segunda-feira, 16 de julho de 2018

A Pata da Gazela - Parte 2 de 3 - José de Alencar


A Pata da Gazela - Parte 2 de 3 - José de Alencar


Entre as casas que outrora freqüentava, escolheu para a primeira noite a de D. Clementina, amiga íntima de sua irmã.

Era uma Senhora já no declínio da idade e da formosura; gostava muito de dançar, e por isso reunia constantemente em sua Sala as moças de sua amizade. Logo que se achavam presentes quatro pares, a dona da casa dava o sinal, o marido arredava a mesa do centro, o filho, menino de quinze anos, sentava-se ao piano e...


-- Chassé-croisé! gritava D. Clementina.

Nesta casa Leopoldo tinha certeza, não só de ser bem recebido, como de encontrar bastante arruído para aturdir-se e abafar
uns gemidos que sentia às vezes repercutirem no coração. Tinham decorrido cinco dias depois da decepção; às oito horas da noite entrou o moço na sala de D. Clementina, que o recebeu com surpresa cheia de amabilidades.

Além de estimado, acontecia que ele era justamente o quarto par. Tirado o dono da casa, o Sr. Campos, o filho Alfredo, e três velhas, inválidas da dança, havia na sala cinco senhoras para dois cavalheiros; servindo uma senhora de cavalheiro, ainda faltava metade de um par.

Quando a campainha anunciou mais uma visita, D. Clementina de olhos fitos na porta da sala, dispôs-se a receber o recém-chegado com o seu mais afável sorriso. Vendo Leopoldo, correu a ele, e desfolhando-lhe um ramalhete de amabilidades, trançou-lhe o braço; antes que o moço tomasse pé na sala, era arrebatado pela quadrilha, a compasso de
galope.

Realmente ele não podia escolher melhor. A agitação daquela dança rápida, sem pausa; a confusão que os pares criavam de propósito para aumentar a animação; os risos e gracejos que provocavam os menoresincidentes da quadrilha; todo esse rumor e atropelo tinham por tal forma sacudido o espírito de Leopoldo, que as idéias e recordações tristes lhe caíram, como as folhas secas de uma árvore, abalada pelo vento rijo do outono.

Sentiu o coração vazio, porém tranqüilo; o prazer vivo e cintilante daquela reunião, apenas roçava-lhe pela superfície; não penetrava, mas também já não transudavam-lhe do íntimo as amarguras de que nos últimos dias se tinha saturado.



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De repente operou-se na perspectiva da sala uma transformação inesperada. Amélia entrara; e

sua graça difundiu-se
com um
influxo celeste, no meneio de seu talhe elegante, na suavidade de sua voz, na irradiação de

seus olhares.

Leopoldo embebeu-se naquela suave aparição, como da primeira vez que a vira, mas para

percorrer em um ápice, as
fases
de seu amor, e cair de novo na esmagadora decepção.

De repente aquela estátua luminosa escureceu a seus olhos deixando apenas um resíduo

negro: esqueleto calcinado
que
arrastava uma deformidade. Debalde Amélia se ostentava no fulgor de sua beleza, toucada

pelos primeiros arrebóis do
amor;
debalde as ondulações de seu corpo debuxavam formas encantadoras, e o sorriso de seus

lábios destilava uma
fragrância
mística de beijos puros; os olhos de Leopoldo não viam nenhum desses encantos. Através dos

folhos do vestido
roçagante,
sua vista fitava-se implacável no pé monstruoso que lhe esmagava o coração como a pata

grosseira de um animal.

Todos os encantos dessa criatura, ele os despia de seu manto sedutor e dissecava-os com frio

rancor. A inflexão
voluptuosa
do talhe provinha da resistência que opunha ao andar o enorme pé; o passo ligeiro era um

esforço supremo para
disfarçar o
aleijão, o sorriso gracioso um enleio para prender os olhos estranhos, não permitindo que eles

se abaixassem até à
fímbria do
vestido.

E por isso mesmo o olhar de Leopoldo, olhar frio, cruel, inexorável, se tinha cravado na orla da

saia elegante, donde
não
havia forças para arrancá-lo.

Amélia sentiu esse olhar cruciante e estremeceu, tomada de um vago terror. Imediatamente

sentou-se, e arranjando as
dobras
do vestido, procurou disfarçar; mas em vão: o olhar do moço continuava fito no mesmo ponto e

produzia nela uma
sensação
incômoda.

-- É D. Amélia, filha de um negociante, chamado Sales. Não conhece?

Estas palavras foram dirigidas a Leopoldo por D. Clementina, que sentando-se a seu lado,

acompanhou-lhe o olhar
fito.

-- Não, minha senhora.

-- Então vou apresentá-lo.

-- Obrigado, D. Clementina; depois.

-- Não acha muito galante?

Leopoldo hesitou:


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-- Oh! muito! . . .

Viera-lhe nessa ocasião o mesmo ímpeto que sentem de ordinário os amantes em igual

situação: o de criticar e
desmerecer
nas prendas da mulher que os faz sofrer. É uma reação natural do coração; Leopoldo, porém,

julgou indigno de si tal
procedimento; tinha o direito de afastar-se, de fugir com horror dessa mulher, mas não o de

ofendê-la. A culpa de
amá-la era
sua, e não dela.

Aproveitou um momento de distração da dona da casa, para tomar o chapéu e esquivar-se sem

que o percebessem.

Amélia, porém, o viu; seus olhos ficaram por algum tempo presos na porta por onde acabava o

moço de sair. Quando,
passado um instante, caiu em si, ficou surpreendida. Que tinha ela com aquele desconhecido?

Ao chegar, vendo o rosto pálido e os olhos profundos, que tão desagradável impressão haviam

deixado em seu
espírito, a
moça havia sentido um mal-estar íntimo. Vinha com a alma cheia das primeiras delícias de um

amor nascente; com
as doces
emoções da declaração de Horácio. A presença de Leopoldo foi um travo.

Mas também para que viera? Por que não ficara em sua casa esperando Horácio?

Vão lá sondar o coração feminino. Agora que sabia-se amada, a moça queria gozar de seu

triunfo, e ver humilde e
abatido a
seus pés o rei da moda, o soberbo leão. O meio era fazer-se ardentemente desejada, tornar-se

difícil e esquiva, embora
lhe
custasse o sacrifício dos momentos agradáveis que podia passar junto de Horácio.

A presença de Leopoldo em casa de D. Clementina a incomodara, e entretanto seu olhar parecia

agora sentir a
ausência do
mancebo.

A princípio havia ali uma pessoa demais; agora faltava alguma coisa. Se não era um homem,

era uma curiosidade,
uma
emoção.

-- Amélia!

A moça voltou-se para ouvir D. Clementina que a chamava.

-- Quero apresentar-lhe um moço, que a acha muito bonita.

Dizendo estas palavras, a dona da casa corria os olhos pela sala à busca de alguém.

-- Não o vejo agora.

-- Quem é?

-- O Castro... Conhece?...


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-- Não, senhora.

-- Querem ver que já se retirou?

Amélia pôde reter o monossílabo que ia cair-lhe do lábio, confirmando a suposição da dona da

casa. Tinha
adivinhado que se
tratava do seu desconhecido.

-- Então ele me acha bonita?

-- O Castro?... Muito. Creio que ficou apaixonado! Se visse os olhos que lhe deitava quando a

senhora chegou!

-- Então foi de paixão que ele fugiu?

-- Quem sabe? A paixão é como o vinho que em uns dá para rir, e em outros para chorar. Há

namorados que
perseguem, e
outros que fogem!

Amélia julgou prudente desviar a conversa daquele assunto escabroso, no qual D. Clementina

se comprazia, porque
lhe
recordava sua mocidade já desvanecida.

                                               IX

Depois daquela noite Leopoldo viu Amélia duas ou três vezes; e de todas sentiu a mesma

impressão que lhe causara a
presença da moça em casa de D. Clementina.

Era o mesmo desencanto, a mesma insistência de seu espírito para enxergar a formosura da

donzela através de um
prisma
deforme e caricato. Nessas ocasiões ele sofria diante da moça a fascinação do horrível, como o

poeta sofre muitas
vezes a
fascinação do belo em face de um objeto desgracioso. Era então um poeta pelo avesso; um vate

do monstruoso.
Tinha na
imaginação um gnomo de Victor Hugo: criava Quasímodos e Gwynplaines do sexo feminino com

uma fecundidade
espantosa.

Quando porém a moça desaparecia de seus olhos, operava-se em seu espírito completa

mutação. Esquecia
completamente o
aleijão, para só lembrar a linda e graciosa figura, que poucos momentos antes sua vista repelia.

Amélia ausente
vingava Amélia
presente. O coração do mancebo detestava tanto esta, quanto adorava ainda a outra.

-- Este amor é um inferno, pensava ele; tem um vício orgânico. Há de viver de dores e lágrimas;

há de alimentar-se de
minhas
tristezas. E assim irá definhando até morrer de consunção, depois que me tiver devorado todo o

coração. Que importa?
Servirei de pasto a este abutre. O que somos nós afinal de contas? Uma presa; enquanto vivos,

a presa das moléstias e
das
paixões próprias ou alheias; depois de mortos, a presa dos vermes ou das chamas.



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Com tal disposição de espírito voltou ele dias depois à casa de D. Clementina. Nesta noite havia

uma pequena partida;
Leopoldo contava, pois, encontrar Amélia.

Ali estava com efeito, vestida de escarlate e branco; e adornada com a sua graça arrebatadora.

Quando o moço
entrou, ela
dançava com as costas voltadas para a porta e não o viu; porém, momentos depois virou o rosto

como se obedecesse
a um
impulso estranho, e encontrou o olhar ardente de Leopoldo.

A moça fez insensivelmente um movimento para afastar-se, que entretanto a aproximou da

porta. Aquele olhar que a
atraía ao
mesmo tempo que a repelia, causou-lhe um desvanecimento misturado de terror. Felizmente a

terceira figura da marca
da
contradança começava, e a distraiu de sua emoção.

Estava ela outra vez parada conversando com o par, quando sentiu um calafrio; sem ver,

conheceu que o mancebo se
aproximava, que seus lábios se abriam para dirigir-lhe a palavra:

-- Minha senhora, terei a honra de dançar com V. Exa a seguinte quadrilha...

Continham uma pergunta ou uma asseveração estas palavras? Fora impossível dizê-lo. O tom

parecia mais afirmativo
do que
interrogativo, porém o olhar do mancebo esperava, se não exigia resposta.

A confusão da dança permitiu a Amélia esquivar-se, sem responder. Quando, terminada a

quadrilha, voltou a seu
lugar, ficou
perplexa. Tinha ela se comprometido ou não a dançar a seguinte quadrilha com Leopoldo? Não

respondera, é certo;
mas
recordava-se vagamente de ter feito uma leve inclinação com a cabeça. Sem dúvida o moço vira

esse movimento e o
tomara
por um sinal de assentimento.

Quando um de seus inúmeros admiradores vinha pedir-lhe a próxima quadrilha, ela respondia

hesitando que já tinha
par;
apenas o cavalheiro se afastava, arrependia-se de não o ter aceitado, rompendo assim o

compromisso tácito; e ficava
ansiosa
por outro convite. Entretanto novo par se apresentava, que recebia a mesma recusa.

Nesse jogo, muitas vezes repetido, passou o intervalo. O piano deu o sinal da quadrilha;

Leopoldo aproximou-se de
Amélia,
e inclinando-se, sentiu no seu estremecer o braço tépido de Amélia. A moça não teve

consciência do que se passou até
o
momento em que o moço a conduziu a seu lugar. Recordava-se apenas de que seu par lhe

falara por muito tempo,
com a voz
baixa, porém palpitante de emoção.

Assim fora. Passada a primeira confusão da quadrilhas Leopoldo, fitando o olhar no semblante

da moça, deu
expansão aos
sentimentos que lhe tumultuavam dentro d' alma. Com a fronte baixa e as faces cheias de

rubores, Amélia parecia
absorvida e


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reconcentrada enquanto o moço falava. Dir-se-ia que ela não o ouvia.

-- A senhora acredita, D. Amélia, na atração irresistível, que impele duas almas entre si, e as

chama fatalmente a se
unirem e
absorverem uma na outra?... Eu acreditava nessa força misteriosa, mas ainda não tinha

chegado o momento de
experimentá-la
em mim, de sentir em meu ser este elo divino que prende as almas através do tempo e da

matéria. Senti-o há vinte dias,
quando a vi pela primeira vez, quando a senhora se revelou ao meu coração.

Leopoldo referiu as emoções que sentira, na ocasião de seu primeiro encontro com Amélia; a

impressão que ela
deixara em
seu espírito; e os sonhos em que se embalara sua imaginação nos dias seguintes.

-- Tive então, continuou o mancebo com acento profundo e comovido, tive, então, e depois, a

prova de que esse
enlevo de
meu ser. essa abstração de minha existência para absorver-se noutra, era a atração moral e

nada mais. Via, admirava,
adorava na senhora uma coisa somente: sua alma. Não sabia, ainda hoje não sei, se a mulher

que eu amo é bonita
para os
outros; sei que para mim é de uma beleza divina. Perdesse ela a graça e a formosura que aos

outros seduz, para mim
seria a
mesma; eu havia de adorá-la com o mesmo ardor. Sua alma é filha de Deus, e como ele de uma

magnificência
imortal. É uma
estrela que não tem eclipse.

Leopoldo inclinou a fronte para falar quase ao ouvido da moça:

-- Outrora julgava impossível que se amasse o horrível. Agora reconheço que tudo é possível ao

amor verdadeiro, ao
amor
puro e imaterial. Não só reconheço, mas sinto-me capaz de nutrir uma dessas paixões mártires!

Oh! sinto-me capaz de
amar
o anjo ainda mesmo encarnado em um aleijão! . . .

Leopoldo falou ainda por muito tempo de seu amor a Amélia, sem que ela se animasse a

interrompê-lo. Aquela
palavra
ardente, impetuosa, embora vendada por certo pudor d'alma, a subjugava; ela não tinha

coragem, nem mesmo
vontade de
subtrair-se à sua influência.

Quando Amélia, conduzida por Leopoldo, se dirigia a uma cadeira, D. Clementina aproximou-se:

-- Ah! Eu queria apresentá-lo, disse a Leopoldo; mas não teve paciência para esperar.

Depois reclinando ao ouvido de Amélia, perguntou-lhe:

-- Então? Não lhe disse que a achava muito bonita?

-- Ao contrário, D. Clementina; deu-me a entender que me acha horrível.

-- Ande lá.



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-- Deveras!

-- É impossível.

Amélia, sentando-se, evocou a lembrança de Horácio, para fazer no seu espírito o paralelo entre

o elegante leão e o
estranho
mancebo com quem acabava de dançar. Um tinha todas as prendas que seduzem a imaginação:

era formoso, trajava
com
esmero, conversava com muita graça. O outro não possuía nenhum desses atrativos; seu

exterior alheava as
simpatias; quando
falava difundia a tristeza no espírito dos que o escutavam.

A moça não concebia que se preferisse Leopoldo a Horácio; e contudo não podia esquivar-se

completamente à
influência
daquela imagem pálida, que lhe aparecia no meio dos sonhos mais brilhantes

Muitas vezes, depois de algumas horas agradáveis passadas junto do leão, quando a moça,

recolhida à sua alcova,
repassava
na memória os doces protestos de amor que ainda lhe ressoavam ao ouvido, de repente surgia

a lembrança de
Leopoldo.
Parecia-lhe então que da fronte do mancebo se desprendia uma sombra para anuviar seus

pensamentos risonhos.

Horácio, sabendo onde Amélia passava as noites em que ele a não via, mostrara desejos de

freqüentar a casa de D.
Clementina; a moça porém opôs-se. Duas razoes atuaram em seu espírito.

Aquela casa servia-lhe de abrigo contra a sedução que exercia em seu espírito a elegância de

Horácio. Quando
sentia-se
vencida, fugia para ali, onde recobrava forças para resistir de domar completamente o leão,

soberbo de suas
conquistas
passadas.

Era essa uma das razoes; a outra era o receio de achar-se em face dos dois moços, repartida

entre a sedução de um e a
fascinação do outro. Pressentia que desse conflito, resultaria alguma coisa, que ela não podia

definir, mas que a enchia
de
sustos e inquietações.

Por isso exigiu de Horácio que não fosse à casa de D. Clementina:

-- Costumam lá ir algumas dessas pessoas que se ocupam em inventar novidades Sua

apresentação, Sr. Horácio, daria
pretexto a algum romance.

-- Mas por que ainda freqüenta semelhante casa?

-- Pedidos... bem sabe; nem sempre uma pessoa se pode recusar. Mas se o senhor aparecer lá,

eu deixarei de ir.

-- Esteja tranqüila.

Amélia continuou a passar de vez em quando uma noite em casa de D Clementina. A princípio

não tinha dia certo, e
sucedeu
por isso que Leopoldo desencontrou-se dela duas vezes. Uma noite porém o moço perguntou-

lhe:


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-- Vem sábado?

-- Talvez.

Desde então o dia escolhido era o sábado, a menos que não precedesse aviso especial da dona

da casa para alguma
partida.
Nunca mais houve desencontro; Amélia achava sempre o mancebo no seu posto, defronte da

porta para vê-la entrar.

Em uma dessa noites deu-se um incidente que é preciso referir.

Falava-se a respeito de uma senhora casada, a quem o marido causava sérios desgostos.

Pessoa que sabia das
particularidades dessa família explicava o fato à sua maneira.

-- Ela era muito linda, o marido a adorava; casou-se por paixão. Poucos dias depois de casada,

teve ela uma grave
moléstia
que a reduziu àquele estado. Não há paixão que resista!

-- Com efeito, sabe ser feia!

-- Ninguém acreditará que foi bonita.

-- Pois foi uma beleza.

Leopoldo, que ouvia calado, interveio:

-- O marido nunca a amou!

-- Asseguro-lhe que teve uma paixão louca.

-- E eu afirmo-lhe que não; que ele nunca teve paixão pela mulher. O que ele adorava era

unicamente a sua beleza, a
forma;
isto é, um acidente. O homem que ama a mulher destinada a ser companheira de sua existência,

o complemento de
seu ser
imperfeito, não despreza essa mulher, porque a desgraça a feriu no invólucro material de sua

alma. Ele pode sofrer
com
aquela desgraça; mas deve redobrar de amor e adoração, para que nem seus olhos vejam o

defeito, nem ela, a mulher
amada,
se lembre nunca de que o tem para ele, embora o tenha bem claro para os indiferentes.

-- É bonito de dizer! acudiu um apreciador das mulheres formosas.

-- Todos dizem o mesmo, mas fogem das feias, observou uma senhora idosa, talvez por

experiência própria.

-- O que eu digo, minha senhora, já o experimentei em mim mesmo, replicou Leopoldo.

-- Ah!

O mancebo cravou em Amélia um olhar eloqüente, e disse com a palavra lenta e calma:



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-- É verdade; já o experimentei em mim. Por que hei de ocultá-lo? Minha alma já passou por esta

dura prova, e saiu
triunfante. Hoje sei que tenho forças para amar até os defeitos da mulher que Deus me destinou.

Amélia perturbou-se com aquelas palavras, e o olhar ardente que parecia gravá-las em sua

alma. Nessa noite retirou-se
pensativa; e por muito tempo a figura pálida de Leopoldo esvoaçou na penumbra de seu leito de

virgem.

                                               X

Pela manhã se dissiparam essas névoas que no espírito de Amélia deixara a noite antecedente.

Era domingo. A moça, envolta em seu roupão alvo, com os cabelos soltos pelas espáduas,

encostou o rosto à vidraça
da
janela. Afastando a cortina de cassa branca, podia enxergar perfeitamente a rua, sem que de

fora vissem o seu
gracioso
desalinho.

Não tardou que se ouvisse um tropel de cavalo. Era o leão que ia dar seu passeio matutino.

Vendo agitar-se a cortina, e
desenhar-se no vidro a ponta de uns dedos cor-de-rosa, Horácio cortejou enviando um sorriso à

janela.

À noite o moço dirigiu-se à casa do Sales; Amélia o esperava. A sala estava cheia de visitas.

Entrando, o olhar de
Horácio
encontrou um olhar terno que o saudava de longe.

Mas o sorriso se desfez com a perturbação que de repente sentiu a moça. A vista do leão tinha

descido até o tapete, e
se
fixara com uma insistência visível na fímbria do vestido, ligeiramente arregaçada. Horácio

julgou que pudesse lobrigar
a ponta
do pezinho que idolatrava.

A moça concertou as dobras da saia de modo a interceptar o olhar curioso; e disfarçou

conversando com uma amiga.

Desde princípio notara Amélia aquele sestro de Horácio. Quando ela o supunha mais embebido

em seus encantos,
mais
rendido à sua beleza, surpreendia o olhar do moço a rastejar pelo chão, procurando insinuar-se

por baixo da orla de
seu
vestido.

Muitas vezes ela perdia os seus mais ternos sorrisos, porque o moço, em vez de procurar-lhe

no rosto a esperança de ser
amado, esquecia-se a catar sobre o tapete alguma idéia que não se animava a revelar. Já tinha

sucedido, durante que
ela
tocava, distrair-se o leão, e com a atenção presa no pedal, nem ouvir a peça de música.

Horácio a amava sem dúvida; já lhe tinha dado provas de que sentia por ela uma paixão

veemente. Ele, o rei da
moda, o
festejado conquistador, para quem todas as portas e todos os corações abriam-se como a gruta

encantada de Aladino,
a uma
só palavra; ele ali estava cativo da vontade dela, e atado ao seu carro triunfal. Que prova mais

eloqüente de profundo
amor,
do que essa submissão espontânea do altivo leão?



[Linha 2000 de 4669 - Parte 2 de 3]


A força nunca se revela tanto como na posse de si mesma, no vigor com que se domina.

Hércules, fiando aos pés de
Onfale,
é o último canto, o epílogo sublime da epopéia da forca humana. Exterminando a fera, a

natureza e até os deuses,
Hércules foi
grande; abatendo a si mesmo, foi maior, porque venceu o vencedor.

Amélia compreendia que homenagem eloqüente à sua beleza havia naquela adoração do

elegante cavalheiro;
sentia-se
orgulhosa com esse amor, que tantas mulheres lhe invejavam; considerava-se rainha, desde

que via a seus pés
subjugado e
humilde o rei da moda.

Mas lá no íntimo alguma coisa lhe remordia quando notava a pertinácia com que o olhar de

Horácio procurava a
fímbria de
seu vestido. Nesses momentos sentia n'alma um alvoroço; chegava a suspeitar que Horácio

não lhe tinha amor, e
estava
escarnecendo dela com uma paixão fingida.

A verdade, porém, é a que sabemos. Horácio tinha paixão louca pelo pezinho de que só

conhecia a botina e o rasto;
fazendo
a corte a Amélia, ele prestava culto ao deus ignoto, que adorava sob aquela forma encantadora.

Pelo cuidado que
tinha a
moça em não desconcertar os babados de seu vestido comprido demais, conheceu ele o zelo

com que a dona recatava
o
tesouro. Contudo não desesperou; o cuidado da moça havia de adormecer um momento; podia

mesmo sobrevir um
acidente
inesperado que realizasse a sua mais cara esperança.

Até aquela noite todos os esforços se tinham frustrado; à sua insistência a moça tinha oposto a

pertinácia do capricho
feminino. Quanto mais atento ele estava para aproveitar qualquer descuido, mais alerta ela

ficava para não cometer a
mínima
falta.

Horácio porém resolveu dar o golpe; e com essa intenção, fora à casa de Sales, no domingo em

que estamos.

Quando se ofereceu ocasião, travou com Amélia, recostada à janela, o seguinte diálogo:

-- Como é bonita! disse ele contemplando a moça com enlevo.

-- Ainda não tinha percebido? perguntou ela com irônica faceirice.

-- Não, D. Amélia, não; porque de cada vez a acho mais bonita; todos os dias a senhora muda a

meus olhos; torna-se
outra,
mais linda, mais formosa, do que era aquela que eu conhecia anteriormente. Como hoje,

acredite, nunca a vi.

-- Que tenho eu demais?

-- Não sei; tem uma auréola de beleza! Seus olhos desferem raios de luz tão pura; sua boca

sorri como a flor em botão,
que
abriu com a frescura da noite. Os anéis de seus cabelos castanhos parecem impregnados de um

fluido misterioso, que


[Linha 2050 de 4669 - Parte 2 de 3]


se
derrama em torno. Mas de toda a sua formosura há uma coisa sobretudo que eu admiro, que eu

adoro. Não é, nem
seus
olhos brilhantes, nem seus lábios mimosos, nem seu talhe elegante, nem suas tranças tão

opulentas; não é nada disto!

-- O que é então?

-- Para que dizê-lo? Para que revelar a minha paixão a quem dela escarnece? Se eu o

confessasse, cessariam o suplício
que
tenho sofrido, as ânsias que estou curtindo? Não; haviam de aumentar se isso fosse possível. A

senhora teria prazer em
torturar-me ainda mais.

-- Explique-se: confesso que não o entendo. Que suplício tem o senhor sofrido?

-- A mulher é caprichosa, muitas vezes faz padecer aquele que a ama sinceramente, e só por

espírito de contradição.
Uma
coisa inocente, um favor pequenino... permite aos estranhos e indiferentes, e entretanto recusa

ao homem que morre
de
paixão por ela. Não é uma crueldade? A senhora pergunta, D. Amélia, que suplício tenho eu

sofrido. Este, de ser
consumido
a fogo lento por um desejo, que um gesto seu podia tornar em gozo infinito!

A moça, com as faces incendidas em rubor, lutava no alvoroço e confusão, que iam se

apoderando de toda sua
pessoa.

-- Entende agora, D. Amélia?

-- Não! murmurou trêmula.

-- Pois não percebeu ainda, que há uma coisa que eu sobretudo amo na senhora? Tanto

percebeu, que fez o propósito
de
escondê-la a meus olhos, cansados de a procurarem a cada instante. Não está contente ainda

de ver-me arrastando
assim a
alma pelo pó, no vão intento de entrever de longe o objeto de minhas adorações?

O leão fitou um olhar fascinador no semblante da moça.

-- Para que negar, D. Amélia? A senhora o sabe, e finge ignorar para mais torturar-me.

-- Eu, não!

-- A senhora sabe por quem deliro de paixão, por quem darei a minha vida sem hesitar. Se não

soubesse, já eu teria
visto e
admirado esse pezinho mimoso, que me mata com seu rigor.

Uma visita que entrava na sala, deu a Amélia um pretexto para fugir, disfarçando seu rubor e

perturbação, no afã da
recepção
das senhoras que chegavam.

Ao retirar-se, Horácio achou ensejo de trocar uma palavra com a moça, enquanto lhe apertava a

mão:


[Linha 2100 de 4669 - Parte 2 de 3]



-- Não seja cruel!

-- Oh! cruel não sou eu, replicou a moça com expressão de ressentimento.

Mais tarde, em sua alcova, enquanto desfazia o penteado, soltando os lindos anéis do cabelo

castanho, Amélia
recordou-se
das palavras apaixonadas que ouvira de Leopoldo na véspera, e comparou-as com as queixas

de Horácio. A
linguagem do
primeiro tinha a eloqüência da paixão; parecia vir do íntimo, do mais profundo do coração. A

linguagem do segundo
tinha a
graça da sedução: era a vibração passageira das cordas d'alma.

Mas a palavra do leão vinha envolta em um sorriso gracioso, sombreado por um bigode fino e

elegante!

Durante uma semana, Amélia não viu Horácio, por uma razão muito simples. O moço, de

arrufado, não apareceu
durante dois
dias; quando se resolveu a aparecer, a moça despeitada inventou um incômodo, e não desceu à

sala de visita, pelo
dobro do
tempo. Se Horácio sustentasse a luta, podia haver sério rompimento.

O leão porém estava domado; tinha achado a sua Diana. No quinto dia foi humildemente render

preito e homenagem
à
suserana de seu coração. Amélia o recebeu como rainha magnânima; e tratou-o nesse dia com

amabilidade extrema.
Pela
primeira vez, Horácio pôde beijar-lhe a ponta dos dedos.

Animado com esse acolhimento, o leão arriscou de novo a grande questão. Fitando o olhar no

rosto da moça e
abaixando-o
à orla do vestido, disse em tom suplicante:

-- Me deixa ver?

-- Não, respondeu a moça com vivacidade, e demudando-se:

-- Quando cessará este capricho?

-- Nunca.

Horácio teve um assomo de impaciência.

-- Bem. Não me quer mostrar a mim, Horácio de Almeida; pois há de mostrá-lo a uma pessoa.

-- A quem? perguntou a moça irritada.

-- A seu marido.

Amélia tornou-se pálida, e sentiu passar-lhe nos olhos uma vertigem; mas recobrou-se logo à

idéia de que as palavras
de
Horácio não passavam de um galanteio.


[Linha 2150 de 4669 - Parte 2 de 3]



-- Se algum dia me casar, replicou ela sorrindo, há de ser com a condição de não mostrar.

-- Havemos de discutir essa condição.

-- Vamos mudar de conversa?

-- Como quiser; temos muito tempo para continuá-la.

Enquanto Amélia o olhava surpresa, Horácio voltando-se para o grupo das senhoras, tomou

parte na conversação
geral.

-- Já sabem a novidade, minhas senhoras?

-- Qual delas? Há tantas.

-- A novidade nova, a ultimamente inventada, que eu acabo de receber em primeira mão, de

caminho para aqui.

-- Algum casamento, aposto.

-- E eu sei de quem.

-- Não adivinhou. Talvez que a novidade de amanhã seja algum casamento; quem sabe?

respondeu Horácio,
relanceando um
olhar para Amélia. Mas a novidade de hoje, é apenas um baile, um baile, um baile de estrondo.

-- Aonde?

-- No Cassino?

-- No clube?

-- Em casa de Azevedo.

-- É verdade! Eu já tinha ouvido dizer!

-- Quer a senhora fazer de velha a minha novidade. O que se dizia era que o Azevedo tinha

tenção de dar um baile,
mas disso
à realização vai uma grande distância. Eu desejo muita coisa que não alcanço, e nem ao menos

posso ver. Foi hoje e
ao jantar
que resolveu-se a grande questão, por ocasião de uma saúde. Um amigo que vinha de lá,

encontrando-me a dois
passos
daqui, me deu a notícia do grande acontecimento. Portanto, minhas senhoras, preparem-se!

-- Quando é o dia?

-- No primeiro do mês próximo. Ponham desde já em contribuição as lojas e modistas; eu, o que

posso, é oferecer-me
com
muito gosto para admirá-las a todas, e achar a cada uma de per si mais elegante do que as

outras juntas. Se Páris me
tivesse


[Linha 2200 de 4669 - Parte 2 de 3]


ouvido, não haveria guerra de Tróia.

-- Nem Homero por conseguinte, replicou um literato.

-- Homeros sempre os há. Quando não encontram os heróis já feitos, inventam-nos, e com tal

habilidade, que esses
grandes
homens postiços parecem verdadeiros, como os dentes de osana, e os coques das moças. O

mesmo sucede com os
Anacreontes, cuja raça é muito maior; quando não acham ninfas para cantar, qualquer bruxa lhes

serve de pretexto
ou de
cabide para pendurarem a lira.

Amélia ficara triste e preocupada; escutava a palavra volúvel do moço com um sentimento

indefinível de angústia;
parecia-lhe
que era seu amor por ela, que Horácio rasgava aos pedacinhos, como uma página querida,

abandonando-os ao sopro
do
vento, ao capricho daquela conversa.

Uma amiga reparando na tristeza da filha de Sales e no olhar que em certa ocasião lhe deitara

Horácio, disse ao
ouvido da
moça sentada a seu lado:

-- Amélia ficou lograda!

-- Como?

-- Creio que Horácio está justo com outra.

-- Quem lhe disse?

-- A tristeza de Amélia, e o olhar que o sujeito lhe deitou, quando falava de um casamento que se

há de saber amanhã.

-- É verdade. Com quem será?

-- Naturalmente com alguma fazendeira de mil contos. Depois que saírem da igreja, o marido

leva-a para o colégio do
Hitchings; e deixa-a lá como pensionista, enquanto ele vai a Paris aperfeiçoar-se na escola dos

maridos.

"Esta senhora é uma sátira viva; sua conversa parece um fogo de artifício; dir-se-ia que o seu

gracioso traje é todo
composto
de alfinetes, que ela vai deixando em sua passagem envoltos em sorrisos açucarados, como

confeitos de carnaval.

"Oculto seu nome porque é muito conhecida na boa sociedade do Rio de Janeiro, e não quero

comprometê-la com os
noivos
presentes e futuros das fazendeiras ricas."

Depois de ter durante alguns instantes ainda polvilhado a conversa com sua palavra elegante e

chistosa, Horácio
tomou o
chapéu e retirou-se. Não eram nove horas; esta circunstância mais entristeceu Amélia, e mais

excitou a atenção da
moça
maliciosa.



[Linha 2250 de 4669 - Parte 2 de 3]


À porta da casa de Sales encontrou Horácio seu tílburi. Mandou o cocheiro esperá-lo no Largo do

Machado, e ele,
tendo
acendido o charuto e vestido o sobretudo, seguiu a pé. Queria pensar.

Horácio pertencia à escola daqueles que entendem, que nunca é tarde para arrepender-se o

homem de um
compromisso. Ele
compreendia o alea jacta est por esta forma prudente e razoável. César, tendo lançado a ponte

sobre o Rubicão, via
de longe
em Roma a ditadura, e mais tarde a púrpura imperial, portanto fez ele muito bem em passar,

sobretudo desde que o rio
já não
opunha obstáculo. Mas se em vez do poder, César encontrasse no caminho a derrota, a ponte

lançada lhe serviria para
voltar
às Gálias, e ele teria o cuidado de queimá-la depois que tornasse a passar.

Como César, ele tinha lançado a ponte com aquela palavra dita a Amélia, em um momento de

despeito. Devia porém
passar
o Rubicão do casamento?

Era sobre tão importante questão que o leão queria refletir, fazendo a pé o trajeto entre as

Laranjeiras e o Largo do
Machado.

-- O casamento é o suplício de Prometeu, pensava ele; um homem atado ao rochedo da família,

com o coração
devorado
pelo tédio; uma criatura dividida em duas metades, que se contrariam a cada instante, porque

estão ligadas. Em vez
do
romance, do idílio, do drama, a prosa monótona de uma história que se lê todos os dias. Esse

prazer incomparável de
sentir-se todo dentro de si, de resumir-se no seu único eu, de dispor livremente de sua pessoa e

vida, não o tem o marido
a
menos que seja um biltre. O casamento dilata a superfície da alma; em vez de sofrer-se no seu

coração apenas,
sofre-se na
mulher, no filho, e em cada um dos fios dessa grande teia humana que se chama família.

Horácio recordou-se de alguns de seus amigos que haviam casado, e achou nessas

reminiscências a prova de sua
opinião.

-- O casamento é tudo isso; mas que importa, desde que não há outro meio de realizar o meu

desejo e satisfazer esta
paixão
ardente e impetuosa? Daria a vida inteira, e sem hesitar, pela felicidade que eu sonho. Pois se

eu a daria de uma vez,
por que
não a emprestarei sob hipoteca?

Tendo chegado ao Largo do Machado, o moço entrou no tílburi, que o conduziu a casa.

Aí, contemplando a mimosa botina, guardada como uma relíquia encheu-se cada vez mais da

resolução que havia
tomado.

                                               XI

Eram onze horas da manhã.



[Linha 2300 de 4669 - Parte 2 de 3]


Amélia estudava ao piano os exercícios de Herz. As janelas cerradas deixavam entrar frouxa

claridade, coada pela
cassa
transparente das cortinas

Nesse crepúsculo artificial a beleza da moça tomava uns tons suaves e meigos, que mais

seduziam.

Os lindos cabelos, ainda úmidos do banho, cobriam-lhe as espáduas de uma túnica de veludo

castanho. O bajó de
cassa que
trazia no seu desalinho matutino, conchegado à cútis, coloria-se com os reflexos rosados do

colo mimoso.

Tanta graça e formosura, realçadas pela singeleza do traje e pela naturalidade da posição,

ficavam ali ocultas na doce
penumbra da sala e recatadas à admiração. Às duas horas Amélia costumava subir à sua alcova

para se pentear; e o
gracioso
desalinho desaparecia, substituído por um traje mais apurado e elegante. Era a flor singela que

o vento desfolha na
mata e
passa efêmera e desconhecida.

Tantas moças despendem um avultado cabedal de sorrisos, de olhares e gestos, e põem em

contribuição a seda, a
renda e a
moda para realçarem sua formosura! Mal sabem, entretanto, que nunca são elas tão bonitas e

feiticeiras como um
certo
momento de sedutora negligência, quando parece que a beleza desabrocha de seu gracioso

botão.

A porta da sala abriu-se e deu entrada ao Sr. Sales Pereira.

O aspecto do negociante era grave; mas da gravidade serena que anuncia uma preocupação

agradável. Trazia na mão
uma
carta aberta.

Amélia assustou-se vendo entrar na sala o pai, que ela supunha na cidade. Como todos os

negociantes, o Sr. Sales
Pereira
passava a manhã em seu escritório; partia logo depois do almoço e só voltava à hora do jantar

A surpresa da moça
era pois
natural.

-- Ah! papai! exclamara ela, voltando-se ao rumor da porta. Já veio do escritório?

-- Ainda não fui, respondeu Sales Pereira sorrindo. Recebi uma carta, que me obrigou a

demorar-me até agora para
conversar com tua mãe e... contigo, a quem o objeto mais interessa.

-- A mim? O que será, papai? Algum convite de baile?

-- Lê, disse o negociante apresentando-lhe a carta.

Amélia correu os olhos pelo papel, e seu rosto cobriu-se de vivos rubores. O coração palpitava-

lhe com tanta força que
debuxava no linho o contorno dos lindos seios.

A carta era de Horácio, que pedia ao negociante a mão da filha.

Acabando de a ler, a moça de olhos baixos e o corpo trêmulo, parecia vendar-se com sua

inocência para subtrair-se ao


[Linha 2350 de 4669 - Parte 2 de 3]


olhar
terno e curioso de seu pai. Nesse momento ela desejava, se possível fosse, esconder-se dentro

de si mesma.

-- Que devo eu responder, Amélia? perguntou o negociante.

-- O que papai quiser! balbuciou a menina.

-- Estás bem certa de que meu desejo é o teu? Se eu não aceitar a honra que nos quer fazer o

Sr. Horácio de Almeida?

As pálpebras da moça ergueram-se, desvendando seus olhos límpidos. -- Papai não acha bom?

-- Se ele te for indiferente, eu por mim não tenho grande empenho. É um excelente moço; tem

alguma coisa de seu;
mas anda
em certa roda que não me agrada.

-- Que roda, papai?

-- De moços da moda.

-- Porque é solteiro.

-- Então o que decides?

-- Desde que papai e mamãe desejam, eu...

-- Nós não desejamos coisa alguma; queremos saber tua vontade.

Amélia emudeceu.

-- Bem, já vejo que não é de teu gosto. Vou responder ao homem com um não.

Sales Pereira encaminhou-se para a porta.

-- Mas, papai!... murmurou a moça.

-- Que temos?... Fala, que já me demorei muito. Quase meio-dia!

-- Vai responder já?

- Já.

-- Deixe para amanhã.

-- Nada; são coisas que se decidem logo.

-- O que vai responder então?

-- Que não.

-- Mas eu não disse isto!


[Linha 2400 de 4669 - Parte 2 de 3]



-- Tu nada disseste.

-- Pois se eu não gostasse, diria logo.

-- Ah! neste caso, gostou?

Amélia sorrindo acenou com a cabeça.

-- Não entendo esta linguagem. Vamos a saber. Amas a Horácio?

A moça fez um supremo esforço:

-- Amo! disse ela escondendo o rosto no seio do pai.

O negociante beijou-a na fronte com ternura e carinho.

-- Ah! minha sonsa, não queria confessar o que tinha aqui dentro deste coraçãozinho! E eu que

pensava que ele só
queria
bem a mim?

-- Oh! papai!

-- Bem, bem, não tenho ciúmes! Vai consolar tua mãe, que eu vou responder ao homem mais

feliz deste Rio de
Janeiro.

O negociante voltou ao gabinete, e Amélia dirigiu-se ao interior. Sua mãe estava no quarto, com

os olhos ainda úmidos
de
lágrimas. Quem não conhece essas lágrimas abençoadas, que a mãe derrama pelos filhos, e

que são bálsamos para as
aflições
e orvalhos para as flores da ventura?

D. Leonor beijou a filha e estreitou-a ao seio como receosa de que lha arrancassem dos braços.

Seu coração ora
alegrava-se
com a felicidade próxima da moça, ora se entristecia com a lembrança da separação.

De repente Amélia sobressaltou-se com uma idéia que lhe acudiu; e deixando a mãe, correu ao

gabinete do negociante.
Achou-o sentado à escrivaninha, passando por cima da carta que terminara, um rolete de mata-

borrão.

O pai sorriu vendo entrar a filha.

-- Curiosa!

-- Já acabou? disse a moça recostando-se com gentileza à poltrona.

-- Vê se está de teu gosto, disse o Sales cingindo-lhe a cintura com o braço.

Amélia leu a carta rapidamente; ela já sabia de antemão que faltava alguma coisa.

-- Então, que tal? perguntou o negociante com certo desvanecimento.


[Linha 2450 de 4669 - Parte 2 de 3]



-- Está muito boa, papai. Só acho uma coisa.

-- O quê?

O negociante sofreu uma decepção. Pensava ter feito uma obra-prima com aquela carta, escrita

em seu mais belo
estilo
comercial, mas recheada de alguns rasgos sentimentais.

-- Não acha, papai, que ele ficará todo cheio de si, obtendo logo, assim com tanta facilidade, o

que deseja? A carta é
de
hoje; responder no mesmo dia... mostra muita vontade demais.

-- Que mal há nisso? Para que deixá-lo na dúvida, quando podes torná-lo feliz desde já?

-- Papai pensa que ele duvida?

-- Ah! Já sabe então! Muito bem!

-- Eu não lhe disse nada, papai.

-- Então como sabe ele? Adivinhou?

-- Não adivinhou nada. Papai bem sabe como são esses senhores da moda; cuidam que todas

as moças andam
morrendo
por eles, e que a dificuldade está somente em escolher. Como eu não quero que o Sr. Horácio

me julgue uma de suas
conquistas, estou resolvida, papai, a pensar bem durante quinze dias, antes de dar a resposta.

-- Portanto esta carta não serve, disse o Sales com um suspiro.

-- Há de servir, mas daqui a quinze dias. Agora papai deve dizer unicamente, que tendo-me

consultado, eu pedi algum
tempo
para dar a resposta.

O negociante escreveu, e Amélia esperou até que partiu a carta, confiada a um criado.

Momentos depois, Sales saía para a cidade, e Amélia entrava em sua alcova, descantando

trechos de árias e
romances. Não
se podia dizer que estivesse alegre, apesar do tom garrido com que modulava, e do fresco riso

que trinava em seus
lábios.

O que ela sentia era um alvoroço íntimo, uma sôfrega agitação, estado indefinível d'alma prurida

por mil desejos e
contida por
mil receios.

Vejamos se é possível descobrir o que passava ali, dentro daquele seio mimoso.

Desvanecida a primeira comoção produzida pela carta de Horácio, Amélia recordara-se do que

tinha ocorrido na
véspera, e
sobretudo das palavras proferidas pelo moço. Sua vaidade revoltou-se como era natural.


[Linha 2500 de 4669 - Parte 2 de 3]



-- Hei de mostrar-lhe que não basta querer, para ser meu marido; e que não basta ser meu

marido para ver...

Foi então que se dirigiu ao gabinete do pai e adiou a resposta definitiva. Voltando, sentiu lá num

cantinho do coração
uns
receios que estavam nascendo. Não fosse Horácio zangar-se com a demoras e retirar o pedido?

Quinze dias talvez
fossem
demais.

Eis qual era o estado de animo de Amélia: orgulho de ver subjugado a seus pés o rei da moda;

prazer de o ter cativo de
uma
palavra sua durante muitos dias; arrependimento do que fizera; susto do que podia acontecer;

gozo da ventura que
sorria; tais
foram os sentimentos desencontrados que vibraram na alma da moça.

Nessa tarde Amélia preparou-se com maior esmero do que se fosse a um baile. Seu adorno

simples, um modesto
vestido
branco com fitas azuis, tomou-lhe mais tempo, do que não levaria a compor um traje suntuoso.

Ela esperava Horácio.

Toda a noite passou, indo do sofá à janela, e da janela ao consolo, onde estava a pêndula de

alabastro.

As horas se escoaram, sem que o tílburi do moço parasse à porta do negociante.

No dia seguinte, Amélia perguntou ao criado se a carta fora entregue a Horácio

-- Entreguei em mão, quando entrava no tílburi.

-- E que disse ele?

-- Nada; leu e riu-se.

-- Ah! ele riu-se, murmurou Amélia consigo. Pois eu lhe mostrarei.

Desde então, empenhada sua vaidade, os sustos se desvaneceram. Estava decidida a não

ceder. Horácio depois de
vencido
tentava ainda resistir-lhe? Pois havia de subjugá-lo completamente.

À noite foi à casa de D. Clementina, onde estava reunida a roda do costume. Leopoldo ali se

achava também e
cumprimentou-a com um modo triste e resignado.

Deve existir urna corrente magnética entre os homens, um fluido que serve de veículo ao

pensamento recôndito e
ainda não
divulgado. Não se explicam de outro modo certas revelações de um fato somente conhecido de

poucas pessoas e por
estas
recatado. A emoção, que desperta esse fato n'alma de alguns, repercute n'alma de outros, e

produz uma espécie de
intuição.

Na casa de D. Clementina sabia-se já que Amélia fora pedida em casamento, embora se

ignorasse o nome do


[Linha 2550 de 4669 - Parte 2 de 3]


pretendente,
talvez por não ser conhecido das pessoas presentes. Sales Pereira, a mulher e a filha não

tinham dito a menor palavra
sobre o
objeto da carta de Horácio; mas a impressão produzida por essa carta, a preocupação que

deixara nas pessoas da
família, as
conversas íntimas e recatadas, não escaparam aos escravos.

Daí gerou-se o boato, que já tinha passado à casa de D. Clementina.

-- Ah! chegou a Amélia Sales! Sabia que vai casar-se? Já foi pedida, disse uma senhora a

Leopoldo.

-- Não, senhora, não sabia, respondeu o moço com mágoa, mas sem perturbar-se.

-- Com quem? perguntou outra moça.

-- Com um moço bonito e rico. Disseram-me o nome, mas já não me lembro.

Nisso Amélia entrou na sala, onde foi muito festejada pelas amigas e conhecidas.

As alusões e gracejos a respeito do segredo incomodaram a moça, embora por outro lado lhe

causassem certo
desvanecimento.

Pelo meio da noite, Leopoldo aproximou-se de Amélia para lhe pedir uma contradança. Tinham

dançado a primeira
marca
sem trocar palavra; afinal o mancebo rompeu o silêncio:

-- É verdade que foi pedida em casamento?

Amélia empalideceu; quis disfarçar iludindo a pergunta, mas encontrou o olhar de Leopoldo,

olhar tão doce e sincero,
que
não se animou a enganá-lo.

-- É verdade, murmurou em voz quase imperceptível. Mas ainda não respondi.

-- Estimo que seja muito feliz.

-- Obrigada.

Amélia ficou surpresa; ela supunha que Leopoldo tinha-lhe ardente paixão, e que portanto

sentiria profundo pesar,
senão
desespero, com a notícia de seu casamento. Em vez disso, o mancebo mostrava uma

resignação serena.

-- Quando comecei a amá-la, D. Amélia, disse Leopoldo depois de alguns instantes, acreditei na

felicidade, e esperei
alcançá-la neste mundo. Minha alma pressentiu a aproximação da irmã que Deus lhe destinara

e cuidou atraí-la e
embebê-la
em seu seio. Mas essa ilusão se desvaneceu logo. Soube qual era sua posição, e compreendi

que a senhora não me
podia
pertencer. Resignei-me, pois, a amar unicamente sua alma; essa, ninguém me pode roubar, nem

mesmo a senhora,
porque
Deus a fez para mim. Eu estava desde muito preparado para a notícia de seu casamento; ela

não me surpreendeu,


[Linha 2600 de 4669 - Parte 2 de 3]


embora me
entristecesse. Até agora adorei sua alma, como se adora a imagem da Virgem no templo; de

agora em diante terei de
adorar
essa alma querida, como se adora uma santa no sepulcro.

Leopoldo falou por algum tempo ainda, e a moça, que a princípio se acanhara com a expansão

viva desse amor tão
puro,
bebia as palavras ardentes do mancebo como fluido que derramava em sua alma suave calor.

Nessa noite, ao recolher-se, ia absorvida neste pensamento:

-- Por que julgou ele impossível que eu o amasse? Sem dúvida não o amo; mas talvez... Se eu

não conhecesse
Horácio...
Quem sabe?

Nisto lembrou-se que já se tinham passado dois dias depois do pedido, e portanto faltavam

treze para a decisão.

-- Se ele não vier antes disso? Se não vier... respondo que não. Está decidido.

                                              XII

Correram os dias sem que Horácio aparecesse em casa do Sales Pereira. Amélia, apesar de seu

esforço, não podia
conter a
impaciência. Ela adivinhava que o leão estava despeitado com a resposta, e queria obrigá-la a

conceder-lhe
imediatamente o
que pedira: a sua mão, e com a mão o pezinho que ele adorava.

Por vezes a moça foi até à porta do gabinete do pai, na intenção de dizer-lhe que escrevesse a

Horácio enviando-lhe o
consentimento; mas vol

tava envergonhada de sua fraqueza; enxugava alguma lágrimas que lhe saltavam dos olhos; e

fazia novos protestos
de não
ceder.

Nestas ocasiões ela contemplava a imagem de Horácio com alguma severidade. Lembrava-se

da volubilidade com
que ele
falava-lhe de seu amor; do sorriso sempre faceiro que tinha nos lábios e servia para vestir a

palavra alegre ou triste,
zombeteira ou comovida, e finalmente da insistência que mostrava em ver-lhe o pé.

Então acudia a Amélia uma circunstância que a princípio lhe escapara: fora sua recusa à

impertinência do leão, que o
obrigara
a pedi-la em casamento no dia seguinte.

-- Será apenas um capricho? Não me terá ele verdadeiro amor?... Se não me engano, o que ele

ama em mim, não sou
eu,
mas uma mulher que imaginou; sirvo-lhe apenas de pretexto, como tantas outras antes de mim.

O resultado destas observações era protestar a moça que daria um não ao pedido de Horácio.

Mas quando seu pai lhe
perguntava sorrindo:



[Linha 2650 de 4669 - Parte 2 de 3]


-- Ainda não?

Ela corava, abanava a cabeça e fugia, dizendo consigo que ainda faltavam alguns dias para o

prazo marcado.

Para ocupar as noites e distrair o espírito dessa constante preocupação amiudou as visitas à

casa de D. Clementina. Ali
com a
influição do olhar profundo e da palavra eloqüente de Leopoldo, esquecia as contrariedades e

inquietações. Na volta
trazia
algumas doces reminiscências, e sobretudo um certo arroubo do coração, que durava algum

tempo, e a preservava de
suas
anteriores preocupações.

Já haviam passado doze dias depois da carta, e Amélia estava mais que nunca resolvida a

romper com Horácio,
quando se
deu entre ambos um encontro.

Foi no teatro.

Amena que a princípio evitou as ocasiões de encontrar-se com Horácio, lembrou-se que sua

presença podia
provocá-lo, e
obteve do pai que a levasse ao espetáculo. Subindo a escada do Teatro Lírico, avistou Horácio

que vinha do lado
oposto.

Apesar de estar prevenida, a moça teve um sobressalto; mas pôde recobrar-se antes que o leão

se apercebesse de sua
presença. Foi com fria altivez e indiferença que ela correspondeu ao cumprimento de Horácio,

sem demorar o passo
enquanto ele trocava um aperto de mão com o Sales Pereira.

Esta indiferença porém, e sobretudo o gesto que Amélia fez para arregaçar o vestido quando

subia o segundo lanço de
escada, ataram de novo o leão ao jugo.

-- Desta vez, pensou ele, se eu estivesse adiante, via ao menos a ponta do meu pezinho!

Teria Amélia simulado aquele gesto de propósito? É natural; ela queria subjugar outra vez o

cativo que escapara;
usava de
todos os seus recursos.

Vencido, o moço acompanhou a família até à porta do camarote e demorou-se aí a conversar

com o negociante.
Entretanto
Amélia, sem dar-lhe a mínima atenção, percorria com o binóculo os camarotes trocando com a

mãe observações a
respeito
das moças e seus lindos adereços.

Durante o resto da noite, a moça mostrou a mesma calculada indiferença, a ponto de irritar o

mancebo. Apesar de se
ter
rendido, sentiu ele um ímpeto de revolta, e deixou sua cadeira junto à orquestra com intenção de

visitar um camarote
fronteiro
ao do Sales Pereira. Lá estava uma linda moça de seu conhecimento, uma das estrelas de sua

coroa de rei da moda.

Sentar-se-ia junto dela, e estabeleceria um diálogo entretecido de sorrisos, de olhares e meias

confidências como por ai
se


[Linha 2700 de 4669 - Parte 2 de 3]


dão tantos nos bailes e espetáculos: verdadeira cena mímica de amor representada perante o

público. Com esse
entretenimento, Horácio comprometeria seriamente a reputação de uma senhora; mas vingar-

se-ia de Amélia,
excitando-lhe
ciúmes.

Chegava já o leão à porta do camarote quando ocorreu-lhe este pensamento:

Faltava apenas um ato para terminar o espetáculo; se ele mostrasse afastamento, Amélia

irritada persistiria em seu
desdém
durante o resto da noite; e quem sabe que resolução tomaria sob a influência desse despeito?

Horácio teve medo e recuou. Já se tinha submetido no começo da noite; o melhor expediente era

perseverar.
Naturalmente
Amélia, no fim do espetáculo, abrandaria o seu rigor.

Começara o ato. Horácio deixou passar algum tempo, e dirigiu-se ao camarote de Amélia. A

moça que já tinha
reparado na
ausência do leão, cuja cadeira estava desocupada, adivinhou-lhe a presença, ouvindo abrir-se a

porta. Seu primeiro
movimento foi voltar o rosto; mas reprimiu-se a tempo, e disfarçou dirigindo o binóculo para o

fundo da sala.

Apesar do império que tinha sobre si, Amélia estava ao cabo das forças. Se naquele momento

Horácio fingisse uma
retirada,
ela não resistiria. Felizmente o leão não se lembrava disso e tinha resolvido esperar a saída

para trocar algumas
palavras com
a moça.

Terminou o espetáculo afinal. Horácio ofereceu o braço a Amélia:

-- Muito lhe ofendi com meu pedido, D. Amélia?

A moça calou-se.

-- Não lhe mereço nem uma palavra?

-- Parece que o senhor lhe dá bem pouco apreço.

-- Que injustiça!

-- Quem passou tantos dias sem ela pode bem esperar ainda os dois que faltam.

-- Então sou eu o culpado dessa demora! Quem me condenou a ela?

-- E o senhor nem ao menos procurou abreviá-la: achou mais cômodo esperar tranqüilamente!

Pois continue a esperar.

-- Mas, D. Amélia! Depois da resposta de seu pai, se eu me apresentasse em sua casa, tornar-

me-ia importuno. Cuida
que
não sofri, passando tantos dias sem vê-la? Ingrata! Quantas vezes, não podendo resistir, fui até

à porta de sua casa, e
passei,
impelido pelo receio de indispô-la contra mim? Se ela me amasse, pensava eu, teria aceitado

logo: não o fez; quer
refletir;


[Linha 2750 de 4669 - Parte 2 de 3]


devo deixá-la tranqüila e respeitar a sua resolução. Que vou eu lá fazer? Obrigá-la a me

aborrecer.

Horácio mentia; ele se ausentara da casa do Sales Pereira, somente para vencer a resistência

da moça por uma
simulada
indiferença.

O carro do negociante aproximou-se:

-- Vai sem me deixar uma esperança?

-- Não é aqui o lugar de pedi-la.

-- Então amanhã?

-- Se quiser!

No dia seguinte à noite o leão estava em casa do negociante. Amélia o recebera com um resto

de ressentimento, que se
desfez com os primeiros galanteios. Sucedeu o que era natural: depois de uma abstinência de

tantos dias, esses
corações
tinham a sede de ternura, e beberam um no outro a largos sorvos.

Quando o leão se retirou, ele sabia que dois dias depois receberia oficialmente, por uma carta

do negociante, o sim que
ouvira
naquela noite entre um sorriso e um rubor.

Quanto a Amélia, depois que a ausência do moço rompeu o encanto e deixou-lhe unicamente a

consciência do
compromisso
tomado, lembrou-se involuntariamente de Leopoldo, cuja imagem pálida e triste desenhou-se em

sua imaginação.

-- Ele há de sofrer muito! pensou a moça suspirando.

No dia seguinte havia reunião em casa de D. Clementina. Amélia recordou-se disso e fez tenção

de ir. Naquele
momento
julgou-se obrigada a comunicar sua última resolução a Leopoldo. Pareceu-lhe que seria uma

deslealdade deixá-lo na
ignorância de seu casamento, até que viesse a sabê-lo por algum estranho.

Mais tarde surgiram os escrúpulos. Tendo aceitado a mão de Horácio, não era bonito animar

uma afeição, que
deixava de ser
inocente. Embora nunca retribuísse a paixão de Leopoldo, podiam supor que não a repelias

Demais, sendo natural que
Horácio fosse passar a noite em sua casa, ela procederia muito mal, trocando sua companhia

pela de um rival.

Enquanto as horas do dia se escoavam, estas e outras razoes disputavam no espírito da moça

a decisão que ela devia
tomar.
Afinal interveio o coração.

-- Tenho pena dele!

E às oito horas estava em casa de D. Clementina. Nessa noite a moça, cujo espírito jovial

simpatizava com as cores
frescas e
risonhas, escolheu um vestuário sombrio. Era uma faceirice melancólica. Aquela menina de 18

anos, que na véspera,


[Linha 2800 de 4669 - Parte 2 de 3]


muito
espontaneamente se prometera a um homem elegante de seu gosto e escolha, afigurava-se

agora uma vítima do
dever,
sacrificando-se heroicamente ao compromisso contraído.

Essa convicção dominava Amélia ao entrar na sala, e ressumbrava não só nas fitas pretas de

seu traje, como na
languida
flexão da fronte e no olhar cheio de mágoas. Ela se julgava sinceramente coagida por uma força

irresistível, que a
arrancava a
um amor profundo e santo, como a flor que o vento arrebata ao tronco onde se enlaçara.

Leopoldo compreendeu a melancolia de Amélia, e adivinhou que essa mulher estava perdida

para ele no mundo, mas
que sua
essência divina lhe pertencia, para todo o sempre. Sentiu pois a mágoa da saudade, que

precede a longa ausência.
Quando se
tornariam a encontrar as duas metades dessa alma, separadas por uma contingência da

matéria?

Pela noite adiante Leopoldo aproximou-se de Amélia, porém só lhe falou de coisas indiferentes,

ao contrário do que
ela
esperava. Se o moço a interrogasse a respeito do casamento, aproveitaria o momento para

confessar-lhe; mas ele nem
de
leve tocou nesse ponto.

Na ocasião de se despedirem a moça fez um esforço.

-- Já sabe? perguntou com voz trêmula e quase imperceptível.

-- Adivinhei! disse o mancebo fitando nela os olhos tristes.

Amélia ficou um instante indecisa, em face dele, como se esperasse mais alguma palavra;

Leopoldo dissera tudo
naquele
olhar, em que difundira sua alma.

-- Adeus! murmurou a moça afinal.

                                              XIII

A casa nobre de Azevedo resplandecia. A melhor sociedade da corte concorrera ao suntuoso

baile.

Toda a aristocracia, a beleza, o talento, a riqueza, a posição e até a decrépita fidalguia, estavam

dignamente
representadas nas
ricas e vastas salas, adereçadas com luxo e elegância: duas coisas que nem sempre se

encontram reunidas.

Eram nove horas. Ainda o baile não começara, e notava-se na reunião a gravidade solene, o

grande ar de cerimônia,
que
serve de prólogo

às festas esplêndidas. Os cavalheiros percorriam lentamente as salas, observando o íris

deslumbrante que formavam
os lindos
vestidos das senhoras; mas admirando especialmente as estrelas que brilhavam nessa via-

láctea.


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Amélia acabava de sentar-se.

Horácio foi logo saudá-la, e cumprimentou-a pelo bom gosto e delicadeza de seu traje.

Realmente não se podia imaginar um adorno mais gracioso. O vestido era de escumilha

rubescente, formando regaços
onde
brilhavam aljôfares de cristal; nos cabelos castanhos trazia uma grinalda de pequenos botões

de rosa, borrifados de
gotas de
orvalho.

Um poeta diria que a moça tinha cortado seu traje das finas gazas da manhã; ou que a aurora

vestindo as névoas
rosadas,
descera do céu para disputar as admirações da noite.

-- Dançaremos a primeira, disse Horácio.

A moça corou:

-- Sim.

Laura passava. Amélia chamou-a, mostrando-lhe um lugar a seu lado. Horácio afastou-se para

deixar as duas amigas
em
liberdade; mas principalmente para poupar a Laura a contrariedade de sua presença. Desde a

noite do teatro o leão
compreendera que a moça lhe votava antipatia.

Conversando com a amiga, Amélia descobriu defronte, no vão de uma janela, o vulto de

Leopoldo, absorvido em
contemplá-la com um olhar profundo e intenso, que servia de válvula às exuberâncias de sua

alma. Sentindo-se sob a
influência desse olhar, a moça inclinou a fronte, como um sinal de submissão, e abandonou-se à

contemplação do
mancebo.

De vez em quando procurava ler de relance no rosto de Leopoldo as impressões de seu

espírito, os movimentos de sua
alma.
Pressentiu que o moço desejava aproximar-se dela para lhe falar, mas não se animava; a

solenidade da festa, a
grande
concorrência, a proximidade de Laura, tolhiam o mancebo, cujo caráter fora da intimidade se

confrangia, por uma
espécie de
pudor, próprio das almas virgens.

Amélia sentiu um desvanecimento, descobrindo aquela fraqueza no homem cujo olhar a

dominava, e lembrando-se
que ela
podia nesse instante protegê-lo Não há para a fragilidade da mulher maior orgulho e prazer, do

que observar a
fragilidade no
homem. Vinga-se da tirania do sexo forte.

-- Vamos sentar-nos de outro lado, Laura?

-- Para quê? Estamos tão bem aqui.

-- Dali vê-se melhor a sala; e deve estar mais fresco.


[Linha 2900 de 4669 - Parte 2 de 3]



-- Como quiseres.

As duas moças atravessaram a sala e foram tomar lugar justamente no vão da janela onde

Leopoldo se achava.
Amélia
conservou-se algum tempo de pé, com o pretexto de arranjar a cadeira, mas para dar ocasião a

Leopoldo de falar-lhe.
O
mancebo adiantou-se com efeito e cumprimentou.

Amélia estendeu-lhe a mão com interesse, para animá-lo.

-- Terei a felicidade de dançar uma quadrilha...

-- Qual?

-- A última!

-- A última? repetiu Amélia rindo-se.

-- Sim; depois que tiver dançado com todos, replicou o moço completando seu pensamento com

o olhar.

-- Então a sexta.

A orquestra abriu o baile com uma brilhante sinfonia, depois da qual deram o sinal da primeira

quadrilha. Rompeu-se
então a
simetria, e formou-se o turbilhão.

Durante a contradança, Horácio não se esqueceu do pezinho adorado; e procurou todos os

meios de o descobrir
nalgum
momento de confusão ou descuido. Chegou até a fingir estouvamento em algumas das marcas

com o fim de
embaraçar o
vestido da moça.

-- Eu me sento! disse-lhe Amélia irritada.

-- Bárbara, non hai cor! replicou-lhe Horácio com as palavras do romance.

-- O seu coração está no botim? perguntou-lhe a moça com despeito. -- O meu, a senhora bem o

sabe, já não me
pertence,
pois lho dei há muito tempo; e ando-o agora procurando no chão, onde creio que o deixou

esmagado um tirano que eu
adoro
e me repele. Mas conto com a senhora para movê-lo em meu favor. Sim?

-- Não, respondeu a moça agastada.

-- Realmente eu não compreendo. Será possível que a senhora tenha ciúmes dele? perguntou

Horácio gracejando.

A moça olhou-o com expressão.

-- Tenho sim, tenho ciúmes!


[Linha 2950 de 4669 - Parte 2 de 3]



Terminada a quadrilha, Horácio, depois de algumas voltas de passeio pela sala, deixou a moça

no seu lugar e desceu a
escada
de mármore que levava ao jardim, iluminado com lampiões de diversas cores. Havia ao lado da

casa, e ao longo de
uma
latada, mesas de ferro para tomar sorvetes e refrescos. Horácio, dirigindo-se para esse lugar,

avistou Leopoldo sentado
a
uma das mesas.

-- Oh! por cá também, Leopoldo?

-- É verdade; contra meus hábitos.

-- Está esplêndido! Não achas?

-- Sem dúvida. Mas parece que não tem grande interesse para ti.

-- Por que pensas assim?

-- Vens te esconder aqui, quando se dança. Devias deixar isso para mim, que sou uma espécie

de misantropo, uma
alma
errante neste mundo das fadas.

-- Para ser franco, devo-te confessar, que neste baile, onde se acham reunidas as mais bonitas

mulheres do Rio de
Janeiro,
onde nada falta do que pode tornar brilhante uma festa, nem o luxo, nem a riqueza, nem a

concorrência, nem as
notabilidades
de toda espécie, neste baile só há uma coisa que me interessa; uma coisa bem pequenina, e

por isso mesmo de um
encanto
inexprimível

-- Que condão será esse tão poderoso?

-- Disseste a palavra. E um condão, um verdadeiro condão de fada, que me transformou de

repente, e fez do senhor
um
escravo humilde e submisso.

-- Mas no fim de contas o que é?

-- Um pezinho!

Tendo proferido esta palavra, Horácio julgou ter dito tudo quanto era possível exprimir na

linguagem humana. Um
pezinho,
era aquele ente adorado que ele entrevia nos sonhos dourados de sua imaginação; era o primor,

que deixara impressa
a sua
forma delicada na mimosa botina. O moço desenhava na fantasia aquele ídolo de suas

adorações; e acreditava que
Leopoldo
devia, como ele, extasiar-se ante a maravilha da natureza.

Longe disso, Leopoldo depreendera das palavras do amigo, que ele estava sob a influência de

uma paixão


[Linha 3000 de 4669 - Parte 2 de 3]


materialista; que
ele amava a forma, e levava sua idolatria a ponto de adorar não a forma completa, a imagem

viva e palpitante da
mulher, mas
um fragmento, um trecho apenas dessa forma.

-- Pois para mim também, disse Leopoldo, só há neste baile como neste mundo uma coisa que

me ilumina a existência.

-- A glória?... aposto.

-- Um sorriso, apenas.

Horácio não pôde reprimir um gesto desdenhoso. O sorriso era para ele uma das coisas mais

triviais; tinha-os colhido
tantas
vezes, e em lábios tão puros e mimosos, que já não lhe excitavam a atenção. Eram como as

flores de um vaso que
todos os
dias se substituem.

-- Vais dançar? perguntou o leão.

-- Agora não.

-- Pois façamos uma coisa. Conta-me a história de teu sorriso, que eu te contarei a história de

meu pezinho.

-- Começa então. Cabe-te a preferência, disse Leopoldo.

-- Eu a aceito; porque o objeto de meu culto não tem igual no mundo.

Horácio acendeu o charuto. Ele não tinha o menor interesse em saber a história de Leopoldo; o

que desejava era um
pretexto
para falar do objeto de sua adoração, e vazar o que tinha n'alma.

-- Há cerca de dois meses, passando pela Rua da Quitanda, achei por acaso sobre a calçada um

objeto que tinha
caído de
um carro. Era uma botina, mas que botina!... um mimo, um primor, uma coisa divina!

"Não podes fazer idéia, não, Leopoldo. Sabes que tenho amado mulheres lindas de todos os

tipos, alvas ou morenas;
formosuras de todas as raças, desde a loura escocesa até a brasileira de tranças negras;

adorei-as, uma depois de
outras, e às
vezes ao mesmo tempo, essas diferentes irradiações de beleza. Pois confesso-te que nunca o

sorriso ou o beijo da mais
sedutora dentre elas me fez palpitar o coração como aquela botina.

"Pensem os fisiologistas como quiserem, o pé é a parte mais distinta do corpo humano; sem ele

a estatura não teria a
nobreza
que Deus só concedeu à criatura racional.

"O pé revela o caráter, a raça e a educação. Cada uma das feições e dos gestos desse órgão de

nossa vontade tem uma
expressão eloqüente. Há quem não adivinhe em um pé delicado e nervoso a alma de fina

têmpera? Ao contrário um
pé chato
e pesado é a prova infalível de um gênio tardo e pachorrento.



[Linha 3050 de 4669 - Parte 2 de 3]


"Virgílio, o poeta mais elegante que tem existido compreendeu que Vênus ocultasse nos olhos

do filho, na selva líbica,
a beleza
imortal de seus olhos, de seu sorriso, de suas formas sedutoras; mas não aquilo que era sua

essência divina, sua graça
olímpica. Foi pelo andar que ela revelou-se deusa; et vera incessu patuit dea.

"Nunca sentiste o doce contato do pé da mulher amada? É uma sensação deliciosa que penetra

nos seios d'alma.
Podes
apertar-lhe a mão, cingi-la ao seio, beijá-la. Nada vale aquele toque sutil que abala até a última

fibra.

"Faze pois idéia do que eu sentia. E a botina não era senão a estátua ou a efígie do pé

encantador que a havia
calçado. Ali
estavam impressos seus graciosos contornos, sua forma suave.

"Apaixonei-me por esse pezinho, que eu nunca vira, que não conhecia. Sagrei-lhe minha alma

como ao ignoto deo de
minhas
adorações."

Horácio exagerou então os esforços por ele empregados para descobrir o misterioso ídolo de

suas adorações, e referiu
os
fatos que já conhecemos. Teve porém a discrição, rara em um leão, de não revelar os nomes;

receava ainda que lhe
arrebatassem a conquista.

-- Finalmente, concluiu ele, o acaso me fez descobrir a dona do pezinho que em vão buscava.

Hás de crer, Leopoldo?
Conhecia essa moça, que é realmente encantadora; diversas vezes achei-me com ela em

sociedade e nunca sentira à
sua vista
a menor comoção. Mas quando soube que a ela pertencia o tesouro, adorei-a. Para ver o

pezinho que sonhei, estou
disposto
a fazer a maior das loucuras, casar-me!...

-- É esta a tua história?

-- Dize antes meu poema. Sinto não ser poeta para escrevê-lo.

-- Pois, se me permites franqueza, dir-te-ei que realmente o desenlace que lhe pretendes dar

será uma loucura. O
casamento,
quando não une duas almas irmãs criadas uma para a outra, é uma espécie de grilheta que

prende dois galés; o
suplício de
duas existências condenadas a se arrastarem mutuamente Tu não amas essa moça, Horácio.

-- Não a amo?

-- Não!

-- Quando lhe vou fazer o sacrifício que nenhuma outra mulher obteve de mim?

-- Não passa de um capricho. Essa moça é para ti um pé e nada mais.

-- A mulher que amamos tem sempre um encanto, uma graça especial. Às vezes são os cabelos;

outras os olhos; tu
amas o
sorriso; eu o pé.


[Linha 3100 de 4669 - Parte 2 de 3]



Leopoldo levantou os ombros.

-- Sem dúvida. A alma da mulher, como a do homem, se revela em cada pessoa por uma feição mais distinta, por uma expressão mais eloqüente. Mas não é isto que sucede contigo. Tu sentes a idolatria da beleza material; procuraste sempre na mulher a forma, o amor plástico; à força de admirar os mais lindos rostos e os talhes mais sedutores, ficaste com o sentido embotado, precisavas de algum sainete que estimulasse teu gosto. Viste ou imaginaste um pezinho mimoso e gentil:

Tornou-se logo para ti o tipo, o ideal da beleza material, que te habituaste a adorar.

...


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