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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Cristal Animal - Geologia


Cristal Animal - Geologia


Tão antigos quanto a própria Terra, os cristais minerais carregam uma curiosa semelhança com os bichos: eles crescem. E sempre obedecendo a sete receitas básicas.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Frio pra caramba: cientistas estão perto de atingir o zero absoluto


Frio pra caramba: cientistas estão perto de atingir o zero absoluto


Segundo as leis da termodinâmica, o zero absoluto (0 Kelvin ou -273,15 graus Celsius) é impossível de ser alcançado. Porém, cientistas do Instituto Nazionale di Fisica Nucleare (INFN) na Itália conseguiram algo próximo do impossível: resfriar um objeto, com massa e volume relativamente grandes, quase ao 0 K. O objeto em questão é um cubo de cobre com 1 metro cúbico. Ele foi congelado a ponto de chegar a uma temperatura de 6 milikelvin, ou -273,144 graus Celsius. Esse é o maior objeto, em massa e volume, a chegar tão perto do zero absoluto.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

O pulo do gato - Física


O PULO DO GATO - Física


Você acha que o gato desta página está saltando do telhado de cá para o telhado de lá? Pura impressão. É o mesmo gato em dois telhados ao mesmo tempo. Impossível? Não para a Física Quântica. Ela acaba de provar que um átomo é capaz de estar em dois lugares na mesma fração de segundo.

quarta-feira, 26 de março de 2014

Os construtores de Átomos - Química Nuclear


OS CONSTRUTORES DE ÁTOMOS - Química Nuclear


Tudo no Universo é composto por apenas 92 elementos químicos. Mas o homem já sabe criar seus próprios elementos artificiais.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Richard Phillips Feynman, o mais divertidos dos gênios


RICHARD PHILLIPS FEYNMAN, O MAIS DIVERTIDO DOS GÊNIOS


O extraordinário físico do pós-guerra fazia de tudo para satisfazer sua curiosidade e dar vazão a um inesgotável bom humor. Entre muitas outras coisas, aprendeu a contar histórias, tocar bongô, induzir alucinações em si mesmo, fazer massagem e treinar cachorros. Sua habilidade em arrombar cofres - e bisbilhotar documentos secretos - tirava do sério os chefes militares do Projeto Manhattan, que criou a bomba atômica americana (1942-45)

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Jogos de montar - Buckybolas - Química

JOGOS DE MONTAR - BUCKYBOLAS - Química


O computador antecipa as milionárias promessas tecnológicas das primeiras moléculas esféricas da Química. Sintetizadas em laboratório, a partir da suspeita de que existem na atmosfera de certas estrelas, elas foram finalmente encontradas na natureza, em rochas datadas de medo bilhão de anos.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

IBM cria 'menor animação do mundo' manipulando átomos


IBM cria 'menor animação do mundo' manipulando átomos

IBM manipulou átomos para criar curta de animação (Foto: Divulgação/IBM)

Para 'A Boy and his Atom', átomos foram ampliados 100 milhões de vezes.
Manipulação de átomos pode criar armazenamento de dados melhor.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O Charme dos Átomos no espelho - Física



O CHARME DOS ÁTOMOS NO ESPELHO - Física



A natureza faz curiosa distinção entre um fenômeno e sua imagem refletida - essa descoberta levou à teoria que soma, num só pacote de equações, a energia elétrica, magnética e nuclear.


terça-feira, 30 de outubro de 2012

Sakharov - dos Átomos aos homens


SAKHAROV - DOS ÁTOMOS AOS HOMENS



O cientista soviético que encarnou a consciência moral de seu país, na defesa dos direitos humanos, foi também um mestre da Física. Ele antecipou em um quarto de século as mais avançadas teorias sobre a matéria e o Universo.

A coragem política e a integridade do físico soviético Andrei Sakharov, falecido no fim do ano passado fizeram dele o campeão da luta pelos direitos humanos em seu país. A tenacidade com que resistiu a toda sorte de provações, como os sete anos de confinamento numa cidade proibida a estrangeiros, a 400 quilômetros de Moscou, ajudou a transformá-lo numa das mais respeitadas autoridades morais do mundo contemporâneo. Paradoxalmente, o renome do ativista e pensador ainda hoje impede que se enxergue o gênio científico, à altura dos maiores criadores do século. Seu feito mais divulgado foi o de ter resolvido um formidável problema de ordem prática - projetar a bomba de hidrogênio soviética. Mas as páginas menos conhecidas da obra de Sakharov incluem investigações de grande originalidade, relacionadas com a origem da matéria e do Universo.

Formuladas inicialmente há 25 anos, suas idéias acabaram antecipando teorias as mais avançadas, como as que se propõem a unificar as forças fundamentais da natureza-o Santo Graal das pesquisas de ponta em Física. Além disso, foi o precursor dos reatores de fusão nuclear. Sua primeira proeza teórica foi explicar, em 1966, por que não existem estrelas e planetas de antimatéria. Uma espécie de antípoda dos átomos comuns, a antimatéria já era produzida com certa facilidade nos laboratórios - por que então não se podia encontrá-la na natureza? Sakharov sugeriu que, num passado remotíssimo, matéria e antimatéria se aniquilaram mutuamente na que terá sido a maior hecatombe da história universal. A antimatéria foi consumida por completo desaparecendo do Cosmo. Restou um espantoso, embora ínfimo, resíduo de matéria comum, equivalente a 0,5 bilionésimo da massa original do Universo. Todas as galáxias, estrelas e planetas existentes, sustentou Sakharov, teriam sido recicladas a partir desse resíduo primordial. Mas e esse misterioso resíduo, por que sobreviveu? Porque, antes do holocausto cósmico, respondeu o físico, matéria e antimatéria sofreram a ação de um processo que os cientistas não haviam concebido-a desintegração dos prótons, com a diferença de que os prótons de antimatéria se desintegravam um nada mais depressa do que os de matéria. Resultado: em dado instante da gênese do Universo, pressupôs Sakharov a partir de cálculos de apropriada complexidade, para cada bilhão 3 de antiprótons havia um bilhão e um; próton. Hoje, os físicos estão convencidos de que as coisas realmente se passaram assim. Um dos motivos pelos quais esse trabalho de gigante permaneceu à sombra foram as muitas atribulações da vida do cientista.

Desde o nascimento, em 1921, quatro anos depois do terremoto da Revolução comunista, Sakharov cresceu numa cidade, Moscou, onde se respirava uma atmosfera de constante agitação, com todas as tragédias e as esperanças que tais acontecimentos suscitam. Filho de uma bem-sucedida família kulturny, como dizem os russos de pessoas que apreciam a cultura, passou a infância, em clima de relativa tranqüilidade para a época e recebeu uma sólida formação básica. Aos 4 anos, já tentava ler por conta própria, mas só foi freqüentar a escola aos 12. Aprendia em casa com a ajuda do pai, Dimitri, professor de Física e autor de livros didáticos e de divulgação científica, e da mãe, Ekaterina, professora universitária de Ginástica.

O jovem Andrei lia-lia muito. Desde Os três mosqueteiros, de Alexandre Dumas, a Fausto, de Goethe e a Hamlet, de Shakespeare. Mas gostava especialmente da ficção científica de Júlio Verne, da qual diria mais tarde tratar-se de "um tributo ao engenho humano e ao poder da ciência". Esses anos felizes desabaram com a Segunda Guerra Mundial. Recém-formado, já casado (com a química Klava Vikhereva) e pai de Tânia, sua primeira filha-o casal teve outra menina e um menino-, sofreu com a fome que devastava o país invadido em 1941. Não tinha sequer residência certa: os bombardeios alemães haviam destruído a casa onde ainda vivia com os pais. A própria Universidade de Moscou, onde obtivera o diploma de físico em 1942, teve de ser evacuada e transferida para Ashkhabad, capital da desértica, remota República Turcomana, na Ásia Central.

A carreira de Sakharov começaria bem longe dos meios acadêmicos. Seus talentos seriam aproveitados (escassamente) numa metalúrgica militar em Ulianovsk, às margens do Rio Volga, a quase 1000 quilômetros de Moscou. "Trabalhávamos em dois turnos de onze horas diárias, sete dias por semana", conta Sakharov em suas memórias, publicadas há poucos meses. Embora tivesse formalmente as funções de engenheiro, nos primeiros meses o físico exerceu uma variedade de tarefas, desde lenhador a chefe de turma na linha de produção. Mesmo assim, sonhava com altas Matemáticas. Enquanto picava repolho, por exemplo, imaginava uma lei capaz de dar conta da forma das fatias cortadas. À noite, sacrificava o pouco tempo de descanso para estudar Física teórica. Querendo exercitar o espírito  inventivo naquelas duras condições, acabou criando quatro novos aparelhos destinados a aprimorar o controle de qualidade na metalúrgica.

Alto, magro, sempre curvado, o que o fazia parecer mais velho, sabia ser educado e paciente apesar das ásperas circunstâncias. Dessa experiência provavelmente reteve um hábito "que me ajudava a pensar", como explicaria: lavar a própria louça depois das refeições, algo que, na radicalmente machista sociedade soviética, ainda é tarefa exclusiva de mulher, mesmo que ela ostente mais títulos acadêmicos que o marido. Passado algum tempo, Sakharov recebeu uma tarefa mais adequada às suas aptidões: pesquisador no laboratório da fábrica. Ali conheceu a mulher com quem voltaria casado a Moscou em 1944. Mas só começou a melhorar de vida cerca de dois anos mais tarde, quando conseguiu um lugar no Instituto de Física da Academia de Ciências, uma das importantes instituições soviéticas de pesquisa. Ali, há trinta anos, antes de qualquer outro país, começou-se a investigar o laser.

Sakharov pôde, finalmente, estabelecer residência e dedicar-se a estudos de alto nível. Ainda estava dando os primeiros passos nesse novo patamar quando o físico Igor Tamm (Prêmio Nobel em 1958 por sua teoria sobre um novo tipo de radiação, descoberta, por sinal, na URSS) convidou-o a trabalhar no projeto da bomba de hidrogênio. À medida que se ampliava a guerra fria entre Estados Unidos e União Soviética, Washington e Moscou aceleravam as pesquisas com armas nucleares. Quatro anos depois das bombas A que os americanos lançaram sobre o Japão em 1945, os soviéticos testaram com êxito um artefato semelhante. Mas o alvo das duas superpotências era já mais ambicioso: a bomba H.

A corrida armamentista acabou sendo decisiva para a trajetória de Sakharov-primeiro, como cientista, depois, como dissidente. Ele passou quase vinte anos praticamente confinado numa instalação secreta, embora próxima da capital, muitas vezes isolado da própria família. Sua tarefa era digna dos cérebros mais bem dotados: decifrar os enigmas da fusão termonuclear, a fonte de energia das estrelas-e também das bombas de hidrogênio. Ele estava, portanto, junto do primeiríssimo time científico da URSS, no qual se destacavam pesquisadores como o astrofísico Iacov Zeldovich.

Milhares de vezes mais violenta, a fusão é o oposto da fusão, cujo domínio tornou possível tanto a bomba A como as usinas nucleares para a produção de eletricidade. Nestas, quebram-se átomos pesados, como os de urânio, para aproveitar a energia que os mantinha unidos. Durante a fusão, ocorre o contrário: dois átomos leves, como os de hidrogênio, são comprimidos até seus núcleos se fundirem num só. O processo é mais violento porque os átomos resistem à fusão e, quando cedem, libertam vastas quantidades de energia.

Sabe-se pouco do projeto da bomba H soviética. Mas tem-se como certo que a chave para o seu funcionamento foi uma descoberta de Sakharov, ainda em 1948, até hoje mantida em segredo. Segundo ele mesmo relataria, sem entrar em detalhes, em poucos dias "a misteriosa fonte de energia das estrelas estava ao alcance das minhas mãos". Seu papel crucial na operação foi atestado pelas congratulações especiais que recebeu do governo soviético no mesmo dia em que a bomba explodiu, 12 de agosto de 1953. (A primeira bomba H americana havia sido detonada em novembro de 1952.) Alguns meses depois, com a idade de 32 anos, tornou-se o mais jovem membro do Olimpo intelectual do país-a Academia de Ciências da União Soviética. Nem esta, nem outras honrarias, porém, perturbaram seu modo de ser. Continuou a vestir-se modestamente e até o fim da vida habitou em Moscou um pequeno apartamento de dois quartos, um dos quais usava como escritório. O governo deu-lhe de presente uma dacha (casa de campo) e pagou-lhe altos salários. No fim dos anos 60, seu saldo bancário equivalia a 150 000 dólares-uma fortuna, para a época e para o país. Doou tudo a instituições de pesquisa e tratamento de câncer em seguida à morte prematura da mulher, com menos de 50 anos, vítima da doença.

Havia enfrentado a tarefa de fazer a bomba com o genuíno entusiasmo de um cientista diante dos desafios da natureza. Não era para menos. A física das explosões nucleares era vista então, como um paraíso para os teóricos. Ela Ihes permitiria, pela primeira vez, equacionar o comportamento da matéria quando sua temperatura alcança milhões de graus centígrados. Além da bomba, os fenômenos nesse campo levariam também aos primeiros reatores de fusão. Eldorado das fontes de energia do futuro, essas máquinas, seguras e limpas, consumiriam o combustível mais abundante do planeta-a água. Todos os três modelos em desenvolvimento no mundo foram sugeridos em primeiro lugar por Sakharov, no início dos anos 50. O problema desses projetos consiste em forçar os átomos a se unir. Nas estrelas, o próprio peso das camadas externas esmaga a matéria subjacente até ocorrer a fusão. Como alternativa, o cientista inventou uma espécie de torniquete magnético de nome tokamak (sigla em russo de "câmara magnética toroidal" ). A idéia básica do físico era privar os átomos dos seus elétrons para torná-los suscetíveis à ação de grandes ímãs. Estes poderiam então confiná- los num espaço cada vez mais apertado de modo a obrigar seus núcleos à fusão.

O tokamak dominou largamente as pesquisas na áreas em muitos países. A Universidade de São Paulo, por exemplo, tem um desses equipamentos. Mas os dois outros sistemas imaginados por Sakharov também se difundiram amplamente nos últimos anos. Um deles lança mão de raios laser para comprimir os átomos. O outro emprega a fusão a frio, mas é diferente das propostas que têm provocado intensa polêmica-e muitos narizes torcidos-nesse campo: sugere substituir os elétrons dos átomos por uma partícula semelhante, porém mais exótica e mais pesada, chamada múon. Em combinação com o trítio e o deutério, átomos semelhante aos do hidrogênio, o múon forma um átomo 200 vezes menor que os originais. Dessa maneira, aproxima os núcleos atômicos e tende a propiciar a fusão sem necessidade de pressões e temperaturas elevadas. Esse trabalho revelou o empenho de Sakharov em desviar a energia nuclear das aplicações puramente militares. O cientista preocupara-se desde o início com os resíduos tóxicos das bombas-a poeira radioativa que deixava à superfície do planeta um persistente legado de morte. Cedo ou tarde, segundo as suas contas, 10 000 pessoas morreriam em decorrência de uma explosão de um artefato de 1 megaton, equivalente a 1 milhão de toneladas de dinamite. Como o poder total das bombas detonadas até 1957 já alcançava 50 megatons, 500 000 pessoas estavam seriamente ameaçadas. Moscou alardeava a possibilidade de construir bombas de 100 megatons cada e Washington certamente não ficaria atrás. Obstinadamente. como seria a marca de seu comportamento nos embates futuros. Sakharov enfrentou de peito aberto a resistência dos próprios pares e dos dirigentes soviéticos, convencidos de que só uma nítida superioridade nuclear dissuadiria os americanos de atacar a URSS. Menos testes e sempre subterrâneos-eis a palavra de ordem do cientista.

Cada vez mais atritado com o Kremlin, deixou de trabalhar com os militares e voltou ao Instituto de Física, em 1965. Logo em seguida à morte da mulher, em 1968, ligou-se à médica de origem judaica Elena Bonner, uma experiente ativista em favor dos direitos civis. A despeito da viagem sem volta que tinha começado a empreender ao território da política, Sakharov aprofundou sem cessar a investigação do mundo físico. Havia iniciado pela fusão, que se passa no interior dos núcleos atômicos, em espaços da ordem de 1 quadrilionésimo de milímetro. Mais tarde, pesquisou a desintegração do próton, que ocorre numa escala um bilhão de vezes menor que a do núcleo atômico-algo que se pode expressar em fórmulas, mas está definitivamente fora do alcance da compreensão humana e, na natureza, só poderia ser observado na explosão primordial que deu origem ao Universo.

A partir de 1975, passou a perseguir um objetivo ainda mais ambicioso: reescrever as equações de Einstein sobre a gravitação. Sakharov sugeriu serem elas conseqüência dos pressupostos da Física Quântica-uma idéia que traumatizaria o velho Einstein, para quem, como se sabe, a gravitação era o fenômeno fundamental do comportamento da matéria. A empreitada de Sakharov se assemelhou ao esforço teórico do físico inglês Stephen Hawking em relação aos buracos negros-ambos radicados na fronteira mais avançada do conhecimento humano sobre o Universo. As elocubrações de Sakharov prometiam resultados cada vez mais estimulantes. Mas ele não teve tempo de alcançar esse objetivo que a outros poderia parecer tão inacessível a ponto de fazê-los arrepiar carreira a meio caminho. Aos 68 anos, foi impedido de avançar: o coração o matou durante o sono na noite de 14 dezembro de 1989.

O que mais surpreende no percurso político de Andrei Dimitrievich Sakharov não é a transformação do criador da bomba H soviética, portador da condecoração de Herói do Trabalho Socialista, em inimigo do regime. O que chama a atenção são os longos anos durante os quais, mesmo sem ter sido membro do Partido Comunista, ele deu o melhor de si ao sistema que viria a abominar. "Eu estava a par dos crimes horríveis que se cometeram", admitiria. Três tios e um primo do cientista morreram, em circunstâncias diversas, enquanto estavam presos por alegados delitos políticos. Apesar de tudo, como reconheceria honestamente, "eu me dava por satisfeito absorvendo a ideologia comunista sem questioná-la". Um ano antes de ser convidado a participar do projeto da bomba, a KGB, a polícia secreta soviética, quis que sua mulher espionasse o que ele fazia. Tendo ela se recusado, o casal foi expulso do apartamento onde morava.

Tais partículas de terror policial não diminuíram porém o entusiasmo com que aceitou a empreitada. Sakharov era movido na época por vastas emoções e pensamentos imperfeitos: a oportunidade de escalar o Everest da nova Física atômica, a convicção de que as armas termonucleares iriam assegurar a paz no mundo, o orgulho nacionalista de estar engajado num combate científico com os Estados Unidos-em suma, a mentalidade típica da guerra fria, a que tampouco estiveram imunes muitos cientistas americanos. Talvez por isso guardasse para si fosse lá o que Ihe pudessem provocar os fatos da vida na URSS daqueles anos de stalinismo, desde a obrigação de submeter à censura prévia artigos para publicações científicas até algo incomparavelmente pior-os trabalhos forçados.

Com efeito, a "Instalação", o conjunto secreto de laboratórios, campos de provas e alojamentos onde trabalharia dezoito anos na pesquisa de armas nucleares, tinha sido construída por presos de um campo vizinho. "Todas as manhãs, longas colunas cinzentas de homens vestindo jaquetas forradas, cães de guarda nos calcanhares, passavam por nossas janelas", conta em suas memórias. Não obstante, quando Stálin morreu, em 1953, Sakharov escreveu à mulher: "Estou sob o impacto da morte de um grande homem. Penso na sua humanidade". O cientista iria se envergonhar dessas palavras, porém jamais conseguiria explicá-las satisfatoriamente a si mesmo. As primeiras sementes de descontentamento foram plantadas por seus conhecimentos científicos sobre os efeitos da radioatividade e pela consciência moral que o problema Ihe despertava. Cada vez mais contrário aos testes atômicos na atmosfera, suas opiniões levaram-no a um curso de colisão com o governo soviético. Em 1961, por exemplo, ouviu do líder Nikita Kruschev, numa solenidade, que estava "enfiando o nariz onde não devia". Desde então, embora nada Ihe sucedesse pessoalmente, sua distância do regime só faria aumentar-dessa vez por outros motivos. De um lado, sob Leonid Brejnev, o Kremlin voltou a tratar com dureza os intelectuais dissidentes. De outro, o cientista passara a encarar o mundo com novos olhos.

O resultado foi o manifesto Reflexões sobre o progresso, a coexistência pacífica e a liberdade intelectual, escrito nos primeiros meses de 1968. Logo publicado no exterior, o texto faria Sakharov famoso internacionalmente e representaria o penúltimo passo da caminhada rumo à ruptura com o sistema. Nele, condenou a intolerância e o dogmatismo, advogou a democracia e o pluralismo político. O documento não poderia ter sido mais pertinente: a 21 de agosto daquele ano, tropas soviéticas entraram em Praga para depor o governo que tentava implantar na Checoslováquia o "socialismo de face humana". Era o que faltava para Sakharov, definitivamente desiludido, voltar-se plenamente à causa dos direitos humanos -e pagar caro por isso.

A passagem do campo da reflexão política para a ação em defesa dos perseguidos do regime foi franqueada também por seu convívio com a militante Elena Bonner, com quem se casaria em 1972. As pressões sobre o cientista-ativista cresceriam na mesma medida de seu engajamento. Em 1975, contemplado com o Prêmio Nobel da Paz, proibiram-no de ir a Oslo, na Noruega, para receber a honraria, entregue afinal a Elena. O pior, no entanto, estava por vir: a invasão do Afeganistão em fins de 1979, inaugurou o mais sofrido período de sua vida, que incluiria até duas greves de fome. Despojado de seus títulos, Sakharov foi confinado em 1980 na cidade de Górki. Ali ficou até a antevéspera de Natal de 1986, sempre sob estrita vigilância da KGB que fazia o possível para infernizar-lhe a vida, a ponto de roubar (mais de uma vez) os manuscritos de suas memórias. Foi Gorbachev quem acabou com o exílio do casal. "Volte a seu trabalho patriótico", instou o dirigente soviético, ao telefonar a Sakharov para informá-lo de que podia regressar a Moscou.

Embora manifestasse apoio às reformas da perestroika e considerasse Gorbachev um "líder inteligente", tinha uma noção diferente deste do que deveria ser um trabalho patriótico. Na URSS e no exterior, seus pronunciamentos contra o regime soviético não se alteraram. Eleito para o Congresso dos Deputados do Povo, em 1988, juntou-se ao time de parlamentares que, sob a inócua designação de Grupo Inter-regional, formou-se com a intenção de ser o embrião de um novo partido, tornando-se seu principal membro. Sakharov, sabe-se, era muito mais do que isso. E a simples verdade é que sua morte empobreceu, além da ciência, a vida política na União Soviética.

A crise chega à ciência

O sistema científico que produziu um Andrei Sakharov coexiste com um paradoxo que pode ser apresentado em números como convém ao assunto. De cada quatro cientistas do mundo, por exemplo, um é soviético. Mas os americanos ficaram com 137 dos 370 prêmios Nobel já conferidos; os soviéticos, com apenas dez. Proporcionalmente às respectivas populações, no entanto, a URSS diploma todo ano duas vezes mais universitários do que os Estados Unidos. É claro que só a quantidade de troféus não mede o valor real do saber produzido num pais, assim como o grande número de pesquisadores não é em si sinônimo de boa pesquisa.

No passado, o peso da ciência soviética era maior-outra face do mesmo paradoxo. Nas décadas de 30 e 40, apesar do terror stalinista e do horror da guerra, os soviéticos foram os primeiros a estudar a fonte de energia das estrelas; a origem dos átomos químicos durante o nascimento do Universo; os raios laser; os reatores de fusão nuclear; a ação da eletricidade nos metais, base para a futura invenção do computador; e o fenômeno da supercondutividade, que permite transmitir corrente elétrica sem perda de energia. Pesquisas de vanguarda foram conduzidas por cientistas de renome mundial do quilate do físico Lev Landau, falecido em 1968, do químico Nicolai Semenov ou do matemático Izrail Gelfand.

Atualmente, os mais conhecidos pesquisadores soviéticos são homens já de alguma idade. O próprio Sakharov foi um exemplo disso, assim como o seu amigo, Iacov Zeldovich, um dos grandes mestres da Astrofísica, e o físico Piotr Kapitsa, um dos criadores dos veículos espaciais soviéticos. A URSS ficou nitidamente atrás do Japão e dos Estados Unidos em áreas criticas de ciência e tecnologia como Informática, Telecomunicações e Engenharia Genética. A perda de vigor da ciência soviética acabaria espelhando a crise geral do país-algo que Sakharov não se cansou de denunciar.

Uma pessoa obsessiva

Por José Goldemberg

Tive o primeiro contato pessoal com Andrei Sakharov em janeiro de 1988, em Moscou, durante a instalação do Comitê para a Segurança e o Desenvolvimento Mundial, integrado por cientistas de vários países. Aguardei o encontro com emoção, mas minhas relações com ele foram sempre muito difíceis. Um grande cientista, Sakharov era também um homem obsessivo. Dentro do comitê, por exemplo, preocupava-se o tempo todo com os direitos civis do povo armênio. Mas não achava igualmente importante defender os direitos civis dos povos da América Central. Também fiquei chocado com sua posição em favor de Edward Teller, que dirigiu a construção da bomba de hidrogênio americana, nos anos 50. Na época, Teller enfrentou a oposição de Robert Oppenheimer, que propunha retardar ar a produção da bomba H. Sakharov acreditava que Oppenheimer estava errado. Mas, para derrotá-lo, Teller denunciou-o como comunista numa época de caça às bruxas nos Estados Unidos. Uma atitude indefensável, na minha opinião.

domingo, 21 de outubro de 2012

Disputa interna impulsiona avanços - CERN

Disputa interna impulsiona avanços no maior laboratório do mundo - CERN

Equipes que pesquisam 'partícula de Deus' competem por resultados.
Grupos desenvolvem tecnologias diferentes com os mesmos objetivos.


Para um leigo, é difícil perceber as diferenças entre o Atlas (esq.) e o CMS (dir.) (Foto: Cern/Divulgação)

A concorrência entre duas equipes de cientistas é um dos motores das descobertas feitas no Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), um túnel circular com 27 km de comprimento, construído debaixo da terra, entre a França e a Suíça, pelo Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern, na sigla em francês).

Nele, os pesquisadores aceleram e colidem partículas subatômicas para testar teorias da física. Brasileiros que trabalham em pesquisas nesse centro contaram a nos como é o ambiente de competição no que é considerado o maior laboratório do mundo.

Em julho, foi anunciada a descoberta mais impactante já feita no Cern. Foi encontrada uma partícula até então desconhecida, que, até o momento, tem tudo para ser o bóson de Higgs – apelidada de “partícula de Deus”, uma peça-chave para explicar como os objetos adquiriram massa.

Mas, nesse centro, quando uma descoberta como essa é anunciada, não ocorre uma única apresentação, e sim duas. Os resultados são publicados separadamente por duas equipes separadas, feitas em pontos diferentes dentro do LHC.

O CMS e o Atlas são dois detectores colocados em posições opostas no túnel, com o mesmo objetivo, que é encontrar novas partículas. Embora o acelerador de partículas seja o mesmo, os dois projetos são completamente independentes. Foram construídos com tecnologias diferentes e são operados por equipes separadas, usando modelos distintos.

'Um pouco na frente'
Como tentam descobrir as mesmas partículas, os dois experimentos funcionam como concorrentes. “Quando você só quer ser melhor que o concorrente, isso é extremamente positivo”, afirmou Sérgio Novaes, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que faz parte do experimento CMS.
O pesquisador Denis Damazio é brasileiro, mas trabalha para o Laboratório Nacional Brookhaven, dos Estados Unidos, e fica na sede do Cern, em Genebra, na Suíça. Integrante do Atlas, ele contou que, nas semanas que antecederam o anúncio da descoberta do novo bóson, o clima era de tensão entre os dois grupos.

“Em uma reunião que fui, a Fabiola Gianotti [coordenadora do Atlas] disse: 'quando estiverem passando pelo pessoal do CMS, façam cara triste para não estimulá-los’”, lembrou. Na época, surgiu também um boato nos corredores de que o CMS teria resultados mais precisos do que os obtidos pelo Atlas. Até a publicação oficial, esses resultados são sigilosos e são conhecidos pelos membros do próprio grupo, que podem fazer eventuais correções e sugerir alterações.

Não sei quem criou esse boato, se bobear foi o próprio pessoal do Atlas para nos estimular”, afirmou Damazio. De toda forma, o episódio ilustra como os dois grupos se esforçam na luta pelos melhores resultados. “A graça não seria chegar muito à frente dos caras, tem que chegar um pouco à frente só”, completou o pesquisador. De fato, os dois grupos divulgaram resultados muito parecidos.

Redundância
A realização de estudos semelhantes em paralelo se justifica por uma questão científica. Toda experiência, para ser comprovada, precisa ser reproduzida por outros pesquisadores. Como se trata de umas das máquina mais poderosas do mundo, a melhor forma de criar essa redundância era construir dois detectores no mesmo túnel.

“A existência de dois detectores é praticamente obrigatória”, afirmou Alberto Santoro, líder do grupo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) junto ao CMS. Isso explica porque não é bom “chegar muito à frente”. “A gente fica curioso para confirmar se o resultado está semelhante. Se for muito diferente, um deles pode estar errado”, ponderou Fernando Marroquim, professor das universidades federais do Rio de Janeiro (UFRJ) e de São João Del Rey (UFSJ), em Minas Gerais, que coordena as pesquisas do Atlas no Brasil.

No caso do anúncio do novo bóson, em julho, a própria direção do Cern só aceitou publicar os resultados porque eles eram muito semelhantes. Se só um dos experimentos tivesse chegado à conclusão da existência do bóson, a descoberta não teria sido divulgada – outra hipótese seria divulgar dois artigos, explicando as diferenças nos resultados.

Recentemente, uma falsa descoberta que abalaria o mundo da física deu um bom exemplo de por que essa redundância é necessária. Em setembro de 2011, uma experiência realizada no próprio Cern – mas não no LHC – identificou partículas que se moviam acima da velocidade da luz. De acordo com a teoria da relatividade de Einstein, isso seria impossível.

Cientistas tentaram reproduzir os resultados daquele estudo, sem sucesso. Em março de 2012, o físico italiano Antonio Ereditato, responsável pelo experimento, pediu demissão depois que ficaram comprovados problemas técnicos nos aparelhos usados na descoberta

'Fronteira do conhecimento'
Mesmo os físicos têm dificuldades para explicar a importância de uma descoberta como a do bóson de Higgs. A experiência serve para confirmar uma teoria da física de partículas, mas, para a sociedade, não deve ter uma consequência direta em breve.

No entanto, ainda é difícil prever os resultados práticos que os estudos do LHC vão gerar. “É uma fronteira do conhecimento. Daqui pra frente, ninguém sabe de nada”, destacou Alberto Santoro, da Uerj e do CMS.

O desafio de lidar com fenômenos complexos e desconhecidos exige o desenvolvimento de novas tecnologias. As telas touchscreen, sensíveis ao toque, e a rede de computadores World Wide Web deram seus primeiros passos no Cern, onde foram feitas como ferramentas para os pesquisadores. Atualmente, o uso de tecnologias ligadas à aceleração de partículas se mostra promissor na medicina. As técnicas elaboradas pelos físicos podem resultar tanto em tratamentos contra o câncer – os prótons acelerados seriam uma alternativa mais eficaz à radioterapia – quanto em novos tipos de exame – cientistas trabalham em um novo tipo de escaneamento que promete ser melhor que a ressonância magnética.

Como o CMS e o Atlas desenvolvem tecnologias diferentes, isso aumenta a chance de que eles criem esse tipo de oportunidades. “Não chega a dobrar o potencial de descobertas, porque muita coisa se reaproveita [de outros aceleradores]”, explicou Denis Damazio, do Atlas.

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quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A Luz Dentro do Túnel - Física



A LUZ DENTRO DO TÚNEL - Física



O nome próprio é portentoso: Grande Colisor Elétron-Pósitron. O nome de família não é menos respeitável: superacelerador de partículas. Trata-se do maior instrumento de pesquisa do mundo. Serve para estudar a vida íntima do átomo e a origem do Cosmo.

Cerca de 100 metros abaixo do solo, na periferia da cidade de Genebra, na Suíça, funciona o maior complexo científico já construído no planeta. Na superfície, a paisagem da região de fronteira com a França é de um sossegado cartão-postal de outros tempos: pequenos bosques, pastagens e a cordilheira do Jura, que separa os dois países. Mas, ao tomar num dos oito pontos de acesso construídos no campo o que em circunstâncias normais seria apropriadamente chamado elevador, o visitante mergulha de repente num mundo de vertigem - uma espécie de catedral subterrânea feita de aço e governada por dispositivos eletrônicos. São os controladores do LEP, iniciais em inglês de Grande (Colisor) Elétron-Pósitron, um túnel em formato de anel de 27 quilômetros de circunferência e 7 metros de diâmetro.
Trata-se da jóia da coroa de um dos mais renomados estabelecimentos de pesquisa do século, o CERN, sigla que originalmente designava em francês o Centro Europeu de Investigações Nucleares, depois rebatizado Laboratório Europeu de Física de Partículas, exemplo de bem-sucedida colaboração internacional em ciência. Inaugurado há apenas quatro meses, o LEP nasceu para ajudar a conhecer mais de perto algumas das frações ínfimas de matéria do Universo. É um paradoxo: para devassar essas partículas que não medem mais de 1 bilionésimo de milésimo de milímetro, os físicos europeus tiveram de construir uma estrutura gigantesca.
A instalação pode ser comparada a um autódromo, por onde os elétrons, componentes dos átomos com carga elétrica negativa, se precipitam em desvairada corrida. Em sentido contrário precipitam-se as antipartículas pósitrons - elétrons com carga positiva. Nesse proposital curso de colisão, milhares e milhares de partículas e antipartículas, deslocando-se quase à velocidade da luz, acabam por se aniquilar mutuamente, liberando energia equivalente à fissão de quinhentos núcleos de átomos de urânio. Mas esse é apenas um valor teórico: não se trata ali de experiências atômicas, ao menos no sentido comum da expressão. O que os físicos pretendem com os choques que planejaram é servir-se depois de uma salada de partículas básicas, coisa ainda menor que o elétron e que sua imagem espelhada, o pósitron.
A estrutura fantástica do LEP obedece ao mesmo princípio de outros equipamentos semelhantes, embora bem mais modestos, que começaram a ser construídos - e não por acaso - ainda na década de 20, um período de grandes avanços na Física. Eram os chamados Atom-smashers (quebradores de átomos) com os quais os pesquisadores fabricavam, por assim dizer, partículas em profusão, dotadas de altas energias. Nos anos 30 surgiram os primeiros aceleradores de partículas que funcionavam de certo modo como os tubos de TV que bombardeiam a tela com feixes de elétrons. Com esse tipo de aparelho, a ciência descobriu quase tudo o que se sabe atualmente sobre a natureza mais profunda dos átomos e de suas partículas elementares.
O LEP é tipicamente um caso em que tamanho é documento: sua importância está nas suas medidas. Os catorze países europeus que são os condôminos do CERN bancaram com maior ou menor boa vontade os 800 milhões de dólares do projeto, que custou seis anos de trabalho. Para abrir as bolsas mais fechadas, como as do governo inglês da primeira-ministra Margaret Thatcher, não faltaram pressões dos físicos da entidade, entre os quais um bom número de luzidios prêmios Nobel - a começar pelo cinematográfico diretor-geral, o italiano Carlo Rubbia, uma rara combinação de competência e grandiloqüência (ou de confiança e arrogância, diriam seus desafetos). Rubbia, 55 anos, foi o mais vistoso garoto-propaganda dos aceleradores - para ele, "o principal caminho que deve ser trilhado pela ciência básica".
Comparados com o LEP, seus irmãos mais velhos do resto do mundo parecem anões. Os primeiros ciclotrons, ou aceleradores circulares, construídos na década de 50, tinham um punhado de metros de circunferência. À medida que a busca por novas partículas começou a exigir gastos de energia cada vez maiores, as máquinas também foram crescendo. Surgiram então os sincrotons, dos quais o maior exemplo é o Fermilab, no Estado americano de Illinois, com quase 7 quilômetros de circunferência, portanto menos de um quarto do LEP. Na década de 60, a Universidade de Stanford, na Califórnia , começou a projetar uma nova família de aceleradores - os lineares, onde as partículas percorrem seus trajetos em linha reta.
Segundo seus adeptos, o acelerador linear é uma variante melhor e mais econômica dos circulares. Segundo os partidários do círculo, é só mais econômico. A última das máquinas de Stanford, com 5 quilômetros de comprimento, foi inaugurada no ano passado. No Brasil, cujos físicos tendem a ser mais modernos que os equipamentos com os quais trabalham, o maior acelerador é o Pelletron, da Universidade de São Paulo, com 40 metros. "Vamos também construir um acelerador linear duas vezes maior, que será acoplado ao Pelletron dentro de três anos", promete o físico Oscar Sala, do Departamento de Física Nuclear do Instituto de Física da USP.
Em escala de Primeiro Mundo e segundo as regras do jogo do que se chama nos Estados Unidos big science, para designar programas e equipamentos científicos bilionários, como o controvertido Projeto Genoma e a também polêmica Estação Espacial Freedom, a novidade no setor é colossal: a construção do SSC, Supercondutor Supercolisor, um acelerador de 85 quilômetros de circunferência, no Texas. Sua missão científica será provocar trombadas de prótons e antiprótons. Seu objetivo político será devolver aos Estados Unidos a liderança no setor da Física de partículas, apropriada pelos europeus - antes que os japoneses entrem em campo e resolvam ampliar o seu acelerador de prótons de algumas centenas de metros em Tsukuba. Obviamente, uma instalação daquele porte e de tamanha complexidade tem preço à altura - e por isso o Congresso americano reluta em aprovar o seu orçamento de 4,4 bilhões de dólares.
Para os cientistas, os aceleradores nunca foram tão indispensáveis. "Temos razões teóricas para acreditar que alcançamos o conhecimento sobre os blocos fundamentais de construção da natureza ou, pelo menos, que estamos muito próximos disso", afirma o físico mais conhecido do mundo, o inglês Stephen Hawking, autor do best-seller Uma breve história do tempo. De fato, com a ajuda dos aceleradores se descobriu que tudo o que existe - rigorosamente tudo - é feito apenas de três famílias de partículas elementares indivisíveis: quarks, léptons e bósons. Os quarks fazem os nêutrons e prótons no núcleo dos átomos. Os léptons fazem os elétrons, entre outras coisas. Os bósons formam uma classe especial de partículas mensageiras, responsáveis pelas interações entre as outras famílias.
Essas mensageiras ajudam grupos de quarks e outros de léptons a se combinar com as quatro forças básicas que regem o Universo, criando todos os corpos compostos. Tais forças, como se sabe, são a gravitacional, o eletromagnetismo e as interações forte (responsável pela coesão do núcleo atômico) e fraca (que rege os fenômenos da radioatividade). Desde Einstein, na década de 30, os físicos acreditam que essas forças são manifestações de uma força única que agiu somente nos instantes que se seguiram ao Big Bang, a explosão que teria originado o Universo.
Assim, num dos desdobramentos científicos mais surpreendentes dos tempos atuais, os pesquisadores chegaram à conclusão de que a procura pelas partículas infinitamente pequenas e o estudo do espaço-tempo infinitamente grande eram no fundo atividades gêmeas. Ou seja, a Física não consegue esclarecer as dúvidas essenciais sobre a natureza da matéria sem responder ao mesmo tempo às questões cosmológicas sobre a origem do Universo. "O LEP pode fornecer um modelo do que aconteceu  naqueles instantes iniciais", acredita a física Maria Elena Pol, que desde 1988 trabalha no CERN.
Maria Elena, uma argentina que morou no Rio de Janeiro durante treze dos seus 40 anos, é ligada ao Centro Brasileiro de Pesquisa Físicas (CBPF). Ela encarna o entusiasmo despertado nos cientistas do mundo inteiro pelas pesquisa da Física de partículas. O CERN, por sinal, parece uma filial das Nações Unidas, com seus 5 mil pesquisadores oriundos de 64 países. Seis vieram do Brasil, além de Maria Elena, que se considera "brasileira de coração". Ronald Shellard, professor da PUC do Rio de Janeiro, especializado em programas de computadores que simulam partículas atômicas, é o único brasileiro funcionário da instituição. Os outros, físicos e especialistas em informática, são bolsistas do CNPq (Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Aos poucos eles serão transferidos para as equipes que lidam diretamente com os detectores das colisões de partículas.
Todos esses cientistas têm um objetivo imediato comum: produzir em grande quantidade uma partícula fugidia avistada pela primeira vez em 1983 por Rubbia e pelo holandês Simon van der Meer e que por isso mesmo foram contemplados com o Prêmio Nobel. Trata-se da partícula Zº (lê-se Z zero, em que zero significa ausência de carga elétrica). Esse bóson mais os bósons W+ (carga positiva) e W- (negativa) confirmaram a unificação entre a força eletromagnética e a nuclear fraca, proposta teoricamente nos anos 60 pelos americanos Steven Weinberg e Sheldon Glashow e pelo paquistanês Abdus Salam - não por coincidência, também ganhadores do Nobel.
No Universo primitivo, diz a teoria, 10 bilionésimos de segundo, depois do Big Bang, os bósons W e Zº, portadores da força fraca, se comportavam da mesma maneira que os fótons, os mensageiros luminosos da força eletromagnética. A melhor maneira de conseguir o bóson de partícula Zº é fazer a colisão elétron-pósitron. Os aceleradores menos grandiosos que o LEP também proporcionavam esse tipo de trombada, mas sua energia era insuficiente para produzir muitas partículas. De seu lado, o último modelo de acelerador em Stanford tem energia suficiente mas obtém poucas colisões - justamente por ser linear. A energia das partículas é medida em eletronvolts, ou seja, a energia que um elétron capta de um campo elétrico de 1 volt. Somente acelerando elétrons a 70 GeV, ou 70 bilhões de eletronvolts, se conseguem colisões suficientes para o aparecimento da requisitadíssima Zº.
O SPS (Super Sincroton de Prótons) do CERN, onde Rubbia e Van der Meer fizeram a sua descoberta, colide prótons e antiprótons, mas, pela barafunda que fica do choque, não é ideal para se constatar a presença da partícula Zº. O LEP foi inaugurado a 17 de julho. Em um mês de atividade, antes que todas as máquinas estivessem perfeitamente calibradas, já produzia algumas centenas dessas partículas. A expectativa dos físicos de Genebra era comemorar a chegada de 1990 com uma produção da ordem de 10 mil por dia.
Não é um processo fácil. Para começar, é preciso obter grande quantidade de matéria-prima, ou seja, elétrons e pósitrons, criados em outros aceleradores de tamanho menor. A cada 12 minutos, em média, dois pacotes de elétrons e dois de pósitrons são lançados no LEP. A palavra pacote dá uma idéia modesta de quantidade: os quatro juntos contêm o estonteante total de 5 trilhões de partículas e circulam a velocidades próximas à da luz. De acordo com a teoria de que o peso de um corpo se multiplica por causa do aumento da velocidade, cada partícula em movimento no anel pesa 100 mil vezes mais do que parada. Um rato acelerado à mesma velocidade pesaria tanto quanto um elefante. Para que matéria e antimatéria consigam se chocar, o cilindro a vácuo onde voam as duas pesadas manadas de partículas foi construído com uma precisão de milímetros.
Feito de alumínio e revestido de chumbo - para impedir a passagem da radiação emitida pelos feixes de elétrons e pósitrons -, o tubo de 20 centímetros de diâmetro é resfriado a água e mantido à prova de impurezas. Os 27 quilômetros de extensão do LEP que uma daquelas partículas percorre em 1 décimo milésimo de segundo não desenham um círculo perfeito. Oito partes curvas de 2.800 metros de comprimento cada, ligadas por oito partes retas de diferentes tamanhos, dão ao acelerador um formato oval.
Isso porque, quando os feixes de partículas são forçados a fazer uma curva, perdem parte da energia. Para que ela seja mantida no mesmo nível, as partes retas foram equipadas com aceleradores eletromagnéticos. Estes, ao atrair e repelir elétrons e pósitrons, acabam por impulsioná-los antes e depois das viradas, mais ou menos como se uma supermão providencial desse uma empurrada na McLaren de Ayrton Senna, à entrada e à saída de cada curva numa competição de Fórmula 1. Ao todo, o anel possui 4.712 ímãs de ferro, que guiam e concentram os feixes de partículas de forma que eles batam de frente. Dentro do cavernoso túnel do LEP estão alojadas 60 mil toneladas de equipamento, o equivalente ao peso de quase 240 jatos comerciais DC-10. Entre a massa de cabos e aparelhos eletrônicos circula um monotrilho para o deslocamento de pessoal.
"Quanto maior o acelerador, melhor a qualidade das colisões, porque as partículas conservam mais energia em curvas menos acentuadas", explicou à nos, em Genebra, o físico francês Manfres Buhler-Broglin, chefe do Grupo Administrativo do LEP. "Se tivéssemos construído um acelerador linear, o que seria bem mais barato, só teríamos uma chance de fazer as partículas colidir. No circular, as chances são inúmeras porque as mantemos na mesma trajetória". Para enxergar o que acontece com as partículas que se movimentam no interior do acelerador e captar colisões, os físicos ergueram quatro laboratórios de detecção, plantados em pontos eqüidistantes ao longo do trajeto.
"Temos de ser ágeis para aproveitar tudo o que possa acontecer durante as colisões", observa a física Maria Elena. Exatamente por isso, cada um foi construído de maneira diferente - e desenvolvido por cientistas diferentes. O objetivo da direção do CERN foi justamente "estimular a concorrência e controlar melhor o resultado das análises", informa Buhler-Borglin. As colisões acontecem para todos, mas alguns detectores são mais especializados que outros. Seus nomes são uma sopa de letrinhas. Aleph (a letra A do alfabeto hebraico) significa Apparatus for LEP pHysics e Opal, Ommi Purpose Apparatus for LEP. Elas identificam os dois detectores mais clássicos, com tecnologias já consagradas.
Eles simplesmente contabilizam a energia que cada partícula perdeu nos choques, devidamente registrada em dois calorímetros. Mas essa descrição sumária não dá conta da espantosa complexidade das máquinas e dos experimentos dos quais participam. A olhos leigos, há algo de monstruoso e também de mágico no ambiente. O que mais impressiona, relata a enviada especial de SUPERINTERESSANTE, são os 12 mil blocos de vidro e chumbo do calorímetro do Opal.
Cada detector habita um espaço de 20 metros de altura por 70 metros de comprimento, como um prédio de sete andares que ocupasse a metade de um campo de futebol. Parecem grandes fábricas subterrâneas. L3, o maior detector de todos, tem também a maior bobina eletromagnética já fabricada no mundo. Com 16 metros de altura, ela consumiu mais ferro (8.500 toneladas) do que a Torre Eiffel, de 300 metros. Delphi, o detector de concepção mais arrojado, serve para testar tecnologia nunca antes empregadas. Ele possui onze camadas superpostas, cada qual apropriada para registrar um tipo diferente de partícula. Quando ocorre uma colisão, seus fragmentos são rastreados em cada camada, assim como o tempo de vida da partícula. Delphi pode identificar com especial precisão as características dos bósons W e Zº.
Pode também distinguir outro personagem de nome estranho e igualmente precioso. Chama-se bóson de Higgs, em homenagem ao cientista inglês Peter Higgs, que previu teoricamente sua existência. A partícula permitiria explicar como a energia se transforma em massa e vice-versa dentro do átomo. Ou seja, explicar o porquê da fórmula de Einstein E= mc2, energia é igual à massa multiplicada pelo quadrado da velocidade da luz. Com o Delphi, os físicos também querem saber quanto tempo dura a partícula Z antes de ela se desintegrar. Quando se souber isso, se poderá conhecer indiretamente o número de partículas elementares com as quais ela interage.
Não se pense que essas exóticas preocupações tenham a ver apenas com os arcanos da Física de partículas. Ao longo do tempo, o estudo do infinitamente pequeno rendeu mil e uma aplicações cotidianas. Começando no início da década de 30, os cientistas aprenderam a manipular os elétrons que fluem em volta do núcleo dos átomos. Isso acabou por revolucionar o mundo, permitindo as tecnologias do rádio, da televisão e inaugurando a era da informática. Depois da Segunda Guerra Mundial, o foco das pesquisas passou para o núcleo do átomo. A descoberta dos prótons e nêutrons levou à invenção da radioterapia, aos reatores nucleares e, mais recentemente, aos métodos ultramodernos na fabricação de microcircuitos.
Os avanços na Física de partículas elementares ainda são relativamente recentes - portanto é cedo para arrolar aplicações práticas. "É difícil imaginar o que vai resultar dessas pesquisas", acautela-se o físico de partículas Giorgio Moscati, da Universidade de São Paulo. Já Steven Weinberg, o ganhador do Prêmio Nobel pelos cálculos teóricos sobre a unificação das forças eletromagnética e fraca, prevê um enriquecimento científico: "Podemos descobrir alguma partícula estranha para a qual não há nenhuma evidência e isso abriria um capítulo inteiramente novo na ciência".

Na pista do quark desaparecido

Na busca da fronteira final do átomo, os cientistas descobriram que por mais que dividissem e subdividissem a matéria jamais chegariam à menor fração possível. Ocorre que suas partes isoladas não têm existência própria. Os quarks, tijolos básicos de todas as substâncias, se juntaram logo depois de surgir para formar os nêutrons e os prótons, os constituintes do núcleo do átomo. Ao fazer colidir prótons e nêutrons nos aceleradores, se consegue indiretamente descobrir algumas propriedades dos quarks. Assim, nas duas últimas décadas foi descoberta uma família de seis quarks realmente indivisíveis.
São chamados de up (para cima), down (para baixo), strange (estranho), charm (charme), bottom (fundo) e top (topo). De todos eles, somente a existência do quark top não foi comprovada. Os físicos esperam encontrar muitas combinações em que entrariam este ainda desconhecido top. Pode ser que exista mais de uma família de quarks. Quanto mais famílias existirem, maior quantidade de combinações de partículas elementares poderá gerar uma partícula composta. A partícula mensageira Zº  é a via de acesso a novas descobertas nessa área - daí a corrida entre físicos europeus e americanos para fabricar o maior número possível de Zº. Nessa corrida, desde julho último a Europa assumiu a dianteira. 

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A Promessa da Fusão - Tecnologia


A PROMESSA DE FUSÃO - Tecnologia



A mesma energia que faz o Sol brilhar pode ser a força sem-fim com que sonha o homem. Para domesticá-la, os cientistas inventaram máquinas milionárias. Mas os resultados vão demorar.

Nos laboratórios do Instituto de Física Max Planck, em Garching, perto de Munique, no sul da Alemanha, sessenta cientistas americanos, japoneses, soviéticos e de outros países europeus trabalham há um ano num raro projeto sem fronteiras destinado a retirar energia limpa e barata do átomo - uma fantasia que o homem abriga desde que começou a manipulá-lo há meio século. Trata-se do desenho do International Thermonuclear Experimental Reactor (ITER), ou Reator Experimental Termonuclear Internacional, uma supermáquina cujo valor deve alcançar alguns bilhões de dólares. Não é para menos: o equipamento deve ser capaz de controlar as reações nucleares de fusão - as mesmas que mantêm acesas as estrelas - o tempo suficiente para que a energia resultante possa mover uma turbina ou fazer andar um automóvel melhor que a eletricidade ou os combustíveis fósseis de hoje.
Os cientistas do ITER devem ter tomado um susto do tamanho do seu projeto ao saber, há poucos meses, que nos Estados Unidos uma dupla de químicos chegou ao santo graal da fusão, segundo anunciaram, com uma experiência tipo fundo de quintal, ao alcance de qualquer estudante do ramo. Logo se viu, porém, que não era bem isso - ou nada disso, na pior das hipóteses. A fulgurante ascensão e queda da fusão a frio, como ficou conhecida a alegada proeza, mostra que o trabalho em curso na Alemanha, embora portentoso, é apenas um passo no complexo, caro, demorado e incerto plano de dominar a energia virtualmente ilimitada que ocorre na fusão. 
Quando o projeto do ITER ficar pronto, em 1991, os países que dele participam poderão enfim começar a construir um reator de potência equivalente ao dobro da usina nuclear de Angra 1, ou 1200 megawatts. Naturalmente, o reator será apenas um protótipo para a continuação das pesquisas. Pois, até que se desenvolvam aparelhos comerciais de fusão, uma infinidade de problemas técnicos terá de ser resolvida. Até onde é possível prever essas coisas, a idéia não é utópica. No entanto, mesmo os cálculos mais otimistas jogam só para depois do ano 2050 a substituição dos atuais combustíveis pela energia de fusão, também chamada termonuclear.
O que no fim da Segunda Guerra Mundial parecia relativamente fácil de ser obtido aos cientistas excitados com o recém-conquistado domínio do átomo, com o passar do tempo demonstrou ser um desafio quase intransponível. O homem havia aprendido a produzir energia a partir da quebra ou fissão dos átomos, um processo que deu origem às bombas atômicas e às usinas nucleares para o fornecimento de eletricidade.
Nos reatores de fissão, os átomos de urânio são despedaçados, liberando grandes quantidades de energia - é a temível radioatividade. A fusão de hidrogênio, ou de suas variantes deutério e trítio, produz calor e pouquíssima radioatividade, mas exige gigantescas injeções de energia para alimentar um processo contínuo. Por isso, todas as tentativas de realizá-la em laboratório gastaram bem mais energia do que a obtida com a experiência. Ou seja, não teria sentido usar o processo na vida real.
A fusão acontece quando dois núcleos de átomos leves se juntam para formar um terceiro mais pesado, mas cuja massa é menor do que a soma dos elementos originais. A diferença corresponde à energia liberada. No Sol, por exemplo, se fundem inimagináveis 564 milhões de toneladas de hidrogênio por segundo, dando origem a 560 milhões de toneladas de hélio, numa temperatura de 20 milhões de graus e sob uma pressão 100 bilhões de vezes maior do que a pressão atmosférica. Nessa colossal fornalha, os 4 milhões de toneladas de hidrogênio que não viraram hélio viraram energia - graças à qual o homem existe e tenta reproduzir o processo. "Estamos na posição de Prometeu", compara o físico alemão Max Schluter, do Instituto Max Planck, referindo-se ao herói da mitologia grega que roubou o fogo dos deuses para dá-los aos homens. "Como Prometeu, queremos imitar o fogo do Sol aqui na Terra. "
Para fazer isso, os cientistas pensaram construir uma espécie de forno com as mesmas características das estrelas. Normalmente, os núcleos dos átomos se repelem porque têm carga elétrica do mesmo sinal. Para que a fusão possa ocorrer, é preciso aproximar os núcleos a distâncias tão ínfimas, a tal ponto que as forças de atração superem as de repulsão. Descobriu-se que os candidatos naturais para esse casamento são os isótopos (ou variedades) de hidrogênio, como o deutério (com um próton e um nêutron no núcleo). Usando a força bruta, ou seja, aquecendo as partículas de matéria a milhões de graus e em altas densidades, os pesquisadores fazem com que tais isótopos se transformem numa mistura de elétrons livres e núcleos de átomos. É o plasma, nem líquido, nem sólido, nem gás: o quarto estado da matéria.
Nesse estado meio fantasmagórico, as partículas colidem umas com as outras em velocidades altíssimas até que, em razão dos choques, acabam por unir-se, produzindo núcleos mais pesados, algumas partículas soltas - e, o mais importante, grandes quantidades de energia. Assim, pode resultar da colisão hélio 3 (formado por dois prótons e um nêutron) mais um nêutron excedente; ou trítio ( um próton e dois nêutrons), mais um próton excedente. É raro, mas também pode acontecer que a fusão produza hélio 4 (dois prótons e dois nêutrons) e mais energia .
Em 1945, o físico húngaro naturalizado americano Edward Teller sugeriu que se usasse a bomba atômica recém-inventada como espoleta para desencadear a fusão nuclear, pois a força de sua explosão forneceria as temperaturas e pressões necessárias.
A idéia seria posta em prática alguns anos depois. No dia 1 de novembro de 1952, de fato, os americanos detonaram a primeira bomba de hidrogênio, a bomba H, numa ilha do oceano Pacífico. Provou-se assim que a fusão na Terra era possível, mas, para que ela tivesse outra finalidade que não acabar com a vida na Terra, teria de ser controlada.
No entanto, para a construção de qualquer reator que produzisse energia pela fusão de hidrogênio, as condições pareciam proibitivas: seria preciso investir inicialmente uma quantidade de energia seis vezes superior à temperatura do interior do Sol, para compensar a diferença de pressão. Em cada centímetro cúbico desse reator deveriam existir no mínimo 100 trilhões de partículas que, devido ao calor, estariam sob forte pressão. A energia contida nesse gás teria de se manter durante pelo menos um segundo. A única facilidade seria o combustível. Afinal, em cada metro cúbico de água do mar há 33 gramas de deutério, o primo pesado do hidrogênio. Mas qualquer material que entrasse em contato com o plasma, à temperatura de centenas de milhões de graus, acabaria derretido. Por isso se pensou usar como recipiente uma estranha gaiola magnética que impedisse o gás de se aproximar da parede metálica do reator. Na prática, isso equivaleria a "prender um pudim trêmulo com elástico", como disse certa vez o físico Edward Teller. E, de fato, no começo, as gaiolas magnéticas vazavam gás por todos os lados.
No final da década de 50 começou uma corrida pela melhor técnica de aprisionamento do plasma. As primeiras máquinas para esse fim, inventadas nos Estados Unidos, eram tubos em formato de rosquinha chamados jocosamente perhapstron (equipamento do talvez) e, pelos mais céticos, impossibletron (equipamento do impossível). Em seguida surgiu o stellarator, um tipo de reator em que o plasma é mantido num forno com a aparência de um anel, rodeado de bobinas magnéticas feitas de grossos fios condutores. Na União Soviética, os físicos Andrei Sakharov, Prêmio Nobel da Paz de 1975, e Igor Tamm (1895-1971), Prêmio Nobel de Física de 1958, aperfeiçoaram a idéia e ajudaram a criar o hoje célebre tokamak, cujo nome é formado pelas primeiras sílabas das palavras russas correspondentes à câmara toroidal de bobinas magnéticas. Para o físico Ivan da Cunha Nascimento, da Universidade de São Paulo, considerado um dos raros especialistas brasileiros em fusão, "os tokamaks são a maior esperança de se conseguir ganho de energia com a fusão". 
Trata-se de um aparelho formado por tubo metálico fechado na forma de uma câmara de pneu - ou toróide, em linguagem científica. À sua volta existe um enrolamento. Percorrido por uma corrente elétrica, nele surge um poderoso campo magnético que envolve o plasma como as cascas de uma cebola. Existe também outro campo magnético vertical para colocar o plasma mais corretamente. Nos aparelhos experimentais, como o que existe na Universidade de São Paulo, conseguiu-se temperaturas de até 5 milhões de graus. O recorde mundial de temperatura obtido até agora são os 200 milhões de graus do tokamak da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Nesse aparelho de 2,5 metros de raio (oito vezes maior que o da USP), apesar dos bons resultados ainda não se conseguiu produzir energia igual à consumida na experiência. O maior e mais bem-sucedido reator de pesquisas, porém, é o JET (Joint European Torus), de Culham, Inglaterra, como o nome diz, uma operação conjunta dos países da Comunidade Econômica Européia. 
O JET produz temperaturas superiores a 100 milhões de graus e também alcança a densidade necessária. Apesar de seus quase 3 metros de raio, o toróide ainda é pequeno demais para se conseguir simultaneamente as duas coisas. "Por isso pensamos num sucessor do modelo JET", explica seu diretor, o físico francês Paul-Henri Rebut. Os europeus pretendem construir outro reator - o Next European Torus (NET), se o projeto do ITER, na Alemanha, não for adiante. Mas antes têm de resolver alguns inconvenientes, Por exemplo, pode acontecer que o trítio, que é radioativo, escape sob a forma de gás. Além disso, a parede de aço do reator, submetida ao constante bombardeio de partículas, tem de ser substituída depois de alguns anos.
Diante desses problemas, não é de admirar que, de tempos em tempos, os pesquisadores sonhem com algum atalho na busca da fusão. O caso mais espalhafatoso foi o dos pesquisadores Stanley Pons e Martin Fleischmann, da Universidade de Utah, nos Estados Unidos. Em março último, eles anunciaram ter conseguido a fusão a frio, isto é, à temperatura ambiente, usando pouco mais que um bateria parecida com a dos automóveis. Antes deles, houve outras alegações semelhantes que no fim caíram no ridículo.
Em 1951, por exemplo, o presidente da Argentina, Juan Domingos Perón, proclamou orgulhosamente que o físico alemão Ronald Richter havia produzido em Buenos Aires a energia de fusão com materiais baratos. Era tudo fraude, porém. Richter foi preso e nunca mais se ouviu falar de suas experiências. Sete anos depois, o inglês Sir John Cockcroft anunciou um novo milagre: sua máquina chamada Zeta produzira uma reação que, de boa-fé, ele acreditou ser fusão nuclear. Constatado o equívoco, Cockcroft retratou-se.
As experiências com fusão nuclear mais promissoras, além das que usam o confinamento magnético, são as que se baseiam no laser, cujo raio luminoso concentra num pequeno ponto grandes quantidades de energia. É algo extremamente sofisticado. As experiências realizadas no Laboratório Nacional Lawrence Livermore, da Califórnia, fazem parte das pesquisas ligadas ao criticado projeto Guerra nas Estrelas e são, por isso, secretas. Outros testes são feitos no Japão. Sabe-se que átomos de deutério e trítio solidificados são feitos no Japão. Sabe-se que átomos de deutério e trítio solidificados são aprisionados em incríveis esferas ocas de metal de milésimos de milímetro de diâmetro, confinadas numa câmara de vácuo. Em seguida, os átomos são submetidos a um fogo cruzado de 20 feixes de 100 trilhões de watts de laser durante 1 bilionésimo de segundo. Atingidas por todos os lados pelo bombardeio, as bolinhas se aquecem tanto que se comprimem até fundirem. Só que, como no caso dos tokamaks, não se conseguiu obter mais energia do que a aplicada no processo. 
Outra tentativa original consiste em reduzir a temperatura em que a fusão ocorre, usando partículas atômicas chamadas múons, que se formam naturalmente pela ação dos raios cósmicos ou nos aceleradores de partículas dos laboratórios. Quando se bombardeia uma mistura de deutério e trítio com múons, eles tendem a substituir os elétrons em volta dos átomos. Mas, como são 207 vezes mais pesados, giram tão próximos do núcleo que fazem o átomo original literalmente encolher. Isso leva os núcleos a se aproximar tanto que podem se fundir. Então, os múons ficam novamente livres e o ciclo recomeça.
Esse bizarros personagens ganharam alguma notoriedade fora dos arcanos científicos quando se sugeriu que a suposta fusão a frio de Utah talvez se tivesse originado devido à presença de múons na atmosfera. Pelo menos é esta a hipótese do físico americano Stephen Jones, também de Utah, que igualmente realizou experiências na área. O problema é que, como a vida dos múons é muito breve, os pesquisadores tentam descobrir quantas reações os múons podem realizar antes de decaírem. Só então se poderá saber se o processo é econômico em termos do que entra e do que sai de energia. Os aceleradores de partículas nos Estados Unidos, União Soviética, Japão e Suíça conseguiram por enquanto um número insuficiente de reações para se obter saldo de energia positivo.
Por modestas que sejam as esperanças de chegar à fusão e por mais caras que sejam as pesquisas, a promessa de energia ilimitada é ilimitadamente sedutora. Segundo todos os cálculos, as futuras usinas de fusão nuclear poderão extrair de 1 metro cúbico de água uma quantidade de energia igual à de 2 mil barris de petróleo. E tudo isso praticamente sem radioatividade; portanto, sem o lixo atômico das usinas nucleares. Além disso, sem produzir dióxido de carbono, como os combustíveis fósseis que envenenam o clima da Terra. Soa a ficção científica, sem dúvida. Mas, com tantas maravilhas no distante horizonte, os pesquisadores de fusão não rejeitam, em princípio, nenhuma possibilidade. O século XXI verá o resultado.

A alternativa fria demolida

Desde março último a fins de maio, cientistas do mundo inteiro discutiram se houve mesmo fusão nuclear com geração de calor nas experiências realizadas em Utah, nos Estados Unidos, de um lado pelos químicos Stanley Pons e Martin Fleischmann e de outro pelo físico Steven Jones. Logo em seguida à ruidosa proclamação da proeza, uma febre de ensaios semelhantes propagou-se pelos institutos de pesquisa de muitos países, entre eles o Brasil. "Todo cientista com um pouco de sangue nas veias quis fazer também a experiência", concede o professor Iuda Goldman, do Instituto de Física da USP. Toda essa pilha de ensaios serviu para congelar o entusiasmo inicialmente provocado pela alegada fusão a frio. 
Enquanto a maioria dos testes deu em nada, em alguns parece ter ocorrido geração de nêutrons, um indício de fusão, mas a quantidade de energia obtida foi tão pequena que nem sequer pôde ser medida. Diante das incertezas, centenas de cientistas de diversas áreas reuniram-se nos Estados Unidos no final de maio para uma avaliação global do assunto. Com raríssimas exceções, os pesquisadores demoliram a expectativa de que a fusão a frio pudesse ter alguma utilidade como fonte de energia. O veredicto dos especialistas foi de que as experiências de Pons e Fleischmann constituíam apenas um fenômeno esotérico.
A idéia da dupla foi muito simples. Em vez de aproximar os núcleos de deutério aumentando a temperatura e obrigando-os a colidir uns com os outros, fizeram passar uma corrente elétrica por dois condutores de platina e paládio mergulhados em água pesada (D2O). Dessa forma, o deutério de carga positiva, é atraído pelo paládio, de carga negativa. Aprisionados na estrutura cristalina do paládio, os núcleos do deutério se aproximam como se estivessem comprimidos. O resultado seria o mesmo que se consegue a altas temperaturas: a fusão de núcleos de deutério com a produção de energia. Como em nenhuma parte os cientistas conseguiram obter por esse meio a quantidade de calor mencionada por Pons e Fleischmann e estes vinham se recusando a fornecer detalhes de sua experiência -, prevaleceu a convicção de que tudo não passou de uma falsa esperança.

Progressos brasileiros.

Confinar a matéria nas condições necessárias à fusão nuclear exige experiências com equipamentos grandes e caros, daqueles que só existem em países ricos. Mas várias instituições brasileiras de pesquisa realizam estudos sobre o confinamento do plasma, ou gás ionizado, essencial ao desenvolvimento da fusão. No Instituto de Física da USP, por exemplo, funciona desde 1980 o único aparelho tokamak da América Latina. Foi inteiramente planejado e construído no país e tem poucos componentes importados. É uma máquina de pequeno porte, com raio de temperatura de cerca de 2 milhões de graus.
Já no Laboratório de Plasma de Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) começou a funcionar este ano um toróide compacto que consegue temperaturas de 5 milhões de graus, embora por um tempo menor do que com os tokamaks convencionais. Também a Universidade Federal Fluminense, em Niterói, possui uma máquina linear importada da Alemanha; o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), enfim, construiu um aparelho de confinamento magnético do tipo toroidal, ainda em implantação, com 12 centímetros de raio e que chega a 1 milhão de graus.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

O Casal Curie - Radium

O CASAL CURIE - Radium



Operários da ciência, Pierre e Marie construíram as bases do conhecimento moderno do átomo. Famosos, premiados, reclamavam que não podiam trabalhar tanto quanto queriam.

Quando se fala em átomo, urânio, radioatividade, a primeira idéia que vem à cabeça é a de uma imensa usina recheada de aparelhos sofisticados. Mas foi num pequeno galpão improvisado em laboratório, mais parecido com um celeiro ou uma estrebaria, que, em dezembro de 1898, o casal francês Pierre e Marie Curie fez uma descoberta que está na base da ciência moderna: o elemento químico a que chamaram radium. Eles trabalhavam com duas panelas em um fogão que esquentava mal e escreviam suas anotações sobre mesas ordinárias de madeira. O lugar, nos fundos da modesta Escola Municipal de Física e Química, em Paris, onde Pierre era professor, tinha sido emprestado pela diretoria. Foi desse trabalho quase primitivo que brotaram dois prêmios Nobel, atribuídos, um, ao casal e, outro, a Marie Curie, já viúva.
Não que, naquela época, a França fosse um país pobre. Mas os Curie eram. Marie Sklodowska, imigrante polonesa, chegara a Paris em 1891 tendo como diploma apenas o de professora. Voluntariosa, calada, forte, dona de uma rara curiosidade científica, memória prodigiosa e acentuado gosto pela Matemática, ela entrou para a Sorbonne. Em quatro anos, formou-se em Física e em Matemática. Estudante, vivia com os parcos recursos de uma bolsa e o pouco dinheiro que a sua irmã Bronia lhe enviava da Polônia. Essa renda mínima permitia a Marie apenas alugar um quartinho minúsculo e comer o estritamente necessário para sobreviver-e é certo que durante um bom período viveu praticamente de pão, manteiga e chá, a ponto de os colegas temerem por sua saúde.
Em abril de 1894, aos 26 anos, ela se dedicava a uma pesquisa sobre as propriedades de certos metais e, para tanto, procurava um lugar onde pudesse fazer suas experiências. Foi quando um amigo polonês fez, para ajudá-la, algo que mudaria o curso da vida de Marie e da própria ciência. Ele a apresenta a um conhecido, chefe de pesquisa na Escola de Física, chamado Pierre Curie. Pierre era alto, usava os cabelos castanhos cortados a escovinha, tinha barbicha e doces olhos castanho-claros. Era imensamente inteligente e, como ela, adorava a Física e a Matemática. Enfim, essas qualidades, além de uma enorme ternura, conquistaram a estudante.
Como ela, Pierre era tímido e introvertido. Como ela também, preocupava-se com problemas sociais. Filho de médico, aos 35 anos ainda morava na casa dos pais, na periferia de Paris. Anos antes de conhecer Marie, em 1880, Pierre e seu irmão Jacques tinham feito uma descoberta importante: a piezeletricidade, ou seja, a produção de corrente elétrica em conseqüência da compressão ou dilatação de cristais cuja estrutura molecular não é simétrica. As antigas cápsulas de cerâmica dos toca- discos, o acendedor elétrico de fogão e o relógio a quartzo, por exemplo, seriam conseqüências a longo prazo desse trabalho.
Na época, o físico já era conhecido na comunidade científica francesa e preparava sua tese de doutorado. Pierre, naturalmente, encantou-se com aquela mulher com a qual podia conversar sobre ciência-e ser compreendido, coisa rara naquele tempo. O resto foi decorrência. Pouco mais de um ano depois do primeiro encontro, em setembro de 1895 os dois se casaram. Ao voltarem da lua-de-mel, passada esportivamente numa viagem pelo interior da França a bordo de duas bicicletas, foram morar num pequeno apartamento perto da escola.
A essa altura, Pierre tinha sido promovido a professor e ganhava um pouco mais. Marie, por seu lado, se preparava para o concurso de mestrado e procurava um trabalho de pesquisa remunerado.
Os dois primeiros anos do casamento, conforme ela escreveu em autobiografia, foram "os melhores de minha vida". Eles passavam o dia na escola, cujo diretor havia permitido que Marie usasse ali um laboratório. Enquanto Pierre se dedicava às aulas e pesquisas sobre cristais, ela mergulhava num trabalho sobre variações das propriedades magnéticas de diversos tipos de aço em função de suas propriedades químicas (proporção de ferro na composição). "Nossa vida é sempre a mesma", escreveu ela numa carta ao irmão, na Polônia. Essa rotina foi alterada quando Marie engravidou. Ela teve uma gravidez difícil, a ponto de muitas vezes nem conseguir trabalhar.
Em setembro de 1896, Irène nasceu. Marie não permitiu que a condição de mãe a afastasse da Física. Assim, ao mesmo tempo que preparava sua monografia sobre os aços, ela procurava uma tese para seu doutorado-um ato surpreendente, já que havia, em toda a Europa, uma única mulher com o título de doutora: a alemã Elsa Neumann, autora de uma tese sobre eletroquímica. Marie seria a segunda. Eram tempos prodigiosos aqueles. No mundo científico pontificavam figuras gigantescas como Sigmund Freud e Louis Pasteur, este falecido em 1985. Faziam-se espantosos progressos no conhecimento e no uso da eletricidade, media-se com precisão a velocidade da luz.
Pesquisadores ousados subiam em balões a 10 mil metros para fazer a previsão do tempo, enquanto nos Estados Unidos cartões perfurados ajudavam a coletar e interpretar os dados do recenseamento. Foi no ano em que Irène nasceu que o francês Antoine-Henri Becquerel (1852- 1908) descobriu que os sais de urânio emitiam raios que, como os raios X, penetram a matéria. Interessada, Marie resolveu tirar daí sua tese: medir esses raios e verificar se, além do urânio, havia outros elementos capazes de produzir radiações. Logo nas primeiras semanas fez uma descoberta animadora: o tório e seus compostos tinham as mesmas propriedades do urânio. Marie passou a outra série de experiências. Com um aparelho inventado por Pierre, mediu a intensidade da corrente provocada pelos compostos de urânio e tório. O primeiro resultado foi a descoberta de que a atividade dos compostos de urânio dependia apenas da quantidade de urânio neles presente-e de nada mais. Do ponto de vista científico, foi essa descoberta-e não as posteriores, às quais ela iria dever sua celebridade - que constitui a obra-mestra de Marie Curie.
Afinal, ela tinha provado que, ao contrário do que se poderia supor na época, a radiação não era conseqüência nem da interação entre as moléculas, nem da formação de novas moléculas, nem ainda da reorganização de moléculas em novos esquemas-como ocorre numa reação química normal.
A nova energia só podia se originar dos átomos propriamente ditos: a radiação é obrigatoriamente uma propriedade dos átomos de certos elementos químicos. A partir dessa descoberta, a ciência adquiria as primeiras condições de decifrar os mistérios atômicos.
Entre as substâncias manipuladas por Marie Curie estavam dois minerais que, segundo ela desconfiava continham forte proporção de urânio a pechblenda e a chalcolita. Ela intuía que esses minerais continham, na verdade, pequenas quantidades de outra substância-então ainda desconhecida-consideravelmente mais ativa que o próprio urânio. Ao ser colocado diante da hipótese, Pierre ficou intrigadíssimo e resolveu interromper seus trabalhos com os cristais e dedicar-se aos átomos. Era 14 de abril de 1898.
Marie tinha a mania de anotar tudo que fosse quantificável. Em cadernos meticulosamente organizados, marcava o preço dos sapatos do marido, a conta da lavanderia, da eletricidade ou dos queijos. Essa obsessão foi muito útil para sua atividade científica, já que as notas continham sempre observações objetivas. Se ela tivesse que registrar que estava cansada, diria "subi 25 degraus e tive de parar". Os cadernos de Marie revelam que o casal trabalhava até altas horas. As únicas distrações que se permitiam eram uma rara peça de teatro ou um passeio de bicicleta ou ainda uma reunião com os colegas cientistas, nas tardes de domingo. Nenhum dos dois gastava muito: comiam pouco e se vestiam modestamente.
Uma das marcas registradas de Marie, por exemplo, eram seus vestidos, sempre compridos e pretos, cinza ou marinho. Em junho de 1898, apenas dois meses depois de iniciada a pesquisa com a pechblenda, algo extraordinário aconteceu. No dia 6, sabe-se pelas anotações, Marie pegou uma solução de nitrato de bismuto e misturou-a a sulfato de hidrogênio. Depois, recolheu o sólido assim precipitado e mediu sua atividade. O resultado está sublinhado: " 150 vezes mais ativo que o urânio". No mesmo dia, depois de colocar sulfato de bismuto numa proveta e aquecê-lo a 300 graus, Pierre percebeu que um fino pó negro se depositara no vidro. Em dado momento, a proveta estourou, mas a atividade do pó negro foi medida: 330 vezes superior à do urânio. À medida que purificavam a substância, com a retirada do bismuto, mais ela se revelava radioativa.
Como suspeitava Marie, estavam diante de um novo elemento-e, em homenagem a seu país natal, chamaram- no polonium (polônio, em português). De julho a novembro de 1898, o casal se afastou do laboratório para cuidar da saúde. Ambos sentiam um cansaço inexplicável e dores leves mas preocupantes. Estavam frágeis e ficavam doentes continuamente. Pierre achava que estava com reumatismo. As pontas dos dedos de Marie doíam muito e rachavam à medida que ela manipulava as soluções purificadas. Eram já conseqüências da radioatividade-mas, à época, não se conheciam seus efeitos nocivos para o organismo.
De volta à pesquisa, obtiveram uma substância novecentas vezes mais radioativa que o urânio. Ao novo elemento deram o nome de radium (rádio). A 26 de dezembro, a descoberta é comunicada à Academia de Ciências numa nota assinada por Pierre, Marie e ainda pelo químico Georges Bémont-chefe da equipe de pesquisas da escola. Só faltava provar que o rádio era um elemento da natureza e não uma substância produzida em laboratório. Foi a isso que, de 1899 a 1902, o casal se dedicou. Pierre mergulhou no estudo das propriedades da radiação, enquanto Marie tentava isolar a substância e obter um frasco de sal de rádio. Para consegui-lo, ela trabalhou sobre toneladas de resíduos de pechblenda.
"Eu passava às vezes o dia inteiro a mexer uma massa em ebulição com um bastão de ferro quase tão grande quanto eu. A noite, estava quebrada de cansaço", escreveu Marie. Apesar disso, esse trabalho era sua paixão. À noite, depois de voltar para casa e cuidar da filha, eles retornavam ao laboratório. "Para dar uma olhada", dizia Marie. "Nossos preciosos produtos, para os quais não tínhamos abrigo, estavam colocados sobre mesas e prateleiras; de todos os lados víamos suas silhuetas fracamente luminosas, e essas luzes que pareciam suspensas na escuridão eram um motivo sempre novo de emoção e encantamento." O rádio purificado é uma substância luminosa e fluorescente.
Em 1900, Pierre foi finalmente convidado para professor da Sorbonne, enquanto Marie assumia o posto de professora de Ciências Físicas na Escola Normal Superior da cidade de Sèvres, perto de Paris, só para moças. Os novos empregos roubam tempo às pesquisas. Mas, em março de 1902, Marie escreve: "Ra = 225,92". Ou seja, ela havia chegado ao peso de um átomo de rádio. As experiências sobre as propriedades do rádio pareciam indicar que ele poderia ser útil no combate ao câncer.
A notícia correu mundo e o casal foi propelido à celebridade. Pierre é convidado a pronunciar uma conferência na respeitadíssima Royal Society de Londres, o templo supremo da ciência européia. Marie recebe menção honrosa ao apresentar sua tese de doutorado em Física, na Sorbonne. Em dezembro de 1903, enfim, a Academia Sueca concede o Prêmio Nobel de Física ao casal Curie e a Antoine-Henri Becquerel. A fama chegou para atrapalhar o casal. Acostumados a uma vida quieta, eles não conseguem se livrar dos inúmeros convites para entrevistas, recepções, jantares ou espetáculos ao lado dos grandes nomes da sociedade. Um ano depois do Prêmio Nobel, sua filha Eve nasce-e isso complica ainda mais as coisas.
Pierre se incomoda profundamente com o novo ritmo. Numa carta enviada a um amigo de infância, em julho de 1905, desabafa: "Há mais de um ano não faço nenhum trabalho e não tenho um minuto para mim. Esta é uma questão de vida ou de morte do ponto de vista intelectual". Mesmo assim, pressionado pelo reitor da Universidade de Paris, no mesmo ano Pierre aceita disputar uma cadeira na Academia de Ciências-na primeira tentativa, anos antes, ele fora derrotado e sofrera com isso. Desta vez, ganha. Em abril de 1906, Pierre acabara de abandonar os trabalhos com a radioatividade e se preparava para voltar a seus velhos cristais. Na tarde do dia 5, depois do almoço dos professores da Faculdade de Ciências, foi a pé até a editora que publicava seus artigos. A porta estava fechada: gráficos em greve. Pierre. Então, decidiu caminhar até o cais do Sena, em direção à Academia.
No meio do caminho, foi atropelado: a roda de uma charrete passou por cima de sua cabeça. Tinha apenas 47 anos. Arrasada com a notícia, Marie se abandonou a uma dor profunda. Sete meses mais tarde, depois de muita insistência, aceitou ocupar a cadeira que pertencera ao marido na Sorbonne. Sua aula inaugural reuniu mais de uma centena de pessoas dos mais diferentes meios. Ela não fez por menos: começou o curso retomando a última aula de Pierre, exatamente onde ele havia terminado. Nos quatro anos seguintes, além de lecionar, dedicou-se a extrair rádio puro, numa tarefa penosa.
Taciturna, reservada, preocupada em preservar sua privacidade, Marie viu-se em 1911 no centro de um escândalo. A mulher do físico Paul Langevin -que freqüentou a roda dos Curie por longos anos-tornou pública a correspondência amorosa entre Marie e seu marido. O escândalo foi tal que, por alguns meses, com a saúde abalada, ela viveu escondida fora de Paris, com o nome de solteira. No meio desse furacão, a Academia Sueca Ihe concede seu segundo Prêmio Nobel-desta vez de Química, pela descoberta do rádio e do polônio.
Em 1914, graças à doação do milionário americano Andrew Carnegie, é construído em Paris o Instituto do Radium-e um dos prédios é o Pavilhão Curie, onde ela instalará seu laboratório. Mas o trabalho científico teria que esperar: a Primeira Guerra Mundial mobiliza as energias da cientista. Ela cria uma rede de postos volantes de raios X em todo o front francês.
No fim da guerra, retoma suas pesquisas e, desde então, passa os dias trabalhando doze, catorze horas por dia no laboratório. Em 1921, um giro de conferências a leva a vários países, entre eles o Brasil. Nos Estados Unidos teve uma acolhida triunfal-as mulheres se cotizaram para doar-lhe um grama de rádio, que ela utilizaria nas pesquisas sobre aplicações da radioatividade em Medicina.
A essa altura, Marie era amiga de todos os grandes nomes da ciência, Albert Einstein, por exemplo, chegou a passar férias com ela, na sua casa no sul da França. O curie tornou-se a unidade de medida da radioatividade. Com a saúde minada e quase cega, Marie morreria aos 66 anos, em 1934, vítima de leucemia-provável conseqüência de anos de manipulação de substâncias radioativas. Um ano a mais de vida e ela teria tido a alegria de ver a filha Irène e o genro Frédéric Joliot-ambos físicos e formados à sombra da velha dama-receberem o terceiro Prêmio Nobel (de Química) da família Curie.



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