quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Pontos quentes da cidade - Ambiente

PONTOS QUENTES DA CIDADE - Ambiente


Enquanto a brisa sopra na periferia, o centro de São Paulo ferve. Um novo mapeamento acusa diferenças de até 10 graus de temperatura, conforme a área da capital paulista. Este é o fenômeno das ilhas de calor, típico da urbanização desenfreada. 



Dia de verão em São Paulo. Na Avenida Paulista, cartão-postal da cidade, os termômetros indicam 30 graus Celsius às 15 horas. Os edifícios de concreto e vidro refletem o sol. A brisa é pouca. Os 9 000 veículos que ali passam, por hora, são obrigados a parar em pelo menos um dos quinze semáforos. Os apressados paulistanos são cozinhados dentro dos carros. No teto de aço dos automóveis a temperatura vai aos 50 graus; na boca dos esca-pamentos a fumaça sobe a 100 graus. O asfalto dá a impressão de derreter-se. Os pedestres padecem com a falta de árvores e sombras. Mas a poucos quilômetros dali, no bairro do Morumbi, a poluição é menor e o índice de arborização atinge 47% do território, 34 pontos percentuais a mais que o verificado na Paulista. Resultado: os termômetros marcam 25 graus. No mesmo dia, na mesma hora, no sul e no norte do município, onde se encontram as áreas rurais e de proteção dos mananciais, a temperatura é de 20 graus, 10 graus a menos que na zona central da cidade. Aumentou o verde, diminuíram as construções, a densidade demográfica, a poluição, o asfalto. A chamada ilha de calor ficou para trás.
O fenômeno da ilha de calor é caracterizado pela enorme diversidade de temperaturas em áreas diferentes de uma cidade. As variações de até 10 graus Celsius na capital paulistana são demonstradas no mapeamento realizado pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente, com o apoio do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP). Os cientistas da USP cruzaram as informações coletadas por termômetros de superfície e pelo satelite LandSat-5. 
O estudo começou a ser realizado há dois anos e, agora, está sendo publicado no Atlas do Meio Ambiente do Município de São Paulo, que será distribuído no final deste mês para escolas, bibliotecas, instituições públicas e organizações não governamentais. Por meio de 34 mapas, o Atlas lo-caliza geograficamente a cidade, seus problemas, sua população. Também divulga discussões sobre os recursos humanos e econômicos de São Paulo, sua infra-estrutu-ra, a transformação do meio ambiente e suas conseqüências. O trabalho dos técnicos da Prefeitura, da USP e da Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambien--tal (Cetesb) produziu um instrumento capaz de nortear o planejamento e desenvolvimento da capital.
Pelo levantamento no Atlas, as regiões de maior temperatura estão na bacia do Rio Tietê. "Além de serem mais baixas, essas áreas possuem pouco verde, o solo é tomado por prédios e casas, as ruas são pavimentadas, há grande volume de veículos e alto índice de polui-- ção", informa a geógrafa Helena Sobral, coordenadora do trabalho. Afinal, a substituição das áreas verdes por construções e pela pavimentação altera a capacidade de absorção dos raios sola--res pela superficie. O concreto, os tijolos e o asfalto absorvem a radiação solar direta, para transformá-la em calor latente. Mesmo após o anoitecer, esses materiais continuam liberando ener-gia e aquecendo o ar noturno até a alvora--da. Eles funcionam como baterias acumuladoras de calor. Um pedaço de asfalto, por exemplo, pode chegar à temperatura de 46 graus, em um dia de verão paulistano, enquanto uma área de gra-ma exposta à mesma radiação não ultrapassará os 32 graus. 
Ao contrário das edificações e do asfalto, a vegetação absorve e libera a radiação solar rapidamente através do processo de transpiração. Ou seja, nas áreas verdes, os raios solares provocam a evaporação da umidade das plantas e do solo e isso termina resfriando a temperatura ambiente. "Daí que a impermeabilização do solo também contribui para a redução da umidade relativa do ar", explica o meteorologista Sílvio de Oliveira, da Cetesb.
Além de irradiar ondas de calor, os edifícios reduzem a circulação dos ventos e a renovação do ar, facilitando a acumulação de poluentes. Na Grande São Paulo, 30 000 indústrias e 4 milhões de veículos jogam anualmente na atmosfera 2 milhões de toneladas de gases e material particulado. Os ventos - que predominam no sentido sudeste -noroeste -, trazem para o centro de São Paulo a po-luição gerada na chama--da zona in-dustrial do ABC, através do vale do Rio Tamanduateí. Portanto, o fluxo na-tural das correntes de ar leva para o centro da capital, pre-cisamente a região mais quente, boa parte da poluição gerada em toda a cidade. As nuvens poluídas, por sua vez, acabam impedindo que o ca-lor gera-- do pela cidade se dissipe. As par-tículas lançadas na atmosfera têm a ca-pacidade de absorver a radiação em ondas curtas, co-mo a luz, e devolvê-la na for-ma de ondas longas, isto é, calor. "A conseqüência des--sa degradação am-biental em São Paulo é o aumento da tem-pe-ratura mé-dia mí-nima de 9 pa-ra 13 graus nos últimos 48 anos", cal-cula Sílvio de Oliveira. 
Justamente a partir da década de 40 ocorreu a expansão da cidade. O crescimento desordenado e a falta de uma po--lítica ambiental levaram a uma drástica redução da vegetação em São Paulo, que também pode ser notada nos mapas do Atlas. Hoje, dos 870 quilômetros quadrados do sítio urbano, apenas 2,9% correspondem a áreas verdes públicas. A conseqüência é um índice de verde de apenas 4,24 metros quadrados por habitante, quando o indicado pela Organização Mundial de Saude (OMS) é 12 metros quadrados, ou seja, quase o triplo.
Segundo José Roberto Tarifa, professor de Climatologia da USP, "no Brasil as variações meteorológicas provoca-- das pela urbanização começam a se evidenciar em cidades com mais de 300 000 habitantes". Pesquisas comprovaram a existência de ilhas de calor no Rio de Janeiro, em Salvador, Belo Horizonte, Porto Alegre, Fortaleza, Campinas, São José dos Campos e Ribeirão Preto. Alguns estudos realizados no Cana-dá, concluíram que as cidades com 100 000 habitantes já apresentam a di-ferença de 1 grau en-tre a temperatura urbana e a rural. Nas cidades com 1 milhão de moradores essa variação salta para 3 graus e, nas metrópoles com mais de 10 milhões de pessoas, para 9 graus. São Paulo, com seus 10 graus de diferença, supera um pouco essa média.
Com o rápido crescimento demo-gráfico das zonas urbanas poucas serão as cidades que, na virada do ano 2000, escaparão desse fenômeno. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que, no século XXI, cerca de 80% da população mundial estará se espremendo nas cidades grandes. Hoje, 50% dos habi-tantes da Terra estão em áreas urbani-zadas. No Brasil esse número chega a 70% do total.
Se o aumento das temperaturas nas cidades tropicais provoca um descon-forto térmico, nas cidades de clima temperado ocorre o contrário. Em Paris, por exemplo, a temperatura mínima média aumentou; com isso, o inverno é mais ameno e dificilmente neva. Apesar desse aparente benefício, a ilha de ca-lor nas regiões temperadas também agrava o problema da poluição atmosférica e da chuva ácida. Isso sem falar do tão discutido efeito estufa. "Nos últimos cinqüenta anos, a temperatura média da atmosfera terrestre sofreu um aque-cimento de 0,5 grau Celsius", afirma José Roberto Tarifa.
Interromper o processo de degradação que leva à formação de ilhas de calor é possível. Em Stuttgart, na Alemanha, medidas adotadas no programa de combate à poluição - demolição de alguns edifícios para permitir a passagem de correntes de ar, criação de jardins e a construção de espelhos de água em cima dos prédios, por exemplo - diminuí--ram o aquecimento da cidade. Em São Paulo, o trabalho recém-publicado no Atlas da Prefeitura, se levado adiante, pode ser o primeiro passo para melhorar o conforto dos que habitam a cidade. "Sem uma política eficiente de combate à degradação ambiental, os paulistanos estarão condenados a so-frer ainda mais com o aumento constan-te das temperaturas" afirma Oliveira, da Cetesb. "Até o ano 2030 a tempera-tura média mínima poderá subir mais 2 graus Celsius."



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