaram a migrar para o Oriente e metrópoles floresceram, como Pérgamo, Antióquia e Alexandria do Egito. Nas regiões mais remotas, governantes cercavam-se de filósofos, historiadores, geógrafos, pintores e escultores, ajudando a criar novos estilos artísticos e dando início a um período de curiosidade intelectual e avanço científico.
Para o classicista Marshall, a helenização do mundo antigo pode ser interpretada como a primeira globalização da história. "Alexandre foi o primeiro a realizar um projeto de unificação dirigida, planificada, deliberada. Com a fundação de cidades gregas por todo o Oriente, ele estabeleceu focos de irradiação da cultura clássica."
O período foi marcado por um intenso diálogo entre civilizações. O fascínio das culturas orientais logo começou a agir sobre o helenismo, transformando o espírito dos dominadores. Deuses como Ísis e Serápis, vindos do Egito, passaram a ser adorados pelos gregos. Ao redor do Mediterrâneo, fiéis eram iniciados em novos cultos, que prometiam salvação individual e imortalidade para a alma. Surgia, assim, o caldo heterogêneo no qual nasceria o cristianismo. "Os conquistadores gregos e macedônios passaram a interagir com as elites e as populações das terras dominadas, e o resultado foi uma experiência de total encontro de culturas", diz a arqueóloga Maria Beatriz Borba Florenzano, do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP.
Embora Alexandre tenha inaugurado uma era de tanto florescimento, seria ingênuo imaginar que o objetivo de seus atos fosse a fraternidade universal ou o bem das nações. Como escreveu Burn, "a idéia de que a ambição e o desejo de dominar são motivos indignos só surgiria na Europa sob influência do cristianismo". Alexandre viveu na certeza de que a dominação em larga escala era o único alvo digno de seus talentos. E foi seguindo a implacável lógica da conquista que ele escreveu seu nome, em letras de fogo e sangue, na história da humanidade.


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terça-feira, 19 de abril de 2011

Como funcionam as leis de extradição ?

COMO FUNCIONAM AS LEIS DE EXTRADIÇÃO?



Cada governo pode aplicar suas próprias leis a quem comete um crime em seu território, mesmo que a pessoa seja estrangeira. A isso dá-se o nome de soberania nacional, um conceito que data de 1648, quando Holanda e França assinaram o tratado de Westfalia. "Esse tratado marca o início do que hoje chamamos de diplomacia", explica Maria Ester Bueno, professora de direito internacional da PUC-SP.

É por isso que, se você entrar na Indonésia com cocaína, é provável que seja condenado a encerrar sua vida com um tiro na cabeça autorizado pelo governo local. E, por mais esforço que façam, advogados e diplomatas brasileiros não vão poder remediar a decisão. A prova mais recente disso é a decisão da corte indonésia de executar o brasileiro Marcos Archer. Em 2003, ele foi preso com 13 quilos de cocaína na bagagem. Ainda há prazos para recursos e a embaixada pode interceder, pedindo que ele cumpra pena no Brasil, mas a decisão final fica a cargo do governo do país asiático.

Se o episódio com Archer tivesse acontecido no México, é bem provável que ele fosse mandado de volta. Isso porque México e Brasil assinaram um tratado de extradição em 1933, comprometendo-se a cooperar um com o outro.

Quando não há acordo estabelecido previamente, a decisão de extraditar o preso depende das relações diplomáticas entre os países envolvidos. Os pedidos são julgados com base na reciprocidade de tratamento. Ou seja, um país só acata pedidos de extradição de países que agiriam da mesma forma em uma situação parecida. Mas nem sempre é assim que funciona. "Na prática, a decisão final vai depender da força econômica e da influência de um país sobre outro", diz Maria Ester.

O Brasil segue a lei 6 815, conhecida como Estatuto do Estrangeiro, e os pedidos de extradição são avaliados pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ). O envio do preso ao país requerente depende de vários fatores, mas o STJ não acata pedidos quando: o crime em questão não é considerado delito no Brasil; a lei brasileira impõe punição igual ou inferior a um ano de prisão; o pedido se refere a um crime pelo qual o acusado já tenha cumprido pena no Brasil, e quando se trata de crimes políticos. E sob hipótese nenhuma o Brasil extradita um brasileiro.

Contando presos
Segundo o Itamaraty, existem aproximadamente 2 500 brasileiros presos fora do país. O órgão informa que é impossível saber o número exato, já que muitas vezes o próprio preso não quer que a família, no Brasil, seja avisada de sua prisão. O último levantamento detalhado foi feito em 1999 e apontava menos da metade da estimativa atual: 1 202 presos em 94 países do mundo. Japão e Estados Unidos são o destino favorito dos nossos conterrâneos infratores

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Como o futebol explica o mundo - Conflitos

COMO O FUTEBOL EXPLICA O MUNDO - Conflitos



O Brasil foi jogar bola no Haiti e isso não teve nada a ver com preparação para a próxima Copa. Quem estava em campo era a diplomacia. Para comprovar, basta ver a cobertura da televisão: em vez da Fifa, era a ONU que aparecia nas imagens. No lugar do centroavante, era o presidente do país que atraía a atenção dos repórteres. Não foi a primeira nem será a última vez que futebol e política se misturaram.

É por causa dessa proximidade que alguns estudiosos olham para o gramado e enxergam um retrato perfeito da sociedade. A bola está na moda entre os analistas políticos.

Se você nunca tinha pensado que 22 jogadores em campo podem resumir o mundo, deve estar com uma dúvida: por que justamente o futebol, e não o cinema ou a literatura? "A arte sempre será produto da imaginação de uma pessoa. O futebol é parte da comunidade, da economia, da estrutura política. É um microcosmo singular", diz o jornalista americano Franklin Foer, autor de How Soccer Explains the World ("Como o Futebol Explica o Mundo", sem tradução para o português). Não apenas singular, mas global. É o esporte mais popular do planeta. Uma fama, aliás, que tem razões pouco esportivas. "O futebol nasceu na Inglaterra numa época em que os ingleses tinham um império e viajavam por muitos países. Ferroviários levaram a bola para a América do Sul, petroleiros para o Oriente Médio", afirma Foer.

Mas não vá confundir o papel do esporte. Ele faz entender, mas não muda o mundo. "Não se trata de uma força revolucionária capaz de transformar uma nação. É apenas um enorme espelho que reflete a sociedade em que vivemos", diz Simon Kuper, autor de Football against the Enemy ("Futebol contra o Inimigo", sem versão brasileira). A bola está em jogo: nas próximas páginas, você vai ver como o futebol explica...

A Reforma rotestante
Na Escócia, quando Glasgow Rangers e Celtic se enfrentam, estão dando continuidade a uma rivalidade que começou antes de o futebol existir. Mais exatamente no século 16, quando a Reforma protestante varreu o país matando católicos. Muitos morreram. Os que sobraram passaram o tempo acalentando a fidelidade ao papa, o sonho de independência e, mais tarde, o amor ao Celtic. Do outro lado da cidade, os protestantes se aliaram à monarquia inglesa e fundaram o Rangers - em que, até 1989, católico nenhum podia entrar.

Se rivalidade pode ser medida, Rangers e Celtic fazem o clássico de maior rivalidade do mundo. O ódio mortal desafia todos os intelectuais que afirmam que a civilização aplaca a barbárie e dissemina a tolerância. Glasgow é uma cidade rica, culturalmente criativa, politicamente liberal. E mesmo assim algumas de suas figuras mais proeminentes são capazes de ir ao estádio cantar hinos como "estamos mergulhados até o joelho em seu sangue".

Católicos e protestantes se matando parece coisa da Irlanda do Norte, você deve pensar. Acontece que por lá não há mais espaço para esse tipo de convivência. O católico Belfast Celtic fechou suas portas em 1949, após uma partida em que a briga das arquibancadas chegou ao gramado e jogadores foram espancados. Com a ajuda da polícia. Pela paz da nação, deixaram o futebol de lado.

A guerra Iugusláva
Quando o juiz apitou o início de Dínamo Zagreb versus Estrela Vermelha, em 1990, começou uma guerra sangrenta. Naquele dia, a união de repúblicas que formava a Iugoslávia foi sepultada.

O visitante Estrela Vermelha vinha de Belgrado, na Sérvia, capital iugoslava. O Dínamo era de Zagreb, da separatista Croácia. E os torcedores estavam lá para protestar: o estádio se transformara num caldeirão nacionalista. Quando a briga começou, um helicóptero teve de resgatar do campo os jogadores do Estrela Vermelha. Os croatas haviam estocado pedras para o ataque. As grades que separavam as torcidas desapareceram - foram dissolvidas com ácido. Os sérvios não recuaram. Pela primeira vez em 50 anos a Iugoslávia vivia um confronto étnico. Para os que defendiam um conflito armado, era a gota d’água.

Futebol e guerra não se separariam mais. E no centro desse casamento estava o Estrela Vermelha. O chefe das torcidas organizadas era um sujeito conhecido como Arkan, que mais tarde seria apontado como um dos maiores criminosos de guerra da Iugoslávia. Arkan recrutava torcedores mais violentos para atuar como paramilitares na Bósnia - entre os atrativos, ele oferecia visitas de jogadores do Estrela Vermelha para combatentes feridos. Estima-se que esses torcedores-soldados tenham matado cerca de 2 mil pessoas. A maioria civis. Quase todos com requintes de crueldade.

O Irã
Não há solo tão fértil para o florescimento de teorias conspiratórias como o do Oriente Médio. Uma delas diz que o governo do Irã sabota a seleção de futebol. Faltam evidências para acreditar na tese. Mas que os chefes muçulmanos torcem contra, isso eles torcem. E com motivo.

A rixa começou quando o regime do xá Reza Pahlevi fez do esporte um sinônimo de modernidade. Mesquitas eram confiscadas e davam lugar a campinhos. O xá era fanático pelo Taj, de Teerã. Sua esposa, pelo rival Persépolis.

Ao tomarem o poder, em 1979, fundamentalistas tentaram cooptar o esporte, cercando o campo com placas "publicitárias" anti-Israel e Estados Unidos. Não deu certo, e o futebol tornou-se símbolo da resistência. "No estádio você pode gritar contra o regime. É o único lugar livre. Focos oposicionistas nascem lá", diz Simon Kuper. Jovens tomam a arquibancada para pedir reformas. Pior: atletas como Beckham, cabeludo, tatuado e mulherengo, vendem um estilo de vida que influencia adolescentes e assombra religiosos. Pior ainda: se a seleção vai bem, a euforia toma conta do país e faz até as mulheres exigirem participar da festa, aos gritos de "não fazemos parte desse país?". É muita subversão para um aiatolá só.

Os comunistas
Como quase tudo no mundo comunista, o futebol soviético era infestado pela burocracia. A cada clube correspondia uma parte do poder: o CSKA pertencia ao Exército, o Dínamo Moscou à KGB, o Lokomotiv, adivinhem, era dos ferroviários. Só o Spartak Moscou não era de ninguém. Quer dizer, pertencia a um louco chamado Nikolai Starostin, que por conta da ousadia de possuir um time foi defenestrado para a Sibéria.

Na ditadura soviética, torcer era um ato político. Foi nos estádios, durante jogos do Yerevan Ararat ou do Dínamo Tblisi, que países como Armênia e Geórgia começaram suas lutas pela independência. Starostin, no entanto, fundou seu time não para bajular oficiais do governo, mas para agradar fãs de futebol. A massa adorou. O governo nem tanto. Quando o Spartak foi bicampeão em 1938 e 1939, deram um jeito de condenar o cartola a dez anos no gulag stalinista - onde, ironicamente, era disputado pelos chefes dos campos para ser técnico do time. Enquanto isso, na capital, o regime iniciou seu expurgo da história. O rosto e o nome de Starostin sumiram de fotos e registros oficiais. O tratamento clássico destinado aos inimigos do comunismo.

Na Alemanha Oriental, o queridinho do governo era o Dínamo, de Berlim. Assim como grande parte dos clubes de mesmo nome na Cortina de Ferro, o Dínamo era o time da polícia secreta. Não é surpresa, portanto, que tenha ganhado dez títulos nacionais seguidos nos anos 70 e 80. "Nos regimes comunistas, todo dinheiro ia para a capital. E essa política incluía também o futebol", diz Simon Kuper. O clube vivia um paradoxo: provavelmente era ao mesmo tempo o clube mais vitorioso e o mais odiado do mundo. Quando não estava dando pitacos no time, sua diretoria se reunia na cúpula da Stasi, como era conhecida a brutal polícia secreta alemã. Sendo assim, berlinense que gostava de futebol odiava o Dínamo e sonhava em reencontrar o Hertha Berlim, o time que ficara do lado ocidental da cidade quando o muro foi erguido. No primeiro jogo após a unificação da Alemanha, o estádio do Hertha recebeu 59 mil torcedores - num jogo da segunda divisão. Então os alto-falantes agradeceram a presença do corpo de diretores do Dínamo Berli. Houve revolta nas arquibancadas. No jogo seguinte, o público pagante não passou de 16 mil pessoas.

Collor e Lazzaroni
O técnico Sebastião Lazzaroni e o presidente Fernando Collor têm em comum mais do que terem sido escorraçados de seus cargos. Talvez você tenha esquecido, mas o Brasil foi eliminado da Copa sob a tutela de Lazzaroni, em 1990. Mesmo ano em que Collor assumiu a Presidência. Além de contemporâneos, eles foram ícones de uma onda que varreu o país na virada da década: a febre dos importados.

Era uma fase em que idolatrávamos o que vinha de fora - a solução dos problemas estava no exterior. Convenhamos que motivos existiam: com o mercado fechado aos importados, a indústria estava obsoleta e pouco competitiva. A seleção, por sua vez, completava 20 anos de murros em ponta de faca. Tudo que o estilo "futebol-arte" nos rendera tinha sido uma coleção de frustrações em Copas.

Collor e Lazzaroni bancaram o risco. Enquanto o presidente prometia revolucionar a economia com tecnologia estrangeira, o treinador se inspirou numa tática européia, colocou um líbero em campo e a seleção jogou na retranca. "Essa modernização pretendia transformar o Brasil numa espécie de Alemanha", escreveu Kuper. Não foi à toa que o treinador virou motivo de chacota. Economia germânica era um belo objetivo. Mas espelhar-se no futebol alemão não dá para desculpar.

Hooligans e a globalização
Os leitores mais antigos deverão se lembrar do Chelsea como o clube da torcida mais violenta do mundo. Seus seguidores eram os hooligans dos hooligans - tatuados, bêbados e brigões. Para os mais jovens, o Chelsea é um clube moderninho. O primeiro a escalar 11 gringos num jogo do campeonato inglês. E o primeiro a ter como dono um russo magnata do petróleo. "Mais que qualquer outro clube no mundo, o Chelsea foi transformado pela globalização", diz Franklin Foer.

O problema é que os antigos hooligans parecem perdidos nesse novo mundo de mauricinhos. Ok, estão felizes com o time disputando títulos. Mas vivem protestando com saudades dos "bons e velhos tempos". E, ironia, fazem isso no melhor estilo da economia de mercado: ao redor do estádio surgiu uma indústria de relíquias dos dias "em que o futebol inglês era jogado por ingleses, os torcedores eram iguais e os ingressos eram baratos". Só esquecem que naquela época o time estava na segunda divisão e falido. "Mitificar o passado, mesmo quando ele merece ser esquecido, é típico da globalização", diz Foer. Não é fácil a vida de um hooligan decadente: quanto mais eles rezam, mais vêem globalização.

Madri e Barcerlona
Endereço do Real Madrid: avenida Castellana, mais conhecida como antiga avenida Generalíssimo Franco. Pronto. Para os torcedores do Barcelona, a polêmica acaba aí: está provado que o Real é, foi e sempre será o time do poder. Tanto que construiu seu estádio na rua que homenageia o maior ditador espanhol. E a conseqüência é óbvia: seu principal rival no futebol, o Barcelona, é, foi e sempre será vítima do poder.

Madri é o centro do governo. Barcelona, capital da Catalunha, uma eterna rebelde reivindicando autonomia. A bola não poderia ficar fora da disputa. Oprimidos pela ditadura franquista, que proibiu o uso do idioma e dos símbolos "nacionais", os catalães fizeram do time do Barcelona seu partido político. O fanatismo do próprio Franco pelo Real só ajudou a acirrar os ânimos.

A briga é digna de Atenas versus Esparta. Catalães gostam de se enxergar como cosmopolitas, industriais e amantes da cultura - de lá saíram artistas como Gaudí e Miró. E descrevem seus rivais como um bando de tacanhos e rurais. Para eles, o reflexo dessas diferenças está no gramado. O Real tem futebol burocrático; o Barça, com holandeses e brasileiros no elenco, joga alegre.

Os pigmeus e o fim do apartheid
O futebol era o esporte mais popular entre os negros da África do Sul. Mas, como tudo que acontecia durante o apartheid, os brancos preferiam ter um campeonato só deles - mesmo sendo muito mais pernetas. No gramado, nas arquibancadas, nos clubes sul-africanos, todos tinham a mesma cor de pele.

A preferência monocromática começou a mudar em 1977, quando Saul Sacks, presidente do time de brancos Arcadia Shepherds, resolveu escalar o negro Vincent Julius no ataque do time. Foi uma surpresa - o presidente da federação só ficou sabendo do plano meia hora antes da estréia. Vinte minutos mais tarde, Sacks entrou no vestiário. "Este é Vincent Julius. Ele vai jogar de centroavante hoje", anunciou aos atletas. Prometia ser um baita escândalo. Não foi. Sacks, meio sem querer, havia captado uma nova atmosfera no país. E ouviu do ministro dos Esportes um conselho que parecia impensável. "Una-se aos negros. É esse o futuro do país."

Não foi a única vez que o futebol refletiu o início de mudanças naquela sociedade. Na década de 80, quando a lei ainda separava a população pela cor da pele, já existia uma liga de futebol mista. E, quando o apartheid acabou, a nova seleção, formada por brancos e negros, passou ser o reflexo da unificação do país. "O futebol virou o símbolo de uma África do Sul em que toda a população estava novamente reunida", diz Simon Kuper.
Ainda na África: Roger Milla, o camaronês que brilhou na Copa de 1990 (aquela em que Camarões venceu a Argentina na inesquecível abertura do torneio), era um jogador fracassado que foi convocado para a seleção graças a sua amizade com o presidente do país. Após a competição, ele encerrou a carreira e virou um fracassado com emprego público. Uma de suas principais iniciativas foi organizar um torneio de futebol entre pigmeus para "levantar recurso para saúde e educação". Quando chegaram à capital, os pigmeus foram aprisionados e mal alimentados. "Eles jogam melhor se comerem pouco", explicou um dos responsáveis pelo torneio. Bilheteria do jogo: 50 ingressos vendidos. E o público passou a maior parte do tempo xingando os pigmeus.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Política do faz-de-conta

POLÍTICA DO FAZ-DE-CONTA



Com o microfone na mão, Ulysses Guimarães levava a multidão no gogó. Era 1984 e São Paulo organizava a maior mobilização política do país. Para a história, o 1,5 milhão de pessoas gritando "diretas já" foi um marco. Mas a verdade é que, para quem naquele dia estava longe do palanque, Ulysses não passava de uma mancha careca no horizonte. Ouvir seu discurso com clareza era um exercício de otimismo cívico.

Vinte anos e três eleições diretas para presidente depois, comícios perderam a utilidade para a engrenagem política. Na campanha presidencial de 2002, não foi preciso um único grito. A televisão já chegava a mais de 98% dos municípios do país e por ela era possível falar ao mesmo tempo com quase todos os brasileiros. Sem ruídos, palavra por palavra. Além, é claro, de exibir a barba aparada de Lula ou o sorriso treinado de José Serra. "Numa democracia de massas, como é o Brasil, a campanha tem de ser feita na televisão. É o meio que permite ao candidato falar com mais pessoas", diz o cientista político Rogério Schmitt, da Escola de Sociologia Política de São Paulo.

Candidato à presidência dos Estados Unidos em 1939, Franklin Roosevelt revolucionou a história da corrida eleitoral ao fazer o primeiro discurso televisionado de que se tem notícia. Na época, era apenas uma transmissão que acoplava imagem à voz do candidato. Hoje, além da audiência, a televisão também permite construir a imagem do candidato. Ou melhor, construir qualquer imagem para o candidato. Porque os tempos de Ulysses e Roosevelt, em que campanha era feita à base de discursos inflamados e muita criancinha beijada, acabaram. Atualmente, bons publicitários combinam a força televisiva com pesquisas de opinião capazes de traçar um mapa psicológico dos desejos do eleitorado. Com essas informações em mãos, podem embalar propostas na forma do presente que queremos ganhar. "O eleitor sempre vota numa imagem. É impossível conhecer o candidato como pessoa", escreve o cientista político Francisco Ferraz no seu Manual Completo de Campanha Eleitoral. Nas próximas páginas você verá as artimanhas utilizadas na construção dessa imagem.

O que fazer
No mundo da propaganda política, nada é por acaso. Um vaso de flores despretensioso sobre a mesa, a manga da camisa arregaçada, uma reunião de trabalho com assessores sob o comando do candidato. Tudo ali tem função. As pesquisas qualitativas indicam que o público acha o candidato briguento e arrogante? O belo arranjo de flores ajuda a suavizar essa imagem. Titubeante e com pouca experiência administrativa? Basta aparecer distribuindo ordens na ponta de uma mesa comprida. Lento e elitista? A solução ideal é usar menos terno.

Desde 1960, quando a equipe de John Kennedy inaugurou a "campanha profissional", esses truques são repetidos à exaustão, com mais ou menos criatividade dos marqueteiros. Exemplos não faltam. Identificado pelo eleitorado como um homem frio, George Bush "pai" ganhou a presidência dos Estados Unidos, em 1988, com comerciais que intercalavam suas imagens ao lado dos maiores líderes políticos e cenas dele brincando com os netinhos (em campanha, Bush também já conversou com um frango, mas esse episódio não tem explicação lógica conhecida). O "aristocrata" Fernando Henrique Cardoso degustou uma humilde buchada de bode na corrida presidencial. Um senador americano apareceu estacionando seu carro com "15 anos de uso" entre os Mercedes do Congresso para mostrar que não era pão-duro, mas entendia que "um centavo economizado é um centavo ganho". E, para consolidar a imagem de empreendedor, Paulo Maluf adotou o bordão "Foi Maluf que fez", criado pelo publicitário Duda Mendonça - que mais tarde reaproveitaria a idéia nas campanhas do argentino Carlos Menem, do pernambucano Miguel Arraes e de Marta Suplicy, concorrente de Maluf.

Se você acredita que está imune a esse jogo, cuidado. Campanhas maciças de mídia, como são as eleições, atingem todos nós. Ainda assim, nos Estados Unidos apenas 23% dos eleitores admitem ser influenciados pelo marketing político. É o que eles pensam. "A propaganda eleitoral tende a ter maior ascendência exatamente sobre aquelas pessoas que dizem não sofrer influência", afirma Kathleen Hall Jamieson, diretora da escola de comunicação da Universidade da Pensilvânia e autora de Packaging the Presidency ("Empacotando a Presidência", sem tradução para o português). No Brasil, pesquisas mostram que somos bem mais receptivos ao horário eleitoral, que é o segundo maior fator de persuasão na escolha do voto, atrás do bate-papo com amigos e familiares.

Como fazer
Quem inaugurou esse tipo de campanha no Brasil foi Fernando Collor, em 1989. Pesquisas mostravam que o eleitorado queria um candidato de oposição, não identificado com a política tradicional e que propusesse transformar o país. Collor resolveu atender a demanda. "Hoje todos fazem isso. Mas o Collor foi o primeiro a ler pesquisas e trabalhar a imagem com eficiência", diz Rogério Schmitt. Enquanto vendia a juventude como virtude, seu rival Ulysses Guimarães veiculava um jingle em que se apresentava como "o velhinho". O final desse filme você já conhece.

Para os políticos, também é importante entender que quem está na televisão deve fazer como os televisivos. A boa propaganda eleitoral deve misturar Jornal Nacional e novela das 8. Um apresentador mostra "reportagens", o candidato aparece com soluções e por fim é exibido um clipe (supostamente) contagiante e imagens (teoricamente) belas. Tudo muito otimista e para cima. Críticas, só de vez em quando. "Brasileiro não gosta de candidato que briga com adversário. Quem bate perde", diz Chico Abréia, diretor de criação da Duda Mendonça Marketing Político, agência que comanda campanhas do PT em cidades como São Paulo e Belo Horizonte.

A trama manjada é endossada por um roteiro maniqueísta. Todo candidato precisa convencer o eleitor de que: 1) é a pessoa perfeita para o cargo e 2) o mal se aproxima na forma de problemas que, adivinhem só, correspondem a todos os defeitos identificados com o outro concorrente. "Se o seu adversário não é a corporificação do mal, ele é a encarnação do erro", ensina o Manual de Campanha Eleitoral.
Sinal dos tempos. Quando Abraham Lincoln foi eleito presidente americano, em 1860, fazer campanha era antiético. Cada concorrente discursava uma única vez, ao anunciar a candidatura. Apresentava propostas de governo e saía de cena para o povo refletir sobre o melhor caminho. Quanta diferença.