segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A Irmã da Terra - Vênus



A IRMÃ DA TERRA - Vênus



Vênus, o planeta mais próximo, é também o mais parecido com o nosso. Uma sonda espacial está a caminho para descobrir até onde vão as semelhanças e diferenças.

O dia 4 de maio deste ano foi uma data especial para uma dezena de cientistas que trabalham no Laboratório de Jatopropulsão da NASA, em Pasadena, Califórnia. Naquele dia, no centro de lançamentos de Cabo Canaveral, na Flórida, subiu o ônibus espacial Atlantis , levando a bordo uma preciosa carga científica. Trata-se da sonda Magalhães, uma nave-robô de 4 toneladas, cuja construção sofreu durante nove anos os reveses da falta de dinheiro e de rumos do programa espacial americano. Quando finalmente pôde ser embarcada na Atlantis, a Magalhães portava menos instrumentos do que a princípio se planejara para ela. Mas, graças ao empenho dos cientistas de Pasadena, que durante essa década trabalharam no projeto, a nave conservava intacto o seu objetivo principal.
Assim, em agosto do ano que vem, quando entrar em órbita em torno de Vênus, a 40 milhões de quilômetros da Terra, a sonda Magalhães traçará durante 243 dias, com auxílio do radar, o mais completo mapa da superfície do planeta. "Tudo o que sabemos sobre o sistema solar mostra que Vênus, além de ser o mais próximo, é também o planeta mais parecido com a Terra", disse para nós o geólogo da NASA Stephen Saunders, cientista-chefe da missão Magalhães. Saunders, que se especializou em Geologia Planetária, uma área de pesquisa inexistente no Brasil, já realizou estudos sobre a composição da Lua e do planeta Marte. Ele acha que as oportunidades de conhecimento oferecidas por Vênus são muito mais interessantes. Segundo afirmou, "a sonda Magalhães ajudará a responder a várias questões obscuras sobre o processo geológico desse planeta gêmeo e, por extensão, da própria Terra". 
Estudar Vênus, que tem quase o mesmo tamanho, densidade e massa da Terra, significa observar de longe, naturalmente sob condições um pouco diferentes, os mesmos processos de formação do nosso planeta, sem a interferência da erosão causada pelos ventos e pela chuva. Os cientistas sabem que o tamanho e a massa de um planeta interferem na sua evolução e aparência atual. Mercúrio, Marte e a Lua (para esses efeitos considerada um planeta) têm uma casca única, rígida, que se formou no início de sua história. A maior parte da superfície desses corpos celestes provavelmente não viu uma camada fresca de lava em mais de 1 bilhão de anos. Embora pareçam ter tido vulcões em erupção no início de suas vidas, estes podem ser considerados geologicamente mortos há muito tempo.
Comparada com essa quietude, "a Terra possui o interior ativo e sua superfície é bastante nova", nota o geofísico Remy Anterrana, da Universidade de São Paulo. O planeta é formado por uma série de camadas de rochas dispostas em placas de centenas de quilômetros de espessura, que se movimentam vários centímetros por ano. O gigantesco balé das placas é responsável pela deriva continental, que faz os continentes se afastarem ou se aproximarem uns dos outros. Quando as placas raspam umas nas outras, ocorrem os terremotos. quando se separam, o espaço que se abre é preenchido pelo magma, rocha em estado líquido que, ao atingir a superfície, se solidifica e começa a fazer parte da crosta terrestre.
Vênus pode ter tido ou continuar tendo um processo semelhante. Com a ajuda da sonda Magalhães, os cientistas esperam reconhecer formas de sua superfície do tamanho de um campo de futebol. Ironicamente, essa proeza não pode ser duplicada para o caso do leito dos oceanos terrestres - a água impede o mapeamento do radar. Exatamente por isso, geólogos planetários, como Saunders, da NASA, têm a esperança de esclarecer com os dados de Vênus alguns processos geológicos pouco previsíveis na Terra, como, por exemplo, os terremotos. "O mapeamento que será feito pela Magalhães pode revelar processos semelhantes aos que ocorrem na chamada dorsal mesoatlântica, entre a costa da América do Sul e a África, responsável pelo deslocamento desses dois continentes", explica Saunders.
Tudo isso, porém, ainda é apenas especulação. Os cientistas sabem muito pouco a respeito de Vênus, menos até do que sobre outros planetas mais distantes, como Mercúrio e Marte. O motivo não é difícil de explicar. Apesar de ser conhecida desde a Antigüidade, por ser visível a olho nu como uma estrela, paradoxalmente Vênus mal pode ser avistada pelos telescópios. Sua atmosfera, cem vezes mais densa que a da Terra, esconde totalmente a paisagem do planeta. Ao ser localizada pela manhã ou ao entardecer, ela parece mais brilhante apenas porque suas nuvens refletem a luz solar  - daí os seus outros nomes Estrela d´alva e Estrela Vésper. No século passado, quando os telescópios apontados na sua direção comprovavam que o planeta era coberto de nuvens, os cientistas pensaram que poderia se tratar de neblina causada por vapor de água.
Concluiu-se em seguida que devia chover muito em Vênus, como acontecia na Terra há cerca de 600 milhões de anos. Daí a imaginar-se um mundo de ilhas pantanosas cercado por mares turbulentos foi um passo. Mais tarde, dezenas de romances de ficção científica e incontáveis histórias em quadrinhos se apoderaram da idéia e a modificaram ao seu estilo. Por isso, heróis espaciais como Flash Gordon costumavam se perder nos oceanos imaginários de Vênus. Até que, em 1962, a sonda espacial Mariner 2 passou perto do planeta e descobriu que a temperatura embaixo das nuvens variava em torno de tórridos 400 graus centígrados. Depois, catorze sondas soviéticas e quatro americanas visitaram Vênus e descobriram um mundo terrivelmente inóspito.
As nuvens são compostas de 96 por cento de dióxido de carbono. Esse gás permite a passagem da luz, mas não a do calor. Ao alcançar o solo de Vênus, a luz se transforma parcialmente em calor, que não consegue sair do planeta, aquecendo violentamente a superfície. É o chamado efeito estufa , que aqui na Terra resulta do aumento da poluição. Para completar, as nuvens também são formadas por gotinhas de ácido sulfúrico concentrado. Imagina-se que algumas das sondas soviéticas que tentaram pousar no planeta foram simplesmente dissolvidas ao atravessar chuvas letais de ácido sulfúrico. Descobriu-se que a pressão local é noventa vezes maior do que a da atmosfera terrestre. Como diz o astrônomo e divulgador científico americano Carl Sagan, "com esse calor, pressão, gases nocivos e uma atmosfera avermelhada Vênus parece menos com a deusa do amor que lhe deu o nome do que com uma encarnação do inferno". 
As naves soviéticas Venera 9 e 10 RR foram as primeiras a transmitir imagens do planeta em junho de 1975. Elas mostraram uma paisagem desoladora: Vênus é um deserto coalhado de pedras cor de ferrugem, emoldurado por um céu alaranjado - conseqüência da pesada atmosfera que absorve os raios ultravioleta do Sol. Mas as imagens de Vênus só alcançam algumas dezenas de metros de visibilidade. Além desse ponto são raras, pois o calor literalmente frita os instrumentos em pouco tempo e as naves não conseguem sobreviver mais do que algumas horas. A maioria das informações sobre o planeta foi obtida pelos radares, instalados nos radiotelescópios da Terra ou a bordo de sondas espaciais, que podem "ver" através das nuvens. As antenas de radar das sondas americanas Pioneer 1 e 2, por exemplo, lançadas em 1978, fizeram vários mapas da superfície de Vênus.
São mapas bem mais rudimentares do que aqueles que se pretende conseguir com a Magalhães. Mostram regiões planas, semelhantes aos mares lunares, cuja origem parece ser vulcânica. Nessas planícies, o solo é formado por fluxos de lava basáltica que fluíram de crateras e depressões circulares e depois se solidificaram como caramelo ou massa de vidraceiro. Ali também existem longas colinas com quilômetros de largura, acidentes topográficos de formato circular, chamados coroas, e milhares de crateras, resultantes do impacto de meteoritos. Calculando-se o número de crateras por área, os geólogos descobriram que a idade da superfície de Vênus é de cerca de 600 milhões de anos, portanto muito mais jovem do que a da Lua (3,5 bilhões de anos), porém bem mais velha que a da Terra (somente 100 milhões de anos).
Para o astrônomo Massayoshi Tsuchida, da Universidade de São Paulo, "isso mostra que as atividades vulcânicas em Vênus ocorreram até recentemente". Segundo afirma, "pode ser até que elas ainda estejam acontecendo em pequena escala, sendo abafadas pela forte pressão atmosférica". Os dados do radar também mostraram duas regiões mais elevadas ou continentes, chamadas Afrodite e Ishtar, como as deusas do amor da Grécia e da Babilônia. Ishtar, situado no hemisfério norte venusiano, é um pouco menor do que o Brasil, enquanto Afrodite, perto do equador, tem o dobro do tamanho de Ishtar. Ali ficam as montanhas Maxwell, com 11 mil metros de altura, portanto mais altas do que o Everest, com cerca de 8 mil metros, o ponto mais alto da Terra. Em Vênus também existem planaltos menores, com diâmetro aproximado de mil a 2 mil quilômetros, cuja origem é provavelmente vulcânica.
Com o auxílio da Radioastronomia, conseguiu-se determinar a duração do dia venusiano. É curioso: o tempo gasto por Vênus para dar uma volta completa em torno do Sol (225 dias terrestres) é menor do que o tempo que demora para dar uma volta completa em redor de si mesma (243 dias terrestres). Como o planeta gira ao redor do seu eixo na direção oposta à dos seus outros irmãos do sistema solar, o Sol ali surge a oeste e se põe a leste, levando 118 dias terrestres entre um amanhecer e outro. Ou seja, em Vênus o dia é mais longo que a noite. 
Além disso, Vênus apresenta quase exatamente a mesma face para a Terra cada vez que está mais próxima deste lado do sistema solar. Em sua longa viagem em direção ao planeta vizinho, a Magalhães deveria aproveitar esse momento para o encontro. Mas, por problemas que nada têm a ver com a Astronomia, isso não vai ocorrer. Antes de se encontrar com Vênus, a sonda dará uma volta e meia ao redor do Sol. O tempo adicional de vôo da Magalhães é uma curiosa conseqüência do desastre da Challenger em que morreram todos os sete tripulantes. A Magalhães foi a primeira sonda a ser lançada por um ônibus espacial após a tragédia e teve de pagar um tributo à segurança dos astronautas da Atlantis que a transportava. Ela foi dotada de um propulsor menos possante que o considerado ideal e colocada em órbita antes da hora. Este mês, ela estará cruzando a órbita de Vênus, mas o planeta não estará lá. A nave voltará então para a órbita terrestre, onde ganhará impulso graças à força de gravidade e partirá de novo até Vênus, dando uma volta extra em torno do Sol enquanto espera que o planeta passe pelo ponto certo. O melhor momento para o lançamento da Magalhães seria em novembro, mas a época foi reservada para a sonda Galileu, que deverá visitar Júpiter.
Assim que alcançar Vênus, a Magalhães passará algumas semanas checando os instrumentos e depois entrará em ação. Apontando sua antena de 3,7 metros de diâmetro - emprestada da sucata da sonda espacial Voyager 2 - em direção do planeta, ela fará extraordinárias imagens de 25 quilômetros de largura por 16 mil quilômetros de comprimento de sua superfície. Os cientistas da NASA chamam essas imagens macarrões. Mapear Vênus equivaleria a enrolar 1852 fios de macarrão em torno do planeta, começando do pólo norte e terminando no sul. Todos esses sinais serão combinados em seguida a fim de serem transmitidos para a Terra. No final da missão, haverá uma quantidade maior de informações sobre Vênus do que aquelas obtidas por todas as outras sondas americanas e soviéticas combinadas.
O que a Magalhães fornecerá, basicamente, serão informações geológicas. Ela não dirá nada sobre a atmosfera do planeta: os instrumentos que mediriam as diferentes temperaturas das várias camadas do indigesto ar venusiano, assim como a influência do vento solar, foram cortados por falta de verba. Como a nave não pousará no planeta, tampouco poderá fornecer informações adicionais sobre a química de sua superfície. Mas, ao fazer um inventário global das crateras de impacto de Vênus, a nave talvez desvende as forças tectônicas que agem sobre o planeta, de modo a compará-las com as que existem na Terra.
Poderá também investigar a ocorrência de antigos terraços marinhos e cicatrizes de rios e canais que indicariam a existência de água no passado. Como enumera Stephen Saunders, o cientista-chefe do projeto, "esperamos encontrar novas formas de relevo, grandes montanhas vulcânicas, mais crateras de impacto - enfim, sinais de todas as forças importantes que modelam a forma de um planeta". De fato, o objetivo de Saunders e dos outros cientistas que trabalham com a sonda Magalhães é mais ambicioso. Eles querem explicar por que Vênus, o vizinho mais próximo da Terra e por muitos motivos considerada sua irmã gêmea, por outras razões pode ser também uma completa estranha.

O mesmo efeito em dois mundos

Desde que as primeiras sondas espaciais passaram perto de Vênus na década de 60, sabe-se que o vizinho planeta sofreu em grau máximo um descontrolado efeito estufa, tornando-se um deserto seco, onde a temperatura alcança em média 400 graus centígrados, o suficiente para derreter chumbo. Descobrir como isso aconteceu em Vênus pode ensinar muito a uma Terra que começa a experimentar inequívocos sintomas do efeito estufa em sua própria atmosfera. Como no caso de Vênus, a Terra sofre um aumento de temperatura devido à presença de dióxido de carbono no ar. Durante milhões de anos, esse gás, gerado naturalmente pela respiração de plantas e animais, foi um fator de equilíbrio na manutenção do clima terrestre.
Até que neste século XX o acúmulo da queima de combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e madeira, resultante da expansão da atividade industrial e do crescimento urbano, fez com que se depositasse no ar uma quantidade maior de gases poluentes. As indústrias, principalmente no hemisfério norte, também começaram a despejar na atmosfera compostos de enxofre e nitrogênio que, reagindo com a água, criaram a chuva ácida. Esta nada mais é do que chuva de ácido sulfúrico - outro fenômeno comum em Vênus. Afirma Stephen Saunders, cientista-chefe da missão Magalhães da NASA : "É claro que o aumento de gases poluentes na atmosfera terrestre é insignificante comparado com Vênus. Mas o estudo do clima desse planeta pode ajudar a conhecer os limites perigosos do efeito estufa". 

Atibaia acha balões em Vênus

Em junho de 1985, dois balões de 3 metros e meio de diâmetro lançados das sondas soviéticas Vega 1 e 2, transmitiram durante 48 horas para a Terra dados sobre a atmosfera de Vênus. Foi a primeira vez que uma experiência desse tipo foi tentada em outro planeta - um efeito duplamente comemorado no Rádio Observatório do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), em Atibaia, São Paulo. Para medir a posição e a velocidade dos balões a 109 milhões de quilômetros, a antena parabólica de 13,7 metros do radioobservatório participou ativamente da rede mundial formada para receber os sinais em vários pontos da Terra.
Na ocasião, foi utilizada a técnica de VLBI (Very Long Base Line Interferometry, ou Interferometria de Base Muito Longa), que permitiu a localização dos balões com margem de erro de apenas 10 quilômetros. Os dados do VLBI de vinte radioobservatórios, três deles no hemisfério sul, foram gravados em fita magnética e enviados ao Laboratório de Jatopropulsão da NASA em Pasadena para serem analisados em conjunto. A rede apenas identificou e localizou os balões em Vênus, enquanto os dados sobre o planeta foram captados pelos laboratórios soviéticos.
Segundo o físico Pierre Kaufmann, chefe do grupo que operou o radioobservatório de Atibaia, "a participação brasileira foi cientificamente importante, pois representou um avanço considerável nas técnicas de localização de objetos no espaço". Os balões deslocaram-se por 12 mil quilômetros à velocidade de 250 quilômetros por hora, enfrentando durante esse tempo grandes períodos de turbulência. Depois de lançar os balões na atmosfera de Vênus, as sondas soviéticas Vega 1 e 2 aproximaram-se do cometa Halley e transmitiram uma série de dados sobre a composição do seu núcleo.

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