terça-feira, 23 de outubro de 2012

Um Touro Seduziu Europa - Mitologia


UM TOURO SEDUZIU EUROPA - Mitologia



Segundo a lenda, a paixão de Zeus por uma mulher povoou a Ilha de Creta. Assim começou aquela que seria a primeira civilização genuinamente européia.

Cronos, o senhor do Universo segundo a fascinante mitologia grega, cultivava o estranho hábito de devorar seus próprios filhos, temendo que um deles o destronasse, ambicionando o poder (havia ainda um acordo com seu irmão mais velho, Titão, que desistiu do trono em favor de Cronos desde que este eliminasse os próprios filhos, a fim de que mais tarde o poder voltasse a um dos seus descendentes). Assim foram devorados Poseidon (Netuno, para os romanos), Hades (Plutão) e Hera (Juno). Grávida pela quarta vez, Réia, a mãe de todos eles, fugiu do céu e escondeu-se num vale profundo onde deu à luz Zeus (Júpiter), o qual foi imediatamente entregue aos cuidados de uma ninfa, enquanto o faminto Cronos devorava uma pedra que Réia envolvera em cueiros, para enganá-lo. A ninfa-babá levou o recém nascido para a ilha de Creta, onde o escondeu em uma gruta velada por cerrada vegetação. Ali Zeus teve uma infância de dar água na boca: foi alimentado com o leite da cabra Amaltéia, mel trazido pelas abelhas, ambrosia oferecida pelas pombas e o néctar, licor da imortalidade, que uma águia colhia diretamente na fonte divina; as ninfas Adrastéia e Ida brincavam com ele; e os sacerdotes de sua mãe, exímios no trabalho com metais, dançavam ao seu redor, batendo espadas, cujo retinir abafava seu choro e evitava sua descoberta pelo desconfiado Cronos.
Quando se tornou adulto, Zeus fez exatamente o que seu pai temia, destronou-o e assumiu o poder .Governando o Olimpo, a alta montanha onde viviam os deuses, ele viveu uma vida cheia de aventuras - e cheia de amores. Mas conservou uma especial afeição por Creta, a ilha onde passara a infância feliz, e que visitava constantemente. Um dia, estando ali assentado no cume do monte Ida, olhando distraído para os lados da distante costa da Ásia Menor, enxergou uma mulher de extraordinária beleza, brincando na praia com algumas amigas. Era Europa, filha de Agenor, rei da Fenícia. Zeus, coração ardente, tomou-se logo de paixão por aquela mortal belíssima, e imediatamente quis possuí-la. Para tanto, tomou a forma de um também belíssimo touro branco, com chifres em meia-lua. Manso e amável, o touro-Zeus brincou na praia com Europa, que confiante se sentou em seu dorso.
Zeus atirou-se ao mar, nadou até a vizinha Creta e às margens de um bucólico regato viveu um ardente romance com Europa. Do qual nasceram, em rápida sucessão, Minos, Radamanto e Sarpedão. Quando o deus enjoou de Europa, deu-a em casamento ao rei de Creta, Austerião. Quando este morreu, Minos, o primogênito de Europa, subiu ao trono - e nesse ponto a lenda começa a encontrar-se com a realidade. Pesquisas arqueológicas realizadas no começo deste século, as primeiras que se ocuparam do passado de Creta, conduzidas pelo cientista inglês Arthur Evans, demonstraram que, deuses à parte, na pequena ilha desenvolveu-se uma civilização extraordinariamente avançada, cujo apogeu aconteceu exatamente sob o comando de um monarca chamado Minos.
Evans conseguiu estabelecer que essa civilização surgiu por volta de 3000 a.C e chegou ao fim em 1400. Quando chegou ao auge do florescimento, entre 2000 e 1700, os povos gregos do continente eram pouco mais que bárbaros, e pelo menos mil anos passariam antes que Atenas se tornasse a sua capital cultural. Supõe-se que os povos responsáveis por ela vieram da África ou, mais provavelmente, da Ásia, para onde olhava Zeus quando se enamorou de Europa. Desde cedo os barcos cretenses dominaram o Mar Mediterrâneo. Eram bons barcos construídos para o que sempre foi um fecundo comércio com os povos do continente ou das ilhas vizinhas. Mas quase imediatamente começou a construção dos barcos de guerra incumbidos de defendê-los. Isso fez de Creta a primeira potência naval de que se tem notícia. Foi assim que os minóicos, como eram chamados, pouco a pouco foram deixando sua marca ao longo da costa européia, influindo decisivamente no desenvolvimento cultural e econômico dos diferentes povos que a habitavam.
Dividida, a princípio, em vários pequenos Estados, que talvez fosse melhor chamar cidades, que guerreavam constantemente entre si, Creta só chegou à unidade por volta de 2000 a.C., sob a monarquia de Minos. A capital foi estabelecida em Cnossos, quando a humanidade vivia a Idade do Bronze, e a pequena ilha era um exemplo de progresso, riqueza e cultura só superado em alguns outros poucos lugares. Os egípcios, por exemplo, já estavam utilizando o papiro e eternizando os corpos de reis, rainhas e princesas na forma de múmias. Os babilônios domesticavam galinhas e produziam o primeiro mapa do país. Os sumerianos tornavam-se os primeiros cervejeiros do mundo. Na América, os incas peruanos mal começavam a cultivar o algodão, enquanto na Ásia, os chineses, donos de uma cultura mais sofisticada, já conseguiam determinar os solstícios e os equinócios, aqueles momentos do ano em que o Sol está mais distante do equador terrestre, no primeiro caso, e corta o equador celeste no segundo.
Aos minóicos não se credita nenhuma descoberta desse porte, mas é certo que eles dispunham de conhecimentos e tecnologia que lhes permitiam viver com conforto, até mesmo com luxo e refinamento. Dominavam os segredos da produção do vinho e do azeite, os principais produtos que serviam ao comércio realizado por sua vasta frota marítima. Esgotos sanitários, utilizando uma rede de fossas e filtros à base de areia para purificação da água, eram exemplos da sofisticação atingida em sua vida cotidiana naquela época tão remota. Nessa sociedade, as mulheres tinham papel muito destacado -as estatuetas descobertas pelos arqueólogos são sempre de deusas não de deuses, e as cerimônias religiosas eram oficiadas por sacerdotisas. Nas pinturas recuperadas, as mulheres aparecem em carruagens, enquanto os homens caminham. As casas eram grandes, de um, dois, três e em alguns casos até quatro pavimentos, com muitas pinturas nas paredes. Uma característica marcante dessas pinturas é que elas não retratam cenas de guerra, substituídas por flores, borboletas, pássaros, até mesmo animais marinhos. Um campo em que os artesãos minóicos se destacaram foi a ourivesaria. Trabalhando o ouro que os navios mercantes traziam da África, suas jóias, até onde é possível garantir isso, ganharam fama em todos os países onde foram conhecidas. Sua arte de gravar em pedra chegou a incluir motivos abstratos de desenhos, como espirais e círculos concêntricos, embora sempre predominassem as figuras de animais, reais ou imaginários, os touros em particular, que desde a lenda original estiveram sempre presentes nos cultos e nas tradições cretenses. A cerimônia que marcava a passagem dos adolescentes masculinos para a condição de adultos, por exemplo, era um perigoso encontro com um desses animais em praça pública, em que os jovens deviam dar demonstração de força, coragem e destreza. Com alguma boa vontade, pode-se até situá-la como ancestral das touradas que ainda hoje encantam várias nações européias. Assim, estudar a civilização minóica que floresceu em Creta há 4 mil anos é navegar entre a história e a lenda. O próprio Arthur Evans, ao iniciar suas escavações, bateu sua picareta num dos mitos mais famosos da Antigüidade. Ao escavar onde se presumia estivesse o palácio de Cnossos, ele descobriu as ruínas do labirinto onde, diz a lenda, vivia o Minotauro. Esse monstro nasceu do romance entre a mulher de Minos, Pasifae e um belo touro que o rei deveria sacrificar ao deus Poseidon, mas preferiu guardar em suas estrebarias. É claro que a paixão de Pasifae pelo touro foi provocada pelo vingativo deus dos oceanos.
Para aproximar-se de seu amado, Pasifae foi ajudada pelo arquiteto Dédalo, que preparou para ela um disfarce de vaca tão perfeito que enganou e seduziu o touro. Nascido o Minotauro, metade touro, metade homem, Minos ordenou ao mesmo Dédalo a construção de um complicado conjunto de salas, quartos e corredores, de onde ele jamais pudesse sair. E lá viveu o pobre monstro, durante muito tempo, recebendo de Minos sete moças e sete rapazes, anualmente, que o rei recebia como tributo dos povos vencidos na guerra. Minos deu-se mal quando cobrou esse tributo de Atenas: entre os condenados estava o herói Teseu, que não apenas destruiu o Minotauro, mas conseguiu escapar do labirinto, graças ao novelo de linha que lhe fora dado pela filha do monarca, Ariadne. Aparentemente, essa espetacular vitória de Teseu é outro momento em que a lenda se encontra com a realidade. Ela deve corresponder ao momento em que outros povos, vindos do continente asiático, empreenderam a conquista de Creta que a já decadente civilização minóica não conseguia sustentar. Há vagas suspeitas de que fenômenos naturais, como terremotos, podem ter ajudado na sua destruição, mas nada é certo. Das escavações e pesquisas realizadas a partir dos trabalhos de Evans ficou a certeza de que os minóicos foram os primeiros europeus civilizados.

Do lado do Sol poente

As origens do nome Europa são obscuras, como obscuros são os motivos pelos quais passou a designar o continente. A hipótese mais razoável leva sua origem a registros de monumentos assírios, onde se contrastava asu - a terra do Sol nascente - e ereb, a terra do Sol poente, da escuridão. Assim, Ásia ficou sendo o nome do continente a leste, Europa o do continente a oeste. Como nome do continente, aparece pela primeira vez no hino homérico ao deus Apolo, do século IX a.C., designando a Grécia continental em oposição ao Peloponeso e às ilhas do mar Egeu. O nome da princesa raptada por Zeus, portanto, teria ligação com o fato de ter ela sido levada para Creta, do lado do sol poente. 

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