terça-feira, 2 de outubro de 2012

O Fim da Natureza - Ambiente


O FIM DA NATUREZA - Ambiente



O mais assustador na nova natureza que o homem está construindo é sua imprevisibilidade pois o aquecimento da Terra provocado pelo efeito estufa acaba com a regularidade do mundo natural. 

A natureza, acreditamos, dura para sempre. Ela se move com infinita lentidão pelos muitos períodos de sua história, cujos nomes mal conseguimos lembrar das aulas de Geologia no colégio - Cambriano, Devoniano,Triássico, Cretáceo, Pleistoceno. A era dos trilobites começou há 600 milhões de anos. Os dinossauros viveram durante 150 milhões de anos. Visto que mesmo 1 milhão de anos é algo totalmente impenetrável, a mensagem é: nada acontece depressa. As mudanças levam um tempo inimaginável, "geológico". Essa idéia é essencialmente enganadora. Em outras palavras, nosso senso de um futuro ilimitado é uma ilusão. Ao longo de uma vida ou de uma década ou de um ano, grandes mudanças, impessoais e dramáticas podem ocorrer. O tempo normal nos parece imune a tais enormes modificações. No entanto, não o é. Nas últimas três décadas, por exemplo, a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera aumentou mais de 10 por cento, de aproximadamente 315 partes por milhão para 350 partes por milhão. Na década passada, um imenso "buraco" na camada de ozônio abriu-se sobre o Pólo Sul em cada primavera e a porcentagem de florestas na Alemanha Ocidental danificadas pela chuva ácida subiu de menos de 10 por cento para mais de 50 por cento.Da mesma maneira confortadora com que pensamos o tempo como imponderavelmente extenso, consideramos a Terra inconcebivelmente ampla. Mas o mundo não é tão grande quanto intuitivamente acreditamos - o espaço pode ser tão breve como o tempo. Daí que o nosso senso de permanência do mundo natural é o resultado de uma perspectiva sutilmente distorcida. Mudanças no mundo capazes de nos afetar podem acontecer no período de uma vida. Sem reconhecê-lo, já atravessamos o umbral de uma dessas mudanças.Acredito que estamos no fim da natureza. Com isso não quero dizer o fim do mundo. A chuva continuará a cair e o Sol continuará a brilhar. Quando digo "natureza", refiro-me a um certo conjunto de idéias sobre o mundo e sobre o nosso lugar dentro dele. Mas a morte dessas idéias começa com mudanças concretas na realidade ao nosso redor, mudanças que os cientistas são capazes de medir. O sueco Svante Arrhenius (Prêmio Nobel em 1903), ao fazer um levantamento das primeiras décadas da Revolução Industrial, percebeu que o homem estava queimando carvão num ritmo sem precedentes. Os cientistas já sabiam que o dióxido de carbono, um subproduto da queima de combustíveis fósseis, aprisionava a radiação solar infravermelha que de outro modo seria refletida de volta para o espaço. Mas foi Arrhenius quem fez os primeiros cálculos dos possíveis efeitos da acelerada produção de dióxido de carbono pelo homem. A temperatura média global, ele concluiu, subiria nada menos de 9 graus Fahrenheit (12,8 graus centígrados se a quantidade de dióxido de carbono no ar dobrasse em relação aos níveis pré-industriais).Essa idéia flutuou na obscuridade durante muitíssimo tempo. Então, em 1957, dois cientistas da Califórnia, Roger Revelle e Hans Suess, descobriram que a camada superior dos oceanos, onde o ar e a água se encontram, absorveria menos da metade do excesso de dióxido de carbono produzido pelo homem. Embora haja outros aspectos nessa história - o esgotamento do ozônio, a chuva ácida, a engenharia genética -, a questão do fim da natureza centra-se no que acontecerá ao tempo. Quando perfuramos um campo de petróleo, alcançamos um vasto reservatório de matéria orgânica - os restos fossilizados de algas aquáticas. Nós os desenterramos. Quando queimamos petróleo - ou carvão, ou metano (gás natural) -, liberamos seu carbono na atmosfera sob a forma de dióxido de carbono. No curso de aproximadamente cem anos, nossos motores e indústrias liberaram uma porção muito grande do carbono sepultado ao longo dos últimos 500 milhões de anos. É como se alguém poupasse a vida inteira e então gastasse tudo em uma única fantástica semana de devassidão. A atmosfera terrestre é sobretudo nitrogênio e oxigênio; é apenas cerca de 0,035 por cento dióxido de carbono, pouco mais que um vestígio. As preocupações com o efeito estufa se referem ao aumento desse número para 0,055 ou 0,06 por cento, que não é muito. Mas o bastante para tornar tudo diferente. Os fatos essenciais são demográficos e econômicos, não químicos. A população do mundo mais que triplicou neste século e a produção industrial cresceu cinqüenta vezes. Quatro quintos desse crescimento se deu desde 1950, quase todo baseado em combustíveis fósseis. No próximo meio século, o mundo irá consumir mais energia - 2 ou 3 por cento a mais por ano, segundo a maioria das estimativas. E os maiores acréscimos poderão ocorrer no uso do carvão, que expele mais dióxido de carbono do que qualquer outro combustível.A queima de combustíveis fósseis não é a única causa do aumento de dióxido de carbono na atmosfera. As queimadas das florestas também remetem nuvens de dióxido de carbono para o ar. O desflorestamento atualmente acrescenta à atmosfera cerca de 1 bilhão de toneladas de carbono por ano, o que é 20 por cento ou mais da quantidade produzida pela queima de combustíveis fósseis. O hectare queimado de floresta tropical logo se converte em deserto ou pasto. E onde há pasto há gado. As vacas sustentam no estômago enorme quantidade de bactérias anaeróbicas, que partem a celulose que elas mastigam. Os bichinhos que digerem a celulose excretam metano, o mesmo gás natural que usamos como combustível. E o metano não queimado, como o dióxido de carbono, aprisiona a radiação infravermelha e aquece a Terra. Na verdade, o metano é vinte vezes mais eficiente do que o dióxido de carbono no aquecimento da Terra.A enorme quantidade daquelas bactérias metanogênicas é coisa do homem. A humanidade possui bem mais de 1 bilhão de cabeças de gado, sem mencionar um grande número de camelos, cavalos, porcos, carneiros e bodes: juntos, eles despejam anualmente no ar cerca de 73 milhões de toneladas de metano - um aumento de 435 por cento no último século. Aumentamos também o número de cupins. Como as vacas, os cupins abrigam bactérias metanogênicas, razão pela qual eles conseguem digerir madeira. Calcula-se que haja mais de meia tonelada de cupins para cada homem, mulher e criança na Terra. Os cupins excretam quantidades fenomenais de metano: um único cupinzeiro pode eliminar 5 litros por minuto. A lama destituída de oxigênio do fundo dos pântanos sempre abrigou bactérias produtoras de metano. Mas os arrozais talvez sejam ainda mais eficientes: liberam nada menos de 115 milhões de toneladas de metano anualmente. E os arrozais precisam aumentar em número e tamanho todo ano para alimentar a crescente população mundial. E tem mais: alguns cientistas começaram a achar que essas fontes por si sós não respondem por todo o metano.Enorme quantidade desse gás está trancada sob a forma de hidrato na tundra e na lama dos declives continentais. Se o efeito estufa aquecer os oceanos, se começar a degelar o permafrost (solo permanentemente congelado), então aqueles gelos podem ir se dissolvendo. Algumas estimativas da liberação potencial de metano dos oceanos chegam a 600 milhões de toneladas por ano - essa quantidade mais que dobraria a presente concentração atmosférica. A concentração de metano na atmosfera flutuou entre 0,3 e 0,7 partes por milhão pelos últimos 160 mil anos, alcançando os níveis mais altos durante os períodos mais quentes da Terra. Em 1987, o metano compunha 1,7 parte por milhão da atmosfera. O nível está aumentando ao ritmo de 1 por cento ao ano. O fato singelo é que o ar ao nosso redor - mesmo onde é limpo, recende a primavera e está povoado de pássaros - mudou significativamente. Alteramos substancialmente a atmosfera terrestre. E isso vai mudar a vida de cada um de nós. Quando o dióxido de carbono (ou a combinação equivalente de dióxido de carbono e outros gases de estufa) dobrar em relação aos níveis pré-Revolução Industrial, a temperatura média global aumentará, de 1,5 a 5,5 graus centígrados. Uma idéia pode tornar-se extinta assim como um animal ou uma planta. A idéia, no caso, é "natureza" - a província selvagem, o mundo à parte do homem sob cujas regras ele nasce e morre. É cedo ainda para dizer exatamente quão mais forte o vento irá soprar, quão mais quente o Sol irá brilhar. Isso fica para o futuro. Mas os seus significados já mudaram. A idéia de natureza não sobreviverá à nova poluição global - o dióxido de carbono, o metano e assemelhados. Privamos a natureza de sua independência e isso é fatal ao seu significado. A independência da natureza é o seu significado. É verdade que esta não é a primeira enorme ruptura da história do globo. Há cerca de 2 bilhões de anos, a proliferação de um tipo particular de cianobactéria causou um aumento de oxigênio na atmosfera de uma parte por milhão para cinco. "Essa foi de longe a maior crise de poluição que a Terra já suportou", escreveu a microbiologista Lynn Margulis.Pode-se argumentar: a crise atual também é "natural", visto que o homem é parte da natureza. Mas este é um argumento semântico. Quando digo que acabamos com a natureza, não estou afirmando que os processos naturais tenham cessado mas que fizemos cessar aquilo que - pelo menos nos tempos modernos - definiu a natureza para nós: sua separação da sociedade humana. Um motivo pelo qual não prestamos especial atenção ao mundo natural, separado e ao nosso redor, é que ele sempre esteve ali e presumimos que sempre estará. À medida que desaparece, sua importância básica torna-se mais clara. Acima de tudo o mais, o mundo exibe uma ordem adorável, confortadora na sua complexidade. E a parte mais atraente dessa harmonia talvez seja a sua permanência - o sentido de que somos parte de algo cujas raízes se estendem quase desde sempre e seus galhos avançam tanto quanto. A nova natureza de nossa autoria pode não ser previsivelmente violenta. Ela não será previsivelmente nada e vamos precisar de muito tempo para estabelecermos nossa relação com ela, se é que o conseguiremos. A característica saliente dessa nova natureza é sua imprevisibilidade, assim como o traço característico da velha natureza era a sua confiabilidade. Não estamos necessariamente condenados a sofrer algum cataclismo, mas não podemos mais supor que não estejamos condenados. A própria incerteza é o primeiro cataclismo e talvez o mais profundo.A mais falada conseqüência específica do aquecimento global é provavelmente o esperado aumento do nível do mar como resultado do derretimento polar. Mesmo que nada se derretesse, o acréscimo de calor elevaria consideravelmente o nível do mar. Água quente ocupa mais espaço do que água fria; a expansão térmica, dado um aumento global de temperatura entre 1,5 e 5,5 graus, deve elevar o nível do mar em 30 centímetros. Já é amplamente aceito que o nível do mar vai elevar-se significativamente ao longo das próximas décadas. A Agência de Proteção Ambiental, dos Estados Unidos, estimou uma elevação entre 1,50 e 2,10 metros por volta do ano 2100. Ao longo do século, a elevação no nível global do mar será superior a 90 centímetros. Isso significa que o mar alcançará uma altura sem precedentes na história da civilização.Dióxido de carbono e outros gases de estufa vêm de toda parte; portanto, a situação que eles criam só pode ser corrigida corrigindo-se tudo. Pequenas substituições e consertos rápidos não constituem solução. O tamanho e a complexidade do sistema industrial que construímos tornam fisicamente difíceis mesmo pequenas correções de curso. Sem uma população estática, até mesmo as metas mais imediatas e óbvias, como retardar o desflorestamento ou reduzir o consumo de combustíveis fósseis, parecem remotas. O efeito estufa é freqüentemente comparado à destruição da camada de ozônio, outro exemplo de poluição atmosférica com implicações globais. Mas a destruição da camada de ozônio pode ser e provavelmente será resolvida quando cessarmos de produzir as substâncias químicas que atualmente a destroem. O problema do aquecimento global, no entanto, não cede ao mesmo tipo de solução. Com ação agressiva, podemos "estabilizar" a situação a um nível que seja apenas moderadamente horrendo, mas não podemos resolvê-la. Isso não quer dizer que não devamos agir. Devemos agir de toda maneira possível e imediatamente.Estamos no fim de uma era - o porre centenário de petróleo, gás e carvão que nos proporcionou tanto os confortos como os apuros atuais. Mesmo os cientistas que mais clamam com estridência por controles sobre as emissões, dizem fazê-lo, porém, a fim de retardar o aquecimento para que possamos nos adaptar a ele. O ajustamento ao mundo da estufa não será fácil; somos profundamente viciados em petróleo. Nosso impulso será o de adaptar, não nós mesmos, mas a Terra - de descobrir uma nova maneira de manter nosso domínio e, daí, os estilos de vida com os quais nos acostumamos. Inventaremos novos instrumentos, novas tecnologias, para nos mantermos vivos no planeta, num mundo "macroadministrado". O problema, em outras palavras, não é simplesmente que a combustão de petróleo libera dióxido de carbono que, por força de sua estrutura molecular, captura o calor do Sol. O problema é que a natureza, a força independente que nos rodeou desde os nossos primeiros dias, não consegue coexistir com os nossos números e os nossos hábitos. Bem que poderemos criar um mundo capaz de suportar esses números e hábitos, mas será um mundo artificial - uma estação espacial. Ou, quem sabe, poderíamos mudar os nossos hábitos. A ecologia profunda sugere que em vez de dar ordens melhores aprendamos a dar cada vez menos ordens - de modo a mergulhar novamente no mundo natural. Tais ecologistas questionam a base industrial de nossa civilização, a necessidade de crescer eternamente em riqueza e números.Essas idéias são pelo menos um ponto de partida para aqueles interessados em salvar um mundo que está sumindo depressa. São idéias radicais, mas vivemos num momento radical. Vivemos no fim da natureza, o instante em que o caráter essencial do mundo está mudando. Se o nosso modo de vida está acabando com a natureza, não é radical falar em transformar nosso modo de vida. Como é óbvio, tal mudança será colossalmente difícil. É também difícil voltar as costas à idéia do crescimento econômico, que nos foi vendida como resposta à pobreza que aflige a maior parte do planeta. Mas um mundo superaquecido, desprovido de ozônio, seria provavelmente mais cruel para os pobres do que para os ricos e, se o nosso desejo é amenizar a pobreza, limitar o nosso padrão de vida e partilhar o nosso excedente devem funcionar tão bem quanto. O fim da natureza é um salto no desconhecido, tão assustador porque é desconhecido como porque o mundo pode tornar-se quente ou seco ou chicoteado por furacões. Mas esta poderia ser a época em que as pessoas decidam pelo menos não ir adiante na senda que têm percorrido - quando fizermos não apenas os ajustes tecnológicos necessários para preservar o mundo do superaquecimento, mas também os ajustes mentais necessários para assegurar que nunca mais tornaremos a pôr nosso bem à frente de tudo o mais. Este é o caminho que escolhi, porque oferece um fiapo de esperança num mundo vivo, eterno e significativo.

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