quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

GPS: o guia que veio do espaço - satélite

GPS: O GUIA QUE VEIO DO ESPAÇO - Satélite


Entra em ação o satélite que completa um sistema capaz de dizer, com precisão nunca antes atingida, a latitude, longitude e altitude de qualquer ponto na Terra.


Era o ano de 1978, a Guerra Fria ainda estava no ar. De uma base americana, três satélites foram secretamente lançados ao espaço. Lá do alto, eles enviariam constantemente sinais de rádio para que alguns navios de guerra dos Estados Unidos pudessem calcular sua localização com precisão bem maior que a dos obsoletos rabiscos feitos a lápis sobre as cartas náuticas. Esse era o começo do projeto "Guerra nas Estrelas", que pretendia montar artefatos espaciais para usá-los em um possível conflito nuclear com a União Soviética. Os militares americanos não sabiam, mas acabavam de colocar em órbita uma inovação que quinze anos depois seria adorada por civis pacíficos do mundo inteiro: o Sistema de Posicionamento Global, ou GPS, como ficou conhecido.
Com o fim da Guerra Fria, os guias espaciais passaram a ter propósitos mais nobres. Embora tecnologicamente complicado - cada satélite, por exemplo, carrega quatro relógios atômicos para marcar o tempo -, o sistema tem um funcionamento teórico simples, o que despertou a atenção das indústrias eletrônicas americanas na metade dos anos 80. Elas perceberam que o sistema era capaz de muitos outros feitos, além de orientar destróieres ou porta-aviões. E mais: os sinais estavam sendo irradiados pelos satélites para qualquer pessoa com um receptor capaz de captá-los. Ou seja, bastava construir tais aparelhinhos e vendê-los aos montes. 
Hoje, com a entrada em órbita do 24.º e último satélite planejado, lançado no mês de setembro, essa constelação 18 000 quilômetros acima de nossa cabeça diz com precisão nunca antes atingida a latitude, longitude e altitude de qualquer ponto na face da Terra. Basta ter um pequeno receptor, do tamanho de uma calculadora, que já virou moda entre pilotos, aventureiros e cientistas. O GPS acha os caminhos certos para embarcações que vão desde o solitário veleiro Paratii, do explorador brasileiro Amyr Klink, até os petroleiros do Golfo Pérsico. Pode ser visto com pilotos de ultraleves ou de Boeings 747. Ajuda a mapear locais inóspitos como a Antártida e a evitar a poluição das represas de São Paulo. Resolve a falta de água na Arábia e de fertilizantes nas fazendas dos Estados Unidos.
Obviamente, os militares americanos não gostaram nem um pouco de ver seus satélites sendo usados indiscriminadamente. Afinal, assim como ajuda inocentes cidadãos, o GPS poderia apurar a trajetória de armas dos inimigos. Como não podiam impedir a captação dos sinais, introduziram distorções nas ondas enviadas pelos satélites. O desvio proposital reduz a precisão dos aparelhos de uso civil, que passam a ter uma margem de erro de, no mínimo, 15 metros. Só os receptores das Forças Armadas dos EUA corrigem por si próprios o desvio, aumentando a precisão para a casa dos centímetros.
Exceção foi a Guerra do Golfo - o conflito entre Estados Unidos e Iraque, em 1991. Apesar de terem se preparado por seis meses antes do primeiro tiro, as Forças Armadas americanas não tinham receptores suficientes na hora "H", fato preocupante em um ambiente tão fácil de se perder quanto no deserto. Por isso, compraram-se às pressas receptores de uso civil, incapazes de corrigir a interferência proposital. Os cientistas do Departamento de Defesa responsáveis pelo GPS não tiveram outra opção: foram obrigados a enviar instruções aos circuitos eletrônicos dos satélites para que interrompessem as distorções. Dessa forma, garantiu-se precisão de centímetros aos receptores de todos os soldados - e também aos dos outros usuários no mundo todo. 
Com ou sem margem de erro, o uso do GPS se expandiu para fora das bases militares. A primeira aplicação foi no mar, onde, além de facilitar o trabalho dos navegadores, o sistema passou a evitar tragédias. Não são raras as histórias de naufrágios devidos a erros de localização. O exemplo mais recente é o do navio argentino Bahia Paraiso, na Antártida, em 1989. Envolto na neblina, o comandante confiou na carta náutica e acabou batendo em um arrecife, que, segundo o mapa, deveria estar dezenas de metros longe da embarcação. Além de deixar todos os tripulantes e passageiros à mercê da sorte, em pequenos botes salva-vidas, a colisão derramou várias toneladas de óleo no mar, matando milhares de pingüins, focas e pássaros. 
Para evitar desastres como aquele, hidrógrafos do mundo todo estão conferindo e refazendo cartas náuticas de locais remotos como a Antártida. "Isso é necessário porque o mapeamento dos mares antárticos foi feito há muito tempo e de modo precário", disse a nos o imediato do navio polar brasileiro Barão de Teffé, Herz Aquino de Queiroz, em sua última viagem aos mares gelados. Os brasileiros gastam várias semanas por ano delineando os contornos das ilhas Shetlands do Sul, onde fica nossa base de pesquisa. Com o GPS, é impossível cometer erros tão graves quanto o do mapa a bordo do Bahia Paraiso. 
Se no mar o receptor de GPS impede tragédias, no ar ele vai proporcionar economia de tempo e de combustível. Seu uso ainda não foi oficialmente aprovado pelas autoridades internacionais da aviação civil, mas isso é uma questão de tempo. "Com ele, os pilotos poderão voar em linha reta entre uma cidade e outra", diz Jaroslaw Sobieski, um dos maiores especialistas em aviação da NASA. Isso porque as aeronaves costumam cumprir rotas sinuosas, para estar sempre próximas às estações de radionavegação que informam sua posição. Só que tais estações quase sempre ficam perto dos grandes aeroportos e têm alcance limitado .
Com o GPS, esse ziguezague torna-se dispensável, pois mesmo longe dos aeroportos o avião descobre sua localização exata, inclusive a altitude. Sabendo a posição com precisão muito maior do que a proporcionada pelos radares, os aviões poderão também voar mais perto uns dos outros, sem medo de colisões e serão capazes de pousar por instrumentos com visibilidade zero - coisa que só é possível hoje no aeroporto de Heathrow, na Inglaterra. No resto do mundo, os sistemas de pouso por instrumentos só permitem pouso com visibilidade mínima de 400 metros. "Isso vai evitar atrasos e se traduzirá em um aumento na capacidade dos aeroportos, já que mais aeronaves poderão pousar e decolar no mesmo intervalo de tempo", prevê Sobieski. 
Mas é em terra que o GPS está encontrando aplicações cada vez mais inesperadas, como preservar a pureza da água bebida pelos paulistanos. "Estamos mapeando toda a área de mananciais da Cantareira", conta o geólogo Fábio Cardinale Branco. A serviço da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), ele e o geólogo Fernando Fabrini de Almeida - um exímio operador do receptor de GPS - realizaram vôos ao redor de cinco represas que abastecem São Paulo. Registraram com extrema precisão áreas onde ocorre erosão, urbanização e destruição de mata natural. 
Esse trabalho poderia ser feito pelo tradicional método de fotografias aéreas. "Só que custaria 1 milhão de dólares e ficaria desatualizado rapidamente, devido à dinâmica de ocupação do solo em São Paulo", justifica Branco. "Usando um receptor do GPS de apenas 500 dólares, podemos atualizar os dados a cada vôo." Além disso, os dados do GPS podem ser descarregados num computador do tipo PC, onde um programa chamado Sistema de Informações Geográficas permite fazer simulações. "Pretendemos descobrir as conseqüências ambientais da eventual duplicação da Rodovia Fernão Dias", revela Fernando Almeida, referindo-se à principal artéria de ligação entre a capital paulista e o Estado de Minas Gerais.
Se no Brasil o GPS ajuda a controlar a qualidade da água, nos Estados Unidos está melhorando o alimento. "Algumas grandes fazendas americanas possuem terras bastante heterogêneas do ponto de vista dos nutrientes", diz o engenheiro Sidney Vicente, diretor da Comtrac, empresa que vende os aparelhos do GPS da americana Motorola. "Com os receptores, os fazendeiros registram os trechos que precisam mais de um ou de outro fertilizante". Depois, ligam o aparelho a um computador que calcula a melhor rota para seus tratores e a quantidade de fertilizante a ser depositada em cada porção de terra. "Tudo é feito automaticamente, poupando tempo e dinheiro."
Não bastasse o uso urbano e rural, há também aplicações em regiões selvagens, onde não há pontos de referência ao alcance dos olhos. É o caso da aldeia Haximu, na Amazônia, onde ocorreu em agosto último um massacre de índios ianomâmis. Como, obviamente, a linha de fronteira entre Brasil e Venezuela não está pintada no chão, mas apenas nos mapas, não havia como saber em que país ficava a vila. O GPS registrou as coordenadas e pôde-se descobrir, olhando no mapa, que a chacina havia ocorrido em solo venezuelano.
Como na Amazônia, o deserto também priva as pessoas de referências visuais: para onde quer que se olhe, tudo se parece. Por isso, os receptores do GPS já fazem parte da paisagem, seja nos equipamentos de pilotos de rali, de arqueólogos ou de geólogos em busca de petróleo e água. Recentemente, o governo do árido sultanato de Omã resolveu um problema que irritava a população. A desgastante tarefa de achar poços artesianos no deserto volta e meia ia por areia abaixo, quando as tempestades de vento ocultavam qualquer demarcação. Cansadas desse jogo de esconde-esconde, as autoridades locais compraram de uma só vez 45 aparelhos. Agora estão mapeando 200 000 poços de água e, dessa forma, acabando com a sede dos omanis. 



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