quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Inventores de Plantas - Agricultura

INVENTORES DE PLANTAS - Agricultura


Café, algodão, laranja e morango são algumas das culturas que entraram em São Paulo graças ao Instituto Agronômico de Campinas.


nventado há séculos pelos árabes, popularizado e idolatrado pelos italianos, chegou a hora de o macarrão ser redescoberto pelos brasileiros. Absurdo? Nem tanto. Fazer um bom macarrão exige mais que a boa mão de um dono de cantina ou da matriarca de uma família italiana. Antes de mais nada é preciso cultivar um tipo de trigo que não viceja no Brasil. O Triticum durum, nome que os botânicos dão à planta, é irmão do Triticum aestivum, o mais popular membro da estirpe dos trigos. Mas eles são diferentes: enquanto a planta que produz o segundo tem 42 cromossomos nas células, a que produz o primeiro tem apenas 28. Entre os cromossomos que faltam estão exatamente os responsáveis pela boa qualidade da farinha extraída do trigo. 
A farinha de trigo duro é pobre em proteínas que dão elasticidade à massa. Por isso, um pão feito com ela ficaria murcho, imprestável. O mesmo vale para bolos, biscoitos e broas. Mas não vale para o macarrão. Nesse caso, o ideal é uma farinha sem elasticidade, em que o amido se agrega firmemente e faz com que a massa resista mais tempo ao cozimento. A boa liga da massa ainda dispensa os ovos - usados normalmente com esse objetivo. A cor amarela, que também seria proporcionada pelo ovo, é garantida pelo caroteno, um composto orgânico, que o fígado transforma em vitamina A.
Dos países consumidores de macarrão, o Brasil é o único que usa o trigo comum para produzir sua pasta. Mas não por muito tempo. Em 1984, pesquisadores da Seção de Arroz e Cereais de Inverno do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) foram visitar o Centro Internacional de Melhoramento de Milho e Trigo, no México. "Na bagagem trouxemos sementes de quarenta variedades de trigo duro e a promessa de receber mais nos anos seguintes", conta o agrônomo Carlos Eduardo de Oliveira Camargo, chefe da Seção, um homem alto, com a pele queimada pelos trabalhos no campo.
As variedades vindas do México foram plantadas em diferentes tipos de  solo  para se ver até que ponto resis-tiam à acidez, ou quais os nutrientes que favoreciam o crescimento. As amostras também foram cultivadas sob diversas con-dições climáticas para se verificar qual a variedade que melhor se adaptava ao clima reinante no Estado. Foi selecionada uma que, por enquanto, é identificada pelo nome que recebeu no México: guillemot. 
Além disso, os pesquisadores ainda estão trabalhando no seu melhoramento genético porque existem algumas barreiras que precisam ser vencidas. Uma delas é exatamente a baixa resistência à acidez do solo."Se houver uma taxa alta de alumínio na terra, esse tri--go simplesmente seca", explica Camargo. Outro problema: quando o clima fica um pouco mais úmido, a espiga começa a brotar, o que evidentemente estraga o grão. 
Um dos obstáculos para a utilização de trigo duro no Brasil é a necessidade de um moinho especial para moê-lo. Com o trigo comum, na primeira etapa de moagem, os grãos passam por quatro duplas de cilindros, que giram em sentido oposto, esmagando o grão. Para moer o trigo duro, pela consistência do grão, é necessário um número maior de cilindros para esmagá-lo. "O problema do moinho está praticamente resolvido", conta Camargo. "Há um sendo construído em Tatuí, no interior de São Paulo, e outro em Belo Horizonte." 
O IAC já conta com 1,2 tonelada de sementes de guillemot que serão cultivadas em uma das 22 estações experimentais do Instituto, localizada em Tatuí. "Pretendemos, com isso, obter cerca de 35 toneladas de sementes para serem distribuídas aos agricultores em 1994", conta Camargo, que se habituou a lidar com a terra muito cedo. Seu pai, Leocádio de Souza Camargo, foi quem trouxe e viabilizou o cultivo de morango no Brasil. "Ainda me lembro de vê-lo plantando mudas de morango no terreno onde hoje é o prédio novo do Instituto."
Leocádio foi um dos pesquisadores que, no IAC, se tornaram responsáveis pelo desenvolvimento agrícola do Estado de São Paulo. Nem todos se lembram disso, mas, em meados do século passado, a região não ostentava grandes plantações de cana, algodão, frutas. As plantas que se vêem hoje foram criadas principalmente pelo IAC. Desde que foi fundado, em 1887, o Instituto já lançou mais de 350 novas variedades das mais diferentes culturas. Nos primeiros anos, a grande estrela era o café. Foram inúmeras as variedades lançadas e praticamente todas desenvolvidas sob os cuidados do agrônomo Alcides Carvalho, verdadeiro operário da Genética, respeitado em todo o mundo pelo que sabe sobre o café.
 Algumas de suas criações atravessaram as fronteiras do país. Cerca de 90% da área cultivada de café na Costa Rica, por exemplo, é coberta pelas variedades chamadas caturra-vermelho e catuaí. Alcides Carvalho ingressou no IAC em 1934. Apesar de aposentado, sua cadeira ainda permanece na sala que ocupou na Seção de Genética. Por suas mãos também passaram o icatu-ver-melho e o icatu-amarelo, a mais recen-te variedade de café, lançada no final do ano passado. Sua grande vantagem é a resistência à ferrugem, doença que dizimou cafezais em 1970 e continua a fazer estragos até hoje. Mas o trabalho ainda não terminou. "A planta é de porte alto, o que dificulta e encarece a colheita. Os pesquisadores buscam agora uma de porte mais baixo", explica Luiz Carlos Fazuoli, che-- fe da Seção de Genética.
Tão importante quanto as pesquisas com o café foi o trabalho do IAC com o algodão. Em 1929, a grande crise econômica mundial jogou o preço do café ao chão. Mas o Instituto não foi pego de surpresa. Em 1924, montou a Seção de Algodão, onde o maranhense Raimundo Cruz Martins empenhou-se em elevar o algodoeiro à altura de seu grande valor econômico. Ele saiu andando pelo país à cata de variedades que já haviam sido introduzidas, sem sucesso, por ingleses e americanos. 

Encontrou mais de setenta e escolheu as três mais bem adaptadas às condições de São Paulo. A primeira planta genuinamente nacional surgiu em 1927. "Até hoje já lançamos vinte variedades e estamos a caminho da vigésima primeira, que dê um fio com fibras mais finas e em maior número, porque essa é a demanda do mercado", explica o agrônomo Popílio Angelo Cavaleri, um senhor grisalho e falante que começou seu trabalho no Instituto em 1947.
Depois do café e do algodão, a grande vitória seguinte foi adaptar as frutas de clima frio e temperado às condições de cultivo no Brasil. Uvas, ameixas, figos, maçãs, morangos e caquis que raramente seriam saboreadas no Brasil, não fosse o trabalho realizado no IAC. Um bom exemplo é o pêssego, que começou a ser estudado na década de 60. Era difícil imaginar um pessegueiro florescendo em terras paulistas. A árvore precisa de um choque térmico para florescer e frutificar, coisa difícil de encontrar no clima da região. Os cientistas do IAC foram buscar na sua coleção de mudas, chamada banco de germoplasma, as que precisavam de um choque menor. Realizando sucessivos cruzamentos entre elas, chegaram às variedades adaptadas à temperatura da região.
A grande musa atual das frutas no IAC é a laranja. O geneticista Herculano Medina Filho conseguiu o que as experiências já realizadas mostravam ser impossível: cruzar plantas de espécies diferentes. Uma delas foi a Citrus sunki e a outra a Severina buxifolia. O objetivo era obter porta-enxerto - base onde uma muda é enxertada - resistente ao declínio, mal que atinge os laranjais. Para ven--cer o racismo vegetal e conseguir o cruzamento, Medina enganou a planta. 
A flor da laranjeira é composta de uma parte masculina - a antera - onde fica o pólen e uma feminina - o estigma. Na superfície deste último há uma substância, chamada fluido estigmático, que, quando recebe o pólen de uma flor da mesma espécie, ajuda a levá-lo para dentro e facilita a fecundação. Se o pólen que cair for de espécie diferente, ele trancafia as portas. O que Medina fez foi retirar o fluido do estigma da flor de sunki e colocar no seu lugar o fluido da buxifolia. Quando seu pólen caiu no estigma da sunki, o fluido o reconheceu e deixou entrar, acontecendo a fecundação. "Qualquer dia, Deus vai reclamar das nossas intromissões", brinca Medina com ares de homem do campo. As divindades não se manifestaram, mas os americanos, que vêm há tempos tentando fazer a proe--za - sem sucesso - estão atentos à experiência campineira. "Ontem, um dos pesquisadores dos Estados Unidos ligou para saber se a planta está bem", comenta, satisfeito. 
Praticamente, todo o trabalho com laranjas é realizado na Estação Experimental Sílvio Moreira, em Cordeirópolis, onde foi criado no ano passado o Laboratório de Biotecnologia em Citrus, com recursos fornecidos por empresas particulares-. Tanto investimento nessa área não espanta. Em 1992, só em São Paulo havia 170 milhões de plantas cítricas e quinze indústrias de sucos. O projeto mais avançado é o que visa criar pequenas mudas, as borbulhas, para serem fornecidas ao agricultor (SUPERINTERESSANTE nú-me-ro 8, ano 6)). 
Outro programa importante: obter híbridos somáticos. É uma forma de criar uma planta diferente das que lhe deram origem, mas sem fazer cruzamento. Isso mesmo. O truque é feito com células de alta capacidade de regeneração, como aquelas da membrana que envolve a semente. Quando são colocados em contato, num caldo de cultura especial, as células se fundem e dão origem a um híbrido. Ou seja, novas células que se tranformam numa muda que pode ser plantada.
"Vai levar cerca de seis anos até podermos apresentar um híbrido de boa qualidade", diz Marcos Antônio Machado, chefe do Laboratório. A micropropagação é como o milagre da multiplicação dos pães: uma planta se transforma em várias. Pedaços de cerca de 1 centímetro, extraídos de ramos jovens da planta, se desenvolvem em hormônios que induzem à brotação. A micropropagação é usada principalmente para conseguir porta-enxertos resistentes a doenças.
A biotecnologia convive com técnicas simples no Instituto. O agrônomo José Roberto Caran, da Seção de Virologia, criou um método que possibilita ao próprio produtor de batata obter sua batata-semente, o tubérculo livre de doenças que será plantado. Este método, chamado cova/pré-plantio, é uma grande vantagem para o agricultor porque o custo da batata-semente engole cerca de 50% do custo de produção. Na hora da colheita, alguns pés são escolhidos. Seus tubérculos são embalados separadamente em saquinhos, pé a pé, numerados, e vão para um armazém. De cada pacote retira-se um tubérculo ou dois, também numerados de acordo com a planta de origem. Eles são plantados e, para brotar mais rápido, é usado o gás bissulfureto de carbono. Se, ao crescer, a planta não apresentar nenhuma doença, significa que os demais tubér-culos do saquinho de onde ela foi retirada também estão sadios.

Enquanto os ecologistas brigam contra o extrativismo que acaba com o palmito nativo das matas, o IAC arrumou uma solução: o palmito de cana. Normalmente relegada ao lixo ou como alimentação animal, a ponta do pé de cana pode fornecer um palmito praticamente com o mesmo sabor, textura e valor protéico que a planta original. Utilizando apenas 1% do pé de cana, é possível obter 483 quilos de palmito por hectare plantado.
Já dizia o explorador português Pero Vaz de Caminha (1450-1500) que nesta terra - o Brasil - em se plantando tudo dá. São Paulo não decepcionou, mas, ao contrário do que imaginava Caminha, não bastou jogar a semente. O trabalho foi árduo. O Instituto Agronômico de Campinas deixou sua marca em cada sucesso agrícola. Mesmo que isso não chegasse a ser percebido pelo consumidor. Popílio Angelo Cavaleri, da Seção de Algodão, diz: "Há quem pense que as frutas nascem na banca da feira e o algodão no fardo. Mas para que esses produtos chegassem até os consumidores houve uma his-tória longa e muito trabalho".

Solução com bola de gude

As plantas só crescem bem se tiverem fósforo à disposição no solo. Avaliar se há fósforo suficiente não é fácil e os técnicos tentaram resolver o problema por meio de uma resina sintética em forma de esferas de 5 milímetros de diâmetro. Dotada de carga elétrica positiva, ela atrai o fosfato, que tem carga elétrica negativa. Mais tarde, as esferas seriam coletadas para que se medisse o fosfato absorvido. A dificuldade era moer a terra de modo que as esferas pudessem ser facilmente recuperadas. Parece detalhe. Mas, quando se pensa na quantidade de amostras de terra que tem de ser moída e peneirada diariamente nos laboratórios de análise, dá para entender por que isso inviabilizou a técnica em muitos lugares. No IAC, coloca-se a amostra de solo em um frasco junto com bolas de gude: ao serem agitadas, elas moem a terra. A solução é tão eficiente que pesquisadores da África do Sul decidiram importá-la. O trabalho foi desenvolvido na Seção de Fertilidade do Solo e Nutrição de Plantas, que presta importante atendimento aos agricultores. "Recebemos mais de 15 000 amostras por ano", explica Bernardo van Raij, ex-chefe da Seção. "Verificamos se faltam nutrientes, se a adubação é correta e checamos a acidez ideal do solo para determinada cultura." 


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