quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A Magia das Bonecas - História

A MAGIA DAS BONECAS - História


Com seu estranho fascínio, elas estiveram ao lado do homem em quase todas as civilizações e se transformaram, com sua arte, fantasia e religiosidade. num espelho fiel da história humana.




E Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. A criatura, esperta que era tratou de imitar seu criador. E as. sim começa uma história de brinquedo: era uma vez o ser humano e um objeto feito à sua imagem e semelhança... a boneca.
Assim começa também a história real de um inocente objeto que hoje alimenta fantasias infantis em milhões de lares mundo afora e acompanha o homem há milênios. É provável que desde as cavernas, embora nunca tenham sido encontradas bonecas pré-históricas. Oficialmente, tudo começou cerca de 2 000 anos antes de Cristo, no Egito Antigo, durante a época do Médio Império, quando surgiram as primeiras bonecas de que se tem notícia. Algumas eram talhadas em madeira, com longos cabelos esvoaçantes - que até hoje não se sabe bem para que serviam. Outras, a esmagadora maioria , eram forjadas no mesmo barro que, segundo a Bíblia, moldou Adão, mas com um destino bem menos festivo. Longe do Paraíso, a elas estava reservada a tarefa de acompanhar os faraós na incursão ao mundo dos mortos. E parece que  elas se saíram bem nesse rito de passagem para o além, já que depois dessa data as bonecas funerárias, medindo entre 10 e 23 centímetros e batizadas com o nome de ushabtis, passaram a ser produzidas em larga escala para substituir parentes escravos que antes eram enterrados vivos com seus reis.
O fascínio pelas bonecas esteve presente em quase todas as civilizações. Nos túmulos egípcios, elas acompanhavam a morte Na tradição judaico cristã, se imiscuíram sorrateiramente na criação da vida. Afinal, Adão foi feito em barro, e Eva, em osso, dois dos materiais mais comuns para a fabricação artesanal de imagens na Antigüidade. Desde então, o mundo das bonecas tem sido o ninho predileto da magia, da fantasia, da arte e da religiosidade.Originalmente, as crianças nem sequer tinham o direito de se aproximar desses pequenos totens, que se acreditava terem poder de vida e morte sobre as pessoas e eram monopólio de donos bem mais exclusivistas: sacerdotes, feiticeiros e curandeiros. Uma crença que ainda existe em certas religiões anímicas e que tem no vodu sua maior expressão. Seja na África, na Europa ou no Brasil- onde a umbanda e o candomblé são um rico veio de figuras do bem e do mal -, manipular a imagem humana ainda guarda um pouco dessa antiga mística de poder sobrenatural.
Até hoje, historiadores e colecionadores têm dificuldade para distinguir a boneca, simples brinquedo, de todas aquelas imagens e estatuetas que as escavações arqueológicas nos restituem. Uma ambigüidade que não está restrita às civilizações que o tempo apagou. Na Idade Média, por exemplo, ela foi tão marcante que, entre a cruz e a boneca, a sociedade medieval resolveu condenar os pequenos bibelôs à mesma fogueira onde ardiam as bruxas. Carregadas do simbolismo da mitologia pagã greco-romana, elas praticamente desapareceram do mapa. No máximo, eram admitidas em presépios - como o que deram fama internacional a Nápoles, na Itália - e feiras. Principalmente em cidades também italianas como Florença e Veneza, onde, apesar de toda a repressão religiosa, o teatro de marionetes conseguiu sobreviver mas isso porque passou a divertir o povo com parábolas sobre a vida de Cristo. As bonecas, no entanto, não eram mais os brinquedos infantis que foram na Grécia e em Roma, e sim, uma diversão de adultos.No mundo clássico era comum que meninas tivessem bonecas, e provavelmente brincavam com elas tanto quanto as crianças atualmente. Mas esse brinquedo tinha também uma função ritual. Na época do casamento, as jovens gregas costumavam consagrar suas bonecas à deusa Afrodite. Alguns dos bilhetes que acompanhavam essas oferendas foram conservados até hoje. "Eu, Sapho, dedico este precioso presente para você", escreveu uma dessas mulheres de Atenas. Os romanos celebravam em dezembro, ao mesmo tempo que as comemorações de Saturno - o deus que, depois de expulso do Olimpo fundou Roma -, festas particulares em que bonecas eram dadas como presentes. Sempre em maio, o deus Lares - o nome diz tudo - era homenageado com altares lotados de bonecas.
O ritual e o prazer da simples brincadeira se tornaram inseparáveis na sociedade clássica. Em Herculano, cidade romana destruída com Pompéia na erupção do Vesúvio, em 79 d.C., foi encontrado o corpo de uma menina abraçada a uma boneca, completamente preservado pela lava. Descobrir se ela se agarrava a um simples brinquedo ou a um ídolo como as imagens de santos a que até hoje muitos se apegam em momentos difíceis é uma missão impossível. A mesma dúvida existe em relação à boneca de marfim encontrada no sarcófago de Maria, mulher de Honorius, um dos últimos imperadores de Roma. Do tamanho da Barbie, toda articulada, ela tinha enxoval e jóias, do mesmo modo que a boneca moderna. Isso em pleno século III de nossa era.
Essa dualidade que as fogueiras tentaram banir da Europa na Idade Média não foi monopólio do Ocidente. No Japão, até hoje as duas definições se misturam tanto quanto se misturavam entre romanos e gregos. Há pelo menos 900 anos, todo dia 3 de março, as meninas reverenciam a casa imperial reunindo suas bonecas prediletas numa grande festa. Uma a uma, todas as bonequinhas são visitadas, apresentadas às amigas e, durante o chá, têm o privilégio de serem servidas em primeiro lugar. A semelhança com o chazinho de boneca tão comum entre as nossas crianças, no entanto, fica só na aparência. Para os japoneses, bonecas têm espírito. E isso é coisa séria, de adulto.
Ainda hoje, muitos japoneses acreditam que, colocada no leito de uma criança doente, a boneca pode levar a moléstia embora. Se presenteadas no dia do casamento, são consideradas símbolo de prosperidade e felicidade conjugal para o jovem casal. Há pouco mais de vinte anos, o sindicato dos fabricantes e comerciantes de Tóquio aproveitou a deixa dessa crença para promover um grande lance comercial chamado Ninguyo Kuyo. Tradução "consolo da alma das bonecas", ritual de cremação que se tornou tradicional na capital japonesa. Todo dia 25 de setembro, as mulheres estéreis que obtiveram a graça de ter um filho levam uma boneca para ser cremada no templo Kiyomizu-Kannondo. A idéia é que, queimando a boneca, seu espírito carregado do desejo de maternidade vai embora com a fumaça e a criança pode crescer em paz. Vai-se o espírito infantil, fica o comercial.
Em muitas tribos africanas, o mito da fertilidade sobrevive com a mesma força. Entre os cuanhama, da Costa do Marfim, ou os lobi de Angola, quando as mulheres engravidam, passam a andar com bonecas penduradas na cintura. Se querem um filho homem, o objeto terá características masculinas. Se desejam uma filha, a boneca será enfeitada com brincos e colares coloridos. Quando a mãe ou avó presenteia a menina com uma boneca, faz-se uma festa. E como se a família Ihe confiasse a imagem de sua futura descendência, protegendo-a contra a esterilidade. Entre os índios carajás, de Goiás, somente mulheres e meninas podem manipular as pequenas bonecas de barro chamadas litjocós, conhecidas pelos bandeirantes e até hoje produzidas por essa tribo que já somou 9 000 pessoas e hoje está reduzida a pouco mais de 400 índios. Muitas delas dão forma aos seres mágicos da mitologia carajá.Com uma enorme carga simbólica pagã, é compreensível que a Igreja Católica tenha perseguido tanto as bonecas. Mas por maior que tenha sido a repressão, o fascínio ressurgiu em todas as oportunidades que teve. No século XIV, a França foi tomada pela febre das Pandoras, bonecas de madeira, feitas em tamanho natural, que no inicio eram enviadas às cortes para exibir as últimas criações dos estilistas parisienses, mas logo se tornaram presentes, trocados com freqüência entre os nobres. No século XVI, Martinho Lutero, o líder da reforma protestante que mergulhou a Europa em sangrentos conflitos religiosos, condenou veementemente a frivolidade das bonecas fabricadas em Nuremberg, na Alemanha. Os "objetos luxuriosos" não passavam de meras peças de madeira entalhada, com cabelo de crina de cavalo, vestidas como mulher da corte, apelidadas de Docke.Mas era tarde. Embora ainda fossem brinquedos de adultos, as bonecas estavam de volta à Europa, agora para ficar. Para chegar às mãozinhas das crianças, no entanto, ainda iam demorar muito. Só a partir do século XVIII, com a Revolução Industrial, a boneca voltaria ao reino da infância. As regras rígidas que governavam o comportamento das crianças até então começaram a ser relaxadas. Educadores e filósofos encorajavam pais a permitir que as meninas brincassem com elas e o crescimento da classe média abriu mercado para a produção em larga escala. Rapidamente as crianças européias saíram da rústica idade da madeira para a delicadeza dos rostinhos de louça - um segredo roubado da China. Daí para o biscuit - material que proporcionou as mais perfeitas imitações da pele humana até hoje - foi um pulo. Nascia a idade de ouro das bonecas.
O século XIX foi marcado pelos biscuits das fábricas familiares francesas Jumeau, Bru, Schimidt, Fils e das alemãs Armand Marseille e Heubach. Pelo troca - troca de sobrenomes e nacionalidades, nota - se que havia intercâmbio entre os dois grandes centros. A facilidade de conseguir matéria - prima fez da Alemanha a grande recordista na produção de biscuits. Mas as bonequinhas francesas são hoje as mais valorizadas, pela beleza dos rostos e roupas. Um molde de rosto era usado no máximo cinqüenta vezes e depois jogado fora. Até escultores renomados foram contratados pelos Jumeau para desenhar as carinhas de suas bonecas, que durante três gerações, de 1845 a 1899, transformaram o nome da família numa das palavras mais pronunciadas pelas crianças de todo o mundo. Bebé Jumeau, na época, era sinônimo de boneca como Gillette é hoje de lamina de barbear.
A evolução das bonecas européias seguiu uma ordem inversa à natural. Primeiro, foram fabricadas as madames, depois as meninas e, por fim, os bebês. Olhos e bocas também foram se aprimorando. Com o tempo, ganharam o movimento de abrir e fechar, além de cílios e dentes. Em 1905, no entanto, começaria na Alemanha o movimento artístico que poria fim ao predomínio que os biscuits exerceram durante quase todo o século passado. Nesse ano. como contestação ao ideal de beleza inatingível representado pelo rosto de porcelana, nasceram as Googlies, as verdadeiras ancestrais das bonecas que conhecemos hoje em dia.Com suas expressões marotas e olhos esbugalhados, elas representaram uma revolução estética. Ao mesmo tempo, novos materiais passaram a ser testados, em busca de maior resistência aos carinhos infantis. As bonecas de biscuit enfrentaram forte concorrência das de papier mâche e cera, que também tinham defeitos, como rachar e deformar. Seguiu-se a moda das bonecas de celulóide, que se mostraram altamente inflamáveis. O plástico e a borracha só viriam a ser usados com intensidade depois da Segunda Guerra Mundial.Outro sonho perseguido pela indústria de bonecas foi a criação de uma espécie de Pinóquio - capaz de andar, falar e se movimentar sozinho. Fabricados a partir do século XVII por relojoeiros alemães e suíços, os bonecos mecânicos, chamados autômatos, funcionavam como símbolo de status para as classes mais altas. Alguns eram tão caros e elaborados que o público pagava entrada para vê-los. Os temas variavam do tocador de banjo ao garoto soltando bolas de sabão e à vovó costurando. Em 1780, a rainha francesa Maria Antonieta adquiriu um, tão extraordinário, que o compositor alemão Christoph Gluck foi chamado especialmente para escrever uma música para ele. Os autômatos eram capazes de proezas como escrever frases com uma caneta, mexendo a cabeça e os olhos como qualquer pessoa faria, ou tocar flauta com os exatos movimentos do músico.
A invenção da caixinha de música coube a um relojoeiro suíço Antoine Favre, no século XIX. Rapidamente, os pequenos bonecos mecânicos que se moviam conforme a melodia se espalharam pela Europa. Mas poucos desses caríssimos objetos chegaram às mãos das crianças. Elas no máximo observavam o deleite dos adultos com os autômatos. O próprio Thomas Edison (1847-1931), o americano que inventou a lâmpada e o fonógrafo, criou um boneco falante, que inspirou Jumeau a fabricar no final do século passado bonecas fonográficas, capazes de dizer frases como "Alô minha querida mamãezinha", em francês. Uma boneca que caminhava, a autoperipatetikos (que anda sozinho em grego), foi patenteada nessa época.Quase todo esse patrimônio se encontra agora nas mãos de adultos, colecionadores, museus ou antiquários, onde tem status de obra de arte. Atualmente, o hobby de colecionar bonecas é o terceiro mais popular do mundo, atrás apenas dos aquários e dos selos. Só nos Estados Unidos, onde fica localizado o Margareth Strong, o maior museu de bonecas do mundo, existem mais de 100 clubes unidos por uma federação chamada United Federation of Dons Clubs. Na Alemanha, os museus de bonecas são encontrados em todos os cantos. Tudo para não deixar morrer uma história de brinquedo tão grande que nem uma boneca de pano tagarela como a Emília - imortalizada na obra de Monteiro Lobato -, por mais gostoso que seja o colo de Narizinho, teria fôlego para contar.

A estrela da indústria de brinquedos

Pouca gente se lembra, mas o primeiro objeto produzido pela maior indústria de brinquedos da América Latina foi uma boneca de pano, de nariz arrebitado. De 1937 para cá, a Manufatura de Brinquedos Estrela S.A. cresceu com as crianças brasileiras. Hoje a empresa paulista lidera o mercado, com um faturamento de US$ 150 milhões por ano. Bonecos e bonecas representam quase a metade de sua produção, de uma coleção de 600 produtos. Responsável por 85% das exportações das indústrias brasileiras de brinquedos, a empresa investiu, em 1991, USA 15 milhões só no mercado externo. As bonecas da Estrela ficaram para a história. Pupi, a primeira boneca de plástico. que dormia e chorava, causou euforia nos anos 50. Na década seguinte, foi a vez das bonecas mecânicas, de vinil e plástico, como a Gui-gui, que ria quando se abriam e fechavam seus braços, ou a Susi, a primeira fashion doll (boneca que segue a moda), que vendeu 10 milhões de exemplares. Nos anos 70, surgiu o primeiro herói nesse universo tão feminino. Brilhou a estrela de Falcon, um militar ruivo e barbudo que vendeu nada menos que 3 milhões de unidades e abriu caminho para os meninos entrarem na guerra de vendas. E para não sair mais.

Uma balzaquiana linda, feliz e milionária

Das ushabtis egípcias ao biscuit ela é a superstar absoluta da história das bonecas. Apesar de seus trinta centímetros de altura, se todos os 600 milhões de Barbies já fabricados dessem as mãos, dariam quatro voltas e meia ao redor da Terra. A cada 2 segundos, uma é vendida em alguma parte do planeta. Aqui, o sucesso da Barbie é tanto, que o Brasil é o quarto maior consumidor da boneca, atrás dos Estados Unidos, Itália e França.Barbie, uma balzaquiana criada em 1959 pelo americano Elliot Handler, veio ao mundo para o sucesso. Só nos EUA, 95% das meninas entre 3 e 11 anos têm uma em seu quarto. Meryl Friedman, a vice-presidente de Produtos de Consumo Barbie da Mattel Toys, a empresa dona dos direitos sobre a boneca no mundo, reconhece que ela é hoje o brinquedo mais promovido de toda a história. A linha Barbie vende às meninas um sonho, um estilo de vida, um padrão de beleza", revela.No Brasil, Barbie chegou em 1982, através da Estrela, e mostrou seus dotes de recordista. Sozinha, ela responde por 16,5% do faturamento de empresa São 5 milhões de bonecas vendidas. E para comemorar à altura os dez anos de sua chegada, a Estrela contratou Conrado Segreto, o mais badalado estilista brasileiro, para criar quatro modelos de alta costura para ela. "Foi uma honra trabalhar com Barbie, que já foi vestida por nomes famosos", diz Segreto.Realmente, a multimilionária Barbie não pode reclamar. Ela já usou roupas assinadas por celebridades da moda como Saint-Laurent. Dior, Kenzo, Cardin e Courrèges. Guarda-roupa para princesa nenhuma botar defeito. 



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