sexta-feira, 3 de maio de 2013

As Florestas da Fome - Ambiente



AS FLORESTAS DA FOME - Ambiente



No cenário exuberante das florestas tropicais, a escassez de nutrientes torna a vida dura: plantas e animais têm de lutar para conseguir comida.


Gorgeios tímidos rompem o silêncio na selva e anunciam a festa. Ao ouvir o convite, aves de diversas espécies - tucanos, papagaios, colibris - decolam em uma única direção. O alvoroço no céu chama a atenção de macacos e roedores, que tentam acompanhar por terra o roteiro do passaredo. Atrás deles, peregrinam numerosos insetos rastejantes. O fato é que nenhum bicho, habitante das florestas tropicais, quer perder essa viagem rumo a uma árvore em plena frutificação. Chegando ali, os animais podem se refastelar. Os mais ariscos roubam algumas frutas e saem correndo. Mas, para os outros, dispostos à confraternização, o banquete costuma prosseguir noite adentro. Trata-se de uma oportunidade especial, porque nessas matas, ao contrário do que muitas pessoas imaginam, os momentos de fartura são raros.
Durante cerca de 300 milhões de anos, as florestas do cinturão tropical da Terra puderam se desenvolver sem grandes choques climáticos e nem sequer interferências externas. Resultado: nenhuma outra região do planeta apresenta tamanha diversidade de espécies. No entanto, engana-se quem pensa que essa exuberância traduz excelentes condições de vida para plantas e animais. Ao contrário, nas florestas tropicais o que se nota é uma terrível escassez de nutrientes. Nela, só verdadeiros especialistas em técnicas de sobrevivência podem se dar bem. A raiz do problema está no solo. O sol constante e a abundância de água se confrontam com o terreno pobre em fosfatos, nitratos, manganês e outras substâncias minerais que os organismos precisam para sintetizar suas moléculas de proteínas. Ao longo da evolução, as vegetações criaram  estratégias para otimizar os parcos recursos da terra. As árvores frutíferas, por exemplo, em geral crescem a quilômetros de distância umas das outras - daí a empolgação dos animais ao localizá-las -, porque a proximidade provocaria uma dura competição pelos mesmos nutrientes, extraídos do solo.Na realidade, poucas plantas oferecem alimentos para os bichos, nesse ecossistema. Por isso, a quantidade de indivíduos da fauna acaba sendo muito menor do que o número de indivíduos da flora: em um hectare de floresta tropical existem cerca de 1000 toneladas de biomassa vegetal e apenas 35 quilos de biomassa animal. Em minoria absoluta, os animais fazem o que podem para manter a barriga cheia - a preguiça, que evoluiu nessas florestas, é um exemplo típico. Seu metabolismo é incrivelmente baixo, ou seja, seus órgãos funcionam em menos da metade da velocidade normal, em relação a outros mamíferos com o mesmo peso. Isso, em parte, porque a preguiça vive à custa de uma dieta de baixa caloria, digna de um rigoroso spa, à base de folhas de umbaúbas, espécies tropicais de árvores. Mas, também, a lentidão do organismo é uma forma de a preguiça driblar exércitos ferozes de formigas, algo necessário para conseguir sua refeição.Há milhões de anos, umbaúbas e formigas se comportam como se obedecessem ao código de honra dos mafiosos. Assirn, os insetos picam vorazmente qualquer ousado que se aproxime para devorar as folhas dessas árvores. Além disso, destroem mudas de outras plantas, que tentam colonizar seus galhos. De seu lado, em troca da proteção, as umbaúbas fornecem às formigas um néctar rico em açúcar e proteína, secretado por minúsculos nódulos espalhados pelos talos. O bicho preguiça, porém, consegue furar esse esquema: quando não está dormindo imóvel, ele avança, com prudência, no máximo 5 metros por hora. Com essa vagarosidade, o animal literalmente passa despercebido pelas formigas guardiãs - e acaba sendo o único mamífero a desfrutar as folhas das umbaúbas.Mas, assim como a preguiça paga o preço de ter um metabolismo lento para obter comida, de uma maneira ou de outra, todos os animais das florestas tropicais passam por adaptações para sobreviver ali. Em média, os mamíferos dessa região pesam menos do que espécies semelhantes que habitam as áreas de estepes. Essa diferença apontada pela balança é mais acentuada na Amazônia do que nas florestas tropicais da África e da Ásia. De fato, as florestas africanas são capazes de alimentar um número três a cinco vezes maior de animais de grande porte do que a mata amazônica. O curioso é que a falta de alimentos, ao mesmo tempo em que só permite a sobrevivência de populações pequenas de cada espécie - cujos indivíduos são obrigados a dividir a pouca comida disponível -, termina estimulando a diversidade, pelo mesmo motivo. Isso explica por que a Amazônia, última colocada na oferta de nutrientes, é a região com maior variedade de espécies do planeta.
Os macacos sul-americanos são bem mais leves do que os símios das florestas africanas. Estes, afinal, encontram menos dificuldade para conseguir frutas e, por terem essa sorte, tendem a ser mais inteligentes do que os das espécies da Amazônia. Isso porque o sistema nervoso é sempre o maior consumidor de energia em um organismo, exigindo um corpo bem- nutrido para se desenvolver. A situação podia ser ainda pior para os macacos da Amazônia, se eles não tivessem adquirido sua típica cauda preênsil, capaz de se enroscar em galhos e sustentar sozinha o corpo inteiro. Pendurados desse jeito no alto das árvores, os macacos ficam com as mãos livres para capturar insetos em pleno vôo, que terminam servindo como suplementos dietéticos. A magreza desse caçador de insetos, ironicamente, chega até a ajudá-lo - caso contrário, as pontas dos galhos, geralmente frágeis, se quebrariam com o peso do corpo.
Muitas vezes, porém, as adaptações exigidas pelas florestas tropicais não são de peso, mas de tamanho. As cobras, por exemplo, costumam ser gigantescas - os cerca de 200 quilos da sucuri se esticam nos seus 11 metros de comprimento, em média. É uma questão de economia. Pois quanto mais comprido é um animal, maior é a superfície corporal, por onde ele pode perder calor - e calor, como se sabe, é energia. O tamanho também permite à sucuri engolir presas relativamente grandes, a fim de ter estoque de energia suficiente para superar longos períodos de jejum. Afinal, podem passar meses até que a cobra gigante consiga encontrar uma nova presa.
Por sua vez, os colibris levam vantagem só porque são pequeninos. O corpo diminuto do pássaro satisfaz sua necessidade de proteínas alimentando-se de insetos minúsculos, que normalmente não abrem o apetite das aves maiores, já que parecem não compensar como fontes de energia. No entanto, bem-alimentados pelos petiscos de insetos, os colibris terminam conseguindo uma tremenda performance na hora de voar - batem as asas cerca de 80 vezes por segundo, alcançando uma velocidade de 70 quilômetros por hora. Quanto maior a área que cobrem em seus passeios diários, maior a probabilidade de encontrar uma grande quantidade de flores, das quais podem sugar o néctar com seus bicos pontiagudos. No final das contas, o cardápio de insetos e néctar proporciona aos colibris oito vezes mais calorias do que obtém a maioria das aves canoras de porte médio, cujo pecado é ter um paladar mais exigente.
Prato predileto da maioria das espécies na floresta, os insetos tentam escapar disfarçados do destino de presas. Por isso, algumas borboletas reproduzem o desenho das cascas dos troncos; outras exibem o desenho de escamas nas asas, feito uma tatuagem, cuja semelhança com uma cabeça de serpente pode afujentar predadores famintos. As cigarras, muitas vezes, se agrupam nas pontas dos galhos como se fossem inflorescências; enquanto os gafanhotos imitam gravetos, chegando a enganar as mariposas, que pousam em sua superfície para tomar sol. Essas artimanhas, no entanto, podem não ser o suficiente - daí que a maioria dos insetos das florestas tropicais liberam substâncias tóxicas para se defender. Mais venenosos do que os insetos, contudo, são os sapos. Na pele úmida e macia, depositam-se substâncias tóxicas que afastam não apenas os predadores, como eventuais fungos e bactérias que tentem colonizá-las. Pois é preciso ser egoísta: hospedar outras espécies, mesmo que sejam micróbios, significa repartir a energia do organismo, como um anfitrião que recebe um convidado de última hora para jantar e é obrigado a colocar mais um prato na mesa. E ninguém, planta ou animal, pode se dar a esse luxo na floresta.

Por um lugar ao sol

Na floresta tropical, os galhos das árvores se emaranham, formando um telhado de copas, cuja trama só deixa passar, através de pequenas brechas, 1% da luz solar. A escuridão da mata fechada impede o crescimento da vegetação rasteira. Apenas poucas mudas aguardam, latentes na penumbra, o instante em que uma árvore gigante morra, despencando no chão. Quando isso acontece, inicia-se a dura competição por um lugar ao sol. Várias mudas passam a crescer, mas aquela que consegue largar um pouco na frente das outras acaba extraindo a maioria dos nutrientes da terra, levando suas rivais a definhar por inanição. Geralmente, a planta vitoriosa na ocupação do lugar vago é de uma espécie diferente da antecessora, que durante a existência exauriu substâncias nutritivas primordiais ao seu organismo, tornando aquele pedaço de terra imprestável para suas semelhantes. Aliás, é por isso que árvores cheias de frutas costumam estar distantes entre si.A princípio, durante o crescimento, toda a força da planta é dirigida para o alto: algumas árvores alcançam 30 metros de comprimento com um tronco de apenas 20 centímetros de diâmetro. Quando chegam na altura das outras copas é que começam a engrossar. Pois, então, banhadas pelo sol, podem aproveitar melhor a fotossíntese, o sistema de obtenção de energia pela luz, que só os vegetais são capazes de realizar. A fim de roubar essa energia, muitas plantas procuram se hospedar nessas árvores maiores, germinando em seus galhos. Para se defenderem, certas espécies de árvores gigantes embebem a casca com substâncias que impedem o crescimento de parasitas; outras descascam de tempos em tempos. Afinal, as colônias de plantas parasitas podem enfraquecer uma árvore gigante, apressando-lhe a morte, ao retirarem os nutrientes e, ainda, pesarem sobre o tronco.

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