segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Jogos de montar - Buckybolas - Química

JOGOS DE MONTAR - BUCKYBOLAS - Química


O computador antecipa as milionárias promessas tecnológicas das primeiras moléculas esféricas da Química. Sintetizadas em laboratório, a partir da suspeita de que existem na atmosfera de certas estrelas, elas foram finalmente encontradas na natureza, em rochas datadas de medo bilhão de anos.



Os mistérios da ciência têm um curioso destino. Por algum tempo, torturam a inteligência dos cientistas, mas acabam se tornando pistas decisivas para conhecimentos de que nem se suspeitava anteriormente. Exemplo típico são as buckybolas, uma forma de carbono inteiramente diferente das únicas formas puras conhecidas até sete anos atrás - a grafite e o diamante. Durante muitos anos o físico-químico Harry Kroto da Universidade de Sussex, Inglaterra, perseguiu a intrigante composição de cor de algumas estrelas. Era impossível explicar o arco-íris obtido quando a luz dos astros passava por um prisma. Tudo indicava que ao deixar a estrela os raios de luz estavam sendo filtrados por uma substância desconhecida. Ou melhor, os astrofísicos sabiam que o tijolo básico desse material era o carbono, mas os químicos não compreendiam a sua arquitetura molecular. Isto é, de que forma os átomos se organizavam para dar à substância uma peculiar aparência de improváveis aglomerados de átomos. Pelo menos era isso que a análise das cores inspirava à imaginação científica de Kroto, que resolveu Recriar a inesperada forma estelar - mas em seu próprio laboratório, na Terra. Ele aproveitou a valiosa informação dos astrofísicos de que as estrelas de carbono não fundem átomos de hidrogênio para gerar hélio, calor e luz. Em vez disso, a caldeira estelar funde átomos de hélio para gerar carbono diretamente. Esse tipo de alquimia nuclear para criar átomos ainda está fora do alcance da ciência, mas Kroto podia usar carbono natural, e a partir daí tentar forjar os imaginados aglomerados moleculares. Os primeiros resultados, tímidos, só avançaram depois que Kroto passou a contar com a ajuda do americano Richard SmaMey, da Universidade Rice, no Texas, em 1985. Procurando repetir as condições estelares, eles submergiram alvos de grafite numa atmosfera de hidrogênio e hélio, e os bombardearam com um feixe de laser. Entre outras coisas, o canhoneio produziu um pó escuro, com aspecto de fuligem, que os cientistas provaram ser composto de moléculas quase esféricas e ocas, contendo 60 átomos de carbono cada uma. Estava descoberta a buckybola, algo nunca visto na natureza e não previsto pelas teorias em vigor. Ainda mais importante: daí para a frente o antigo mistério cósmico tornou-se caudalosa fonte de experiências inéditas. Mal comprovada a nova maneira de construir moléculas, cientistas em todo o mundo começaram a procurar outras variedades semelhantes. Buckybolas com 60 carbonos, na verdade, são apenas a variedade mais simples da sua espécie. A família agora inclui moléculas com 240, 540, 960 e até 6 000 átomos, sem dizer que elas admitem enxertos de diversos outros elementos, como os metais, além do carbono. Mais tarde, também surgiriam buckybolas não esféricas, com perfis alongados ou cilíndricos. Verdadeira festa para o apetite dos químicos, que muitas vezes nem precisam recorrer a retortas e provetas para fazer experiências: eles se fiam na capacidade de simular tais experiências nos computadores. Esse recurso é particularmente útil quando se tenta juntar buckybolas para moldar aplicações práticas. Os chips analisam se os materiais simulados podem ou não existir, e se têm ou não as propriedades desejadas. Acredita-se, por exemplo, que as buckybolas podem ser usadas para construir imãs não metálicos, ou um tipo de  lubrificante  muito superior aos que se conhecem. Buckybolas incrustadas com metais também disputam o campeonato dos melhores supercondutores, materiais que podem conduzir eletricidade com resistência zero. Já se fala em unir buckybolas entre si para gerar peças com a força do aço e desenhá-las de modo que possam  transportar medicamentos ou partículas radioativas a pontos de difícil acesso, no corpo humano. Até microfios para chips de computador e microbaterias elétricas passaram a povoar os devaneios de um batalhão de pesquisadores em todo o mundo. Eles confirmam o entusiasmo de Kroto há sete anos, quando tinha apenas evidência superficial de sua descoberta. Nessa época, ele decidiu dar à nova substância um apelido simpático. "Algo tão fascinante não podia ter um nome chato." Assim, ele aproveitou parte do nome do americano Buckminster Fuller, que introduziu na arquitetura moderna os domos geodésicos. São superfícies redondas formadas por triângulos, quadrados e outros polígonos que se parecem a buckybolas: uma molécula de 60 átomos, por exemplo, compõe se de 20 hexágonos (polígonos de seis lados) e 12 pentágonos (cinco lados) onde o vértice de cada polígono é ocupado por um átomo de carbono. Apesar de tais estruturas despertarem muita atenção por suas promessas tecnológicas, elas também provocam grande agitação no campo da pesquisa pura. E nessa área novamente surgem mistérios intrigantes, como o das escuras rochas, de nome shungite. nas quais agora se descobriu a primeira fonte de buckybolas naturais, não artificiais. O problema são os dados contraditórios obtidas sobre tais rochas durante mais de um século. Primeiro, elas parecem ter sido formadas a partir de carvão transformado ao longo dos milênios pela ação de altas temperaturas e pressões. Por outro lado, se pensa que elas surgiram no período geológico do pré-cambriano, há mais de meio bilhão de anos. Mas carvão significa árvores e o pré-cambriano é bem anterior aos mais antigos vegetais do planeta. Como se explica, então, a origem da shungite? Além disso, os teóricos acreditam que as buckybolas são formadas quando pequenas películas de carbono se curvam sob baixa pressão - e a shungite parece pressupor alta pressão. Talvez ainda seja cedo para levantar dúvidas desse porte . A quantidade de buckybolas naturais encontradas é ainda muito pequena para permitir grandes conclusões. Desde o princípio, houve forte dúvida sobre sua descoberta, cujo mérito cabe ao russo Semeon Tsipursky e a um grupo de pesquisadores americanos, da Universidade do Arizona. Antes de anunciar o achado, foi preciso garantir que as buckybolas não haviam sido sintetizadas no próprio processo de análise da shungite (comum na cidade de Shunga, a 200 quilômetros de Petrogrado, Rússia). Os testes, enfim, convenceram os cientistas de que as moléculas de carbono eram naturais. Conclusões mais profundas terão que esperar novas amostras de shungite. O americano Peter Buseck, da Universidade do Arizona, pretende prosseguir na busca, diz a revista inglesa New Scientist. Os astrofísicos também podem ajudar, caso descubram novidades no céu - onde não se achou ainda nenhuma buckybola, embora os primeiros espécimes tenham sido criados sob inspiração da física estelar. Na Terra, enquanto isso, os teóricos quebram a cabeça para compreender as regras básicas do autêntico jogo de montar buckybolas. Os ingleses Patrick Fowler e David Manolopoulos sugerem que a primeira regra se aplica à força atrativa do carbono. Esta é criada por algumas das partículas de carga elétrica negativa situadas na periferia dos elementos - os elétrons. O número de partículas que participa das ligações químicas varia de átomo para átomo. O carbono pode empregar até quatro elétrons. e deve usar todos eles para fazer buckybolas, de acordo com a teoria dos ingleses. Em cada átomo, três elétrons formariam laços permanentes com carbonos vizinhos. O quarto elétron fica livre para circular, não mais na periferia de um átomo em particular. mas sim de toda a molécula. Mostra-se, então, que haveria 1 760 maneiras diferentes de agrupar 60 átomos de carbono em uma única molécula. E é possível provar a partir daí que a forma mais simples de todas seria a buckybola quase esférica, composta por 20 hexágonos e 12 pentágonos. Fowler foi além desse ponto e escreveu uma fórmula para moléculas maiores. A próxima molécula acima de 60 átomos, por exemplo, teria 66 átomos, e a seguinte, 72 átomos. Estudos desse tipo são preliminares. Mas, se a teoria contiver uma dose de verdade, ela mostra que as possibilidades das buckybolas são enormes: uma vez definido certo número de átomos, podem-se construir dezenas de milhares de moléculas diferentes. É claro que quando o número de átomos cresce, torna-se cada vez mais difícil estudar as suas propriedades, mesmo com o auxilio de velozes computadores. Mas é animadora a rapidez com que novos conhecimentos se acumulam nos laboratórios e gabinetes das universidades. Para isso foi preciso aprender a fabricar buckybolas em massa, o que facilita a análise química das novidades obtidas. O carbono sempre foi reconhecido como um elemento extremamente versátil. Ele tem um papel decisivo nas engrenagens orgânicas dos seres vivos e é o alicerce sobre o qual se assenta a maior parte da indústria moderna. Os açúcares e o petróleo são dois exemplos diversos das autênticas catedrais moleculares erigidas sobre estruturas de carbonos. Nesses casos. um carbono se une a outro em longos esqueletos atômicos. A essas fileiras básicas de átomos se juntam outros elementos comuns. como o hidrogênio, o oxigênio e o nitrogênio. dando origem a grande variedade de substâncias essenciais à economia. como plásticos, combustíveis e remédios. Na grafite e no diamante. o carbono tem um outro tipo de estrutura, que os químicos e físicos denominam cristalina. Aqui os átomos já não se enfileiram linearmente; em vez disso. são figuras tridimensionais. Os hexágonos de carbono que constituem a grafite, na verdade, formam largos planos, algo como folhas. Mas esses planos se sobrepõem uns aos outros e edificam cristais em três dimensões. A grafite é "mole" justamente porque as ligações elétricas entre os planos são fracas e eles escorregam facilmente uns sobre os outros. O diamante, por sua vez, é "duro" porque os hexágonos são figuras rígidas. As buckybolas acrescentam uma outra dimensão a esse universo molecular. Nada mau para uma história que começou como um remoto enigma cósmico. Além da cega busca de materiais tecnologicamente úteis - por meio de seguidas tentativas e erros restam inúmeros segredos por desvendar, como a origem geológica das buckybolas. Mas não se pense que as surpresas terminaram. Um feito recente encantou os químicos: um meio de converter a arquitetura das buckybolas para a cristalina forma dos diamantes. Esse fato sublinha a expectativa de que as fronteiras abertas à frente não se resumem a uma família de moléculas. mas englobam toda da uma nova química. Para citar uma frase de Kroto. "o que vimos até agora é somente a ponta do iceberg. 

Como fazer buckybolas 

A história das buckybolas tem um enredo digno de novela na televisão. Apesar disso, elas estão presentes - embora nunca percebidas - até nos resíduos de um bico de gás. Produzi-las em massa é que é um problema sério. Os autores da técnica mais eficiente foram o alemão Wolfgang Kratshmer e o americano Donald Huffman, que abandonaram o bombardeio de laser contra um alvo de grafite. O método consiste em fazer passar poderosa corrente elétrica entre duas pontas ou eletrodos de grafite, separados pelo vácuo. O relâmpago desfaz os eletrodos em um vapor que depois de estriar aparece como fuligem na câmara a vácuo. Dissolvida em benzano, a aparente sujeira torna-se parte de uma solução de bela cor magenta que contém boa proporção de buckybolas de 60 e 70 átomos. Hoje se considera que as moléculas mágicas poderiam ser produzidas em larga escala mesmo com os meios relativamente modestos à disposição de um laboratório escolar.


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